E essa época dos anos 70. Qual é a graça. O que esses hippies querem na minha opinião. Hippies, o que vocês querem. Obrigado.
Top 10 dos Anos 70
01. PROFISSÃO: REPÓRTER (Michelangelo Antonioni, 1975)
Deus (aka Antonioni) dirigiu esse. Deve ter se divertido, tendo enganado os estúdios como ele fez, prometendo um filme de suspense e espionagem, estilo thriller paranóico que era pop nos anos 70, mas apenas usando a premissa como um ponto de partida para tocar em questões filosóficas (como Identidade). Eu vi esse no cinema, e meu deus, ver Antonioni na tela grande é uma experiência extremamente memorável: os desertos de amarelo e azul; Jack Nicholson na melhor performance da sua carreira, sutil e irritada e insegura; Maria Schneider em pé em cima de um conversível, abrindo os braços enquanto Nicholson dirige em alta velocidade por um bosque; o final, o melhor plano de todos os tempos (talvez), com 7 minutos de duração, mágico. O filme é tenso, envolvente, confuso, incerto, íntimo e épico; é o Antonioni encontrando aquela incerteza da vida, difícil de expressar, o Desconhecido, e colocando ele na tela, como ele costuma fazer.
02. LUCIFER RISING (Kenneth Anger, 1972)
Um curta de meia hora sobre um ritual místico e mítico sobre deuses egípicios, feito por um cineasta que obviamente toma alucinógenos e que tem um papel pequeno e uma trilha composta por um rapaz condenado à morte por ser um serial-killer: soa exatamente como o meu tipo de filme, não? Pois é, eles acertaram a mão. As imagens são lindas, icônicas, mágicas, filmadas como pinturas, com montagem rítmica e revolucionária (que supostamente influenciou a MTV). O melhor de tudo é que, por mais que o ritual em si seja ocasionalmente assustador ou emocionante, o Anger sempre mantém o senso de humor e subversão, dando uma leve espetada no espectador, colocando um dos triângulos simbólicos em um dos cenários com um aviso escrito "trademark", e outras coisas do tipo. E esse serial-killer sabia compor umas trilhas fodas na minha opinião.
03. O SHOW DEVE CONTINUAR (Bob Fosse, 1979)
Na época em que os musicais morreram, o Sr. Bob Fosse nos deu esperanças. Ele nos deu dois: o primeiro foi o ótimo "Cabaret" e o segundo foi um filme auto-indulgente, auto-congratulatório, egocêntrico, glamourizando a vida de um cara que era obviamente uma pessoa muito problemática (essa pessoa sendo o próprio Bob Fosse). Disso saiu sua obra-prima, esse filme inacreditávelmente foda, emocionante, que eu por acaso vi duas vezes seguidas quando o descobri. Um dos momentos mais mágicos que eu já vi: a apresentação musical que a filha e a namorada de Bob Fosse fazem pra ele como presente de aniversário. Nada como um bom musical pra animar os espíritos na minha opinião.
04. DIAS DE PARAÍSO (Terrence Malick, 1978)
Mr. Malick, com o estilo pessoal já à todo vapor, cria uma mistura fantástica. Ele utiliza um estilo documentário, com camera tremida, atuações naturalistas, rítimo vago e imprevisível, e o mistura com um liricismo e poesia visual. É como assistir um daqueles documentários do National Geographic onde, de vez em quando, há uma imagem imagem linda e memorável, pega por acidente, que fica gravada na sua cabeça. Só que aqui o filme todo é assim. Ele mistifica o Sul dos EUA do passado, com imagens como pinturas bucólicas, e coloca uma narração da Linda Manz que -- como o estilo do filme em si -- mistura um realismo de "Querido diário" com uma poesia "não-intencional". Btw, lembra quando te disseram que o Richard Gere sabia atuar? Pois é, foi aqui.
05. ESPANTALHO (Jerry Schatzberg, 1973)
O típico filme de buddies dos anos 70, e também o típico filme de Estrada dos anos 70. Isso não me animava muito, sem falar que o filme raramente era mencionado entre os clássicos e memoráveis da época. Eu arrisquei por causa da dupla de atores (Pacino e Hackman) que conseguiriam fazer qualquer filme do Uwe Boll tragável. Imagine o meu espanto quando os primeiros 5 minutos do filme atingem níveis de perfeição que deixam 99% dos filmes da década comendo lixo nuclear: os personagens de Hackman e Pacino, ambos parecendo ligeiramente desorientados, esperando em lados opostos de uma estrada no deserto, enquanto a camera flutua pela estrada, pegando todos os tipos de detalhes dos dois lados. Wow. É claro, o filme baixa o nível pelo resto da duração, mas ainda é cheio de momentos graciosos, hilários, desesperadores -- Hackman viajando de trem à noite, gritando pela janela e mandando o mundo se foder -- e (típicamente anos 70) deprimentes.
06. CADA UM VIVE COMO QUER (Bob Rafelson, 1970)
Demorou um dia todo pra descobrir qual a é graça desse aqui. Ele é bem envolvente e ocasionalmente tocante pela duração toda, mas não era nada espetacular como eu havia esperado. Parecia, como o "Espantalho" acima, um típico filme dos anos 70 (também seguindo levemente as convenções do road movie). Mas do momento que ele acabou, até o momento que eu fui dormir (umas 8 horas se passando), o filme aos poucos foi me fisgando. Era como se eu fosse (me permitam) um peixe mordendo a isca mas nem sentido o gancho entrando, até que o pescador (nesse caso, o Sr. Rafelson + minha memória) começaram a puxar com força. Aí doeu. É uma história de alienação, o personagem do Nicholson sendo a versão de Meia-Idade da Enid de "Mundo Cão" e do Holden de "Um Apanhador no Campo de Centeio". Ele não se encaixa em lugar algum, preso entre duas classes sociais (os caipiras e os intelectuais), sem lugar pra si mesmo. Pra onde ele foi? Ele vai ficar bem? OMFG, etc.
07. TERRA DE NINGUÉM (Terrence Malick, 1973)
Sim, o Terrence Malick é o Rei dos Anos 70. Obrigado. Nesse, o estilo dele não está completamente formado, mas é fascinante ver ele se originando e aparecendo sutilmente: a mesma mistura de "documentário" e "poesia" que eu mencionei acima aparece aqui, em doses menores, mas significativas. Martin Sheen dá uma das atuações mais fodas que eu já vi, a Sissy Spacek como adolescente é o equivalente da Linda Manz em "Paraíso", estranha e adorável ao mesmo tempo, também dando a sua narração no estilo "Querido Diário". As mortes pela dupla estilo-"Bonnie & Clyde" são perturbadoras, mas tratadas com indiferença, do mesmo jeito que os personagens tentam ignorá-las, fingindo ser apenas uma conveniência. Por que eles agem assim? Alienação? Insatisfação? O Kit quer ser famoso, uma lenda; a Holly quer ir pra um lugar lendário, uma terra mágica onde nada de ruim acontece, e ficar lá pra sempre.
08. TUBARÃO (Steven Spielberg, 1975)
"Here's to swimmin' with bow-legged women." - Quint.
09. O ESPELHO (Andrei Tarkovsky, 1975)
Lembra daquela cena que o garoto entra num quarto e vê as impressões digitais frescas de mão de alguém na mesa, sendo que isso é bizarro já que não tinha ninguém lá, e ele só vê o suficiente pra notar as digitais lentamente desaparecendo, como elas costumam fazer, e o impacto é tão sútil que até é ampliado quando você percebe o quanto a coisa é terrívelmente assustadora? Pois é. Um dos mais significativos dos filmes de "fodeção de memórias" -- Resnais, "Amnésia", "Brilho Eterno", etc -- e totalmente Transcendental (como é geralmente o caso com o Tarky).
10. O FRANCO ATIRADOR (Michael Cimino, 1979)
Melhor filme de guerra já feito? Possivelmente. É meio que um filme do Altman, se o Altman tivesse passado dois anos sendo estuprado e torturado por Vietcongs e depois sendo estuprado e torturado pelo Nixon, e depois sendo estuprado e torturado pelos pais e avós, e depois sendo estuprado e torturado por um veado. É foda. Foi um dos poucos (único?) filmes de guerra que conseguiu me deixar com aquela sensação no final, aquela sensação de indignação e raiva e ódio contra qualquer um que propõe guerra como uma solução. Pessoas arruinadas, famílias arruinadas, o trauma, a paz que eles não vão poder ter de volta. Eu só vi uma vez, a uns 2 anos atrás, e praticamente nada dele desgrudou da minha mente. Além disso, roleta russa é doentio. Parem de brincar com isso. Obrigado.
PS: Viu, não é tão difícil comentar. Só requer aquela combinação essencial: força de vontade + falta do que fazer.