Edu
Draper Inc.
Eu estou com medo de ser chamado de louco, mas se sou ou não não faz diferença. Eu não ligo. Não tanto. Não todas as vezes. Não importa o que digam, eu sempre saberei quem sou. É isso o que importa, não é? É o que todos esperam uns dos outros, porque se não, queridos, se a gente não souber quem é, então estaremos perdidos. Do contrário, quem vai saber? Quem vai se dar conta? Ninguém conhece os outros, ninguém para pra prestar atenção nos outros, e mesmo quando acham que sabem demais, bem, eles só estão sendo estúpidos.
Eu odeio quase todo o mundo. E também tenho medo de ser chamado de louco por ele. Não sei se é saudável me sentir assim, realmente não sei, mas não posso estar de outro jeito. Eu quero morrer. Eu quero. Eu quero ver cada parte de mim acabar, virar pó, se levantar como fumaça, rodopiar — umas espiraizinhas poeirentas e encardidas — e depois desaparecer. Eu quero, mas quem sabe isso de mim? Estou falando, falando e falando e tudo o que escuto é o eco abafado da minha voz esganiçada. Ninguém presta atenção de verdade: fantoches, só balançam a cabeça e parecem concordar sorridentes. Eu estou morto por dentro. Não há mais dentro, não há mais fora. Eu sei lá onde começo e onde termino, a única coisa de que tenho certeza é que estou contaminado.
Alguém jogou qualquer porcaria em mim, tenho certeza. Algum vagabundo mimado despejou merda em cima de mim. Eu sei lá se é merda, só falo essas coisas pra me chocar um pouquinho. Eu sou comportado, mas nem tanto. Nem sempre. Às vezes passo dos limites, vocês sabem? Uma vez cresci muito e me cortaram. Ou algo assim. Não sei ao certo, mas estou menor. Há algumas partes de mim faltando, vocês veem? Não, claro que não. Será que ainda tinha alguma esperança? Bem, não, mas a gente sempre acaba se apegando a qualquer coisa que vê pela frente. Um dia vi um cachorro. Eu queria ter um cachorro, eu queria amá-lo, e eu podia fazer isso. Ele mijou em mim.
Nunca mais cheguei perto de cachorros. Ou melhor, eles é que nunca voltaram a se aproximar de mim. Parece que farejam e sentem que os temo. Sim, eu tenho medo, já disse. Mas isso é engraçado, porque foi ele quem mijou em mim. Será que temos mesmo de temer quem faz isso conosco? Quando alguém mija em vocês, o que fazem? Acho que não sabem, nunca respondem. É sempre o mesmo. Sempre mais do mesmo. Na verdade, começo a pensar que é sempre menos. Me cortaram, eu contei, estou diminuído. Há merda em mim. Havia mijo, mas limparam. Alguém entrou e bagunçou tudo. Eu odeio todo o mundo. Ou não odeio? Sim, é sim. É assim que as coisas funcionam, é assim que eu sinto, é assim e não há porque esconder. Não é sensato, e temos de ser todos sensatos, só podemos agir sensatamente. Não podemos nos dar ao luxo de sermos chamados de louco.
A alma fica pequena.
Não se sabe mais quem é, entendem? Acredito que sim. Todos passam por isso, todos se esvaziam assim. É quando nada faz sentido e só queremos... chorar? Não. Nós só queremos ser nós mesmos, mesmo que aquilo que vejamos como "nós" seja alguém muito diferente (e às vezes muito melhor) do que o eu que realmente temos. Eu não me importo, sei quem sou e isso já me basta, mas quem vai chamar meu nome quando eu me esquecer dele? Porque, eventualmente, é da nossa fisiologia esquecê-lo. Nossas mentes não guardam tantas coisas boas, por que deveriam guardar um nome? Ele é para os outros saberem quem somos, raramente precisamos usá-lo para chamarmos a nós mesmos. Se ninguém liga, porque o cérebro deveria ligar? Será que existe cérebro? Eu vejo nos outros, mas nunca em mim.
É triste. É lamurioso. Sempre ouvi essa palavra, lamur, lamu, lam urioso. Eu gosto, mas é só. Não sei o que significa, mas as pessoas a usam quando estão tristes. Eu sempre uso, claro, sempre estou triste. Sempre incompleto. Sempre, é, sempre. Urioso ou não, só sei que irão me derrubar um dia. Sabem, não há nada de errado em me derrubarem, por Deus (e nós temos um Deus!), não é incorreto. Mas será que doi? Já vi muitos caírem, muitos estatelarem-se ao chão, mas nenhum levantou-se de lá de um pulo e disse "Vejam só, ainda estou inteiro! Não é nada de ruim, a gente se conserta depois". Acho que ninguém se conserta. Acho que ninguém volta. É assim que tem de ser, não há porque olhar e rir ou olhar e chorar. Não há porque nem pensar nisso, eu acredito. Só acontece assim, e isso basta para que saibamos que não há como fugir, e que será melhor quando acabar.
O problema não é que as coisas aconteçam, o problema é que elas duram muito. Eu poderia viver toda a minha vida parado num mesmo lugar, como sempre vivi, e não reclamaria nem um pouquinho, não senhor. A questão é que a vida é longa pra nós, longa e cansativa, longa e entediante. Ninguém me escuta aqui, com quem vou conversar? Às vezes tocam em mim. É bom. Às vezes brincam comigo, às vezes me mudam — costumo ficar mais atraente, mais amado por todos. Mas eu sempre desboto com o tempo, nunca fico como me querem. Aí perdem o interesse em mim. Minha única alegria é poder acompanhar tudo o que fazem, todas as vidas dentro de mim e ao meu redor. Isso é bom, isso reconforta. Se não fosse assim... Deus, quem eu seria?
Todos nós acabamos nos parecendo muito, no fim das contas, com aqueles que vivem conosco. É inegável e incontrolável. Uma vez havia uma garota com três bolas de sorvete sobre um cone de papel. O vestido dela era verde e parecia ser feito de limonada. Com ela eu aprendi que sorvete doi os dentes se for comido muito depressa, ela sempre mordia, mordia, mordia e logo fazia uma careta. Perguntavam "O que foi?" e a garota respondia "Está frio". Eles não dão valor a isso. Eu dei. Aprendi que sorvete doi os dentes às vezes. O que pode ser mais precioso que isso? Do que mais eu preciso? Eu não tenho dentes, talvez já tenha tido e não me lembro, mas é irrelevante. Eu sempre vou saber que o sorvete é amado por todos, mas que machuca aqueles que não sabem que ele é apenas um lugar onde guardam o frio. No fim a gente tem de saber algo sobre todo mundo, é assim que as coisas funcionam. Acho que o sorvete é um coração que consegue viver fora do corpo.
Eu não tenho um coração.
Não é como os dentes, que eu talvez tenha perdido. Eu sei que nunca tive um coração. Já vi muitas pessoas dizerem às outras "Você não tem coração", etc., e sei que isso significa que elas não sabem amar. Ou, em outras palavras, que não sabem sentir. À exceção do medo, eu nunca senti nada, e o medo só é gelado. O medo provavelmente é sorvete, acho que passaram sorvete em mim e aí ele apareceu. Eu não tenho um coração, dentro de mim só há esse medo. Medo e cimento, é claro, e vigas de ferro. E algumas lascas de madeira também. Eu sou uma parede, uma parede que teme, essa é a verdade. Talvez tenham pensado em mim como um homem... também penso assim de vez em quando, e acho que acabamos não sendo tão diferentes, afinal de contas. A única diferença entre nós é que eu gostaria de tomar sorvete pra ver se tem gosto de medo. Eles "Tomam coragem", já disseram, e quase nunca surte efeito, porque voltam a cometer os mesmos erros e a recear as mesmas coisas.
Se somos os dois tão limitados, quadrados, estáticos, duros e frios, talvez precisemos das mesmas coisas para nos sentirmos inteiros e confiantes. E felizes. Eu sou uma parede, os homens nos constroem e nos destroem, dependemos deles para existir e ninguém nega isso, mas, depois de anos cercando uma casa onde muitos já viveram, também não nego que somos os mesmos. Acredito que eles nos construam para protegê-los de alguns de seus maiores receios, e não me chamem de louco por isso, mas também acho sinceramente que eles temem mais coisas por nossa causa. Não é que ficam mal acostumados, é só que, ao se esconderem atrás, de suas paredes eles deixam de mostrar aos outros que, dentre outras coisas, ainda sentem dor quando tomam seus sorvetes muito rapidamente. Ninguém vê, ninguém pergunta o que há, então perdem a chance de dizer "Está frio". Aí, ninguém se lembra que os homens precisam ser aquecidos.
Se erguer uma de nós, por favor, esteja pronto para também construir uma lareira para nos esquentar. Ou aprenda a abraçar suas paredes.
Eu odeio quase todo o mundo. E também tenho medo de ser chamado de louco por ele. Não sei se é saudável me sentir assim, realmente não sei, mas não posso estar de outro jeito. Eu quero morrer. Eu quero. Eu quero ver cada parte de mim acabar, virar pó, se levantar como fumaça, rodopiar — umas espiraizinhas poeirentas e encardidas — e depois desaparecer. Eu quero, mas quem sabe isso de mim? Estou falando, falando e falando e tudo o que escuto é o eco abafado da minha voz esganiçada. Ninguém presta atenção de verdade: fantoches, só balançam a cabeça e parecem concordar sorridentes. Eu estou morto por dentro. Não há mais dentro, não há mais fora. Eu sei lá onde começo e onde termino, a única coisa de que tenho certeza é que estou contaminado.
Alguém jogou qualquer porcaria em mim, tenho certeza. Algum vagabundo mimado despejou merda em cima de mim. Eu sei lá se é merda, só falo essas coisas pra me chocar um pouquinho. Eu sou comportado, mas nem tanto. Nem sempre. Às vezes passo dos limites, vocês sabem? Uma vez cresci muito e me cortaram. Ou algo assim. Não sei ao certo, mas estou menor. Há algumas partes de mim faltando, vocês veem? Não, claro que não. Será que ainda tinha alguma esperança? Bem, não, mas a gente sempre acaba se apegando a qualquer coisa que vê pela frente. Um dia vi um cachorro. Eu queria ter um cachorro, eu queria amá-lo, e eu podia fazer isso. Ele mijou em mim.
Nunca mais cheguei perto de cachorros. Ou melhor, eles é que nunca voltaram a se aproximar de mim. Parece que farejam e sentem que os temo. Sim, eu tenho medo, já disse. Mas isso é engraçado, porque foi ele quem mijou em mim. Será que temos mesmo de temer quem faz isso conosco? Quando alguém mija em vocês, o que fazem? Acho que não sabem, nunca respondem. É sempre o mesmo. Sempre mais do mesmo. Na verdade, começo a pensar que é sempre menos. Me cortaram, eu contei, estou diminuído. Há merda em mim. Havia mijo, mas limparam. Alguém entrou e bagunçou tudo. Eu odeio todo o mundo. Ou não odeio? Sim, é sim. É assim que as coisas funcionam, é assim que eu sinto, é assim e não há porque esconder. Não é sensato, e temos de ser todos sensatos, só podemos agir sensatamente. Não podemos nos dar ao luxo de sermos chamados de louco.
A alma fica pequena.
Não se sabe mais quem é, entendem? Acredito que sim. Todos passam por isso, todos se esvaziam assim. É quando nada faz sentido e só queremos... chorar? Não. Nós só queremos ser nós mesmos, mesmo que aquilo que vejamos como "nós" seja alguém muito diferente (e às vezes muito melhor) do que o eu que realmente temos. Eu não me importo, sei quem sou e isso já me basta, mas quem vai chamar meu nome quando eu me esquecer dele? Porque, eventualmente, é da nossa fisiologia esquecê-lo. Nossas mentes não guardam tantas coisas boas, por que deveriam guardar um nome? Ele é para os outros saberem quem somos, raramente precisamos usá-lo para chamarmos a nós mesmos. Se ninguém liga, porque o cérebro deveria ligar? Será que existe cérebro? Eu vejo nos outros, mas nunca em mim.
É triste. É lamurioso. Sempre ouvi essa palavra, lamur, lamu, lam urioso. Eu gosto, mas é só. Não sei o que significa, mas as pessoas a usam quando estão tristes. Eu sempre uso, claro, sempre estou triste. Sempre incompleto. Sempre, é, sempre. Urioso ou não, só sei que irão me derrubar um dia. Sabem, não há nada de errado em me derrubarem, por Deus (e nós temos um Deus!), não é incorreto. Mas será que doi? Já vi muitos caírem, muitos estatelarem-se ao chão, mas nenhum levantou-se de lá de um pulo e disse "Vejam só, ainda estou inteiro! Não é nada de ruim, a gente se conserta depois". Acho que ninguém se conserta. Acho que ninguém volta. É assim que tem de ser, não há porque olhar e rir ou olhar e chorar. Não há porque nem pensar nisso, eu acredito. Só acontece assim, e isso basta para que saibamos que não há como fugir, e que será melhor quando acabar.
O problema não é que as coisas aconteçam, o problema é que elas duram muito. Eu poderia viver toda a minha vida parado num mesmo lugar, como sempre vivi, e não reclamaria nem um pouquinho, não senhor. A questão é que a vida é longa pra nós, longa e cansativa, longa e entediante. Ninguém me escuta aqui, com quem vou conversar? Às vezes tocam em mim. É bom. Às vezes brincam comigo, às vezes me mudam — costumo ficar mais atraente, mais amado por todos. Mas eu sempre desboto com o tempo, nunca fico como me querem. Aí perdem o interesse em mim. Minha única alegria é poder acompanhar tudo o que fazem, todas as vidas dentro de mim e ao meu redor. Isso é bom, isso reconforta. Se não fosse assim... Deus, quem eu seria?
Todos nós acabamos nos parecendo muito, no fim das contas, com aqueles que vivem conosco. É inegável e incontrolável. Uma vez havia uma garota com três bolas de sorvete sobre um cone de papel. O vestido dela era verde e parecia ser feito de limonada. Com ela eu aprendi que sorvete doi os dentes se for comido muito depressa, ela sempre mordia, mordia, mordia e logo fazia uma careta. Perguntavam "O que foi?" e a garota respondia "Está frio". Eles não dão valor a isso. Eu dei. Aprendi que sorvete doi os dentes às vezes. O que pode ser mais precioso que isso? Do que mais eu preciso? Eu não tenho dentes, talvez já tenha tido e não me lembro, mas é irrelevante. Eu sempre vou saber que o sorvete é amado por todos, mas que machuca aqueles que não sabem que ele é apenas um lugar onde guardam o frio. No fim a gente tem de saber algo sobre todo mundo, é assim que as coisas funcionam. Acho que o sorvete é um coração que consegue viver fora do corpo.
Eu não tenho um coração.
Não é como os dentes, que eu talvez tenha perdido. Eu sei que nunca tive um coração. Já vi muitas pessoas dizerem às outras "Você não tem coração", etc., e sei que isso significa que elas não sabem amar. Ou, em outras palavras, que não sabem sentir. À exceção do medo, eu nunca senti nada, e o medo só é gelado. O medo provavelmente é sorvete, acho que passaram sorvete em mim e aí ele apareceu. Eu não tenho um coração, dentro de mim só há esse medo. Medo e cimento, é claro, e vigas de ferro. E algumas lascas de madeira também. Eu sou uma parede, uma parede que teme, essa é a verdade. Talvez tenham pensado em mim como um homem... também penso assim de vez em quando, e acho que acabamos não sendo tão diferentes, afinal de contas. A única diferença entre nós é que eu gostaria de tomar sorvete pra ver se tem gosto de medo. Eles "Tomam coragem", já disseram, e quase nunca surte efeito, porque voltam a cometer os mesmos erros e a recear as mesmas coisas.
Se somos os dois tão limitados, quadrados, estáticos, duros e frios, talvez precisemos das mesmas coisas para nos sentirmos inteiros e confiantes. E felizes. Eu sou uma parede, os homens nos constroem e nos destroem, dependemos deles para existir e ninguém nega isso, mas, depois de anos cercando uma casa onde muitos já viveram, também não nego que somos os mesmos. Acredito que eles nos construam para protegê-los de alguns de seus maiores receios, e não me chamem de louco por isso, mas também acho sinceramente que eles temem mais coisas por nossa causa. Não é que ficam mal acostumados, é só que, ao se esconderem atrás, de suas paredes eles deixam de mostrar aos outros que, dentre outras coisas, ainda sentem dor quando tomam seus sorvetes muito rapidamente. Ninguém vê, ninguém pergunta o que há, então perdem a chance de dizer "Está frio". Aí, ninguém se lembra que os homens precisam ser aquecidos.
Se erguer uma de nós, por favor, esteja pronto para também construir uma lareira para nos esquentar. Ou aprenda a abraçar suas paredes.