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Capitu: Traidora ou Injustiçada?

  • Criador do tópico Dérião
  • Data de Criação

Capitu traiu?

  • Sim, ela traiu. Bentinho estava certo.

    Votos: 1 14,3%
  • Não, ela não traiu. Bentinho pirava errado.

    Votos: 3 42,9%
  • Não tenho opinião formada

    Votos: 3 42,9%

  • Total de votantes
    7
Pescaldo disse:
Existe também a traição de Bentinho à Capitu e, essa, não acredito que seja a de Escobar (como muitos afirmam, imbecilmente)

Imbecilmente? Acredito que tem uma alusão (e, creio eu, proposital) homoerótica no livro sim. Mas, não tenho certeza se Escobar e Bentinho chegaram aos "finalmentes".
 
Eu li esse livro há vinte anos; não o tenho fresco na memória, mas tenho a impressão de que é uma polêmica inútil: acho que o próprio Machado deixou ambíguo de propósito e nem ele mesmo deveria ter uma resposta para a questão, porque simplesmente não era relevante ao que estava construindo. Eu não entendo o tanto que as pessoas se desgastam pra provar X ou Y nisso aí.
 
Não reli Dom Casmurro nos últimos três anos, o que significa que minhas impressões a respeito da obra não são tão estanques, e podem sofrer alterações, tão logo eu releia o romance. Mas se tem um viés de leitura que eu acho bastante embasado é o de que o livro não é sobre traição, é sobre ciúme. Isso meio que desanuvia um pouco as coisas. Nessa perspectiva, é sempre bom lembrar da intertextualidade que se pode estabelecer entre Dom Casmurro e Otelo.

Para mim, Capitu não traiu Bentinho, mas eu acredito que parte da genialidade de Dom Casmurro reside no fato de que a obra foi escrita de modo a sugerir que isso tenha acontecido. Não pelos motivos usuais, mas para que se pudesse construir uma personagem caput, isto é, cabeça, origem do nome da protagonista. Ela encabeça não um triângulo amoroso, mas toda uma possível leitura de crítica ao destino das mulheres que ousassem ser algo além do que lhes era permitido ser.

Na construção dessa personagem que, inicialmente, parece ser a adúltera perfeita, o narrador é uma estratégia bastante eficaz. Ele chama a atenção dos leitores para o fato de que "há conceitos que se devem incutir na alma do leitor, à força de repetição." Sempre que aparece uma oportunidade, Bento Santiago tenta reforçar a imagem de uma Capitu inteligente, atenta, minuciosa, "mais mulher do que Bentinho homem", entre outros. Isso, culturalmente, prepara o terreno para que possamos, a partir do desenrolar dos eventos do livro, chegar à conclusão de que Capitu, astuta e sempre atenta, enganou Bentinho, que era manipulável.

(Agora, vem a minha leitura da coisa toda: não acho que Machado criou Capitu como adúltera, acho que a ideia dele foi a de alfinetar isso de que a mulher que não age conforme o esperado acaba sendo tida como vilã. Tem um detalhe, quando Bento fala sobre Capitu ainda criança, que eu acho muito importante, pois exibe uma crítica sutil. Ele fala que ela não aprendeu a fazer renda, como as outras mulheres aprendiam.)

O livro é narrado em primeira pessoa, por um advogado (a função do advogado é convencer), ciumento, que acusa a mulher de adultério e advoga em causa própria. Bento — como um promotor — acusa, mas se sente culpado. Ele tenta, a qualquer custo, se convencer e, no processo, nos convencer, da culpa de Capitu porque se ela não for culpada, de quem é a culpa da tragédia familiar? Pois é: ele.

Bento Santiago quer, na velhice, reconstruir sua vida, como uma forma de provar a si mesmo (e a nós, leitores, júri) que não estava errado em expulsar Capitu de casa e renegar o filho. Sua narrativa, portanto, pode ser vista como uma forma de catarse. Porém, quando ele decide contar a história de sua vida, todas as pessoas sobre as quais ele vai falar estão mortas.

Nós somos apresentadas a elas pela ótica dele. Tão somente pela ótica dele... a ótica de alguém que dizia: "cheguei a ter ciúmes de tudo e todos". A ótica de alguém que tinha, em seu nome, a junção de Santo com Iago (personagem de Otelo, de Shakespeare, que provoca o ciúme do mouro e faz com que ele assassine a esposa).

Uma das leituras possíveis para Dom Casmurro é a de que Bento pode ser visto como o modelo de burguês enciumado: o seu amor por Capitu é, também, a conquista de uma identidade social, moral e religiosa. Amá-la significa possuí-la, conforme os padrões do meio. Daí, quando a mulher não procede estritamente de acordo com os padrões com que é amada, ela provoca ciúmes, e pode estar incorrendo em traição. O desfecho da história assegura a vitória conservadora, com o poder nas mãos de quem, por tradição, o detém. Capitu foi punida por ser um mulherão da porra.
 
O negócio é o seguinte: Capitu não traiu, mas Bentinho merecia ser corno, se tinha alguém que merecia ser corno é ele.
 
tem um negócio que mudou um tico meu olhar sobre dom casmurro, ler sobre a recepção da obra na época da publicação. o levantamento feito por gente da área mostra que as críticas/resenhas/comentários quase nunca (ou ainda, raramente) giravam em torno da dúvida. ou seja: o leitor do tempo de machado aceitava capitu como traidora, a dúvida que hoje vemos como central não era parte do enredo.

(mais ou menos com o leitor do tempo do machado achava o brás cubas um cara "engraçado, hahaha, olha só que pândego" - sem entender que o que machado fez foi contar a história do filhodaputa típico das classes mais altas)

isso fala muito mais sobre os leitores (ou sobre nós como sociedade) do que sobre o livro, mas enfim, acho interessante. foi lá na década de 1960 com o otello brasileiro da helen caldwell que a dúvida ganhou força de fato, incluindo na academia (e isso fala muito sobre a academia também, heheh). enfim: não é como se um leitor mais atento não tivesse se questionado, mas no geral o pessoal aceitava a traição como certa.

e eu tenho um medo tremendo de reconhecer no machado um talento em dizer no vazio, aquela coisa de omissões serem propositais, porque no fundo posso estar reconhecendo genialidade onde há só um lapso? mas de qualquer modo, quando você lê o todo da obra, fica essa sensação. principalmente quando você pega os romances da primeira fase e compara com a segunda fase.

tem um romance na primeira fase que acho que tem uma sementinha do dom casmurro, o ressurreição. tal como em dom casmurro há um sujeito que desconfia enormemente da amada e a desconfiança acaba virando um ponto central do enredo. mas em ressurreição a figura feminina (lívia) tem independência financeira - e como viúva, independência das expectativas da sociedade. em outras palavras: ela não precisa casar com seu interesse romântico (félix). lívia então rompe com félix porque percebe que ele sempre duvidará da amada. note: lívia rompeu com félix.

por outro lado, capitu não tem tal independência. e mesmo que o casamento tenha sido por amor, ela não tem - dentro da sociedade - agência para recusar/se divorciar de bentinho. e aí é o que a melian falou:

(Agora, vem a minha leitura da coisa toda: não acho que Machado criou Capitu como adúltera, acho que a ideia dele foi a de alfinetar isso de que a mulher que não age conforme o esperado acaba sendo tida como vilã.

então de uns tempos para cá o que martela na minha cabeça, muito mais do que traiu/não traiu, são os limites impostos a uma mulher dentro daquela sociedade. de primeira o leitor pensa que lívia viveu infeliz porque não viveu com seu amor, mas caso eles "terminassem juntos" (o final feliz), ela que era independente estaria na mesma arapuca que a capitu - sem poder sair de um relacionamento porque a sociedade não aceitava mulheres divorciadas.
 
Saiu no Informativo Meio de hoje:

"Afinal, Capitu traiu ou não traiu Bentinho com Escobar? O acalorado debate que divide o Brasil alfabetizado desde a publicação de Dom Casmurro, em 1899, pode ter chegado ao fim. E a pista deixada por Machado de Assis estava o tempo todo escondida no juridiquês. Em Código de Machado de Assis, o jornalista e advogado Miguel Matos analisa as referências jurídicas na obra do Bruxo do Cosme Velho e diz ter achado a resposta. Ela está [na] escolha da terminologia jurídica usada por Machado para descrever um quase flagrante de Bentinho no amigo. Qual a resposta? Não, assinantes do nosso coração, Meio não dá spoilers." (Globo)


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Acho a tal "prova" discutível. Pelo que entendi a partir da matéria de O Globo, o trunfo do analista seria a utilização do título "Embargos de Terceiro", que seria uma senha jurídica para uma disputa pela posse - no caso, pela posse de Capitu. Diz a matéria d'O Globo que o mesmo termo aparece em “A mão e a luva” para referir uma pessoa que quer conquistar a outra e assume que Machado não iria fazer essa associação à toa. Só que aí tem aquela questão... o título "Embargos de Terceiro" pode ter mesmo esse significado de disputa pela posse de Capitu, mas quem narra é Bentinho, não é? Será que não há aí uma confusão entre escritor e narrador? Enfim, teria que ir ao livro do Miguel Matos pra ver se é isso mesmo.

De qualquer forma, o paralelo feito com a utilização do termo em "A mão e a luva" (não li) é interessante.
 
Me lembro de ter visto uma bela e arrastada discussão, no antigo fórum do extinto provedor SBT Online da década de 2000. Vários advogados apareceram para analisar a situação da Capitu somente pelo rigor das leis do sec XIX e tentar chegar a um consenso final e mesmo assim deu o esperado, pois não houve. Essa ambiguidade pra mim foi a melhor "personagem" da obra.
 

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