12/03/2006 - 09h10
Bora Milutinovic espera convite para disputar Copa pela sexta vez
Por Guilherme Roseguini
Folhapress
Em São Paulo
A palavra correta é frustração, mas Velibor Milutinovic diz que ainda é cedo para utilizá-la como resumo de seus sentimentos. Acredita que, nos 89 dias que restam para o pontapé inaugural da Copa, alguém pode fazer um convite, uma convocação, para que seu recorde seja perpetuado.
SEM BRASIL NO CAMINHO
A admiração existe e nunca é escondida. Mas Bora Milutinovic também não nega uma certa amargura, quase raiva, quando o assunto é a seleção brasileira. E existem motivos para tal reação. O sérvio é o único técnico que enfrentou o Brasil em três Mundiais. Em todas as oportunidades, saiu como perdedor.
"Minha história é simples. Eu faço um baita trabalho bonito e classifico um país para a Copa do Mundo. Aí sempre aparece o Brasil pela frente. Nessas situações, penso: 'Lá vem esses filhos-da-puta estragarem a minha vida'. Não agüento mais isso", diz o treinador.
Sua relação com o Brasil é antiga. Bora recorda que tudo começou em uma partida disputada na década de 60, quando ainda era jogador do Partizan Belgrado. O adversário era o Santos de Pelé, que excursionava pela Europa. "Jogávamos com garra e saímos na frente, mas aquele time era belíssimo. Eles empataram, gol do Pepe, e ficou por aí. Até que foi bom", diz.
Em Copas, o primeiro confronto ocorreu em 1990, quando Bora guiava a Costa Rica no Mundial da Itália. As seleções caíram no Grupo C. Müller marcou o gol da magra vitória por 1 a 0, mesmo placar que se repetiria quatro anos depois, nos EUA. A diferença só foi mais elástica no último Mundial, divido entre Coréia e Japão. Bora comandou a seleção chinesa, e novamente caiu na chave do Brasil.
Com um time tecnicamente limitado, o sérvio nada pôde fazer contra a seleção que mais tarde ergueria a taça. O resultado: 4 a 0. Foi seu último jogo em Copas, e a primeira vez em que não avançou para a segunda fase do certame.
Bora, como o treinador sérvio de 62 anos é conhecido, sabe que o tempo é seu inimigo. Mesmo assim, não arreda pé da missão. "Depois de tanto tempo trabalhando em Mundiais, claro que vai ser estranho, chato mesmo, ficar fora. Mas nada está definido. Creio no destino. Vou deixá-lo mais uma vez decidir o que será do meu futuro", afirma.
Sua busca não ocorre por acaso. Pela primeira vez em 20 anos, Bora não tem um escrete para comandar. Nas últimas cinco Copas, berrou instruções no gramado para cinco seleções diferentes, na mais longeva trajetória de um técnico na competição.
"Nunca fiz planos, nunca fiquei pensando no que faria da vida. Não planejei ir a tantas Copas, conhecer tantos países. Ou seja, não há motivos para ficar frustrado antes da hora", explica.
Essa crença de que acontecimentos fortuitos podem alterar um cenário adverso e carimbar seu passaporte para o torneio pode até dominar seu discurso, mas não tem tanta influência nas atitudes que toma no dia-a-dia. Em vez de ficar esparramado no sofá de sua casa no México, Bora não pára de viajar. Desde que abandonou seu último time -o All Saad, do Qatar, no ano passado-, freqüentou eventos badalados, como o sorteio das chaves do Mundial, em dezembro último, e a Copa da África, no mês seguinte.
"Gosto de estar no meio do futebol, de rever os amigos, de conversar. É bom ficar por perto e mostrar que ainda estou disposto, pronto para o que aparecer. Um homem de 62 anos como eu não pode sumir. Se desapareço, pensarão que morri", brinca.
Não é qualquer emprego que o sérvio está propenso a aceitar. Ele diz estar sempre aberto para propostas de seleções. O entusiasmo, porém, desaparece quando o foco é desviado para clubes. "A dinâmica de equipes nacionais é diferente e cativante. Você vira a esperança de toda uma nação. É uma missão dura, mais satisfatória. Eu adoro", conta.
Essa paixão talvez explique o fôlego para peregrinar pelo mundo. Bora ensinou futebol em todos os continentes. Aprendeu cinco línguas, viveu em lindas mansões e em alojamentos imundos. Em Mundiais, dirigiu México, Costa Rica, EUA, Nigéria e China. Nunca passou das quartas-de-final.
"É difícil analisar toda essa trajetória de bate-pronto. Em algumas seleções, brilhei. Em outras, nem tanto. Mas fiz o que tinha que fazer. Rodei o mundo, conheço cada lugar que muita gente nem imagina existir. Aliás, acho que só não fui para a Floresta Amazônica. Pode ser um bom destino para as próximas férias. Vou ver se minha mulher aceita."
É a deixa para começar a falar de Brasil. Admirador de Carlos Alberto Parreira, que chega ao quarto Mundial como treinador, o sérvio diz não entender o comportamento dos torcedores às vésperas do campeonato na Alemanha.
"Só vocês, brasileiros, ficam se martirizando antes da Copa porque são os francos favoritos. Favoritismo não é problema, nunca foi. Quem tem que se preocupar pelo fato de o Brasil reunir o melhor time do mundo são as outras seleções. Vocês só tem motivos para comemorar."
O discurso deixa transparecer uma veneração pela seleção canarinho, que fica ainda mais evidente quando ele relembra um dos jogos que mais marcaram sua carreira. Em 1994, no comando dos EUA, anfitriões daquela Copa, Bora cruzou com o time brasileiro na primeira fase de mata-matas. Disputada, a partida acabou decidida com um gol de Bebeto. "Mas o resultado final pouco importa. Jogamos de igual para igual com o Brasil em um Mundial de futebol. É uma grande honra."
Se ninguém o supera em experiência, se tem boas relações com a comissão técnica brasileira e se é fã da seleção verde-amarela, por que não dar um conselho para que Parreira consiga encontrar a rota rumo ao hexacampeonato? "Seria uma ousadia muito grande. Acredite, ele não precisa de nada que venha de mim. E eu nem sei direito o que tenho para ensinar. Sou apenas um velho apaixonado por futebol em busca de uma seleção para trabalhar."