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Alegoria
A alegoria se assemelha à metáfora em muitos pontos. Poderia até ser considerada uma metáfora do tipo III. Resolvemos considerá-la isoladamente em função de sua relevância e particularidades.
Alegoria contextualizada
Intuitivamente, a alegoria contextualizada ocorre quando um enunciado passível de leitura imediata transmite um significado impróprio ou deslocado do contexto extraverbal em que é lançado, fazendo o receptor pensar num segundo enunciado apropriado ao contexto que tenha com o primeiro uma relação de similaridade.
Os ditados populares são alegorias contextualizadas:
'Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura.'
'Mais vale um pássaro na mão que dois voando.'
'Casa de ferreiro, espeto de pau.'
Os dois enunciados da alegoria, o substituto e o substituído, devem ser pertinentes a uma mesma classe de enunciado genérico.
-Os três elementos da alegoria contextualizada são:
- o enunciado alegórico ou substituto;
- o enunciado substituído;
- o enunciado genérico.
Um exemplo baseado num ditado popular: Imaginemos alguém se queixando para um amigo por não conseguir conquistar a amada. O outro lhe diz: 'Água mole em ...'
Enunciado alegórico: 'Água mole em ...'.
Enunciado substituído: 'Não desista! Ela há de ceder'.
Enunciado genérico: 'A perseverança quebra lentamente as resistências'.
Pode-se questionar se a decifração de uma alegoria contextualizada é o enunciado particular adequado ao contexto ou, se ao contrário, é o enunciado genérico. Ambos são pertinentes. Cada receptor adotará a solução que julgar mais conveniente.
Alegoria não contextual
Consideremos o livro A Metamorfose, de Kafka. Numa certa manhã, o personagem Gregor Samsa acorda transformado num repulsivo inseto. Será que Kafka, gênio da literatura, pretendia exclusivamente contar uma pitoresca história de um homem transformado em inseto? É provável que estejamos diante de um recurso literário, que também é recurso de Retórica, que consiste em dizer uma coisa querendo dizer outra. Neste caso, a situação é bem diversa da que ocorre na emissão das alegorias contextualizadas. Para a alegoria de Kafka não está determinado o contexto em que ela se aplica. É o leitor que deve, por sua conta e risco, definir o que substitui o enunciado alegórico kafkiano. Trata-se de uma alegoria com semântica aberta.
http://www.radames.manosso.nom.br/retorica/alegoria.htm
Carta 96 disse:Supostamente alcançamos um estágio de civilização no qual ainda pode ser necessário executar um criminoso, mas não tripudiar ou enforcar a mulher e o filho de tal indivíduo enquanto a multidão orc vaia.
[...]
Bem, a primeira Guerra das Máquinas parce estar aproximando-se de seu inconclusivo capítulo final - deixando, que tristeza, todos mais pobres, muitos enlutados ou mutilados, milhões mortos e apenas uma coisa triunfante: as Máquinas. Como os servos das Máquinas estão se tornando uma classe privilegiada, as Máquinas serão imensamente mais poderosas. Qual o próximo passo deles?
Ora, os orcs são cruéis, malvados e perversos. Não fazem coisas bonitas, mas fazem coisas muito engenhosas. Podem cavar túneis e minas tão bem quanto qualquer um, exceto os anões mais habilidosos, quando se dão ao trabalho, embora geralmente sejam desorganizados e sujos. Martelos, machados, espadas, punhais, picaretas, tenazes, além de instrumentos de tortura, eles fazem muito bem, ou mandam outras pessoas fazerem conforme o seu padrão, prisioneiros e escravos que têm de trabalhar até morrer por falta de luz. Não é improvável que tenham inventado algumas das máquinas que desde então perturbam o mundo, especialmente os instrumentos engenhosos para matar um grande número de pessoas de uma só vez, pois sempre gostaram muitos de rodas e motores e explosões, como também de não trabalhar com as próprias mãos além do estritamente necessário; mas naqueles dias e naquelas regiões selvagens ainda não tinha avançado (como se diz) tanto. [Página 62/63 da edição de 2003]
Tolkien criou os Orcs como uma representação da guerra industrial. Não há uma cultura em particular que seja representada pelos Orcs e isso é distinto de muitas ficções alemãs e pornografia do final do século 19, começo do século 20, onde há personagens sub-humanos, quase explicitamente representam grupos étnicos.
Na versão alemã deste inimigo sintético você vê quase claramente que eles têm uma aparência judia ou a aparência eslava, ou a aparência negra. Tolkien não faz isso. Tolkien cria espécies sintéticas e elas representam soldados e são muito resistentes, podem marchar um longo caminho, matam qualquer coisa no caminho e pisam nos gramados apenas por prazer. Eles quebram coisas que não precisam ser quebradas. Eles odeiam a vida. Esses são guerreiros industriais e você pode ver os Orcs no exército de Hitler, no de Stálin, no exército inglês onde Tolkien viu os Orcs.
E quando o seu filho, Christopher Tolkien, estava no exército inglês, na 2º Guerra, em suas correspondências, eles se referiam aos “martinets” como pessoas preocupadas demais com a brutalidade da guerra, como os Orcs e Tolkien vê os Orcs em todo lugar. Ele os vê nas pessoas que constroem estradas onde ele acha que não deveria haver uma e vê os fabricantes de automóveis na metade do século 20, como sendo Orcs que receberam o dom da tecnologia. Ele os chama de “Orcs que encontraram o Anel”.
Então Tolkien os cria para representar tudo que é ruim na guerra moderna.
Carta 181 disse:Obrigado pela sua carta. Eu espero que você tenha se divertido com O Senhor dos Anéis? Divertido é a palavra-chave. Pois ele foi escrito para entreter (em seu sentido mais elevado): para que a leitura seja agradável. Não há ‘alegoria’ moral, política ou contemporânea em todo o trabalho.
Ele é um "conto de fadas", mas um escrito - de acordo com a convicção que certa vez exprimi em um extenso ensaio chamado On fairy-stories que eles são a audiência apropriada - para adultos. Porque eu acredito que contos de fadas têm sua própria forma de refletir a verdade, diferentemente de alegoria, ou (sustentada) sátira, ou realismo, e em certos aspectos mais poderosa. Mas antes de tudo deve proceder apenas como um conto, excitar, deleitar, e em alguma ocasião comover, e internamente a seu próprio mundo imaginário, estar de acordo (literariamente) ao seu propósito. Ser bem sucedido nisso era o meu objetivo primário.
Mas, evidentemente, se alguém decide se dirigir a adultos (mentalmente adultos, em qualquer caso), eles não serão excitados, deleitados ou comovidos ao menos que o todo, ou os incidentes, pareçam ser sobre algo que mereça consideração, mais exemplos que mero perigo e fuga: deve haver alguma relevância à situação humana (de todos os períodos). Então, algo das próprias reflexões e valores do contador de histórias irá, inevitavelmente, estar inserido no trabalho. Isso não é o mesmo que alegoria. Nós todos, em grupos ou como indivíduos, exemplificamos princípios gerais; mas nós não os representamos. Os Hobbits não são maior alegoria do que são (digamos) os pigmeus da Floresta Africana. Gollum, para mim, é apenas um personagem - alguém imaginado - que garantiu que a situação agisse mais ou menos sob forças opostas, como se parecesse para ele que provavelmente agiria (há sempre um elemento incalculável em qualquer indivíduo real ou imaginário: de outra forma ele/ela não seria uma individualidade mas um tipo.)
Eu vou tentar e responder suas questões específicas. A cena final da Demanda se deu daquela forma simplesmente porque em relação à situação, e com o caráter de Frodo, Sam e Gollum, aqueles acontecimentos a mim pareceram mecanicamente, moralmente e psicologicamente críveis. Mas, é claro, caso você deseje mais reflexão eu devo dizer que internamente ao desenvolvimento da história, a catástrofe exemplifica (um aspecto das) palavras familiares: Perdoai as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido. Não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal.
[...]
Não há personificação do Criador em lugar algum desta história ou mitologia. Gandalf é uma pessoa criada;
O que podemos encontrar de "ecos" do social na obra (que se apresentam de forma bem sutil), é por exemplo, a visão que se tem da nobreza, ou mesmo os laços de amizade. Nesse sentido podemos encontrar marcas do tempo que Tolkien viveu, da experiência de vida dele.
Mas, mesmo assim, são interpretações que nem entram no campo da alegoria, é mais uma leitura social da obra mesmo (o que é diferente de dizer que Frodo poderia ser uma alegoria para Cristo ou algo do gênero)
“Etimologicamente, a alegoria consiste num discurso que faz entender outro, numa linguagem que oculta outra. Pondo de parte as divergências doutrinárias acerca do conceito preciso que o vocabulário encerra, podemos considerar alegoria toda concretização, por meio de imagens, figuras e pessoas, de idéias, qualidades ou entidades abstratas. O aspecto material funcionaria como disfarce, dissimulação, ou revestimento, do aspecto moral, ideal ou ficcional.”
Oi, você leu o resto do post?
E sobre definição literária de alegoria, eu coloco no início do meu artigo, que por acaso a Shantideva linkou aqui mas aparentemente ninguém leu.
Por exemplo, refletir toda a nobreza (como Tolkien a entendia) nos aspectos físicos dos seres, como ele fazia no caso dos elfos.
Compreende que nesse caso isso não é alegoria, mas influência?
Prefácio de SdA:
"Quanto a qualquer significado oculto ou ‘mensagem’, na intenção do autor estes não existem. O livro não é nem alegórico e nem se refere a fatos contemporâneos. Conforme a história se desenvolvia, foi criando raízes (no passado) e lançou ramos inesperados: mas seu tema principal foi definido no início pela inevitável escolha do Anel com o elo entre este livro e O Hobbit."
Trocando em miúdos: não houve intenção de Tolkien de "dizer o outro". Qualquer alegoria encontrada na obra diz respeito unicamente à interpretação do leitor - o que obviamente dependerá do conhecimento de mundo de cada um.
Usando o exemplo do Aracáno de que Tom Bombadil seria uma alegoria de "divindade judaíca/cristã", uma pessoa que jamais teve contato com esta cultura não enxergará isso. Pode acontecer inclusive de o que é uma alegoria 'x' para Fulano significar outra coisa completamente diferente para Beltrano. Uma vez que o autor assume não ter uma "segunda mensagem" na obra, qualquer sentido que retiremos de alguma situação e/ou personagem, já diz respeito à nossa visão como leitores.
Pode parecer a mesma coisa, mas não é. É como quando um sujeito pinta um quadro pensando em retratar um momento triste da vida dele, e ao olhar a imagem você pensa "Aqui está o retrato da segunda guerra mundial!". Bom, ele não te contou que era um momento pessoal, nem qual era o momento pessoal. Mas a obra está lá, então você pode se relacionar com ela e interpretá-la da forma que quiser, inclusive se depois ele disser "Não, é apenas um momento pessoal".
Voltando para Tolkien, intenção de criar um romance alegórico ele não teve, e isso ele deixa bem claro no prefácio supracitado. Mas nós, como leitores, podemos enxergar alegorias na obra. Assim, não é errado afirmar que "tal coisa pode ser vista como alegoria", desde que se tenha consciência que é sua interpretação como leitor, e não um truque literário utilizado por Tolkien. Mais ainda, de que se dependerá da interpretação de cada um, o leitor 1 nunca poderá dizer para o leitor 2 "Sua visão está completamente equivocada, é óbvio que trata-se de uma alegoria de..."
edit: o exemplo do Lyvio não é alegoria nem aqui, nem na China. A leitura do Aracáno é a que mais se aproxima da definição de alegoria.
Shantideva é a atual Merannë. Moderadora e membro de Magladhûr.Shanti-quem?
Mas o ponto é: se Tolkien assume que não queria dizer qualquer outra coisa além do que é contado nas histórias, então pelo menos como leitores-ideais não deveríamos enxergar alegoria, e apenas a história da Terra-média tal como ele contou.
Tolkien disse:Desagrada-me a Alegoria – a alegoria consciente e intencional – e no entanto qualquer tentativa de explicar o sentido dos mitos ou dos contos de fadas deve empregar uma linguagem alegórica
É só dar uma olhada em meus posts anteriores Kainof, mas, como sei que nunca faz isso...
mAracánã disse:Enfim, uma alegoria pode estar presente no inconsciente, seguindo o conceito que coloquei acima, e desta forma, podemos analisá-la.
Desagrada-me a Alegoria – a alegoria consciente e intencional – e no entanto qualquer tentativa de explicar o sentido dos mitos ou dos contos de fadas deve empregar uma linguagem alegórica
Já disse que sim, mas sempre através da sua interpretação, e não da intenção do autor.