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Ceticismo de dois gumes?

Eriadan

Well-Known Member
Eu não sei bem como expor esta questão, tanto que tive dificuldade para dar um título ao tópico, mas vejam se vocês me acompanham.

Num episódio de Friends, há uma discussão entre o personagem Ross, um cientista, e Phoebe, adepta de misticismos. Ele está tentando convencê-la, veementemente, de que postulados científicos como a evolução não são "possibilidades", mas fatos. Até que ela o confronta: (adaptado) "Ross, não houve uma época em que os todos os cientistas achavam que tal coisa era de tal jeito, até que todos concordaram que era diferente? Você está me dizendo que não existe uma mínima chance de os cientistas de hoje estarem errados?". Ele acaba constrangido a admitir essa possibilidade, ainda que ínfima.


Apesar de em contexto cômico, eu lembro de essa cena ter me incomodado, e acabei me recordando dela neste contexto atual, em que a ciência parece estar sendo questionada de todos os lados.

Acho que a pergunta que eu quero trazer é: ok, a refutabilidade é um pressuposto de qualquer teoria científica; mas... não precisa existir um limite? Dá pra fazer ciência sem ir admitindo um encadeamento de "verdades" que se tornam requisitos para as deduções seguintes? É arrogância cravar fatos científicos?

O ceticismo parece que se tornou (ou sempre foi, e eu só me apercebi disso recentemente) uma faca de dois gumes. Outro dia vi um conhecido, que é anti-vacina, postando uma frase de Albert Camus que eu sempre achei basilar da boa ciência, sobre ser muito melhor não saber do que achar que sabe. Fiquei aterrorizado por perceber que negacionistas como ele acreditam que estão sendo humildes, e não excêntricos. Frequentemente vejo outras frases postadas em páginas científicas que percebo que também poderiam ser usadas por essas pessoas para nutrir o seu ponto de vista.

Queria saber o que vocês pensam sobre isso, e se essa reflexão já não existe no ambiente acadêmico (suponho que sim). Gostaria de ler a respeito.
 
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Acho que é principalmente uma questão de navalha de Occam. O que é mais provável: que a vacina funcione ou que governos, empresas e milhares de cientistas estejam conspirando? O Pirulla falou sobre num vídeo antigo (não lembro qual) que as conspirações se baseiam em um monte de verdades ligadas à la caralha.

Não é questão de ceticismo, é questão de ceticismo seletivo. Essa galerinha negacionista, anti-vacina, terraplanista... é cética para certas coisas e outras não. Negar as conclusões de gente que dedica literalmente a vida inteira estudando um assunto pressupõe muito mais passos lógicos que aceitar. Exemplo: eu sou químico. Se um médico me disser que vacinas são eficazes, eu acredito, porque eu pressuponho que ele entende do assunto. Para não acreditar eu precisaria pressupor uma série de coisas muito menos prováveis. Se esse pessoal fosse tão crítico com as próprias ideias quanto são com as dos outros, perceberiam a maluquice.

Quem é cético não nega, mas aceita que não sabe a resposta.
Dois pesos e duas medidas: para a mídia "comprada", ceticismo; para a mídia "livre", crédito.

Sobre a ciência mudar: sim, nossas interpretações mudam, mas os fenômenos não. A mecânica de Newton explica tudo que a de Copérnico explicava, assim como a relatividade explica tudo que Newton descreve. O que muda é a razão para o fenômeno acontecer. Acho saudável desconfiar dos paradigmas antigos (a mecânica quântica só pôde existir porque Planck ousou ir contra Maxwell), mas também não sei até que ponto seja produtivo.
 
A ciência, assim como qualquer campo de conhecimento, não trata de fatos, mas da construção de sistemas capazes de representar coerentemente determinadas ocorrências. Esses sistemas representativos se desenvolvem em corolários derivados de verdades científicas já demonstradas. O próprio desenvolvimento científico pressupõe que as premissas sejam adotadas como certas ou adequadamente refutadas, e assim se desenvolvem novos campos de pesquisas.

As vacinas da Covid, assim como qualquer medicamento, são formas artificiais de tentar modular respostas do corpo. Eu inclusive entendo que uma pessoa tenha restrição a usar uma vacina que ainda não obteve o registro efetivo na Anvisa ou em órgãos internacionais. Mas a verdade é que nenhum leigo conhece, de fato, o funcionamento de um medicamento no seu corpo, e muitos se submetem a tratamentos experimentais. Eu mesmo tomo antidepressivos como forma de profilaxia contra a enxaqueca. No tratamento das crises de enxaqueca, já tomei antipsicóticos...

Em geral, me parece que o maior problema dos anti-vacinas não é o ceticismo, justamente o contrário: é uma manifestação do efeito Dunning-Kruger.

 
O grande problema está no tempo que se leva hoje para se integrar e testar uma teoria em relação aos outros campos do conhecimento humano (e não apenas da área a que pertence o trabalho do cientista).

Normalmente as empresas e grupos políticos cortam testes de qualidade (incluindo amplas análises estatísticas fundamentais) por questões financeiras e lançam trabalhos rodeados de propaganda política não somente em revistas de ciência popular mas em publicações fechadas e da parte da natureza também é parte do teste (as ciências vivem em modo de battle royale dentro e fora do laboratório).

Nesse exemplo da série é preciso mencionar algo sobre coisas pequenas e coisas "pequenas".

Algo ínfimo pode parecer pouco para um leigo ou um cientista sem recursos, mas para a natureza pode ter um resultado completamente diferente. A diferença de DNA de uma pessoa pra alguns outros mamíferos é minúscula (as vezes menos de 1%) mas o resultado é estrondoso bastando o gene se manifestar, um átomo é algo desprezível mas quando se quebra libera quantidade colossal de energia.

Dentro disso tudo o ceticismo pode vir a ser uma ferramenta ideológica, mas nem sempre. A bem da verdade tanto dúvida quanto a fé (bem como outras características que representam promessas como esperança e caridade) só fazem sentido em relação a visão que a pessoa em questão tem do futuro.

Tecnocratas que buscam mover os países tendem a ver apenas o positivo em governos de cientistas e esquecem que quem tem QI alto muitas vezes passa enorme tempo paralisado pesando questões por dúvida e perdem na corrida da evolução em relação a um QI mais baixo que a natureza aparelhou para resolver aquele problema por força de necessidade.

Daí vem o falso ceticismo, que semelhante a falsa luz nas igrejas (fiéis satânicos) e da falsa luz no mundo espiritual (Lúcifer só refletia a luz de Deus) povoam grandes laboratórios e criam uma porta larga para a perdição.
 
Eu vou ser bem sincero sem me alongar muito, o ceticismo em relação a ciência pra mim é quem o ciúme num relacionamento guardadas as devidas proporções.

Desde que fique num plano leve, acho ele até algo saudável, até porque nessa proporção de certa forma ele é necessário e útil pra evolução da própria ciência.

O problema é quando o ceticismo cai em níveis de fanatismo e/ou negacionismo indo pra um extremo doentio, perigoso e feito num nível de ignorância absurda, assim como também não esperamos que isso aconteça da parte dos cientistas.

O fato é que são opostos que precisam coexistir e conviver com o melhor equilíbrio possível entre eles.
 
O ceticismo parece que se tornou (ou sempre foi, e eu só me apercebi disso recentemente) uma faca de dois gumes. Outro dia vi um conhecido, que é anti-vacina, postando uma frase de Albert Camus que eu sempre achei basilar da boa ciência, sobre ser muito melhor não saber do que achar que sabe. Fiquei aterrorizado por perceber que negacionistas como ele acreditam que estão sendo humildes, e não excêntricos. Frequentemente vejo outras frases postadas em páginas científicas que percebo que também poderiam ser usadas por essas pessoas para nutrir o seu ponto de vista.

Eu tomo um cuidado de separar ceticismo (desconfiar de algo por ter poucas evidências fortes a favor) de negacionismo (desconfiar de algo apesar de muitas evidências fortes). Não é uma definição formal (filosofia da ciência não é minha área), mas ajuda a distinguir ceticismo benigno do negacionismo maléfico.

Até algum tempo atrás os argumentos céticos lidavam com nossos velhos conhecidos como místicos diversos, homeopatia, astrologia, criacionismo, etc. O impacto deles é em geral pequeno, mas de forma nenhuma inexistente -- é só ver os casos de pessoas preterindo tratamentos desagradáveis mas medicamente eficientes pelos seus supostos equivalentes homeopatéticos (dsclp), vagas de emprego pedindo mapa astral, ou religiosos tentando afetar o ensino de ciência ("teach the controversy" e outras idiotices). Hoje, talvez como mais um reflexo da polarização política, acabamos tendo que lidar com coisas ainda mais perigosas que negacionistas tentam impor: Pense em religiosos tentando impor "tratamentos de reversão" para homossexualidade como uma questão de saúde pública, quando sabemos muito bem o quão perigoso é "alimentar" as causas que levam alguém a um quadro depressivo.



Sobre a ciência mudar: sim, nossas interpretações mudam, mas os fenômenos não. A mecânica de Newton explica tudo que a de Copérnico explicava, assim como a relatividade explica tudo que Newton descreve. O que muda é a razão para o fenômeno acontecer. Acho saudável desconfiar dos paradigmas antigos (a mecânica quântica só pôde existir porque Planck ousou ir contra Maxwell), mas também não sei até que ponto seja produtivo.

É o ponto: ciência muda e se aperfeiçoa, mas não da forma que os negacionistas desejam. De forma geral, uma nova teoria é aceita quando tem explicações melhores, mais precisas ou mais elegantes para fatos observados, mas eles adoram criar um espantalho disso e usá-lo para justificar qualquer outra coisa que não se enquadra.


As vacinas da Covid, assim como qualquer medicamento, são formas artificiais de tentar modular respostas do corpo. Eu inclusive entendo que uma pessoa tenha restrição a usar uma vacina que ainda não obteve o registro efetivo na Anvisa ou em órgãos internacionais. Mas a verdade é que nenhum leigo conhece, de fato, o funcionamento de um medicamento no seu corpo, e muitos se submetem a tratamentos experimentais. Eu mesmo tomo antidepressivos como forma de profilaxia contra a enxaqueca. No tratamento das crises de enxaqueca, já tomei antipsicóticos...

Nesse caso específico de resistência à vacina eu gosto de separar os "duvidosos saudáveis" dos antivax, entre quem tem alguma objeção devidamente fundamentada e quem simplesmente nega a viabilidade das vacinas por razões aleatórias -- mas o problema é que ainda não encontrei ninguém do primeiro grupo :)

Um teste prático, já que não dá para fugir do vespeiro, é ver se o suspeito que renega as vacinas "porque não foram suficientemente testadas" também defende um tratamento com cloroquina, que foi efetivamente e suficientemente testado e demonstrado como inefetivo... isso já diz alguma coisa.

E eu não nego que ando gastando tempo demais lendo sobre essas vacinas para covid -- só não sei dizer se é pelo sabor de ver o maior esforço médico dos últimos 100 anos se desenrolar ao vivo ou ansiedade para ter a minha dose logo mesmo.



Tecnocratas que buscam mover os países tendem a ver apenas o positivo em governos de cientistas e esquecem que quem tem QI alto muitas vezes passa enorme tempo paralisado pesando questões por dúvida e perdem na corrida da evolução em relação a um QI mais baixo que a natureza aparelhou para resolver aquele problema por força de necessidade.

Eu vejo isso como incentivos distintos para o sucesso no mundo político: um ator político bem-sucedido entrega (ou só promete entregar) aquilo que seus eleitores querem, mesmo que seja algo insustentável, antiético, ruim, danoso ou simplesmente inviável. Assim que ele recebe em troca seu pacote de cargos, dinheiro e influência, ele pode ser dar ao luxo de desprezar o desejo dos eleitores -- especialmente se não houver um clima adequado para removê-lo do poder antes do próximo ciclo ou se ele entende que pode voltar alegando que é o menor de todos os males.

Os modelos de governo ocidentais pressupõem que isso vai acontecer em algum momento e criaram mecanismos para evitar ou minimizar os efeitos: separação de poderes, delegação da decisão a órgãos técnicos com menos influência do processo eleitoral (agências reguladoras e bancos centrais independentes são o caso clássico, ainda que com seus próprios problemas), mecanismos de revisão (cortes constitucionais), leis de responsabilidade fiscal, etc. Não deixa de ser uma solução "científica".


(mas talvez eu esteja meio decepcionado com o processo político... tomem esses últimos parágrafos com uma colher de chá)
 
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dica de livro e de podcast





para mim esse livro tinha que ser leitura obrigatória em todo ensino médio (com um reforço na faculdade).

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Apesar de em contexto cômico, eu lembro de essa cena ter me incomodado, e acabei me recordando dela neste contexto atual, em que a ciência parece estar sendo questionada de todos os lados.
No exemplo do Ross vs Phoebe, o problema é que o Ross não sabe discutir. Ele poderia admitir tranquilamente que a gente pode estar errado sobre o processo evolutivo de uma espécie (por exemplo, como hoje está mais claro de que dinossauros viraram aves), mas que é inegável o processo de adaptação genética de espécies, pelo corpo gigantesco de evidências analisadas.

O argumento do átomo que ela usou é interessante, mas leva à mesma conclusão: o átomo pode ser divisível, ao contrário do que era esperado, mas a sua existência não pode ser negada. Ele só funciona um pouco diferente do esperado em sua composição, mas ele funciona exatamente como esperado como elemento químico. Pode-se dizer o mesmo da evolução.
Acho que a pergunta que eu quero trazer é: ok, a refutabilidade é um pressuposto de qualquer teoria científica; mas... não precisa existir um limite?
O limite já existe. Mas as pessoas foram deixadas ignorantes demais pela nossa sociedade para sequer poder conceber.

O sistema educacional brasileiro se baseia na progressão continuada sem garantias de que a criança realmente aprendeu, cria incentivos financeiros para professores que passam a sala inteira de ano etc. Como é que vai explicar os limites da refutabilidade se tem gente que não sabe interpretar um texto? Especialmente se essa pessoa já deixou o sistema educacional há 20+ anos?

Tem jeito? Tem. Mas tem de ser por vídeo, de uma forma divertida, com um vocabulário simplificado, com exemplos práticos inegáveis, feitos na hora. E a pessoa tem de não estar exausta, estar alimentada e não pode estar preocupada em como vai conseguir a próxima refeição pra entender até mesmo esse tipo de mídia.
 
Me incomoda uma aura de verdade que às vezes vejo por aí tentado ser imposta à ciência.
Quem tem verdades é religião, que funciona na base de dogmas. A ciência tem questões.
Ciência não é (não deveria ser) dona da verdade.

Não é porque foi dito em uma artigo científico que é verdade. Longe disso. O sistema de publicação científica é muito podre devido à forma de financiamento. O que mais acho por aí é artigo irreprodutível, que publicam a rodo na sanha de aumentar o impacto dos autores e, consequentemente, a chance de uma boa posição e financiamento pra pesquisa. Isso pra não falar da politicagem que rola na chamada "pesquisa de ponta" no "estado da arte" (deixo pra vocês julgarem a soberba dessa terminologia).

Mesmo considerando um artigo sério, bem feito, com rigor, ética e tudo o mais. Aquilo não pode ser tomado como verdade. Não é nem o propósito da ciência.
O que faz a ciência ser ciência é a sua capacidade de evoluir. Não estamos presos ao conhecimento de 2 mil anos atrás. Podemos evoluir dia a dia com o trabalho de uma rede enorme de colaboradores que nunca para. A proposta de um artigo bem feito é investigar novas possibilidades, tentar entender, estudar. Não é dar a verdade final sobre algo, isso nem sequer existe. Se algum cientista vem com esse papo, fuja.

Outra coisa que é muito importante e que passa batido em muita gente mesmo depois de formado em algum curso universitário de ciência: Tudo que a gente aprende, tudo que a gente estuda e tudo que a gente pesquisa é baseado em MODELOS. A ciência cresce e se fundamenta em modelos, não em verdades, por isso que pode evoluir. Um modelo é algo que a gente constrói, é uma ferramenta pra entendermos o que está ao nosso redor. Um modelo tenta explicar como é a realidade, mas ele não é a realidade. Modelos têm limites e podem ser evoluídos, e isso não tira o mérito deles (esse é justamente o mérito).

Por fim, há que se diferenciar desenvolvimento tecnológico e ciência aplicada de ciência base. Vacina é um fato. Os modelos de ciência fundamental, mesmo não sendo verdades, funcionam tanto que possibilitam o desenvolvimento de vacinas que são COMPROVADAMENTE eficazes. Pode ser que daqui a 100 anos haja um modelo novo na bioquímica que explique o funcionamento das vacinas (e permita desenvolver vacinas ainda melhores) de maneira muito mais completa do que temos hoje, mas isso não vai negar jamais que as vacinas que desenvolvemos hoje, com os modelos de hoje, funcionam nas eficácias dadas.
 
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