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As Horas Nuas (Lygia Fagundes Telles)

Mercúcio

Usuário
Seguindo a dica do @Béla van Tesma , vou tentar esboçar um pouco sobre as minhas leituras aqui, pra movimentarmos esse espaço.
Concluí ontem a leitura de "As Horas Nuas", da Lygia Fagundes Telles. Vou fazer o seguinte neste tópico: colocar a sinopse da editora e, em seguida, o comentário que publiquei em minhas redes sociais.

Sinopse da editora (Companhia das Letras):

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Rosa Ambrósio, uma atriz de teatro decadente, passa em revista, entre generosas doses de uísque, os amores de sua vida. O primo Miguel, sua paixão adolescente, morreu de overdose por volta dos vinte anos. Gregório, seu marido, virou um homem taciturno depois que foi torturado pela ditadura militar. Diogo, seu amante e último companheiro, trocou-a por moças mais jovens. Alternando vozes e pontos de vista, passando do fluxo interno de consciência à narrativa em terceira pessoa, Lygia Fagundes Telles atesta aqui sua maestria literária e sua maturidade artística, pondo em cena grandes temas de nosso tempo - o movimento feminista, a cultura de massa, a aids, as drogas -, mediados pelos destinos individuais de um punhado de criaturas. Publicado originalmente em 1989, As horas nuas tem sido aclamado desde então como um dos romances mais vigorosos e sutis da autora.


Comentário que fiz em minhas redes sociais:


2º livro do ano - As Horas Nuas, de Lygia Fagundes Telles.
Nota: 4,5/5,0.

Em "As Horas Nuas", nos deparamos com a história de Rosa Ambrósio, uma atriz decadente e narcisista, que, estando no limiar da velhice - aliás, velhice não!, que Rosa não gosta dessa palavra: madureza! - não lida bem com o próprio envelhecimento.

Gostei bastante do que disse a Tamy, num vídeo a respeito desse livro*: a crise que enfrenta Rosa Ambrósio diante do envelhecimento envolve, sim, uma espécie de luto pela decadência do corpo físico, que traz também consequências para a sua esfera profissional. Mas o sofrimento encarado pela narradora envolve uma outra dimensão, qual seja a percepção de que envelhecer significa também acumular perdas. E a essa altura da vida, Rosa havia perdido muito. Perdeu todos os seus amores - o primo Miguel, seu primeiro amor, perdido para as drogas; seu marido Gregório, preso e torturado pela ditadura, perdido para o suicídio; e seu amante, Diogo, que simplesmente foi embora. Além disso, tendo horror à velhice, também tem dificuldade de lidar com o fato de que sua filha, Cordélia, tenha predileção por se envolver com homens muito mais velhos que ela. E isso gera um distanciamento entre mãe e filha, que é também uma forma de perda. Portanto, Rosa Ambrósio é uma personagem que sofre por estes abandonos e, como fuga, afunda no alcoolismo, enquanto sonha com o retorno de Diogo e com a sua volta triunfante aos palcos.

O título do romance - "As Horas Nuas" - é o nome que Rosa Ambrósio pretende dar às memórias que pretende escrever. Como sugere o nome, ela - uma das narradoras desse livro, que viveu a sua vida e a sua glória representando, propõe-se a um desnudamento, a deixar cair as máscaras e revelar-se. Só que Rosa não é a única narradora do livro. Há um outro narrador bastante especial, digamos assim - e concordando com Nelly Novaes Coelho - o seu aparecimento, no capítulo 2, é o ponto mais alto do romance. Ademais, além desse narrador, também há um narrador em terceira pessoa. Ou seja, o livro se compõe a partir de um mosaico narrativo, que vai do fluxo de consciência à narrativa impessoal, e esses deslocamentos do foco narrativo geram um efeito e tanto, na medida em que nos leva a observar a cena a partir de diferentes perspectivas, o que acaba sendo bastante revelador.

Lygia disse, em mais de uma circunstância, que preferia ser amada do que entendida. E dizia que os seus leitores eram seus cúmplices. Em "As Horas Nuas", a autora mais do que nunca, conta com a cumplicidade do leitor, que terá que usar o poder supletivo de sua imaginação de forma mais ativa do que nunca. Isso porque - e isso é uma marca da literatura lygiana - a autora adora explorar a penumbra, o lusco-fusco, as zonas cinzentas onde os sentidos não são claros, o espaço da ambiguidade e das indefinições. Seu texto com frequência não diz, sugere. E aquilo que os seus narradores não dizem - os seus silêncios - pode ser tão importante para a trama como aquilo que eles dizem. E aí eu deixo a própria Rosa Ambrósio falar, usando as suas próprias palavras, no primeiro capítulo do livro: "Ah! Se a gente pudesse se organizar com o equilíbrio das estrelas tão exatas nas suas constelações. Mas parece que a graça está na meia-luz. Na ambiguidade. (...)".

Há um momento do livro, que numa reviravolta desconcertante, a protagonista do livro meio que se eclipsa para trazer para o primeiro plano um mistério envolvendo uma personagem secundária - Ananta Medrado, a analista de Rosa Ambrósio, uma jovem de 31 anos, feminista engajada em movimentos de mulheres. E "As Horas Nuas" de repente ganha contornos de um romance policial, embora algo diferente dos romances policiais tradicionais de Agatha Christie e Conan Doyle (ambos citados em um diálogo do livro, que também faz menção a Edgar Allan Poe e H. P. Lovecraft). Não posso dizer mais para não estragar as surpresas do livro. Mas advirto: é preciso ter a cabeça aberta, porque este é um livro que torce - ou melhor, mói completamente as nossas expectativas, enquanto leitores. E eu entendo que alguns possam não gostar disso. Mas, independente disso, é preciso reconhecer: "As Horas Nuas", contrastando com a decadência de sua protagonista, traz a escritora Lygia Fagundes Telles em sua melhor forma. Livraço!

Não é o meu romance preferido da Lygia. Ainda gosto mais de Verão no Aquário e de As Meninas. Mas, ainda assim, gostei bastante.

Teria mais coisa pra falar, mas vou parando por aqui.
Se algum de vocês já leu, comenta aí o que achou pra irmos trocando ideia a respeito. :joinha:

________
* Vídeo do canal Literatamy a respeito de As Horas Nuas:

 
Parece ser bem deprê. Gostei. :mrgreen:
Ainda não li nada da Lygia, mas comprei essa coleção aí quase inteira anos atrás (pra dar de presente à minha ex :( kk)
 
Parece ser bem deprê. Gostei. :mrgreen:
Ainda não li nada da Lygia, mas comprei essa coleção aí quase inteira anos atrás (pra dar de presente à minha ex :( kk)

Isso tudo é muito relativo, varia muito de leitor pra leitor...
Mas se me pedissem uma sugestão, eu não recomendaria esse livro como porta de entrada. Não só porque, dos quatro romances, ele é o mais fora da caixinha - digamos assim - mas porque eu tenho a impressão de que se tivesse sido esse o meu primeiro contato com a escritora eu talvez não tivesse gostado. Acho que ter me ambientado um pouco na literatura da Lygia - este foi o 9º livro dela que eu li - fez bem para essa minha leitura. Acho que me permitiu aproveitar um pouquinho mais.
Mas é um livro que vou querer reler futuramente. ^^
 
Uns quatro anos atrás, numa feira do livro em plena praça pública (evento, aliás, que teve vida curta devido ao tacanho e curioso zelo dos fiscais em proteger a grama do espaço), comprei esta obra da Telles em edição da Nova Fronteira. Nunca li, mesmo após encontrar uma entrevista onde aquela puta velha e nada modesta chamada Hilda Hilst fala sobre literatura "feminina" e faz um elogio (?) enviesado de certa passagem do "As Horas Nuas":

"A literatura das mulheres é sempre aquela coisa diluída, congelada, distante, sem analogias fortes, sem resistência, ao contrário dos meus textos. A Zulmira [...] não me dá um golpe no coração, a Clarice (Lispector) não tem o murro na hora da fala. Há um trecho em As horas nuas que descreve uma cena de homossexualismo masculino que possui essa potência. Se fosse o texto inteiro...

Discordo da generalização (até por desconhecer grandemente a escrita das mulheres para além dos nomes mais conhecidos, e olhe lá), mas do pouco que li de Telles (três livros de contos e o primeiro romance da maturidade, o "Ciranda de Pedra") tenho-a em conta de uma ótima escritora, embora, de fato, falte-lhe o "murro na hora da fala", e isto nem chega a ser realmente um defeito de sua parte.
A reprise de uma novela antiga e muito boa, algo como assistir um "Vale a pena ver de novo" juntamente com um café preto e pão quente -- é o que me vem na mente quando se fala dos livros da Lygia Fagundes Telles. Nostálgico e caseiro, quase piegas.
 
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Puta velha, porca endiabrada, obscena senhora: epítetos carinhosos. A maledicência verdadeira foi acusá-la de falta de modéstia. Nas entrevistas feitas na velhice, proclamava sem pudor que "eu sou um gênio", "eu revolucionei a arte narrativa" e outras blagues do gênero. Serão blagues mesmo? Em certa altura do "Jogo da Amarelinha", Cortázar
sentenciou que o gênio é, por definição, "se eleger gênio, e acertar". Taí o motivo de tanto descaramento: H.H. acertou em cheio.
 
Uns quatro anos atrás, numa feira do livro em plena praça pública (evento, aliás, que teve vida curta devido ao tacanho e curioso zelo dos fiscais em proteger a grama do espaço), comprei esta obra da Telles em edição da Nova Fronteira. Nunca li, mesmo após encontrar uma entrevista onde aquela puta velha e nada modesta chamada Hilda Hilst fala sobre literatura "feminina" e faz um elogio (?) enviesado de certa passagem do "As Horas Nuas":

"A literatura das mulheres é sempre aquela coisa diluída, congelada, distante, sem analogias fortes, sem resistência, ao contrário dos meus textos. A Zulmira [...] não me dá um golpe no coração, a Clarice (Lispector) não tem o murro na hora da fala. Há um trecho em As horas nuas que descreve uma cena de homossexualismo masculino que possui essa potência. Se fosse o texto inteiro...

Discordo da generalização (até por desconhecer grandemente a escrita das mulheres para além dos nomes mais conhecidos, e olhe lá), mas do pouco que li de Telles (três livros de contos e o primeiro romance da maturidade, o "Ciranda de Pedra") tenho-a em conta de uma ótima escritora, embora, de fato, falte-lhe o "murro na hora da fala", e isto nem chega a ser realmente um defeito de sua parte.
A reprise de uma novela antiga e muito boa, algo como assistir um "Vale a pena ver de novo" juntamente com um café preto e pão quente -- é o que me vem na mente quando se fala dos livros da Lygia Fagundes Telles. Nostálgico e caseiro, quase piegas.

Curioso. Não conhecia esse lado da Hilda Hilst. :think:
Não que eu conheça muito sobre ela, apenas estou começando a lê-la agora. E fiquei curioso pra ler esse texto que você citou. Porque tem um certo tom de menosprezo, como quem diz: esse trecho aqui tem essa potência, mas o livro como um todo...
E a Hilda e a Lygia foram amigas ao longo da vida toda, aquela coisa de uma dedicar textos à outra e tudo. Então fiquei curioso sobre o tom geral desse texto sobre "As Horas Nuas".

Sobre a qualidade literária da literatura produzida pela Lygia e sobre essa questão de faltar-lhe "o murro na hora da fala", essa edição da Companhia das Letras traz um discurso do Antônio Cândido, por ocasião da entrega do prêmio Juca Pato à autora, em 2009, que é bem interessante e que dialoga um pouco com essa avaliação que você faz, @Cide Hamete Benengeli . Transcrevo apenas um trecho:

"A sua posição na literatura brasileira contemporânea é das mais singulares, porque, como tenho escrito, a sua obra é forte sem contundência, é moderna, sem vanguardismo, é original sem subversão do discurso. O crítico musical Alfred Einstein escreveu que Mozart foi um caso surpreendente de inovador ancorado na tradição; um criador capaz de atingir os níveis mais elevados de expressão sem sair de uma linguagem timbrada pela mais comunicada naturalidade. Os caminhos do experimentalismo são importantes e mesmo necessários, sobretudo em nosso tempo de mudança contínua. Mas a capacidade de ser original e mesmo surpreendente dentro de um universo estilístico, digamos estabelecido, é mais rara. E é o seu caso."
 

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