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Coletânea de contos do Nabokov

Re: Lançamentos 2013

Como esse aqui virou o point dos Contos Completos do Nabokov, deixo-lhes um post do Ivo Barroso sobre o livro recém-lançado. Tem uma parte da postagem que eu coloquei em spoiler pois é somente pr'aqueles que já leram o As Irmãs Vane. Se você nunca leu, PELAMORDEBAHAMUT não abra o spoiler.

OS CONTOS DE NABOKOV
(ou Nabokov em ótima versão brasileira)

No princípio deste ano, o grupo ultraconservador Cossacos de São Petersburgo atacou a sede do museu Nabokov, na rua Bolshaya Morskaya, 47, naquela cidade, pichando uma das paredes com a palavra “pedófilo”. O museu, inaugurado em 1998, funciona na casa em que nasceu o escritor cerca de um século antes e onde ele viveu até 1917, quando se exilou com a família após a Revolução de Outubro. O protesto visava ao romance Lolita, em que Nabokov descreve a paixão de um professor quarentão por sua enteada, uma menina de 12 anos, livro que lhe trouxe fama mundial e lhe permitiu libertar-se de suas atividades universitárias para se dedicar exclusivamente à literatura. Enriquecido, o escritor foi viver com a mulher Vera e seu filho único, Dmitri, no 4º andar do hotel Montreaux Palace, na Suíça, onde faleceu em 1977.

Perfeitamente trilingue (russo, inglês e francês), ele já havia publicado cerca de dez novelas em russo quando chegou em 1940 aos Estados Unidos, empreendendo aí uma carreira de professor e conferencista no Wellesley College e nas universidades de Cambridge e Cornell, ao mesmo tempo em que desenvolvia seus estudos e paixão pela lepidopterologia. Seu primeiro livro escrito em inglês foi A verdadeira vida de Sebastian Knight (1941), em que já revelava as características literárias que o distinguiriam pouco depois como um dos maiores estilistas da língua inglesa.

Essas qualidades se evidenciaram no grande escândalo literário que foi Lolita (1955), livro que começa com uma espécie de poema aliterativo, verdadeiro inferno de frustrações para os tradutores de todo o mundo: “Lolita, light of my life, fire of my loins. My sin, my soul. Lo-lee-ta: the tip of the tongue taking a trip of three steps down the palate to tap, at three, on the teeth. Lo. Lee. Ta.” Acusado desde o princípio de ter escrito um romance pornográfico e indutor à pedofilia – acusações que vêm recrudescendo agora como demonstra o pichamento do museu de São Petersburgo – Nabokov sempre se defendeu alegando que o personagem do romance, Humbert Humbert, é de fato um mau caráter, a quem ele, autor, denuncia no livro por suas atividades ilícitas e o condena à morte na prisão. Abstraindo-se julgamentos de ordem comportamental, não há como negar a capacidade descritiva do autor em analisar os meandros de uma personalidade doentia invadida por uma paixão avassaladora.

Seu livro seguinte, Fogo pálido (1962), apresenta o ineditismo de ser um romance policial extraído da análise de um poema, uma espécie de transposição factual de sugestões meramente esboçadas pelo jogo sonoro-vocabular da poesia. Originalidade que se prolonga em Ada ou o Ardor (1969), seu livro mais longo e abrangente, ao qual Nabokov consagrou um tempo maior de elaboração. Em todos eles, no entanto, o leitor fica fascinado com a complexidade de seus enredos, a sutileza de seus jogos de palavras, suas imbricações linguísticas e a microscopia de sua capacidade de observador. Amante de enigmas, palavras cruzadas, xadrez, adivinhas, acrósticos e trocadilhos, o texto de Nabokov se distingue pela busca obcecada de um vocabulário preciso e funcionalmente multiplicativo trazendo às suas descrições a impressão de que as lemos sob a mesma lupa com que ele estudava as entranhas de suas borboletas.

Autor de centenas de poemas, de dezoito romances, de um livro de memórias, inúmeras cartas a escritores e editores e de elaboradas traduções, Nabokov ainda escreveu ao longo de sua vida quase uma centena de contos, 68 dos quais chegam agora ao público brasileiro numa compacta edição da Alfaguara, através do profissionalismo tradutório de José Rubens Siqueira. Boa parte deles foi publicada ainda em vida do autor, cabendo a seu filho Dmitri, igualmente poliglota e exaustivo tradutor da obra do pai, selecionar mais treze dos que se achavam sob a rubrica “raspa do tacho”, referindo-se isto não à sua qualidade, mas ao fato de que eram no momento os únicos dignos de publicação. Tais contos encontraram em Siqueira o que se poderia designar de tradutor integral, aquele que não deixa nenhuma palavra sem tradução, que busca não equivalências mas o mot just, a palavra exata para transpor a calidoscópica riqueza vocabular de Nabokov, sem perder com isto a naturalidade da frase, a precisão de seu significado e a preciosa cadência de seus tons. Em contos, como por exemplo, A primeira namorada, Nabokov descreve a viagem ferroviária que fez quando criança, em férias, de Moscou a Biarritz, e as suas observações visuais do deslocamento para cima e para baixo das linhas telegráficas que bailavam, através da janela, ao ritmo dos movimentos do trem; o leitor fica maravilhado com os efeitos sinestésicos do original e a capacidade do tradutor em reproduzi-los.

Essa capacidade se evidencia no arqui-notório As Irmãs Vane, em que Nabokov usa (e abusa) de trocadilhos e acrósticos. O conto tem uma espécie de overture mozartiana, toda delicadeza e acordes mágicos, em que o narrador descreve os pingentes de gelo (estalactites) que se formam nas calhas do telhado de uma casa de madeira e a sombra alongada de um parquímetro sobre a qual incide um estranho tom avermelhado. É em meio dessas divagações que ele encontra seu colega-professor D. que tem um caso com Sybil, uma das irmãs Vane, enquanto o narrador, por sua vez, irá se relacionar com a outra irmã, de nome Cynthia. Obrigada a renunciar à sua ligação com D., Sybil, acaba suicidando-se, após deixar um bilhete ambíguo, e Cynthia, que era chegada ao espiritismo, tenta comunicar-se com ela, acabando por morrer de um ataque cardíaco depois de manter um curto affaire com o narrador. Este acha que ela lhe mandará uma mensagem de além-túmulo. Embora fosse impossível, na tradução, reproduzir o trocadilho inglês do bilhete de Sybil (D minus e minus D.) em que o nome do personagem se confunde com a notação musical Ré, e a expressão minus possa significar tanto maior como menos, a solução apresentada pelo tradutor preserva no entanto o substrato da narrativa (“a Morte não era melhor que D menos, mas era definitivamente melhor que a Vida menos D”.) Mas onde a perspicácia e a pertinácia do tradutor fica mais à prova é no famoso epílogo em que Nabakov, depois de aludir a uma novela inglesa (sem mencionar diretamente O Retrato de Dorian Gray, cuja personagem feminina se chama Sybil Vane, como em seu conto), deixa a entender que nela, em seu parágrafo final, há uma mensagem oculta representada pela primeira letra de cada palavra. O leitor corre logo para o livro de Wilde, mas nada encontra. Só depois percebe que tal mensagem existe sim, mas no último parágrafo do próprio conto As Irmãs Vane — Icicles by Cynthia Meter from me Sybil –, que o tradutor conseguiu reproduzir em Estalactites de minha irmã Parquímetro meu Sybil.

Creio que o reconhecimento de um excepcional trabalho de tradução é a melhor recomendação que se possa fazer de um grande livro.

FONTE: http://gavetadoivo.wordpress.com/2013/06/17/os-contos-de-nabokov/
 
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Re: Lançamentos 2013

Como esse aqui virou o point dos Contos Completos do Nabokov, deixo-lhes um post do Ivo Barroso sobre o livro recém-lançado. Tem uma parte da postagem que eu coloquei em spoiler pois é somente pr'aqueles que já leram o As Irmãs Vane. Se você nunca leu, PELAMORDEBAHAMUT não leia.

como já comentei antes, achei melhor a tradução das irmãs vane feita na revista arte&letra: estórias H dq a do livro perfeição da cia das letras, principalmente do parágrafo-chave do conto.
 

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