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Notícias Bernardo Carvalho: Zelo por evitar spoiler em narrativas passa reflexão ao segundo plano,

Bruce Torres

Let's be alone together.
Zelo por evitar spoiler em narrativas passa reflexão ao segundo plano
Não existiria psicanálise se a história de Édipo precisasse preservar desenlace; na verdade, não haveria nem tragédia

Antes de “Ítaca”, que estreou em Paris em março, de Christiane Jatahy eu só tinha assistido a dois espetáculos: “A Floresta que Anda”, inspirado em “Macbeth”, e “A Regra do Jogo”, adaptação do filme homônimo de Jean Renoir. Os dois espetáculos faziam alusões a aspectos candentes da atualidade mundial (guerras, refugiados, ameaça do fascismo, opressão contra a mulher etc.), sem contribuir ou se comprometer com nenhum ponto de vista original, nada que pudesse ferir o senso comum e as boas intenções. Diferentemente da construção realista que desenvolve uma situação como problema para dar o que pensar ao espectador, arrolar uma série de fatos ou aspectos da atualidade corrobora o conforto de um suposto consenso. É o que parece acontecer no início de “Ítaca”, inspirado na “Odisseia”, quando as três atrizes brasileiras e os três atores franceses discorrem, entre amor, briga e desencontro, sobre guerras, travessias do Mediterrâneo, migrações, refugiados e a violência contra as mulheres. O disco gira riscado. E nós, espectadores, supomos que estamos todos de acordo. Parece haver uma inércia, um cansaço do texto e do pensamento. É um fator do nosso tempo e, em especial, do teatro contemporâneo. Rebaixado a “dramaturgia”, o texto é secundário, diz lugares-comuns ou absolutamente nada. À diferença dos dois espetáculos anteriores, “Ítaca” resolve essa falta de maneira tão mais singular quanto mais radical e evidente ela se torna. Ao abrir mão do texto como veículo, o sentido ambiciona uma totalidade orgânica com a cena. De repente tudo passa a fazer sentido, como numa epifania, sem que tenhamos que compreender exatamente o que está sendo revelado, quando os diferentes elementos (atores e cenário, sons e imagens) convergem para um ponto no tempo e no espaço, no qual é menos uma solução do problema que está em jogo do que uma nova experiência possível e inesperada, na comunhão ritual do espetáculo. O problema de revelar como isso é alcançado tem menos a ver com algum tipo de spoiler —a história é conhecida de todos e o texto do espetáculo é pífio— do que com a dificuldade de reproduzir em palavras uma experiência cênica extraordinária. O que “Ítaca” consegue nessa convergência de texto, atores e cenário para um ponto comum onde eles se tornam indistintos, como numa coreografia, um corpo formado por vários corpos, é a possibilidade de uma manifestação renovada de sentido coletivo por meio de uma experiência cênica. Pode parecer abstrato, mas é lindo. E é tudo o que almeja o melhor teatro contemporâneo. É também o oposto do que costuma acontecer no audiovisual (sobretudo nas séries de TV), onde o texto ganhou hegemonia sobre o sentido (ou sobre a falta dele). Hoje, fala-se da inteligência dos diálogos ou da engenhosidade da construção dramática, quando antes se elogiava o vazio metafísico e o silêncio de Antonioni ou as conexões incongruentes de Godard. O horror ao spoiler tem a ver com uma transferência de paradigma, do “como” para o “por quê”. Configura um mundo de regras comerciais ou acadêmicas, no qual a obsessão por não revelar finais e desenlaces se justifica como guardiã do entretenimento. Mas onde há tamanho zelo por evitar as revelações fora de hora e de lugar, a reflexão passa para segundo plano, quando não é simplesmente eliminada. Não existiria psicanálise se a história de Édipo precisasse preservar seu desenlace. Na verdade, não haveria nem tragédia. Já na Grécia antiga, a ideia de spoiler era uma contradição. Os espectadores assistiam repetidas vezes a tragédias que eles conheciam de cor. Para a técnica dramatúrgica, contam as regras e as conexões internas, oportunas —assim como para o academicismo contam as convenções: elas se aprendem e se ensinam. A reflexão, entretanto, depende de conexões externas, não convencionais, muitas vezes improváveis, inoportunas e até esdrúxulas. O pensamento funciona pela abertura para o real, para o que o contradiz e para o que lhe escapa. É o oposto da lógica que se compraz com o sucesso da própria representação. O pensamento está do lado da experimentação, da ruptura, do risco e do fracasso. A grande literatura também. O que o spoiler realmente estraga é uma relação passiva, consumista e não reflexiva com a arte. É de bom senso a moderação no uso do spoiler, mas o horror com que passamos a encarar tudo que estraga nossa diversão (como o real e a morte) também revela muito sobre os consumidores infantilizados que nos tornamos.

Bernardo Carvalho Romancista, autor de "Nove Noites" e "Reprodução", já foi jornalista da Folha.

Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/colun...rativas-passa-reflexao-ao-segundo-plano.shtml


PS: Texto corrido porque foi copiado de cópia. :P
 
Por que um ‘spoiler’ não estraga o filme: assim funciona a ciência da reviravolta na trama
Parte do prazer causado pelas reviravoltas na trama não deriva do impacto da surpresa, mas de apreciar as partes anteriores da história à luz da reviravolta

VERA TOBIN
26 MAI 2018 - 22:19 CEST

Fiz recentemente algo que muitos considerariam impensável, ou pelo menos perverso. Antes de assistir a Os Vingadores: Guerra Infinita, li deliberadamente uma resenha que revelava os principais pontos da história, do começo ao fim.

Não se preocupe; não vou contar nenhum desses spoilers aqui. Mas penso que a aversão a eles – que A. O. Scott, doNew York Times lamentou recentemente como “um tabu fóbico e hipersensível contra a discussão pública sobre tudo aquilo que acontece na tela” – é um tanto exagerada.

Em meu trabalho como cientista cognitiva estudo a relação entre a cognição e as narrativas e sei que os filmes – como todos os relatos – aproveitam nossa tendência natural a antecipar o que vai acontecer a seguir.

Essas tendências cognitivas ajudam a explicar por que as reviravoltas na trama podem causar tanta satisfação. Mas de maneira um pouco ilógica, também explicam por que o fato de saber antecipadamente uma reviravolta na história – o temido spoiler – não estraga a experiência de forma alguma.

A maldição do saber
Quando pegamos um livro pela primeira vez, geralmente queremos ter uma ideia do que devemos esperar; os romances de mistério leves, por exemplo, não devem conter violência ou sexo. Mas provavelmente também esperamos que o que vamos ler não seja completamente previsível.

Até certo ponto, o medo dos spoilers é bem fundamentado. Só temos a oportunidade de descobrir algo pela primeira vez. Uma vez descoberto, o descobrimento afeta o que percebemos, o que antecipamos e até os limites da nossa imaginação.

O que sabemos nos faz cometer equívocos em muitos aspectos, uma tendência geral conhecida como “maldição do saber”.

Por exemplo, quando sabemos a resposta de um enigma, esse conhecimento faz com que seja mais difícil calcular quanto custará para outra pessoa resolvê-lo: consideramos mais fácil do que realmente é.

Quando conhecemos o resultado de um evento – seja um jogo de basquete ou uma eleição –, tendemos a superestimar em que medida esse resultado era provável.

A informação que encontramos antes influencia o nosso cálculo do que é possível depois. Não importa se estamos lendo uma história ou negociando um salário: qualquer ponto de partida inicial para o nosso raciocínio – por arbitrário ou aparentemente irrelevante que seja – “ancora” a nossa análise. Em um estudo com especialistas jurídicos que foram apresentados a um caso criminal hipotético, os participantes deram penas mais longas quando eram apresentados a números mais altos obtidos com dados lançados ao acaso.

As reviravoltas na trama juntam tudo
Seja de modo consciente ou intuitivo, os bons escritores sabem de tudo isso.

Uma história eficaz opera sua magia aproveitando-se em parte desses e de outros hábitos de pensamento previsíveis. Pistas falsas, por exemplo, são um tipo de âncora que estabelece falsas expectativas e podem fazer com que as reviravoltas pareçam mais surpreendentes.

Uma parte do prazer causado pelas reviravoltas na história não deriva do impacto da surpresa, mas de apreciar as partes anteriores da história à luz da reviravolta. As surpresas mais satisfatórias adquirem força oferecendo-nos uma percepção nova e melhor do material anterior. Esta é outra oportunidade para as histórias aproveitarem a maldição do conhecimento.

Lembre-se de que, uma vez que sabemos a resposta de um enigma, suas chaves podem parecer mais transparentes para nós do que realmente eram. Quando retomamos partes anteriores do relato à luz desse conhecimento, as pistas bem construídas adquirem uma importância nova e satisfatória.

Pense em O Sexto Sentido. Uma vez revelada a grande reviravolta na história –que o personagem de Bruce Willis era o tempo todo um dos “mortos” que só o garoto protagonista via– o filme oferece uma repetição rápida de cenas que depois da surpresa adquirem outro sentido. Agora entendemos, por exemplo, que sua esposa (sua viúva, na verdade) não se apressou em pegar a conta em um restaurante antes dele por ressentimento, mas porque, até onde ela sabia, estava jantando sozinha.

Mesmo anos depois da estreia do filme, os espectadores sentem prazer com essa reviravolta, saboreando em que medida deveria ter sido “óbvio, caso se prestasse atenção” às partes anteriores do filme.

Prós e contras dos ‘spoilers’
Ao mesmo tempo, há estudos que mostram que, mesmo quando os espectadores têm certeza de um desfecho, eles inevitavelmente experimentam suspense, surpresa e emoção. As sequências de ação continuam a acelerar o coração, as piadas continuam sendo engraçadas e os momentos comoventes continuam a nos fazer chorar.

Como demostraram não muito tempo atrás Jonathan Levitt e Nicholas Christenfeld, pesquisadores da Universidade da Califórnia em San Diego, os spoilers não estragam prazer. Em muitos casos, o aumentam ativamente.

De fato, quando uma reviravolta importante na história é realmente inesperada, pode ter um efeito catastrófico no prazer, como muitos indignados espectadores de Guerra Infinita podem atestar.

Se você conhece a reviravolta de antemão, a maldição do conhecimento tem mais tempo para operar sua magia. Os elementos anteriores da história parecerão pressagiar o fim mais claramente quando já se sabe qual é o tal final. Isso pode fazer com que a obra como um todo pareça mais coerente, unificada e satisfatória.

Certamente, a antecipação é em si um prazer delicioso. Saber com antecedência as reviravoltas na trama pode reduzir esse entusiasmo, embora o conhecimento prévio não estrague o prazer da história em si.

Os especialistas em marketing sabem que o que os spoilers estragam é a urgência do desejo dos consumidores em ver ou ler uma história. O interesse e a expectativa podem cair a tal ponto que as pessoas ficam em casa, perdendo o prazer que teriam se nunca tivessem sabido o desfecho.

Vera Tobin é professora associada de Ciências Cognitivas da Case Western Reserve University.

Fonte: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/05/14/ciencia/1526289524_876609.html??id_externo_rsoc=FB_BR_CM
 
Li os dois artigos com satisfação. Não me ocorre nada inteligente a acrescentar, agora, de improviso. Também porque tenho preguiça de escrever no celular. Mas faço questão de deixar este comentário para que o tópico volte ao topo e, com sorte, outros membros o leiam, se beneficiem do seu teor e parem um pouco de se estressar com spoilers bobos. :hxhx:
 
Minha esposa e eu discutimos isso a um tempo atrás. Nossa conclusão foi que se a única coisa que o filme/série/livro/etc. tem de bom e que não pode ser mencionado, então tudo o resto é uma porcaria. Além disso, se spoiler é tão um problema então não existe motivo de revisita. Ou se você leu o livro por que vai assistir a adaptação?
O que não tinhamos conseguido identificar é o motivo do tal do 'spoiler' ser tão problemático. Sendo eu culpado disso pelo menos uma vez. Mas o último parágrafo do segundo texto deixa claro. É simplismente financeira. No final do dia, não tem nada a ver com nada além de dinheiro. Quanto mais 'hype' as pessoas ficarem com isso ou aquilo maiores as chances de gastarem dinheiro com isso.
Enfim, excelente artigos de opinião. Gostei de ambos e como @Béla van Tesma, li com satisfação hoje. :)
 

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