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Boi Neon (idem; 2015)

Bartleby

fossore
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Assisti agora ao Boi Neon e particularmente gostei mais do que o Aquarius (assim, os dois são bem diferentes, mas se dependesse de mim ele que iria concorrer uma vaga de indicação ao Oscar, o que não deve acontecer por pelo menos dois motivos: o diretor Gabriel Mascaro retirou o filme depois de toda a exposição do júri de seleção; e é um filme bem menos, digamos, "gostável", um que deve dividir mais o publico e críticos, por talvez acharem entediante, ou reclamarem que nada acontece, o de sempre...)

Mas olha, sempre quis ver um filme brasileiro assim (e pensei que fosse demorar mais até alguém se interessasse em realizá-lo), carregado de atmosfera, realmente hipnotizante, bem artístico (o diretor de fotografia é o mesmo que trabalhou em Cemetery of Splendour, o ultimo filme do carinha que ganhou a palma de ouro em 2010 por Tio Boonmee), visualmente marcante e que ainda diz algo sobre a vida aprisionada que muitos levamos sem às vezes perceber. Os atores estão excelentes tbm, principalmente o cara principal (esqueci o nome) e a Maeve Jinkings (que está em todas :amor: )

Recomendo muitíssimo - ainda mais que saiu esses dias um torrent em bluray gringo, aqui no brasil a imovision só vende em dvd, senão ja tinham um cliente...

Dando umas lidas, o filme foi muito bem recebido la fora, com o indiewire dando um A, o new York times selecionando como Critics' Pick, mas a que foi mais a fundo na mensagem do filme foi a do Pablo Villaça:
Em certo momento do primeiro ato de Boi Neon, a pequena Cacá, que vive em meio ao universo das vaquejadas, expressa sua fascinação não pelo gado que está acostumada a ver o tempo todo, mas pelos cavalos que admira a certa distância – e imediatamente ouve o contraponto do vaqueiro Iremar, que, de forma pragmática, aponta que aqueles animais são belos, mas não úteis como os bois que costuma conduzir rumo às pequenas arenas da região.

Trata-se de uma cena breve, mas que resume de forma belíssima o tema central do longa: aquelas pessoas podem até sonhar (metafórica ou literalmente) com cavalos, mas levam vidas de gado. Não à toa, o filme abre com a imagem angustiante de bois amontoados uns sobre os outros em um estreito cercado enquanto aguardam o momento no qual serão empurrados rumo ao saibro, perseguidos por dois cowboys e violentamente puxados pelo rabo até serem derrubados para delírio da plateia. Um dos responsáveis por passar areia nos pelos da cauda dos pobres bichos, facilitando o puxão, é Iremar (Cazarré), que também ajuda a transportá-los dos currais aos espaços dos confrontos, sendo auxiliado por Zé (Pessoa) e Mário (Alves) em um cotidiano supervisionado pela caminhoneira Galega (Jinkings). Completando esta quase família vem a filha pequena de Galega, Cacá (Santana), que insiste em permanecer ao lado da mãe mesmo sendo constantemente pressionada a ir morar com os avós a fim de poder estudar.

Escrito pelo diretor Gabriel Mascaro, Boi Neon não é filme de trama, mas de observação: com uma narrativa concebida a partir de longos planos que se dedicam a acompanhar aqueles personagens, o filme faz jus à origem de documentarista do cineasta ao sugerir estar simplesmente registrando eventos que se desenrolam naturalmente diante da câmera – uma “simplicidade” absurdamente difícil de ser alcançada, claramente dependendo de um elenco mergulhado na lógica daquele mundo e de uma direção que deve ser intimista sem soar intrusiva.

Ciente de que somos criaturas complexas, o filme parece determinado a subverter nossas expectativas e a fugir de estereótipos e preconceitos: se Galega é uma caminhoneira que cuida sozinha da manutenção do veículo (e é sintomático que o Word tenha acabado de sublinhar a palavra “caminhoneira” por não reconhecê-la no feminino), Iremar alterna suas tarefas de vaqueiro, limpando bosta de boi e marcando gado, com aquela que é sua verdadeira paixão: desenhar e costurar roupas femininas, chegando a afundar os pés num lamaçal para recolher restos de manequins que possam vestir suas criações. Aliás, nada no universo criado por Mascaro é óbvio – e até gestantes, normalmente (e paradoxalmente) retratadas como seres assexuados, aqui se tornam mulheres repletas de desejo e sensualidade.

Despertando nosso carinho por seus personagens ao enfocar suas interações e o cotidiano de trabalho constante no qual vivem, Boi Neon obviamente compartilha de nosso amor por aquelas pessoas, rindo de suas provocações bem-humoradas, exaurindo-se ao retratar seus esforços e comovendo-se ao enfocar seus sonhos. Aliás, se acreditamos na realidade daquelas atuações, esta força se origina em momentos aparentemente triviais: quando Iremar surge lavando a carroceria antes ocupada pela boiada, sua familiaridade com a tarefa é evidenciada através da maneira com que orienta o colega a não molhar as fezes dos animais, coletando-as com a mão e atirando-as para fora do caminhão com a naturalidade de quem passou anos executando o movimento. Já em outro ponto da projeção, Galega se depila na boleia do caminhão, assumindo uma posição desconfortável, mas que, percebemos, encontrou depois de inúmeras “sessões”, ao passo que Cacá jamais hesita em dar respostas atrevidas ao ser provocada pelos vaqueiros, ilustrando a intimidade construída entre todos.

Oscilando com segurança entre sequências cômicas (como a que envolve uma tentativa de roubo de sêmen) e dramáticas (carente, Cacá pede um abraço a Iremar), Boi Neon é fotografado com brilhantismo por Diego Garcia, que também se equilibra com talento entre a necessidade de retratar a crueza daquele mundo e a busca por uma estética plasticamente memorável. Assim, se em um momento vemos um casal transando no canto do quadro em meio a sombras duras enquanto se escoram em um cocho e dividem o curral com vários animais, em outro acompanhamos uma mulher (supostamente a própria Galega) que, com o rosto oculto por uma máscara de cavalo, dança sensualmente sob uma intensa luz vermelha.

O que me traz ao simbolismo magistral construído por Mascaro e que, partindo da conversa que descrevi na abertura deste texto, transforma os cavalos admirados por Cacá em uma representação dos sonhos dos personagens – e como é triste ver a garota desenhando seus animais favoritos nas páginas de uma revista pornográfica cujas páginas se encontram coladas pela ejaculação de homens carentes (aliás, é interessante notar que Iremar também havia rabiscado seus sonhos naquele espaço, cobrindo os corpos nus das modelos com seus designs de moda). Da mesma forma, o filme traz uma sequência emblemática – e incrivelmente evocativa – ao enfocar um adestrador que, em um picadeiro cercado por escuridão, acaricia a barriga de um cavalo como se este fosse um animal caseiro, de estimação, como se as aspirações representadas pelo bicho estivessem sob seu controle.

A tragédia daqueles homens e mulheres, contudo, é que a mesma coisa que os torna fascinantes (sua adaptação ao mundo de secura que habitam) é também o que limita suas possibilidades – e mesmo que cubramos o boi de suas realidades com tinta neon, levando-o a brilhar no escuro, isto não impedirá que ele seja subordinado à vontade dos vaqueiros. Pois, assim como o gado que criam, Iremar e seus companheiros correm apenas para serem derrubados.

Evitando a artificialidade de tentar encontrar resoluções dramaticamente satisfatórias para seus personagens, Boi Neon nos leva a reconhecer que estes, por mais que lutem, estão condenados por suas circunstâncias a continuar sonhando.

Neste sentido, as aspirações daquelas pessoas são como o pequeno cavalo alado e brilhante que Cacá, numa brincadeira infantil que a representa tristemente, mantém suspenso sobre o gado aprisionado de sua realidade.


Trailer:

 
Última edição:
Prestando atenção nas críticas e comentários durante os próprios festivais, dá pra pegar essas pérolas logo ou no Festival do Rio ou na Mostra de SP onde eles normalmente aparecem.
Eu vi esse ano passado no Festival do Rio e direto virou meu favorito para uma futura indicação ao Oscar, mesmo faltando tanto tempo. Principalmente me interessou pois o diretor tinha feito um belo filme (seu primeiro, acho) chamado Ventos de Agosto que também fez bonito em festivais.
A capacidade dele, nos dois filmes, de filmar o cotidiano dos personagens em situações comuns com pitadas de twists me lembrou o cinema romeno recente que tem sido o centro que tem mais me agradado nos últimos anos como o Mungiu ou o Puiu.

Assistam.
Eu acho que também estava no Net Now.
 
É, perdi a chance de ter visto esse nas telonas, tanto no festival do rio quanto quando estreou no início do ano (lembro que nessa época só passava em cinemas muito longe e não tão bons...
Agora quero ver tbm esse Ventos de Agosto.
 

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