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[Calib] A profecia del-rei [L]

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Calib

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A PROFECIA DEL-REI

A bastardia era já prática bastante comum nos tempos del-rei Fausto III, a ponto de não mais merecer crédito do vulgo, interessado agora nos causos de bruxas verruguentas e duendes malfazejos que os comerciantes divulgavam nas tavernas. E não era só porque sua digníssima esposa a rainha se mostrasse oca (ou avessa a ele na cama, nunca se soube ao certo, que a língua do povo parece ocupar-se da imaginação quando lhe falta o que comer), deixando a Coroa sem um herdeiro de sangue nobre, todo azul — como também porque, e principalmente, a libertinagem era uma inclinação natural de sua pessoa, dada a educação e os genes que recebera.

Sua linhagem gerara muitos bastardinhos ao longo de trezentos anos de governo. Todavia, se a podemos imputar como impudente, não lhe cabe chamarmos imprudente. Com muita argúcia, era de praxe entre esses soberanos a realocação dos filhos bastardos, junto com suas mães (e estas com seus maridos, se acaso houvesse; e não era raro), para longínquos territórios da nação, de modo que cada família não tivesse contato com as demais. E era posto um responsável pela observação de cada uma, da mais alta confiança, até o momento em que se lhes pudessem matar as crianças de forma disfarçada, a parecer acidente, e assim tranqüilizar el-rei. Tudo porque, no fundo, havia um temor — meio descrente e zombeteiro, mas sempre a martelar na consciência: e se for verdade? e se for contigo? — de que se concretizasse uma profecia agourenta, muito, muito antiga, de uma dessas bruxas de causos de taverna. A profecia era bastante simples: um filho bastardo usurpará o trono; ninguém mais. A segunda parte dela reconfortava el-rei, na medida em que o deixava sempre menos apreensivo diante da possibilidade cada vez mais iminente de um levante. Quando eclodiam pequenas revoltas aqui e acolá, e algum sábio conselheiro o aconselhava cautela, redução de impostos ou mais pão e circo à plebe, el-rei dava de ombros e lembrava, de si para si: não deixei filho bastardo vivo, ninguém me tomará o trono. Repetia-o como um mantra, e logo estava calmo e nem lembrava mais que em alguma vila próxima a guarda requisitava reforços, ou que mulheres ardiam na fogueira por divertimento do clero ocioso.

Já agora não se cria mais em bruxas como antigamente, porque talvez elas se houvessem escondido em suas chopanas nos pântanos, ou mesmo se enfraquecido com o passar dos anos. Porém, aquela que profetizara contra a família real era uma bruxa antiga, de uma época de quimeras, milagres e mistérios. Um quê de mágico havia em cada palavra dita; e em cada símbolo escrito, uma aura própria. E el-rei ignorava os símbolos; tinha quem os interpretasse para si. A ignorância do mundo e de si mesmo o condenou.

Pouco tempo depois, quando se tornara impossível conter a indignação das massas perante os abusos do governo, a rebelião chegou às portas do palácio, pum pum pum, bateu e pô-la abaixo, com aríete e tudo. E entrou um pequeno exército de campônios, alguns mercenários contratados e soldados vira-casacas. Os demais soldados, fiéis a el-rei, debandaram quando se tornou patente a insignificância de sua bravura. A justíssima rainha havia já escapado durante a noite, porque também ela mantém contatos com videntes de sua preferência, embora não do mesmo jaez que as bruxas, isto nunca se daria, que ela é moça pura e temente aos deuses. Mas, porque fora avisada do quando e do como, arranjara-se num bote e zás. Os pertences mais caros foram levados por carroças, debaixo de feno e entre galinhas fedorentas, as quais passaram despercebidas pela turba alucinada em sua marcha rumo ao palácio.

Quando el-rei foi despertado pela segurança, seu primeiro ímpeto foi o de fugir. Mas a lembrança de sua profecia o pôs em paz. Vestiu-se opulentamente com toda a pompa que lhe competia enquanto soberano. Bem sereno, foi ter com a malta, para levar-lhe um tanto de razão. Cortaram-lhe a cabeça.


Está bem que nem tudo se passou assim tão rápido como ficou parecendo. Admite-se o interesse de causar a surpresa sem dar chance à previsão. Em verdade, el-rei tratou em particular com o líder da rebelião, que era o único dentre todos com alguma dignidade e postura para a liderança. Impunha-se bem e articulava os pensamentos melhor ainda. El-rei agradou-se dele por um momento, inclusive. E conversaram. Mas, ouvindo ser ele verdadeiramente o herdeiro do trono e único rei por direito, horrorizou-se el-rei. A história era muito simples, talvez até demais, que espantava não ser óbvia. A antiga rainha trocara o filho bastardo do rei Fausto II pelo não-bastardo, fruto de seu ventre, porque este viera ao mundo com uma deformidade congênita, e ela tinha medo de que o marido a culpasse e mandasse matar a criança. Não sabia ela, no entanto, da profecia; e que o seu filho de sangue acabaria morto igualmente, no lugar do bastardo. Só não o foi por feliz acaso, pois a mãe adotiva livrou-se dele tão logo o pôde, deixando-o a cuidado de uns conhecidos, e foi-se viver com o marido gastando o dinheiro que lhe pagara a rainha pela troca. O encarregado de matá-lo, perdendo o rastro da criança e julgando demasiado desnecessário cumprir suas ordens, achou por bem fingir que dera cabo dela, para não provocar a ira de seu rei. Tudo correu às mil maravilhas, afinal. O bastardo cresceu como príncipe, a rainha estava tranqüila por ter salvo uma criança da morte, e o rei acreditava estar vencendo a profecia quando a cumpria à risca. Quanto ao filho de sangue nobre, herdeiro usurpado, este foi criado por pais amorosos, que um dia descobriram a origem real de seu menino pela boca de uma bruxa. Além da perninha um pouco torta, o rapaz trazia às costas um símbolo que o credenciava como tal, atestara ela. E ele então cresceu disposto a recuperar o que lhe era de direito. Mas, porque era nobre de sangue e de caráter, deu ao rei tirano uma boa morte, digna de soberanos. A plebe foi quem profanou seu corpo régio.

Moral da história:
queimemos as bruxas, porque são traiçoeiras. :rofl:
 

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