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[Conto] O Bandeirante

O Bandeirante



“Brandiram achas e empurraram quilhas,
vergando a vertical de Tordesilhas”.
Guilherme de Almeida





Comparando com os outros bandeiras, não faço muito o mérito para tal titulo, dizem as más línguas que possuo uma demasiada preguiça e desanimo quando meu senhor vem as pressas gritando meu nome, "Miguel Barbosa!", me chamando para missões de caça a negros fugitivos ou mesmo captura de índios. Porém quando o assunto envolve muito dinheiro, eu deixo tudo isso de lado e faço com o maior prazer. Meu senhor seu Daniel Gouveia, é quem financia todas as minhas expedições, dando sempre importância para a procura de ouro e outras pedras preciosas. Apesar de ser bastante ganâncioso, é um homem de bom coração, ele cedeu um pedaço de suas terras para que meus homens e eu tivéssemos um lugar para morar. Meu grupo de cabos são homens bem treinados e preparados para qualquer missão, todos com uma grande vontade de provar seu valor.
Meu senhor começou a ter grandes problemas, quando ao ampliar suas terras, destruiu sem o menor respeito, uma clareira na floresta, que acreditamos ser um local sagrado para os índios, devido a uma grande estátua de uma gigantesca onça, com um homem montado em cima, empunhando arco e flecha. Ao redor da clareira encontramos restos de ossos tanto de animais quanto humanos, além de marcas de sangue recentes no solo. Isso culminou na irá dos índios, que começaram a matar os animais da fazenda e raptar escravos a noite, afim de acabar com isso de uma vez por todas, seu Daniel ordenou que meus homens e eu partissem o quanto para captura-los, antes que houve mais perdas.
Com meus homens e alguns índios aliados, parti seguindo o caminho indicado pelo meu senhor. Olhei bem para a serra do mar, sabendo que em algum lugar daquela cadeia de montanhas, teria que passar por grandes perigos e provações. O grupo de índios que nos acompanhava, foi indo a frente, seguindo os rastros da tribo desconhecida.
Em nosso primeiro dia, tive como maior preocupação os insetos, cada vez mais que adentrava na mata, sentia como se surgissem mais mosquitos, já estava acostumado com aquilo, mas quando um de meus homens foi picado por uma aranha e em poucos segundos desfaleceu, redobrei a preocupação, não podia perder homens por causa de um descuido como esse. Mas este não era o único problema que poderia ter, as doenças também era um medo que tomava meus pensamentos. Conforme fomos ganhando a serra, começaram a ter os problemas que todo bandeirante tem ao tentar atravessa-la. O caminho era cheio de tijucos, sempre subindo um grande pedaço de terra, para depois descer novamente e rios e caudas de águas congelantes como desafios.
No segundo dia, além de tudo que havíamos passado ontem, com três cabos que acabaram se ferindo gravemente e tiveram que retornar a fazendo, começamos a enfrentar os grande desafios da serra, corredeiras, quedas d´agua e formações rochosas. Os índios também tiveram perdas, principalmente graças as armadilhas espalhadas pela mata, conforme perceberem que as armadilhas foram aumentando, indicaram que estávamos se aproximando da aldeia indígena.
Ao final da tarde, um dos índios sugeriu que alguns de sua tribo se espalhassem a procura da aldeia, por acreditarem que não estavam muito longe, com meu consentimento, partiram. Horas mais tarde, quando o sol ameaçou desaparecer do céu, retornaram com boas notícias, haviam encontrado a aldeia. Emocionado, senti a adrenalina correr pelo meu corpo, gritei como um urso bravo. Os cabos aprontaram suas armas e os índios prepararam seus arcos, com todos prontos partimos silenciosos para o destino final.
Quando nos aproximamos da aldeia, ficamos observando a tribo, um dos índios que veio junto com a expedição, indicou que aquele povo era os Tupinambás, os guerreiros canibais. Deveríamos então tomar cuidado com essa tribo, era a mais violenta e hostil de todas, porém aqueles homens não aparentavam tal fama, estavam muito magros e aparentavam cansaço, como se tivessem passado por uma tremenda provação. Eu percebi que as mulheres estavam todas juntas, em volta de uma especifica, esta era branca e possuía longos cabelos negros, sabendo dos rituais de canibalismo, ordenei que meus homens se preparassem para o ataque.
Posicionei meu bando ao redor da aldeia, tomamos cuidado para não sermos vistos, ao meu comando atacamos os desprevenidos índios, que apesar de resistirem bravamente, ou acabaram morrendo ou imobilizados. Com a aldeia conquistada, pegamos cordas e amarramos os prisioneiros, levando-os para tendas, onde foram devidamente trancados. Percebi algo estranho enquanto encaminhava o bando de mulheres, a única mulher branca não estava entre elas, tive fé em Deus que não estivesse entre os mortos.
Meu maior desejo era partir porém os cabos estavam exaustos, cedi ao seus pedidos e ordenei que ficaríamos apenas o bastante para comer e dormir, e partiríamos para São Paulo ao nascer do sol.
Vasculhando a aldeia, encontramos jóias, pedras preciosas e alguns ossos humanos. Não havíamos ganhado apenas a batalha, mas dinheiro adicional ao que iríamos ganhar com nosso retorno. Comemos e bebemos até o anoitecer, reunidos cantando e comemorando em volta de uma grande fogueira, até cada um se recolher em sua tenda e adormecer profundamente.
Gritos me acordaram, desesperado deixei minha tenda pegando minha arma no caminho. Observei meus homens atirando em alguém, um grupo se aproximou, entre eles Ruan, branco como cera.
— O que houve? — perguntei.
— Os prisioneiros fugiram senhor.
Urrei de raiva, malditos sejam aqueles índios. Reuni meus homens e parti para a batalha, quando chegamos, observamos um bando de onças adentrando a aldeia, elas atacaram ferozmente os cabos na frente da batalha. Eu sabia que havia algo de errado, os olhos dos animais brilharam como se queimassem como brasas, chamas de puro ódio.
— Kanaima! — berrou um dos cabos.
Pude sentir o frio subir pela espinha ao ouvir aquele nome, lembrei da lendas sobre os índios canibais que possuídos por um espírito de onça, transformavam-se nelas. Sem saber o que fazer ou para onde correr, alguns atiraram ou saíram correndo, sabendo que já estavam mortos, não pensei duas vezes, deixei a aldeia o mais rápido possível.
Era impossível distinguir o som dos meus passos e as batidas do meu coração, um duelo para mensurar quem batia mais rápido. Atravessei pela escuridão as árvores antes inofensivas, agora com formas medonhas e diabólicas. O som das patas dos animais era escutado em todos os lados, fiquei na dúvida se seria realmente algumas daquelas onças do inferno ou mesmo um dos cabos sobreviventes, se é que houvesse sobrado algum. Apesar da dor tremenda que abatera minhas pernas, não exitei segundo algum, quero sair vivo custe o que custar! Minhas esperanças haviam sumido, eu sabia que não demoraria para meus carrascos virem me buscar. Como uma criança travessa que brinca entre árvores, atrapalhei-me caindo de cabeça no chão. Desorientado levantei, segui cambaleando até me segurar em uma árvore, com a cabeça no lugar, percebi o luar refletido em uma superfície lisa. Um lago. Não podia ficar mais parado ali, tinha que correr, porém algo se moveu na água, olhei apreensivo, mas o medo passou quando encontrei apenas a única mulher branca que vira na aldeia. Ela se banhava nas águas, cantando distraidamente, sem saber da matança que estava acontecendo, quando percebeu minha presença, nada fez e voltou sorridente a seus afazeres. Não sei como aconteceu, mas meus pés me puxaram até ela, que graciosamente abriu os braços convidativos. A linda jovem acariciou meu cabelo e continuou ainda cantarolando, uma música bela e harmoniosa.
Acordei do transe hipnótico, perplexo por não ter percebido a lustrosa cauda prateada da moça e seus longos cabelos não mais negros como a noite sem luar, mas agora dourados como se banhados pelo sol, toda beleza escondida por um rosto angelical. A charmosa sereia, a mãe dourada como eu conhecia tão bem pelas lendas, com uma força absurda me arrastou para dentro das águas, ainda cantando sua melodia mortal, seus olhos me observaram enquanto eu pronunciava uma única palavra antes da gélida água inundar meus pulmões.
— Iara...


Conto publicado na antologia, "Tratado Secreto de Magia", Editora Andross.
Autor: Raphael Redfield
 

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