É, o projeto gráfico do livro ficou feião... Mas, se for o caso, pode adquirir tranquilamente. Não julgue o livro pela capa
Quanto à escolha dos poemas, acho que foi isso mesmo que você disse: escolha do tradutor. Quando muito, é provável que ele tenha escolhido aqueles poemas que, certo modo, se comunicam com os poemas eliotianos. Se comunica mais ou menos, eu diria. Explico: O Gato, por exemplo, é um poema que se comunica claramente com o Prufrock , ao passo que o A Serpente que dança se comunicaria com o Retrato de Uma Dama. No caso do Gerontion, eu já apontaria o A Alma do Vinho e o O Gosto do Nada. E no caso do The Waste Land, visto que ele é uma Babel ambulante, é provável que só mesmo todos juntos possam dar uma ideia do panorama traçado... Mas, no caso dos poemas selecionados, creio que o As Réprobas, fazendo uma ligação com a teia de estupros em Eliot, ou o Spleen, com a noção do Tirésias ou a do Rei Pescador.
Agora a escolha de poemas centrais acaba sendo bem perigosa, né? Mesmo um florilégio mais célebre, como o do Guilherme de Almeida, ainda assim deixa poemas bem importantes de fora em troca de outros "menos importantes" (é complicado falar em importância numa obra tão capital...). Por exemplo, o Guilherme escolhe o O Convite à Viagem (graças a um verso só!) e não escolhe um como o Viagem a Citera. No caso dessa seleção do Lawrence, achei bem legal que ele trouxe o A Serpente que dança e o As Réprobas, que geralmente são postos de lado e que renderam ótimos versos. Veja-se:
E, numa estrofe citada pelo tradutor na Introdução:
Agora fazendo alguns comentários sobre os textos críticos da Katherine Rosenfield, lembrei-me que você alguns posts atrás disse que é interessante notar como Baudelaire, um dos pais da modernidade, se utilizava de imagens emprestadas da mitologia grega, indo muito na contramão do que imaginaríamos. Mas aí a Rosenfield desenvolve, sobre essa questão, o conceito de frêmito do artifício, isto é, uma forma que o Baudelaire usou para dar um toque artificial às imagens que são usadas, aos mitos aludidos. Claro que, como eu disse, Baudelaire as usava pois elas faziam parte do que era usado em seu tempo -- mas ao mesmo tempo não quer dizer que tenha sido apenas um "eu uso pois todo mundo usa". Seria o caso de um "estou usando, é certo, mas olhem como isso é ridículo, artificial". O Eliot transformará isso ao nível do ridículo, em especial em poemas como o Prufrock ou o Retrato de Uma Dama. Elevará isso ao nível do absurdo como, por exemplo, as cenas do estupro de Filomela sendo apresentadas como pinturas requintadas na segunda parte do The Waste Land.
Agora quanto aOs Paraísos Artificiais... Ainda estou digerindo direito o texto. Não achei lá muito legal... Acho que a tônica central do texto foi a de mostrar que os Paraísos Artificiais causados pelo uso de drogas são paraísos que, na verdade, e por mais que levem o indivíduo a situações diferenciadas, elevadas quiçá, vão sempre catapultá-lo de volta à realidade, vão sempre fazê-lo ver de forma mais angustiante a realidade. Cito:
Lembra muito o poema Elevação. A Katherine Rosenfield, sobre ele, diz:
E depois desenvolve o conceito de que tanto a poesia de Baudelaire quanto a de Eliot sofrem da angústia de terem ultrapassado o ápice. Como você mesmo disse, o roteiro de As Flores do Mal é um roteiro de decadência, mas, com base no frêmito do artifício que a Rosenfield desenvolveu, podemos entender que não é uma decadência de qualquer lugar -- é uma decadência do lugar mais alto. Afinal de contas, o poema Elevação é um dos primeiros do livro... Seguido de outros que possuem claras referências a esse tipo de movimento, como o Bendição ou o Albatroz (que fica ainda mais claro, né?).
A passagem que citei dOs Paraísos Artificais é a parte III (O Teatro do Serafim). Na IV (O Homem Deus):
E, na parte V (Moral):
Quanto ao d'Aurevilly, não sei... A edição não dá nenhuma informação a respeito disso.
Quanto à escolha dos poemas, acho que foi isso mesmo que você disse: escolha do tradutor. Quando muito, é provável que ele tenha escolhido aqueles poemas que, certo modo, se comunicam com os poemas eliotianos. Se comunica mais ou menos, eu diria. Explico: O Gato, por exemplo, é um poema que se comunica claramente com o Prufrock , ao passo que o A Serpente que dança se comunicaria com o Retrato de Uma Dama. No caso do Gerontion, eu já apontaria o A Alma do Vinho e o O Gosto do Nada. E no caso do The Waste Land, visto que ele é uma Babel ambulante, é provável que só mesmo todos juntos possam dar uma ideia do panorama traçado... Mas, no caso dos poemas selecionados, creio que o As Réprobas, fazendo uma ligação com a teia de estupros em Eliot, ou o Spleen, com a noção do Tirésias ou a do Rei Pescador.
Agora a escolha de poemas centrais acaba sendo bem perigosa, né? Mesmo um florilégio mais célebre, como o do Guilherme de Almeida, ainda assim deixa poemas bem importantes de fora em troca de outros "menos importantes" (é complicado falar em importância numa obra tão capital...). Por exemplo, o Guilherme escolhe o O Convite à Viagem (graças a um verso só!) e não escolhe um como o Viagem a Citera. No caso dessa seleção do Lawrence, achei bem legal que ele trouxe o A Serpente que dança e o As Réprobas, que geralmente são postos de lado e que renderam ótimos versos. Veja-se:
Sinto fundir-se em mim um gigantesco pânico
E negros batalhões de fantasmas esparsos,
Que querem me arrastar por estradas satânicas
Que um horizonte em sangue veda a cada passo.
in As Réprobras
E, numa estrofe citada pelo tradutor na Introdução:
Teu olho, onde nada se apura
De agro, doce ou ácido,
É fria jóia que mistura
Feixes de ouro e aço.
in A Serpente que Dança
Agora fazendo alguns comentários sobre os textos críticos da Katherine Rosenfield, lembrei-me que você alguns posts atrás disse que é interessante notar como Baudelaire, um dos pais da modernidade, se utilizava de imagens emprestadas da mitologia grega, indo muito na contramão do que imaginaríamos. Mas aí a Rosenfield desenvolve, sobre essa questão, o conceito de frêmito do artifício, isto é, uma forma que o Baudelaire usou para dar um toque artificial às imagens que são usadas, aos mitos aludidos. Claro que, como eu disse, Baudelaire as usava pois elas faziam parte do que era usado em seu tempo -- mas ao mesmo tempo não quer dizer que tenha sido apenas um "eu uso pois todo mundo usa". Seria o caso de um "estou usando, é certo, mas olhem como isso é ridículo, artificial". O Eliot transformará isso ao nível do ridículo, em especial em poemas como o Prufrock ou o Retrato de Uma Dama. Elevará isso ao nível do absurdo como, por exemplo, as cenas do estupro de Filomela sendo apresentadas como pinturas requintadas na segunda parte do The Waste Land.
Agora quanto aOs Paraísos Artificiais... Ainda estou digerindo direito o texto. Não achei lá muito legal... Acho que a tônica central do texto foi a de mostrar que os Paraísos Artificiais causados pelo uso de drogas são paraísos que, na verdade, e por mais que levem o indivíduo a situações diferenciadas, elevadas quiçá, vão sempre catapultá-lo de volta à realidade, vão sempre fazê-lo ver de forma mais angustiante a realidade. Cito:
Que se experimenta? Que se vê? coisas maravilhosas, não é mesmo? espetáculos extraordinários? É belo? é terrível? é muito perigoso? -- Tais são as perguntas habituais que endereçam, com uma curiosidade mesclada de medo, is ignorantes aos adeptos. (...) Imaginam a embriaguez do haxixe como um país prodigioso, um vasto teatro de prestidigitação e de escamoteação, onde tudo é miraculoso e imprevisto. É um preconceito, um equívoco completo.
(...)
A embriaguez [do haxixe], enquanto durar, será apenas, com efeito, um imenso sonho, mercê da intensidade das cores e da rapidez das concepções; mas ela guardará sempre a tonalidade particular do indivíduo.
Lembra muito o poema Elevação. A Katherine Rosenfield, sobre ele, diz:
Mas o poema trata precisamente do problema da elevação para o espírito moderno, tão embaraçado com a consciência onde se acumulam conceitos, doutrinas e metáforas poéticas sem fim, isto é, uma massa de formas históricas do sentimento espontâneo da elevação que impedem qualquer abandono do espírito.
E depois desenvolve o conceito de que tanto a poesia de Baudelaire quanto a de Eliot sofrem da angústia de terem ultrapassado o ápice. Como você mesmo disse, o roteiro de As Flores do Mal é um roteiro de decadência, mas, com base no frêmito do artifício que a Rosenfield desenvolveu, podemos entender que não é uma decadência de qualquer lugar -- é uma decadência do lugar mais alto. Afinal de contas, o poema Elevação é um dos primeiros do livro... Seguido de outros que possuem claras referências a esse tipo de movimento, como o Bendição ou o Albatroz (que fica ainda mais claro, né?).
A passagem que citei dOs Paraísos Artificais é a parte III (O Teatro do Serafim). Na IV (O Homem Deus):
O homem que, tendo-se abandonado longamente ao ópio ou ao haxixe, pôde encontrar, enfraquecido que estava pelo hábito de sua servidão, a energia necessária para libertar-se, parece-me como um prisioneiro evadido.
E, na parte V (Moral):
Mas o dia seguinte! o terrível dia seguinte! todos os órgãos relaxados, fatigados, os nervos distendidos, a palpitante ânsia de chorar, a impossibilidade de aplicar-se a um trabalho contínuo, ensina-o cruelmente que você jogou um jogo proibido. A hedionda natureza, espoliada de sua iluminação da véspera, assemelha-se aos melancólicos restos de uma festa.
(...)
É realmente supérfluo, após todas estas considerações, insistir sobre o caráter imoral do haxixe. Que eu o compare ao suicídio, a um suicídio lento, a uma arma sempre sangrenta e sempre aguçada, nenhum espírito razoável terá algo a contestar.
Quanto ao d'Aurevilly, não sei... A edição não dá nenhuma informação a respeito disso.
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