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As obras de Tolkien, alegóricas ou não?

Existem alegorias nas obras de Tolkien?

  • Sim, conscientemente

    Votos: 7 15,9%
  • Sim, inconscientemente

    Votos: 22 50,0%
  • Não

    Votos: 10 22,7%
  • Não tenho opinião formada

    Votos: 5 11,4%

  • Total de votantes
    44
O que é alegoria? Aliás, ressalvo, não é "o que é alegoria para vocês?", uma pergunta absolutamente sem sentido. É uma pergunta sobre a definição de alegoria literária, ampliando aquela colocada no primeiro post, pelo Kainof.
 
Inconscientemente sim. Como já foi dito, ele não gostava de alegorias e não as colocou propositalmente em suas obras, porém (como também já foi dito) quando alguém escreve algo coloca nessa obra seus sentimentos, o que pode vir a resultar em alegorias, em especial quando se vive em uma época marcante, como é o caso de Tolkien e a Segunda Guerra.
 
Antes que me interpretem errado, queria deixar claro que meu post baseia-se em minhas interpretações, com base em pesquisas feitas e em textos lidos. Se eu tento interpretar o que pensava Tolkien, não é por ser pretencioso, mas sim porque gosto de tentar olhar os fatos criticamente e pensar em soluções plausíveis para aquilo que vejo. Além disso, eu demorei bastante para escrever tudo isso e não tenho tempo para rever o tópico, por isso este post pode estar desatualizado com relação ao debate no tópico todo.


Eu votei na primeira opção. Acredito que Tolkien tinha sua própia visão do que era uma alegoria, por isso negava fazê-las. Mesmo assim, ele sabia que as fazia.

Pesquisei um pouco e encontrei um site que trazia a seguinte explicação sobre alegorias:

Alegoria
A alegoria se assemelha à metáfora em muitos pontos. Poderia até ser considerada uma metáfora do tipo III. Resolvemos considerá-la isoladamente em função de sua relevância e particularidades.


Alegoria contextualizada
Intuitivamente, a alegoria contextualizada ocorre quando um enunciado passível de leitura imediata transmite um significado impróprio ou deslocado do contexto extraverbal em que é lançado, fazendo o receptor pensar num segundo enunciado apropriado ao contexto que tenha com o primeiro uma relação de similaridade.

Os ditados populares são alegorias contextualizadas:

'Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura.'

'Mais vale um pássaro na mão que dois voando.'

'Casa de ferreiro, espeto de pau.'

Os dois enunciados da alegoria, o substituto e o substituído, devem ser pertinentes a uma mesma classe de enunciado genérico.

-Os três elementos da alegoria contextualizada são:

  • o enunciado alegórico ou substituto;
  • o enunciado substituído;
  • o enunciado genérico.

Um exemplo baseado num ditado popular: Imaginemos alguém se queixando para um amigo por não conseguir conquistar a amada. O outro lhe diz: 'Água mole em ...'

Enunciado alegórico: 'Água mole em ...'.

Enunciado substituído: 'Não desista! Ela há de ceder'.

Enunciado genérico: 'A perseverança quebra lentamente as resistências'.

Pode-se questionar se a decifração de uma alegoria contextualizada é o enunciado particular adequado ao contexto ou, se ao contrário, é o enunciado genérico. Ambos são pertinentes. Cada receptor adotará a solução que julgar mais conveniente.


Alegoria não contextual

Consideremos o livro A Metamorfose, de Kafka. Numa certa manhã, o personagem Gregor Samsa acorda transformado num repulsivo inseto. Será que Kafka, gênio da literatura, pretendia exclusivamente contar uma pitoresca história de um homem transformado em inseto? É provável que estejamos diante de um recurso literário, que também é recurso de Retórica, que consiste em dizer uma coisa querendo dizer outra. Neste caso, a situação é bem diversa da que ocorre na emissão das alegorias contextualizadas. Para a alegoria de Kafka não está determinado o contexto em que ela se aplica. É o leitor que deve, por sua conta e risco, definir o que substitui o enunciado alegórico kafkiano. Trata-se de uma alegoria com semântica aberta.

http://www.radames.manosso.nom.br/retorica/alegoria.htm

Vejam, as obras de Tolkien podem sim ter seu sentido extrapolado. Alguém que lê a saga de Frodo e absorve apenas conceitos sobre a Terra-Média, sem pensar nisso analogicamente à vida real e ao contexto de época em que a obra foi escrita, perde parte do conteúdo presente nos livros.

O própio Tolkien chegou a explicar alguns pontos de seu livro. Na carta 96, ele fala sobre a "Guerra das Máquinas", algo muito parecisdo com um trecho de "O Hobbit". Incusive ele compara os orcs ao povo:

Carta 96 disse:
Supostamente alcançamos um estágio de civilização no qual ainda pode ser necessário executar um criminoso, mas não tripudiar ou enforcar a mulher e o filho de tal indivíduo enquanto a multidão orc vaia.

[...]

Bem, a primeira Guerra das Máquinas parce estar aproximando-se de seu inconclusivo capítulo final - deixando, que tristeza, todos mais pobres, muitos enlutados ou mutilados, milhões mortos e apenas uma coisa triunfante: as Máquinas. Como os servos das Máquinas estão se tornando uma classe privilegiada, as Máquinas serão imensamente mais poderosas. Qual o próximo passo deles?

Comparando com um trecho a respeito dos orcs em "O Hobbit":

Ora, os orcs são cruéis, malvados e perversos. Não fazem coisas bonitas, mas fazem coisas muito engenhosas. Podem cavar túneis e minas tão bem quanto qualquer um, exceto os anões mais habilidosos, quando se dão ao trabalho, embora geralmente sejam desorganizados e sujos. Martelos, machados, espadas, punhais, picaretas, tenazes, além de instrumentos de tortura, eles fazem muito bem, ou mandam outras pessoas fazerem conforme o seu padrão, prisioneiros e escravos que têm de trabalhar até morrer por falta de luz. Não é improvável que tenham inventado algumas das máquinas que desde então perturbam o mundo, especialmente os instrumentos engenhosos para matar um grande número de pessoas de uma só vez, pois sempre gostaram muitos de rodas e motores e explosões, como também de não trabalhar com as próprias mãos além do estritamente necessário; mas naqueles dias e naquelas regiões selvagens ainda não tinha avançado (como se diz) tanto. [Página 62/63 da edição de 2003]

Ainda nesse ponto, segue um comentário do Aryk Nusbacher, talvez numa tradução não muito boa:

Tolkien criou os Orcs como uma representação da guerra industrial. Não há uma cultura em particular que seja representada pelos Orcs e isso é distinto de muitas ficções alemãs e pornografia do final do século 19, começo do século 20, onde há personagens sub-humanos, quase explicitamente representam grupos étnicos.

Na versão alemã deste inimigo sintético você vê quase claramente que eles têm uma aparência judia ou a aparência eslava, ou a aparência negra. Tolkien não faz isso. Tolkien cria espécies sintéticas e elas representam soldados e são muito resistentes, podem marchar um longo caminho, matam qualquer coisa no caminho e pisam nos gramados apenas por prazer. Eles quebram coisas que não precisam ser quebradas. Eles odeiam a vida. Esses são guerreiros industriais e você pode ver os Orcs no exército de Hitler, no de Stálin, no exército inglês onde Tolkien viu os Orcs.

E quando o seu filho, Christopher Tolkien, estava no exército inglês, na 2º Guerra, em suas correspondências, eles se referiam aos “martinets” como pessoas preocupadas demais com a brutalidade da guerra, como os Orcs e Tolkien vê os Orcs em todo lugar. Ele os vê nas pessoas que constroem estradas onde ele acha que não deveria haver uma e vê os fabricantes de automóveis na metade do século 20, como sendo Orcs que receberam o dom da tecnologia. Ele os chama de “Orcs que encontraram o Anel”.

Então Tolkien os cria para representar tudo que é ruim na guerra moderna.

Eu vejo que Tolkien negava haver sentido alegórico em seus textos, mas ele mesmo usava os orcs como uma alegoria para as pessoas ruins do mundo e a 'Guerra das Máquinas'. Além disso, fica perfeitamente claro que essa visão, somada à participação na Primeira Guerra Mundial e a do seu filho na Segunda Guerra, influenciaram diretamente no conteúdo dos livros.

Agora, a pergunta crucial: tais comparações e extrapolações de sentido são mesmo alegorias? De acordo com as definições que eu encontrei (vide acima), sim. E o mais legal é que as obras de Tolkien dão espaço para as alegorias classificadas como "contextualizadas" bem como para as "não contextuais".

Existe todo um significado por trás daquilo que o professor escreve. E esse significado pode ser visto por alguém que conhece a história dele (e, portanto, entende um pouco mais aquilo que o livro queria dizer para ele) da mesma forma que pode ser aplicada aos nossos própios conhecimentos mundanos.

Eu, sinceramente, não acho que Tolkien poderia ter feito um livro alegoricamente tão completo por simples acaso.

Mas então chega-se ao ponto de que ele mesmo negava ter feito alegorias:

Carta 181 disse:
Obrigado pela sua carta. Eu espero que você tenha se divertido com O Senhor dos Anéis? Divertido é a palavra-chave. Pois ele foi escrito para entreter (em seu sentido mais elevado): para que a leitura seja agradável. Não há ‘alegoria’ moral, política ou contemporânea em todo o trabalho.

Na minha interpretação, a explicação para isso está ainda na mesma carta, logo abaixo:

Ele é um "conto de fadas", mas um escrito - de acordo com a convicção que certa vez exprimi em um extenso ensaio chamado On fairy-stories que eles são a audiência apropriada - para adultos. Porque eu acredito que contos de fadas têm sua própria forma de refletir a verdade, diferentemente de alegoria, ou (sustentada) sátira, ou realismo, e em certos aspectos mais poderosa. Mas antes de tudo deve proceder apenas como um conto, excitar, deleitar, e em alguma ocasião comover, e internamente a seu próprio mundo imaginário, estar de acordo (literariamente) ao seu propósito. Ser bem sucedido nisso era o meu objetivo primário.

Mas, evidentemente, se alguém decide se dirigir a adultos (mentalmente adultos, em qualquer caso), eles não serão excitados, deleitados ou comovidos ao menos que o todo, ou os incidentes, pareçam ser sobre algo que mereça consideração, mais exemplos que mero perigo e fuga: deve haver alguma relevância à situação humana (de todos os períodos). Então, algo das próprias reflexões e valores do contador de histórias irá, inevitavelmente, estar inserido no trabalho. Isso não é o mesmo que alegoria. Nós todos, em grupos ou como indivíduos, exemplificamos princípios gerais; mas nós não os representamos. Os Hobbits não são maior alegoria do que são (digamos) os pigmeus da Floresta Africana. Gollum, para mim, é apenas um personagem - alguém imaginado - que garantiu que a situação agisse mais ou menos sob forças opostas, como se parecesse para ele que provavelmente agiria (há sempre um elemento incalculável em qualquer indivíduo real ou imaginário: de outra forma ele/ela não seria uma individualidade mas um tipo.)

Eu vou tentar e responder suas questões específicas. A cena final da Demanda se deu daquela forma simplesmente porque em relação à situação, e com o caráter de Frodo, Sam e Gollum, aqueles acontecimentos a mim pareceram mecanicamente, moralmente e psicologicamente críveis. Mas, é claro, caso você deseje mais reflexão eu devo dizer que internamente ao desenvolvimento da história, a catástrofe exemplifica (um aspecto das) palavras familiares: Perdoai as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido. Não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal.

[...]

Não há personificação do Criador em lugar algum desta história ou mitologia. Gandalf é uma pessoa criada;

Pelo que eu pude entender dos escritos de Tolkien, ele considerava Contos de Fadas algo diferente de Alegorias. Algo maior e mais profundo, que gera ainda mais reflexão (como se vê na frase em negrito). Ao mesmo tempo, considerava que as partes do livro criadas a partir de sua própia experiência de vida não são alegorias, pois são essas experiências que geram as idéias no livro, não é o livro feito para gerar idéias.

Além disso, me parece que ele tinha certo receio ideológico em representar o mundo. Talvez por sua forte religiosidade, ele sempre nega com ênfase o fato de que Cristo, Deus ou qualquer outro conceito divino não estão presentes nas suas obras.

A dissertação do professor me faz pensar que ele procurava um argumento forte para comprovar uma nova idéia acerca do que é uma alegoria e, principalmente, exprimir um sentido mais profundo, talvez mais preciso, sobre o que quis passar em suas obras.

Ainda assim, os tais contos de fadas são alegorias. Por mais que Tolkien quisesse colocar sua obra num patamar diferenciado, eu não consegui encontrar qualquer menção de que os contos de fadas são classificados separadamente de outras alegorias.

Em suma, eu acredito que Tolkien sabia mais do que muito bem o que estava fazendo. Ele criou alegorias e as classificou de maneira diferente porque queria dar um sentido mais profundo a sua obra.

Além disso, é uma boa "jogada de marketing". Muitos autores fazem coisas do tipo (negar algo evidente em sua obra apenas para causar reflexão, gerar discussões ou simplesmente fazer polêmicas). Na verdade, eu acho que quase todas as grandes obras têm mistérios e/ou controvérsias em si. É, em parte, isso que as faz grandes.

Nós sabemos que Tolkien deixou alguns mistérios (Bombadil, Barlogs, Legolas), então pode perfeitamente ter deixado assuntos controversos em aberto para discussão. =]
 
Mesmo não tendo a intenção de não criar alegorias em sua obras(como foi citado pelo autor mais de uma vez) a maioria dos leitores acabam associando outros sentidos a certos personagens ou acontecimentos
 
Bem, entendendo alegoria como sendo a expressão de um pensamento de forma figurada, podemos ainda assim encontrá-las nas obras (sustento a idéia de serem "inconscientes", e já que estamos conceituando, eu uso o inconsciente que Freud usou para criar a psicanálise).
Enetendendo-a como uma espécei de ficção que "representa uma coisa para dar idéia de outra", temos perfeitamente elucidado por Bagrond a questão dos orcs.
Entendendo como uma obra artística que representa uma idéia abstrata mediante formas que a tornam compreensível, ainda temos as alegorias.
Porém, nos diferentes níveis elas podem varias de "conscientes" para "inconscientes".

Sigmund Freud, um dos críticos da visão tradicional da psicologia, que entendiam o consciente ser o responsável pelas ações humanas em seu dia a dia, alegava que a análise da consciência era limitada e inadequada, pois a compreensão dos motivos fundamentais do comportamento humano requeria um outro elemento: o inconsciente.
Mas, então vamos conceituar o consciente e o inconsciente:

Tudo que conhecemos é consciência: a percepção do mundo objetivo, as lembranças, os sentimentos, o pensamento, a percepção do mundo subjetivo, ou seja, como concebemos as lembranças, os sentimentos, os sonhos, os devaneios. Um conteúdo mental para ter acesso à consciência precisa ser um acontecimento perceptível.
Enquanto, a inconsciência, o inconsciente, no modelo de Freud, é o lugar teórico dos impulsos (ou melhor traduzindo, pulsões) e das representações reprimidas ou que nunca puderam chegar a consciência.

Sendo assim, colocaria que é inconsciente em sua maioria, agora já conceituando de forma clara, alegoria e consciência, as alegorias presentes nas obras.

Abraços.
 
Muito legal o post do Bagrong. Bem elaborado, com várias citações. :D

O que podemos encontrar de "ecos" do social na obra (que se apresentam de forma bem sutil), é por exemplo, a visão que se tem da nobreza, ou mesmo os laços de amizade. Nesse sentido podemos encontrar marcas do tempo que Tolkien viveu, da experiência de vida dele.

Existem também ecos culturais na obra. Características de um ideário europeu da época que se refletem nas obras.

Mas se for assim, minha definição de alegoria estava equivocada. Seria legal alguém definir "alegoria" com exatidão. Talvez dando possíveis exemplos de trechos que poderiam ser alegorias ou confundidos com alegorias.
 
Oi, você leu o resto do post?

Mas, mesmo assim, são interpretações que nem entram no campo da alegoria, é mais uma leitura social da obra mesmo (o que é diferente de dizer que Frodo poderia ser uma alegoria para Cristo ou algo do gênero)

E sobre definição literária de alegoria, eu coloco no início do meu artigo, que por acaso a Shantideva linkou aqui mas aparentemente ninguém leu.

“Etimologicamente, a alegoria consiste num discurso que faz entender outro, numa linguagem que oculta outra. Pondo de parte as divergências doutrinárias acerca do conceito preciso que o vocabulário encerra, podemos considerar alegoria toda concretização, por meio de imagens, figuras e pessoas, de idéias, qualidades ou entidades abstratas. O aspecto material funcionaria como disfarce, dissimulação, ou revestimento, do aspecto moral, ideal ou ficcional.”

(do Dicionário de Termos Literários de Massaud Moisés)

A grande questão aqui é: ao sentar para escrever O Senhor dos Anéis, Tolkien não pensou "Puxa, vou fazer uma crítica social através de uma história envolvendo elfos, anões e hobbits". Isso ele diz, inclusive. Então, se não há a intenção, o resto é só interpretação de leitor (e isso eu já disse 'n' vezes neste tópico mesmo).

Portanto, se há alegoria em Tolkien, depende meramente da interpretação do leitor, uma vez que o autor não teve a intenção de. Para deixar mais claro, vou citar um caso que o Umberto Eco cita em Lectore in Fabula.

No período em que ainda havia a União Soviética, a utilização do termo "russo" era pejorativa. Entretanto, por descuido, um autor utilizou o termo (e não "soviético") em uma obra, que passou a ser lida como uma crítica à URSS.

Buscar alegoria em SdA é a mesma coisa. Vocês estão dando suas visões pessoais da obra, mas isso não significa que o autor planejou a utilização deste recurso.
 
Oi, você leu o resto do post?

Claro, por isso fiquei em dúvida quanto à conceituação de alegoria...

E sobre definição literária de alegoria, eu coloco no início do meu artigo, que por acaso a Shantideva linkou aqui mas aparentemente ninguém leu.

Shanti-quem? :-P
Brincadeira. Acho que pulei alguns posts enquanto a página carregava. Agora tá lido, bem legal. Entendi, se não foi proposital, não é alegoria.

Mas a insistência fica por conta de toda imersão e criação cultural do autor, quando ele adiciona elementos de seu próprio pensamento, escrevendo o que julga ser o correto e o viável. Essa relação mais cultural e psíquica e menos fatual poderia ser considerada alegoria? Alegoria não intencional.

E não falo de relações com a as Grandes Guerras ou o cristianismo (relações que também rejeito), mas de contextualizações mais pessoais, referentes à educação do autor e do que ele pensava.

Por exemplo, refletir toda a nobreza (como Tolkien a entendia) nos aspectos físicos dos seres, como ele fazia no caso dos elfos.
 
Por exemplo, refletir toda a nobreza (como Tolkien a entendia) nos aspectos físicos dos seres, como ele fazia no caso dos elfos.

Compreende que nesse caso isso não é alegoria, mas influência? É mais ou menos assim: se eu, fosse escrever hoje uma história que se passasse em um reino, eu usaria o que conheço sobre reinados/monarquia/nobreza para criar as personagens. Isso incluiria não só o desenvolvimento das características de determinadas personagens, mas também as motivações. Mas em nenhum momento eu estaria querendo escrever uma obra sobre o que seria o ideal de nobreza, por exemplo.

O importante de se ter em mente sobre a alegoria é isso, a segunda mensagem que por ventura o escritor poderia querer passar. Para ficar mais claro, um exemplo bom na literatura brasileira de obra alegórica é Incidente em Antares. Usa-se a história da greve e dos sete mortos insepultos de Antares para se falar sobre a situação política no Brasil na época. Isso é alegoria. É através de alguma história você querer colocar uma outra mensagem junto, dizer algo mais do que a própria história já diz.

Voltando para Tolkien, a questão é: ele diz que não teve a intenção de contar algo mais do que a história da Terra-média. O que ele queria, a intenção dele, era desenvolver os mitos e histórias do "mundo" que ele mesmo criou.
 
Aí entra no que eu falei: você como leitor tem a total liberdade de enxergar 'n' diferentes alegorias em O Senhor dos Anéis, é o seu modo de interpretar a obra. Mas o ponto é: se Tolkien assume que não queria dizer qualquer outra coisa além do que é contado nas histórias, então pelo menos como leitores-ideais não deveríamos enxergar alegoria, e apenas a história da Terra-média tal como ele contou.
 
Prefácio de SdA:

"Quanto a qualquer significado oculto ou ‘mensagem’, na intenção do autor estes não existem. O livro não é nem alegórico e nem se refere a fatos contemporâneos. Conforme a história se desenvolvia, foi criando raízes (no passado) e lançou ramos inesperados: mas seu tema principal foi definido no início pela inevitável escolha do Anel com o elo entre este livro e O Hobbit."

Trocando em miúdos: não houve intenção de Tolkien de "dizer o outro". Qualquer alegoria encontrada na obra diz respeito unicamente à interpretação do leitor - o que obviamente dependerá do conhecimento de mundo de cada um.

Usando o exemplo do Aracáno de que Tom Bombadil seria uma alegoria de "divindade judaíca/cristã", uma pessoa que jamais teve contato com esta cultura não enxergará isso. Pode acontecer inclusive de o que é uma alegoria 'x' para Fulano significar outra coisa completamente diferente para Beltrano. Uma vez que o autor assume não ter uma "segunda mensagem" na obra, qualquer sentido que retiremos de alguma situação e/ou personagem, já diz respeito à nossa visão como leitores.

Pode parecer a mesma coisa, mas não é. É como quando um sujeito pinta um quadro pensando em retratar um momento triste da vida dele, e ao olhar a imagem você pensa "Aqui está o retrato da segunda guerra mundial!". Bom, ele não te contou que era um momento pessoal, nem qual era o momento pessoal. Mas a obra está lá, então você pode se relacionar com ela e interpretá-la da forma que quiser, inclusive se depois ele disser "Não, é apenas um momento pessoal".

Voltando para Tolkien, intenção de criar um romance alegórico ele não teve, e isso ele deixa bem claro no prefácio supracitado. Mas nós, como leitores, podemos enxergar alegorias na obra. Assim, não é errado afirmar que "tal coisa pode ser vista como alegoria", desde que se tenha consciência que é sua interpretação como leitor, e não um truque literário utilizado por Tolkien. Mais ainda, de que se dependerá da interpretação de cada um, o leitor 1 nunca poderá dizer para o leitor 2 "Sua visão está completamente equivocada, é óbvio que trata-se de uma alegoria de..."

edit: o exemplo do Lyvio não é alegoria nem aqui, nem na China. A leitura do Aracáno é a que mais se aproxima da definição de alegoria.

:clap:

Adorei Ana era justamente nessa passagem do prefacio que eu estava pensando!!!!

Ps: Walter Benjamin escreve muito a respeito de linguagem alegórica pra quem se interessar.
 
A questão da postura do leitor é muito interessante, concordo com a Ana neste quesito.
O problema se inicia, ao menos pra mim, quando inicia-se a análise histórica do contexto em que o autor viveu. Quando levantamos essa questão, as alegorias acabam (dentro das definições que citei acima) surgindo, como não intencionais. Influências? Sim, como Ana bem colocou, não era a intenção do autor forrar de alegorias as obras, porém, Tolkien admite (carta 131) que ele não pode ficar plenamente isento de alegorias.
Não creio que a obra seja alegórica, ao menos não é essa sua idéia de origem, porém, ela de fato contém alegorias (e diria que, seguindo a conceituação que coloquei acima, de todos os tipos).

Como a Ana já colocou, e eu há muito já o havia feito, o ator social não independe de seu contexto, muito pelo contrário. Mas, é claro, não podemos entender tudo como alegoria, e deixo claro que nunca foi esse meu intento.
O que coloco, é que, a alegoria existe sim, o próprio Professor coloca como sendo impossível fugir de todos os tipos de alegoria, e as alegorias fluem pelos "ecos" sociais em uma obra literária. Podem não ser intencionais, mas estão ali presentes.

Não precisamos ser simplistas, Tolkien viveu o período entre Guerras, e escreveu grande parte do material neste contexto, claro, isso não indica que Sauron era Hitler, nem nada do tipo, mas todas as formas e conceitos sociais deste período vão permear a obra, seja como uma negação, seja numa aceitação.
As idéias de Tolkien, aliás, em todos seus quesitos, são próximas a de muitos teóricos contemporâneos a ele, um desses fatores é a idéia braudeliana de Longa Duração, mas isso não é uma alegoria, caso possam vir a questionar, é uma influência social e história de seu contexto.
Porém, avindas dessas influências, muitas vezes algumas alegorias (inconscientes) vão vir à tona; Tom Bombadil é uma delas, e é uma idéia muito anterior ao autor, mas que era sustentada pela sociedade do fim do século XIX e início do século XX, a idéia de Eru, são todos conceitos da divindade judaíco/cristã enfocada em sua origem: o deus "todo poderoso'. Nem "bom", nem "mau". Analisando desta forma, e com a passagem referente a Tom Bombadil, ele representa esse deus, naquele momento, através de uma outra personagem, ele pode também ser o "comprometimento" com a natureza que se perdeu com a Revolução Científica Tecnológica, e isso é a exposição de um pensamento de forma figurada, uma ficção que representa uma coisa para dar idéia de outra; ou seja, alegoria.
 
Mas o ponto é: se Tolkien assume que não queria dizer qualquer outra coisa além do que é contado nas histórias, então pelo menos como leitores-ideais não deveríamos enxergar alegoria, e apenas a história da Terra-média tal como ele contou.

Então, a que Tolkien se refere quando escreve esse trecho?:
Tolkien disse:
Desagrada-me a Alegoria – a alegoria consciente e intencional – e no entanto qualquer tentativa de explicar o sentido dos mitos ou dos contos de fadas deve empregar uma linguagem alegórica

Lendo esse trecho específico, a impressão da existência de alegorias parece clara. O que seria uma "alegoria não consciente e não intencional"?
 
Temos, um grande exemplo, Tom Bombadil.
É só dar uma olhada em meus posts anteriores Kainof, mas, como sei que nunca faz isso... =]

Enfim, uma alegoria pode estar presente no inconsciente, seguindo o conceito que coloquei acima, e desta forma, podemos analisá-la.
 
É só dar uma olhada em meus posts anteriores Kainof, mas, como sei que nunca faz isso... =]

Nunca mesmo. Tu tá na minha lista de ignorados... :roll:

mAracánã disse:
Enfim, uma alegoria pode estar presente no inconsciente, seguindo o conceito que coloquei acima, e desta forma, podemos analisá-la.

Eu também acho que a influência socio-cultural do sujeito acaba por gerar alegorias não intencionais (inconscientes). O problema fica por conta da definição: será que podemos definir isso como alegoria (literariamente falando)?
 
Já disse que sim, mas sempre através da sua interpretação, e não da intenção do autor. Retomando a já tão citada carta 131:

Desagrada-me a Alegoria – a alegoria consciente e intencional – e no entanto qualquer tentativa de explicar o sentido dos mitos ou dos contos de fadas deve empregar uma linguagem alegórica

Ele está dizendo aqui: Desagrada-me que o autor pense em uma história para ficar passando mensagem, entretanto, no que diz respeito aos mitos é difícil fugir disso. Não é assim tão difícil de entender: ele está dizendo que quando retornamos aos mitos, normalmente nos basearemos nesse 'dizer o outro', porque mitos são alegóricos em sua essência. Falar de Afrodite é falar do Amor (por exemplo). Isso é "dizer o outro", é alegoria.

Nesse sentido, a idéia de alegoria provavelmente se aplicaria muito mais aos Valar em O Silmarillion e nunca (e isso, atento novamente à questão da intenção do autor) em O Senhor dos Anéis.
 
Sei que vai ser off-topic, mas o Kainof é meu amigo pessoal, essas "brincadeiras", são realmente brincadeiras, e não ofensas. =]

Mas, é claro, se meu amigo Kainof tivesse lido meus posts, e os de Anna, veria que sim, existem as alegorias não intencionais.

Discordo da relativização que Anna coloca, não depende da interpretação, exatamente, de cada um, mas sim da conceituação de alegoria, e do estágio em questão da obra.
Creio que seria mais a questão de contextualizar a obra, do que tentar fazer recortes figurativos e pessoais da questão.
 

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