Melian
Período composto por insubordinação.
- Choveu muito.
- Ainda está chovendo.
- Não está.
- Está.
- Não está.
- Está, querida.
- Não está. E tenho dito.
- Está.
- Pare de ler esse livro. Olhe para mim enquanto eu estiver falando com você.
Ele direciona o olhar para ela:
- Está.
- Não está.
- Esse jogo de “estar e não estar” fez-me lembrar da sexta-série do Ensino Fundamental.
- Algum acontecimento especial na escola em um dia chuvoso? Quero dizer, em uma aula que aconteceu DEPOIS de um temporal.
- Não. Uma aula de Português em que a professora insistia que deveríamos decorar os Verbos de Ligação. Como estava difícil, criei um rap para me ajudar a decorar.
- O nome do rap era “Estar”. Adivinhei?
- Não. Mas esse verbo, símbolo incontestável da representação da transitoriedade, se fez presente no rap.
- Cante.
- “Ser, estar, parecer, continuar, permanecer, ficar, andar, tornar-se”.
- Pensei que tinha sido um rap mais criativo. Menos linear.
- Quem se importa com criatividade em uma aula em que a professora pensa que ensinar é fazer os alunos decorarem verbos descontextualizados?
- Alguém que tenha bom gosto, como eu.
- Ou que seja ácida!
- Não sou ácida.
- É.
- Não sou.
- É. E posso sentir.
- Não sou. E se fosse, não mudaria o fato de que não está chovendo.
- Está. E eu até arriscaria dizer que estou presenciando o cair de uma chuva ácida.
- Odeio suas piadas.
- Aprendi a conviver com isso.
- Odeio quando discorda de mim.
- Com isso, também.
- Custa concordar comigo uma única vez? Não está chovendo.
- Custa. Porque se eu concordasse com você, seria o mesmo que admitir que não está chovendo. E isso seria uma mentira. Não estou disposto a mentir só para concordar com você.
- Você nunca está disposto a nada.
- É, não estou. Isso quer dizer que essa sua última fala, uma pretensiosa tentativa de me induzir a “discutir a relação”, falhou.
- Assim como a sua tentativa de me convencer de que ainda está chovendo.
- Mas está.
- Não está.
- Ok, querida...
Ele se levanta. Coloca o livro, cuidadosamente, sobre a cadeira em que estivera sentado durante todo o tempo em que dialogavam, ou pelo menos, tentavam dialogar. Dirige-se até ela, que fica imóvel. Ele abre um meio-sorriso, passa sua mão direita entre os cabelos dela. A pega no colo. Vai em direção à porta. Com dificuldade, gira a maçaneta, empurra a porta, de uma maneira meio desajeitada. Ela olha assustada, mas não fala nada. Não podia vacilar. Não podia demonstrar fraqueza. Ele dá alguns passos e se aproxima de um banco de madeira que se encontrava no jardim. Olha, mais uma vez, para a mulher, mas, dessa vez, sem sorrir, e a acomoda no banco. Ela ameaça falar algo, ele coloca, carinhosamente, a mão sobre sua boca e diz:
- Fique aí por meia-hora. Depois, entre e me diga se parou de chover.
Antes mesmo que ele possa se virar e seguir em direção à porta, a mulher se levanta, com as roupas respingadas e diz-lhe, com visível desprezo, ou ódio, ou intensidade:
- Grosso!
- Não.
- Sim, você foi um grosso!
- Não, querida.
- Sim. Grosso e insensível!
- Não! Eu só queria te fazer SENTIR a chuva. Você sempre me diz que eu devo tentar sentir suas palavras, suas atitudes, seus sentimentos. Achei que estava fazendo a coisa certa.
- Eu é que farei a coisa certa... quando sair por aquele portão e nunca mais voltar.
Ele ainda murmura algumas palavras, algo sobre essa atitude, ir embora, demonstrar que ela estava sentindo o relacionamento deles. Mas ela não diz e nem escuta mais nada. Sai. Anda em direção ao banco de madeira. Fica, por alguns minutos, observando a goteira que cai no banco. Pensa em fazer um gesto com a mão direita, uma tentativa de cortar o curso da água, mas logo desiste. Ela já tinha perdido para aquela goteira uma vez, naquele dia. Em um segundo confronto, seria uma presa mais fácil. Começa a andar rápido, abre o portão, e em poucos segundos, já está na rua. Logo é acompanhada pelos raios de sol que começam a surgir no céu. Ela está certa. Sempre esteve. Sorri. Ninguém pode lhe roubar aquele momento de triunfo. Ergue a cabeça, e grita:
- NÃO ESTÁ CHOVENDO!
- Ainda está chovendo.
- Não está.
- Está.
- Não está.
- Está, querida.
- Não está. E tenho dito.
- Está.
- Pare de ler esse livro. Olhe para mim enquanto eu estiver falando com você.
Ele direciona o olhar para ela:
- Está.
- Não está.
- Esse jogo de “estar e não estar” fez-me lembrar da sexta-série do Ensino Fundamental.
- Algum acontecimento especial na escola em um dia chuvoso? Quero dizer, em uma aula que aconteceu DEPOIS de um temporal.
- Não. Uma aula de Português em que a professora insistia que deveríamos decorar os Verbos de Ligação. Como estava difícil, criei um rap para me ajudar a decorar.
- O nome do rap era “Estar”. Adivinhei?
- Não. Mas esse verbo, símbolo incontestável da representação da transitoriedade, se fez presente no rap.
- Cante.
- “Ser, estar, parecer, continuar, permanecer, ficar, andar, tornar-se”.
- Pensei que tinha sido um rap mais criativo. Menos linear.
- Quem se importa com criatividade em uma aula em que a professora pensa que ensinar é fazer os alunos decorarem verbos descontextualizados?
- Alguém que tenha bom gosto, como eu.
- Ou que seja ácida!
- Não sou ácida.
- É.
- Não sou.
- É. E posso sentir.
- Não sou. E se fosse, não mudaria o fato de que não está chovendo.
- Está. E eu até arriscaria dizer que estou presenciando o cair de uma chuva ácida.
- Odeio suas piadas.
- Aprendi a conviver com isso.
- Odeio quando discorda de mim.
- Com isso, também.
- Custa concordar comigo uma única vez? Não está chovendo.
- Custa. Porque se eu concordasse com você, seria o mesmo que admitir que não está chovendo. E isso seria uma mentira. Não estou disposto a mentir só para concordar com você.
- Você nunca está disposto a nada.
- É, não estou. Isso quer dizer que essa sua última fala, uma pretensiosa tentativa de me induzir a “discutir a relação”, falhou.
- Assim como a sua tentativa de me convencer de que ainda está chovendo.
- Mas está.
- Não está.
- Ok, querida...
Ele se levanta. Coloca o livro, cuidadosamente, sobre a cadeira em que estivera sentado durante todo o tempo em que dialogavam, ou pelo menos, tentavam dialogar. Dirige-se até ela, que fica imóvel. Ele abre um meio-sorriso, passa sua mão direita entre os cabelos dela. A pega no colo. Vai em direção à porta. Com dificuldade, gira a maçaneta, empurra a porta, de uma maneira meio desajeitada. Ela olha assustada, mas não fala nada. Não podia vacilar. Não podia demonstrar fraqueza. Ele dá alguns passos e se aproxima de um banco de madeira que se encontrava no jardim. Olha, mais uma vez, para a mulher, mas, dessa vez, sem sorrir, e a acomoda no banco. Ela ameaça falar algo, ele coloca, carinhosamente, a mão sobre sua boca e diz:
- Fique aí por meia-hora. Depois, entre e me diga se parou de chover.
Antes mesmo que ele possa se virar e seguir em direção à porta, a mulher se levanta, com as roupas respingadas e diz-lhe, com visível desprezo, ou ódio, ou intensidade:
- Grosso!
- Não.
- Sim, você foi um grosso!
- Não, querida.
- Sim. Grosso e insensível!
- Não! Eu só queria te fazer SENTIR a chuva. Você sempre me diz que eu devo tentar sentir suas palavras, suas atitudes, seus sentimentos. Achei que estava fazendo a coisa certa.
- Eu é que farei a coisa certa... quando sair por aquele portão e nunca mais voltar.
Ele ainda murmura algumas palavras, algo sobre essa atitude, ir embora, demonstrar que ela estava sentindo o relacionamento deles. Mas ela não diz e nem escuta mais nada. Sai. Anda em direção ao banco de madeira. Fica, por alguns minutos, observando a goteira que cai no banco. Pensa em fazer um gesto com a mão direita, uma tentativa de cortar o curso da água, mas logo desiste. Ela já tinha perdido para aquela goteira uma vez, naquele dia. Em um segundo confronto, seria uma presa mais fácil. Começa a andar rápido, abre o portão, e em poucos segundos, já está na rua. Logo é acompanhada pelos raios de sol que começam a surgir no céu. Ela está certa. Sempre esteve. Sorri. Ninguém pode lhe roubar aquele momento de triunfo. Ergue a cabeça, e grita:
- NÃO ESTÁ CHOVENDO!