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Cinco Livros Favoritos com Indu [2.0]

Melian

Período composto por insubordinação.
A segunda lista do Indu veio para quebrar tudo. Para quem ainda não viu a primeira, é só conferir, aqui. Achei engraçado ele ter se desculpado com os colegas de fórum pelos textos longos, porque foi uma das melhores coisas sobre a listinha dele. Só perde para o fato de ela ter Dostoiévski, e Shakespeare, e Sartre... tá, cês sabem que quase morri de felicidade foi quando vi Machado na lista! Acho que não preciso me estender na apresentação, porque a lista fala por si. Mas, antes que vocês partam para a apreciação dos cinco livros favoritos do Indu, preciso dizer uma coisa: gostei, muito, do comentário que ele fez sobre uma lista não anular a outra, porque é o que já havíamos comentado: os livros que foram escolhidos da primeira vez, naquele contexto, foram importantes, e fazem parte da história de quem optou por selecioná-los. Gostei, também, de, apesar do momento atual por que passa o país, e o mundo, a gente ainda conseguir ter esperança, o que se pode depreender da fala do Indu de que, quem sabe, em alguns anos, ele faça uma terceira lista?

Ah, uma coisa: como o Indu disse, no texto inicial, que a ordem dos livros não seguia critério de preferência, alterei o trequinho. Por isso, Dom Casmurro, que estava no fim da lista, veio para o início. 🤭

Desculpem-me pelos textos longos, mas acho que os livros pediam certa profundidade. Confesso que a listinha ficou com um clima meio pesado, e, por mais que eu queira, não encontro uma boa justificativa para isso. Talvez seja pelo clima atual, que intensifica a minha tendência a ver o pior lado das coisas. Por contar com poucas fantasias, a lista ficou mais pé no chão, abordando temas mais cotidianos e algumas tensões existentes. Não considerem a ordem apresentada, isso é apenas uma formalidade. Outra coisa: a nova lista não invalida a antiga. Acho importante ressaltar isso porque tenho grande apreço por aqueles livros que listei há alguns anos, e pensar que essa nova lista substitua a antiga, me incomoda um pouco. Não, não existe substituição, mas, sim, uma continuação. São praticamente os meus 10 livros favoritos, e, quem sabe, daqui a alguns anos, meus 15? Sinto, no fundo, uma traição, pela lista não ter Tolkien. Mas acho que falar de Tolkien, aqui, ficou um pouco repetitivo, não de uma forma ruim, só um pouco redundante.
Obrigado.

1. Dom Casmurro - Machado de Assis

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Se não tiver outro daqui até o fim, vai este mesmo.

Machado de Assis dispensa apresentações. Dom Casmurro é um daqueles livros que nos fazem ler na escola. E mandar um adolescente, no auge da sua rebeldia, ler algo por obrigação, é uma merda. E pedir para falar sobre a profundidade do Realismo a um cara que estava lendo Crônicas de Nárnia e Harry Potter é desonesto. Eu levei muito tempo para escrever esse trecho sobre Machado e esse livro, porque não sabia exatamente por onde começar, e o que desenvolver. Existe um tópico inteiro dedicado ao escritor, e ainda não é o bastante pra resumi-lo. E acho até bom que seja assim, pois sempre terá algo para falar. Gosto, muito, da Capitu, apesar de me identificar um pouco com Bentinho. A Capitu, desde cedo, mostra atrevimento. Ajuda Bentinho com um plano para salvá-lo da promessa de Dona Glória para fazer do filho padre. Ficamos nos perguntando como seu tempo no seminário e sua amizade com Escobar não ajudou em nada para que, no futuro, Bentinho se tornasse uma pessoa melhor? Característica muito forte da narração Machadiana é de criar instabilidade nos personagens. Como acontece, futuramente, com Bentinho e sua paranoia com a traição. O tom analítico do livro mostra as pretensões do protagonista de não se arrepender. O cara era paranoico, e consegue nos envolver a tal ponto, que começamos a pensar se ele, realmente, não tinha razão. A história de Bentinho tem um quê de irônica e desconfortável. Acredito que essa tonalidade da narrativa seja proposital, pautada numa crítica à burguesia carioca. É triste ver que, apesar de tudo que ele passou, permanece irredutível no seu pensamento e forma de ver as coisas, o que só piora com o avançar da idade. Enfim, é uma leitura ímpar.

2. A Rainha do Castelo de Ar - Stieg Larsson

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Do hospital para o tribunal.

Agora temos uma série que gostei muito. Foi um dos primeiros livros que peguei na biblioteca local para ler. E eu adoro ir em bibliotecas, e essa série foi o motivo da criação da minha carteirinha na biblioteca de Guarulhos. A Saga Millenium, da Lisbeth Salander tem um lugar especial no meu coração. Foi uma das últimas que tive paciência para ler. E, mesmo assim, só li o que foi escrito por Larsson. Eu gosto bastante do desenvolvimento que o Larsson dá para a Lisbeth. Os detalhes da ambientação (principalmente nos primeiros livros) são tão cuidadosos que fazem com que tenhamos vontade de viajar até a Suécia. Outra coisa que me atrai, muito, nessa saga são as inspirações: Larsson criou Lisbeth como forma de reparação para uma situação de seu passado. Uma injustiça com a Lisbeth verdadeira o motivou a criar a personagem, como meio de expor a cultura machista e opressiva do Leste Europeu.

O livro começa após o termino d'A menina que brincava com fogo. E eu gosto desses títulos que o Larsson dá. Passam uma impressão delicada da personagem, que, na maior parte das vezes, só mostra seu lado mais agressivo, mesmo que ela demonstre ter um lado fofo, vez ou outra. Aqui termina toda trama envolvendo o passado da jovem Lisbeth, e dá um rumo para seu relacionamento com Mikael. Lisbeth está num hospital, ferida, e se recuperando, enquanto a mídia sensacionalista bombardeia sua vida. Mikael usa de sua influência, e arrisca seu pescoço, na revista Millenium para ajudá-la.

A trama vai do hospital para os tribunais, onde se monta todo um esquema para silenciar, de uma vez por todas, Lisbeth. A audiência, de portas fechadas, vai virando e revirando o passado da menina Lisbeth. Sua família, pai, mãe, e irmã gêmea. Faz-se um tour pelos aspectos psicológicos que moldaram a personagem, e levaram-na a ser quem ela é. Isso, já conhecemos, de fato, ao longo do dois últimos livros. A vulnerabilidade da personagem me incomoda, bastante, e ver como ela trabalha isso é um aprendizado. O livro tem um desfecho bem bacana. Na época, sem a certeza da continuidade da série, havia certo receio de um final injusto para tudo o quê personagens e leitores passaram juntos.

Eu não sou muito fã de espionagem, ou pegada conspiratória (Arquivo X é meu máximo). Mas essa saga consegue equilibrar suspense policial com elementos de espionagem e conspiração governamental de um modo que não soa tão apelativo. Okay, se você considerar que um garota de vinte e pouco anos é uma hacker fodida e tem um passado abafado por uma organização secreta do governo. Até ai tudo, bem, né? Enfim, eu adoro a dinâmica da formação da dupla totalmente improvável.

3. Crime e Castigo - Fiódor Dostoiévski

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Mindhunter na Rússia

Difícil ver Dostô e não lembrar desse livro ou de Os Irmãos Karamazov. Mas acho a narração de Os Irmão Karamazov parecida com uma grande e detalhada fofoca, e, apesar de gostar muito de fofoca, esse livro não me atrai como Crime e Castigo, que li duas vezes; uma, morando em Santos, logo que comprei o livro, e me identifiquei mais com a primeira parte. Na segunda vez que o li, eu já morava em Guarulhos, e estava no curso de Marketing (curso que achei horroroso), e me perguntando o que eu estava fazendo lá. A segunda parte do livro foi melhor absorvida durante essa época. Comprei o livro numa feira de rua, em Santos. Era uma versão muito boa, da Editora Abril: capa em tecido vermelho, dividido em duas partes de, aproximadamente, trezentas páginas cada.

Dá para perceber uma violência latente no livro. Isso evidencia-se no protagonista, que discorre sobre crimes para um bem maior; evidencia-se, também, em toda a depravação que ronda os personagens. A primeira parte é propriamente sobre o crime, mesmo que ele só aconteça, efetivamente, por volta da página 100. Para chegarmos a esse ponto, existe toda a construção da visão de Raskólnikov. Mostra-se seu mundo miserável, sua pouca interação com as outras pessoas e o seu gênio indomável. É difícil viver ao lado de Raskólnikov, pois, apesar da sua inteligência, ele é irritante, e facilmente irritável, além de julgar e condenar, rapidamente. Logo, ele é um fodido, que vive na miséria. A essa miséria, ele atribui todos os males, e o fato de o seu potencial para a grandiosidade não ser atingido.

Eu gosto de como ele percebe as coisas a sua volta. É quase um clichê: "o assassino era frio e calculista". Personagens inteligentes me cativam, porque o mundo está cheio de gente burra. É bem elaborada toda a maquinação, minimamente pensada, por Raskólnikov, até chegar às machadadas em si. Se adotarmos a noção de que pessoas más merecem morrer, há um alívio moral ali, ou, pelo menos, eu sentia isso, na primeira vez que li Crime e Castigo. Mas o castigo às pessoas más precisa ser exclusivamente delas, e não se estender às pessoas a sua volta. Porém, não é isso que acontece, né? A irmã da agiota entra em cena viva e sai morta. Senti-me contemplado, porque eu morava sozinho em Santos, sem muitos amigos, e queria matar meu agiota. Brincadeira! Foi, sim, uma época de solidão, poucos amigos e muito trabalho. Foi fácil eu me identificar com o jovem Raskólnikov, seus pensamentos sobre as coisas que o rodeiam.

A segunda parte do livro se concentra no castigo, nos delírios advindos da culpa. Isso começa a ficar tão evidente que Rodion vira um suspeito. Seus amigos próximos e seu amor, Sonia, começam a criar uma certa pressão moral no jovem. Os ensaios da psicologia humana dentro do livro são muito bons. Por pensar muito, e em tudo, Raskólnikov começa a entrar em parafuso. A culpa do homicídio começa a consumi-lo, até que se chega ao desfecho. Da primeira vez que li, meu entendimento ficou nublado, mas da segunda vez, (por já conhecer Dostoiéviski), achei um pouco previsível. Além do apelo religioso, o livro fisga pela certeza do protagonista de que, por mais violento que fosse seu caminho, ele ainda poderia sentir alguma paz ou algum alívio se agarrando a algo maior. Crime e Castigo é simplesmente envolvente.

4. O muro - Jean-Paul Sartre

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Existencialismo do morre não morre nas mãos dos fascistas.

É uma coletânea de contos existencialistas de Sartre, com o primeiro deles nomeando o livro. Os contos abordam o existencialismo, uma das minhas correntes filosóficas favoritas. Trazer para a lista O Muro, ao invés de A Idade da Razão, foi uma decisão difícil. São minhas obras favoritas do Sartre, e diferente de O Ser e o Nada, que é mais objetivo, os outros são ficção, e conseguem, a meu ver, moldar e apresentar melhor o objetivo do filósofo. O Muro, Erostrato, A Intimidade, O Quarto e A Infância de um Chefe, abordam, de modo muito similar, os medos inquietantes dos indivíduos num mundo pré-Segunda Guerra. Os contos trazem uma aproximação entre a filosofia e a experiência humana e subjetiva da vida e suas tensões. Vivo num misto de amor e ódio pelo existencialismo. Amo-o por sua interpretação tão singular e subjetiva de nossos sentimentos, ao passo que também consigo odiá-lo por fomentar a corrente pós-moderna que agraciou todas essas bolhas sociais e suas incongruências.

Le Mur (original em francês) espreme a vida e a morte num muro, fonte da divisão de dois estados absolutos. O muro, no conto, é o local para a execução, onde um pelotão de fuzilamento irá abater os personagens. A partir da insensível perspectiva de Pablo, vamos explorando as diversas reações que são desencadeadas frete a uma situação de morte. Eu gosto dessa insensibilidade. Primeiro, a dor da perfuração de cada projétil; depois, o saudosismo dos vícios humanos, que se desdobram em bebedeiras e romances. Tudo isso desemboca na conclusão de que a vida é uma mentira.

Sartre tem uma participação especial na minha vida adulta, quando, de fato, eu me vi como uma pessoa formada, ou pelo menos criei a consciência dessa formação. O valor que damos a ninharias, ou amizades, e tudo isso frente ao que realmente podemos levar conosco. Até que ponto essas coisas são importantes? O conto caiu como um raio no meio dessa reflexão, fez-me entender e sentir as coisas de um modo mais desacreditado.

5. Romeu e Julieta - William Shakespeare

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Shakespeare escrevendo sobre família que se odeia, e juventude passional, é a receita da desgraça.

Precisava por Shakespeare na lista, e nada melhor do que um livro que eu leio quase todo ano. Confesso que existem livros do dramaturgo que considero melhores, como Sonhos numa Noite de Verão, ou A Megera Domada, mas o humor machista desse último é intragável. Engraçado que muitos podem não ter lido Romeu e Julieta, mas todo mundo conhece a historia, que virou um verdadeiro patrimônio. E existem várias formas de ser apresentado à história, mas os filmes é a melhor delas. Quem não se lembra de Romeu + Julieta ou de Gnomeu e Julieta? Pois bem, Romeu e Julieta é clássico do clássico, e leitura obrigatória. Se você que está aqui não leu a peça, ainda, corrija isso, e volte aqui depois.

No interior da Itália, existem duas famílias se matando. De um lado, estão os Montecchio; do outro, estão os Capuleto. Entre eles, surge um amor improvável. Seus filhos, Romeu e Julieta, se apaixonam. Essa paixão arrebatadora dura uns quatro dias, e morre tanta gente no meio dessa bagunça, que dificilmente eu chamaria a peça de historia de amor. Mas eu gosto de ver como essas atitudes precipitadas levam a um evento trágico. De um lado, o rapaz de 17 anos, que fica chorando para cima e para baixo por uma tal de Rosalina, que sequer dá as caras na história. Do outro, uma jovem de 13 anos, cujo pretendente é um riquinho da cidade, chamado Páris.

A peça se constitui de 5 atos, que se desenrolam num diálogo poético e bem característico. Sempre vou me arrepiar ao ler as últimas palavras de Romeu:

Braços, permiti-vos o último abraço.
E lábios, vós que sois a porta do hálito com um beijo legítimo selai este contrato com a morte exorbitante.


Impossível não se deixar levar.
 
Com textões em vez de textículos, vou deixar pra ler mais à noitinha, porque agora estou de home office, só dando uma passada rápida aqui. Já adianto dois palpites breves:

1) Que bom que não tem Tolkien;
2) Já li os números 1, 3 e 5: meu melhor aproveitamento até agora :timido:
 
Uma lista bem clássica.

Stieg Larsson ainda não li nada dele. Gostei da resenha. Parece ser bem interessante.

Quanto ao Sartre, até hoje infelizmente nunca uma obra dele passou na minha régua dos 20-25% iniciais pra fazer eu gostar e ler até o fim, mas quem sabe um dia...
 
Eu gostei de não ter Tolkien na lista. 🤗

Eu não botaria Tolkien na minha listinha, acho. Por mais que eu ame O Silma, não sei se ele teria peso o suficiente para figurar entre meus cinco livros favoritos. É um dos livros mais importantes da minha vida, porque é Ilúvatar em Arda e Melian no meu coração, mas, não sei.

Uma escolha que me surpreendeu foi a de Romeu e Julieta. Geralmente, as pessoas têm preferência por Macbeth*, Hamlet e Otelo. Gostei de a escolha ter sido a mais improvável.

Ah, sobre A Megera Domada, eu prefiro a novela — O Cravo e a Rosa :grinlove: — à peça. Na verdade, gosto mais do filme inspirado na peça — Dez coisas que eu odeio em você — do que dela, propriamente dita. Podem me julgar.

*Eu amo a pecha de peça maldita. :hihihi:

P.S.: Perdoem-me por não fazer um comentário mais elaborado e/ou por não ter postado a listinha mais cedo. Estou, desde ontem, com uma dor de cabeça insuportável, o que significa que não fiz nada do que pretendia fazer no feriado, isto é, ler e ver filme.
 
Uma escolha que me surpreendeu foi a de Romeu e Julieta. Geralmente, as pessoas têm preferência por Macbeth*, Hamlet e Otelo. Gostei de a escolha ter sido a mais improvável.
Seria muita loucura dividir os dramas Shakespearianos em psicológicos e sociais? Parei para pensar agora e percebi que me interesso mais por O Mercador de Veneza. Talvez seja mais correto dizer que todas as peças têm um aspecto psicológico e um social, mas, na citada, o aspecto social segue pertinente hoje em dia, enquanto as tensões sociais de Otelo e Romeu e Julieta, por exemplo, não despertam tão bem a nossa empatia, voltando o nosso foco para o conflito psicológico. Longe de dizer que isso os torna menos impactantes, talvez mude a forma como nós, em 2021, absorvemos o texto.

Viajei muito?
 
Seria muita loucura dividir os dramas Shakespearianos em psicológicos e sociais? Parei para pensar agora e percebi que me interesso mais por O Mercador de Veneza. Talvez seja mais correto dizer que todas as peças têm um aspecto psicológico e um social, mas, na citada, o aspecto social segue pertinente hoje em dia, enquanto as tensões sociais de Otelo e Romeu e Julieta, por exemplo, não despertam tão bem a nossa empatia, voltando o nosso foco para o conflito psicológico. Longe de dizer que isso os torna menos impactantes, talvez mude a forma como nós, em 2021, absorvemos o texto.

Viajei muito?
Eu entendi o que você quis dizer, e os apontamentos fazem sentido. Mas a gente precisa considerar, também, que as peças shakespearianas são canonicamente divididas em: comédias (que se subdividem em tragicomédias); tragédias e dramas históricos.

Acredito que a sua predileção por O Mercador de Veneza se dá pelo diferencial de se tratar de uma tragicomédia. E eu acredito que a sua impressão sobre esta peça ser mais social realmente encontra amparo no fato de que é uma das peças em que Shakes (sou íntima dele :hihihi:) faz, de modo mais explícito, um escrutínio dos costumes e de preceitos culturais, né? (A peça tem um quê de antissemitismo, mas essa é uma leitura que veio bem mais tarde. Leitura que, inclusive, conta com o apoio de Harold Bloom).

E, sobre Otelo, lembro-me, com carinho, de um episódio de Buffy, A Caça-Vampiros, em que, durante uma aula sobre O Mouro de Veneza, houve uma discussão cuja pauta era o fato de que, às vezes, Iago nem parece ser uma pessoa, parece ser o lado sombrio do próprio Otelo. Isso explica a facilidade com que o mouro acredita em Iago. Rapidamente, ele se volta contra Desdêmona e pensa que ela o traiu. Todos nós temos nossos Iagos internos. E quando deixamos que eles assumam o comando de nossas vidas, abrimos caminho para a hybris, isto é, a desmedida. Conforme Harold Bloom, Iago é considerado o maior vilão da literatura mundial. Para mim, isso só é possível porque ele é um reflexo do que há de mais repreensível na natureza humana.

Já que você mencionou a recepção das obras de Shakespeare em 2021, eu tenho algo a acrescentar sobre Otelo. A partir das lentes atuais, você não acharia possível fazermos a leitura de que a punição de Otelo foi, provavelmente, um castigo pelo casamento inter-racial, o que nos coloca no campo dos estudos sobre o racismo? Compreendo que, contextualmente, a Renascença condenava tal casamento. Mas isso não seria, também, um forte componente sociocultural da peça?
 
Última edição:
se alguém tem alguma curiosidade em ler, eu escrevi um artigo jurídico sobre o mercado de Veneza, lá nos idos de 2008 no primeiro ano de graduação.

no mais, adorei a lista do Indu.
 
Da lista do Hindu apenas desconheço completamente o 2. Lista interessante, aliás.
Quanto ao Sartre, até hoje infelizmente nunca uma obra dele passou na minha régua dos 20-25% iniciais pra fazer eu gostar e ler até o fim, mas quem sabe um dia...
Qual o motivo Fúria? O modo de abordagem dos temas? O ritmo da prosa Sartriana?
Li O muro e A náusea e reconheci a excelência do escritor, mas, coisa estranha, isto não me levou a admirá-lo. Há algo de indefinivelmente antipático em Sartre. O cinismo superior? O intelectualismo torpe e forçadamente engajado? (como diria Alain Finkielkraut: engajamento "atrasado"). Ou, o que o Hindu destacou como traço negativo, a influência corrosiva do existencialismo na pós-modernidade? Quando comparo Sartre e Camus contemplo antípodas que, quanto mais se assemelham exteriormente, mais assinalam seu caráter intimo e radicalmente distintos entre si. Sobre a obra do Camus, Fúria, houve da tua parte uma recepção? E, em caso afirmativo, foi ela favorável, desconfiada ou indiferente? A partir do silente contraste gerado entre Camus e Sartre pretendo compreender a repulsa subterrânea causada em mim (e talvez também em ti) diante das obras de Sartre.
Mas a gente precisa considerar, também, que as peças shakespearianas são canonicamente divididas em: comédias (que se subdividem em tragicomédias); tragédias e dramas históricos.
Devo acrescentar que Georges Steiner afirmava ser a "tragédia" um elemento quase invariavelmente atenuado nos dramas de Shakespeare. O trágico absoluto manifesta-se, segundo Steiner, no inelutável da desgraça, sem concessões de refugos de alegria ou consolos eventuais. Os personagens shakespearianos possuem tal vivacidade mundana, tanto gingado lirico, que é difícil não haver uma luzinha radiando em contraste com as passagem mais trevosa das peças. Numa mesma tragédia, compadecemo-nos do desespero surdo e mal articulado de Ofélia e do humor macabro dos coveiros -- a escuridão insidiosa é aliviada pelas chispas de luz do galhofeiro "bem, a vida é assim mesmo, que podemos fazer?".
O Romeu e Julieta escolhido por Hindu, embora configure-se como tragédia, parece-me uma obra maior justamente pelas passagens vulgares e grotescas, insinuantes e de caráter vil (...vil no sentido mesquinho e infame da vileza...). Desta forma, a tragicomédia seria o verdadeiro trunfo de Shakespeare.
Já que você mencionou a recepção das obras de Shakespeare em 2021, eu tenho algo a acrescentar sobre Otelo. A partir das lentes atuais, você não acharia possível fazermos a leitura de que a punição de Otelo foi, provavelmente, um castigo pelo casamento inter-racial, o que nos coloca no campo dos estudos sobre o racismo? Compreendo que, contextualmente, a Renascença condenava tal casamento. Mas isso não seria, também, um forte componente sociocultural da peça?
Surgida no inconsciente do autor enquanto advertência implícita ao público, legitimando seus próprios receios frente aos árabes e estrangeiros de pele escura em geral? Esta deixa leva-nos a reavaliar a sugestão do Zirak-tarâg:
Seria muita loucura dividir os dramas Shakespearianos em psicológicos e sociais? Parei para pensar agora e percebi que me interesso mais por O Mercador de Veneza. Talvez seja mais correto dizer que todas as peças têm um aspecto psicológico e um social, mas, na citada, o aspecto social segue pertinente hoje em dia, enquanto as tensões sociais de Otelo e Romeu e Julieta, por exemplo, não despertam tão bem a nossa empatia, voltando o nosso foco para o conflito psicológico. Longe de dizer que isso os torna menos impactantes, talvez mude a forma como nós, em 2021, absorvemos o texto.

Viajei muito?
Depois da intervenção de Melian, a distinção de Zirak suscita nossa atenção: a questão da culpa de Otelo readquire o contorno social, possibilitando até mesmo um entrelaçamento destes dois polos. Social e psicológico fundem-se na expressão de culpa (elemento subjetivo/psicológico) e pecado (elemento objetivo/social). A culpa cruel sentida por Otelo em face aos seus atos no final da peça, nada mais é que a culminação de seu "pecado original" dado pela união inter-racial com Desdemôna.
Os atuais estudos negros demoram-se em considerações sobre branquitude e negritude, preocupando-se em denunciar o embranquecimento ideológico perpetrado contra o povo negro (a rejeição das origens, a identificação com o moreno ou o pardo afim de se escapar da "pecha" de negro ou preto -- eis alguns exemplos clássicos) Neste interregno podemos pensar que Iago é o "duplo" -- tema tão rico na literatura, desenvolvido maestralmente por Poe, Dostoiévski, etc. -- de Otelo, mas há aqui um agravante: se o "duplo" é convencionalmente associado ao lado "negro" ou "sombrio" do ser humano em sua dimensão dual, a situação de Otelo realoca os termos da discussão ao transformar Iago -- numa leitura versão séc. XXI -- no arquétipo do embranquecimento internalizado pelo individuo negro, incindindo devastadoramente na vida e percepção do próprio sujeito afastado de suas raízes culturais e étnicas (até onde me recordo, Otelo é o único negro na peça, quiça em Veneza inteira inexiste outro mouro a gozar da conquista de uma posição social elevada).
O sujeito preto é levado a curvar-se ao "embranquecimento" de seus valores, percebido erroneamente como amigável e necessário para sua escalada hierárquica num mundo em que todos já o sentem como elemento indesejável por natureza. A morte de Desdemôna com suas próprias mãos, configura-se como a patética consagração da tensão incontornável entre raças, pois o embranquecimento apodrece em seu intimo até o ponto de voltar-se contra uma das poucas facetas da existências livres do imperativo étnico/local: o amor. Daí o espasmo derradeiro, o momento em que Otelo, já chupado até o caroço pelo elemento branco, só pode atentar contra a própria vida. Note-se que o gênio irado de Otelo não busca vingança, é como se Iago já estivesse morto dentro dele e, por conseguinte, miseravelmente vazio encontra-se até para almejar uma "sobre-vida" apenas para a concretização de uma retaliação devida ao seu falso amigo. A morte evidente da amada contém em seu bojo a morte figurativa de Iago e, se Otelo guia-se por um self embranquecido, quando este self morre, o mouro há de ficar duplamente vazio: sem a transcendência do amor, e carente de um identidade própria e minimamente estável na qual se agarrar.
Em suma, Otelo é a tragédia do "negro de alma branca".
se alguém tem alguma curiosidade em ler, eu escrevi um artigo jurídico sobre o mercado de Veneza, lá nos idos de 2008 no primeiro ano de graduação.
Acredito ser muito auspicioso e rendoso estas confluências entre literatura e ciências jurídicas! Por favor, onde encontro este teu artigo?
 
Bem, a primeira coisa que eu fiz agora foi ir lá dar uma conferida na lista antiga do Indu. E salta aos olhos a mudança nas escolhas atuais, pelo amadurecimento do homem: saem os livrinhos de terror e a fantasia, entram os clássicos que tratam da realidade e da miséria humana. Aquela era uma lista de adolescente, esta é sem dúvida a de um adulto. O único livro que destoa aí, bastante, é o romance policial; mas isto tem sido praxe entre as listas: uma tentativa de abarcar diversos gêneros e gostos em tão pouco espaço.

Dos cinco livros, eu já li o Dom Casmurro, Crime e Castigo e Romeu e Julieta. Mas todos eles eu li muitos, muitos anos atrás (cerca de uns 15-20), de modo que não tenho a leitura fresca na memória pra falar sobre qualquer detalhe. Só sei que gostei deles todos, embora eu jamais fosse escolher Romeu e Julieta dentre as peças de Shakespeare como a minha favorita.

Machadão é aquela história de amor e ódio: acho que foram muitos os que odiaram o romance porque o leram por obrigação e na idade errada; Machado é escritor pra adultos, sem dúvida; há nele sempre um caudal enciclopédico de referências culturais que um jovem brasileiro (seja hoje, seja no seu tempo) não tem condições de captar e apreciar; há nele uma elegância de sintaxe que hoje soa embolorada a quem se habituou a ler só livrinhos young adult e que tais; há nele uma riqueza lexical que obriga os menos experientes a compulsar o dicionário a cada página... Mas quem conseguir vencer esses obstáculos há de amá-lo. :grinlove:

Não li a trilogia Millenium; não a lerei, não importa o quanto a recomendem. Assisti aos filmes suecos na época em que a coisa toda estava fazendo sucesso e em evidência; gostei bastante. Nem quis ver o remake de Hollywood. Tenho certeza de que os filmes não abarcam toda a riqueza dos livros (nunca abarcam), mas não são para mim. Ainda mais porque são três, e grossos pra caramba. Cheguei a ter os livros comigo, que adquiri via trocas do Skoob; eles pegaram pó na minha estante por diversos anos, até que eu decidi que literatura policial não estava no meu escopo de leituras (cada vez mais estreito para não morrer de ansiedade frente à infinita oferta de livros para uma exígua existência humana...) — e os vendi a uma amiga. Nunca li Agatha Christie, Simenon, Conan Doyle, etc. etc. (Também não lerei Fred Vargas :dente:.)

O Crime e Castigo também li numa edição antiga da Nova Cultural; a tradução nem é das melhores; é dessas feitas por intermédio do francês, e quase certamente plagiada, como era normal nessa editora (isto é, com mudanças pontuais aqui e ali para tentar maquiar o crime, o que resulta, certamente, em alguma perda extra em relação ao que o tradutor havia escolhido). Naquela época não havia a coleção da Ed. 34 e todas essas opções hoje disponíveis, vertidas direto do russo. Curiosamente, depois desse livro só li as Memórias do Subsolo, muitos anos atrás também, e nunca mais toquei num Dostoiévski. É coisa que será remediada em breve.

Nunca li nada do Sartre. Tenho um certo preconceito, que não sei dizer donde vem. Talvez de tudo que já li e ouvi falar a seu respeito. Acho-o antipático até em fotos. :lol: Mas também sei que ele tem A Náusea entre os clássicos do século XX, então vai acabar entrando em meu radar, cedo ou tarde. Talvez depois, conforme seja a experiência, eu me aventure por esse aí de contos.

E Shakespeare é aquele negócio, né... Não conheço ninguém que o tenha lido e desgostado (exceto o Tolstói, mas isso é birra de gigantes :rofl:). Qualquer um que se depare com as peças do Bardo (ao menos, digamos, com as dez mais importantes) vai ter ali uma experiência muito forte. E não importa muito em qual tradução se leia; pode ser naquelas em prosa do Fernando Millôr e da Beatriz Viégas-Faria (ambos da editora L&PM), porque o texto do dramaturgo é tão potente que, mesmo perdendo grande parte do vigor e da beleza que lhe dariam os versos bem metrificados, ainda é capaz de suscitar o maravilhamento. Então, sem desculpinhas para não ler Shakespeare, galera. :timido:
 
Notei, agora, que falei sobre outras obras do Shakes, mas não falei sobre Romeu e Julieta, né? Bom, eu não manjo nada de Inglês o que, em tese, coloca sob suspeita quaisquer comentários que eu possa vir a fazer sobre a escrita d'O Bardo. Mas, porém, contudo, entretanto, todavia, eu sou uma pessoa curiosa (na verdade, eu sou a pessoa mais curiosa do mundo!), e adoro me inteirar do processo de composição literária.

Por esse motivo, já li muita coisa de estudiosos que, ao contrário de mim, dominam a Língua Inglesa, e puderam ir à fonte, isto é, às obras originais, para buscar um cadinho de água pra quem, sedento, não pode alcançar os pormenores que escapam às traduções.

Dei essa volta toda para falar que fiquei toda empolgada, há não sei quantos anos, quando descobri que o monólogo da Julieta, no Ato 5, após o término do efeito da poção, é composto, em inglês, por treze linhas completas, ou seja, a idade de Julieta. E o mais instigante é que a última palavra da última linha-ano de sua vida é "die". Acho bonita demais essa coisa de a forma ser, também, conteúdo. Sempre achei isso lindo.

(A tradução da Bárbara Heliodora, que eu li, mantém isso, em português. Vocês, que leram outras traduções, podem me dizer se os tradutores também mantiveram as treze linhas?).

Em Romeu e Julieta a forma de escrita é, também, estratégia de construção do lugar social ocupado pelos personagens. Gosto do fato de que, na medida em que a personalidade de Romeu é melhor esmiuçada, sua linguagem fica mais apurada. Frei Lourenço, como não poderia deixar de ser, fala como se a proferir sermões. A Ama fala de modo coloquial, e o tom poético adotado nos diálogos entre Romeu e Julieta é um trem de encher os olhos (e os ouvidos, né? Agora, vai uma opção pessoal: gosto de ler Shakespeare em voz alta, mudando a entonação da voz conforme muda o personagem em cena; é o meu jeitinho. :timido: Se não tivesse lido Romeu e Julieta em voz alta, pode ser que eu deixasse passar o fato de que o "prólogo" é um soneto).
 
Bom, dessa lista trabalhei em aula Romeu e Julieta, e Dom Casmurro, os demais nunca li.
Confesso que na minha fase mais twilighter, eu até pensei em ler com muita calma, e traçar alguns paralelos entre as histórias, mas dropei o projeto e até o presente momento nem sequer havia pensado novamente no assunto!

Pretendo voltar com mais tempo, ler com calma os texto que o Indu escreveu, e se for preciso eu acrescento mais alguma coisa.

Acho bem pertinente o fato de não ter Tolkien, na minha própria lista não tem inclusive!
 
Não tenho muito o que comentar sobre a lista em si, porque como eu já disse, não li nenhum desses livros. O que posso dizer é que essa lista está a cara do querido que fez ela, uma pessoa das mais inteligentes que tive a honra de conhecer e, vendo os comentários dele sobre os livros, até me faz ter vontade de ler.
 
Dom Casmurro é um daqueles livros que nos fazem ler na escola. E mandar um adolescente, no auge da sua rebeldia, ler algo por obrigação, é uma merda. E pedir para falar sobre a profundidade do Realismo a um cara que estava lendo Crônicas de Nárnia e Harry Potter é desonesto.
Aham.

Ficamos nos perguntando como seu tempo no seminário e sua amizade com Escobar não ajudou em nada para que, no futuro, Bentinho se tornasse uma pessoa melhor?
Ser humano é um bicho burro mesmo.

A história de Bentinho tem um quê de irônica e desconfortável. Acredito que essa tonalidade da narrativa seja proposital, pautada numa crítica à burguesia carioca. É triste ver que, apesar de tudo que ele passou, permanece irredutível no seu pensamento e forma de ver as coisas, o que só piora com o avançar da idade. Enfim, é uma leitura ímpar.
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Dom Casmurro eu só li na escola, para uma apresentação na 5ª ou 6ª ou 7ª série. Acho que li à brasileira, ou seja, só os trechos a respeito dos quais eu precisaria falar. Lembro que alguém morre de febre tifoide e que essa informação gerou risadas na apresentação.

Li os livros do Stieg Larsson, mas gostei muito mais do primeiro do que dos seguintes. Gosto de histórias em que se remexe o passado e de investigações conduzidas mais pra saber do que pra justiçar (ainda que em um romance policial normalmente se apresente alguma forma de justiçamento).

Dostoiévski foi meu primeiro autor sério. Li Os irmãos Karamázov e logo em seguida Crime e castigo, bem na época em que o pai morreu e eu larguei minha primeira faculdade e comecei a trabalhar. Trabalhava de tarde/noite, e lia de madrugada... é estranho que se sinta saudades de tempos difíceis. Com os anos, acho que Crime e castigo deixou mais marcas, mas considerei Os irmãos Karamázov meu primeiro livro preferido, por um bom tempo. Acho que a preferência se devia justamente à narração.

Tenho os outros dois livros da lista, mas ainda não li. Gostei bastante do comentário sobre O muro, deu vontade de ler.
 

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