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As Andanças de Húrin

E assim terminou o conto de Túrin o infeliz, o pior dos trabalhos de Morgoth entre os Homens no mundo antigo. Mas Morgoth não dormiu nem descansou de sua maldade, e esse não foi o fim de seus negócios com a Casa de Hador, contra a qual sua malícia era insaciável, pois Húrin estava sob seu Olho, e Morwen vagava perturbada pelos ermos.

Infeliz era a sina de Húrin.

Pois tudo o que Morgoth sabia das maquinações de sua malícia, Húrin sabia também; mas suas mentiras eram misturadas com a verdade, e tudo aquilo que era bom era escondido ou distorcido. Aquele que enxerga através dos olhos de Morgoth, querendo ou não, enxerga todas as coisas corrompidas.

Um dos esforços especiais de Morgoth era lançar uma luz maligna sobre tudo aquilo que Thingol e Melian construíram, pois ele os temia e odiava acima de tudo; e quando, então, considerou ter chegado a hora, no ano após a morte de Túrin, libertou Húrin, permitindo que partisse para onde desejasse.


Ele mentiu que fora movido pela pena de um inimigo completamente derrotado, maravilhado por sua resistência. ‘Tal firmeza’, disse ele, ‘deveria ter se mostrado em uma causa melhor, e teria sido recompensada de outra forma. Mas eu não tenho mais uso para você, Húrin, na sua pálida vidinha.’E ele mentiu, pois seu propósito era que Húrin continuasse a estender a sua malícia contra Elfos e Homens, antes de morrer.

Então, mesmo não acreditando em praticamente nada do que Morgoth dissera ou fizera, sabendo que ele não estava piedoso, ele pegou a sua liberdade e seguiu em pesar, amargado pelos artifícios do Senhor do Escuro. Por vinte e oito anos, Húrin estivera cativo em Angband...

É dito que os caçadores de Lorgan seguiram seus rastros e não abandonaram sua trilha até que ele e seus companheiros subiram pelas montanhas. Quando Húrin chegou novamente aos lugares altos, ele olhou de relance pelas nuvens nos picos da Crisaegrim, e ele lembrou de Turgon; e seu coração desejou retornar para o Reino Escondido, se pudesse, ou ao menos lá ele seria lembrado com honra.

Ele não ouviu nenhuma das coisas que aconteceram em Gondolin, e não sabia que Turgon endurecera seu coração contra a sabedoria e a piedade, e não permitia que ninguém entrasse ou saísse por qualquer motivo. Então, sem saber que todos os caminhos estavam trancados além da esperança, ele resolveu rumar em direção a Crisaegrim, mas ele nada falou aos seus companheiros sobre seus propósitos, pois ele ainda estava ligado ao seu juramento de não revelar a ninguém que conhecesse sequer a região em que Turgon habitava.

Porém ele precisava de ajuda; pois ele nunca vivera nos ermos, onde foras-da-lei estavam há muito acostumados à vida dura de caçadores e ceifeiros, e carregavam consigo tanta comida quanto conseguiam, apesar de o Inverno Mortal ter diminuído seus mantimentos. Assim, Húrin falou a eles: ‘Nós devemos abandonar esta terra agora; pois Lorgan não me deixará mais em paz. Rumemos para os vales do Sirion, onde a primavera finalmente chegou!’

Então Asgon os guiou por um dos antigos caminhos que levavam para o leste de Mithrim, e eles desceram pelas nascentes do Lithir, até que chegaram às cachoeiras que corriam até o Sirion ao final da Terra Estreita. E lá eles chegaram exaustos, pois Húrin confiava pouco na ‘liberdade’ que Morgoth lhe garantira. E ele estava correto: Morgoth tinha notícias de todos os seus movimentos, e o tempo em que esteve escondido nas montanhas, a sua descida foi rapidamente espionada. A partir de então, ele foi seguido e observado com tal astúcia que ele raramente tinha qualquer pista disso. Todas as criaturas de Morgoth evitavam o seu caminho, e ele não foi emboscado ou atacado.

Eles rumaram para o sul, pelo lado oeste do Sirion, e Húrin pensava consigo mesmo como se separar de seus companheiros, ao menos por tempo suficiente para poder procurar por uma entrada para Gondolin sem trair a sua palavra. Finalmente eles alcançaram Brithiach, e lá Asgon disse a Húrin: ‘Para onde iremos agora, Senhor? Além deste vau os caminhos são muito perigosos para os homens mortais, se o que dizem é verdade.’

‘Então rumemos para Brethil, que é perto daqui,’ disse Húrin. ‘Eu tenho uma missão lá. Naquela terra meu filho morreu.’
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Então, naquela noite eles se abrigaram em um bosque de árvores, as primeiras da Floresta de Brethil em sua fronteira norte, próxima do sul do Brithiach.

Húrin se deitou separado dos outros; e no dia seguinte antes do Sol nascer, enquanto eles dormiam exaustos, ele os abandonou e cruzou o vau e chegou a Dimbar.

Quando os homens despertaram, ele já estava longe, e havia uma grossa neblina da manhã sobre o rio. O tempo passou e, não tendo retornado nem respondido aos chamados, eles começaram a temer que ele fora atacado por alguma fera ou por algum inimigo que espreitava. ‘Nós fomos negligentes’, disse Asgon. ‘A terra está quieta, quieta demais, mas existem olhos sob as folhas e ouvidos atrás das pedras.’

Eles seguiram o seu rastro quando a neblina se ergueu; mas ele levou para o vau e lá desapareceu, e eles estavam perdidos. ‘Se ele nos deixou, deixe-nos voltar para nossa terra,’ disse Ragnir. Ele era o mais novo na companhia, e pouco recordava dos dias que antecederam a Nirnaeth. ‘O raciocínio do velho é selvagem. Ele fala com com a sombra com vozes estranhas enquanto dorme.’



‘Pouco me espanta se for verdade’, disse Asgon. ‘Mas quem mais poderia permanecer tão forte depois de tanta angústia? Não, ele é nosso senhor, faça o que fizer, e eu jurei segui-lo.’

‘Até mesmo para o leste além do vau?’ perguntaram os outros.

‘Não, existe pouca esperança naquele caminho’, disse Asgon, ‘e eu não creio que Húrin irá muito distante por lá. Tudo o que sabemos de seus propósitos é que ele queria ir o mais cedo possível para Brethil, e que ele tem uma missão lá. Nós estamos exatamente na fronteira. Vamos procurar por ele lá.’

‘Com a permissão de quem?’ disse Ragnir. ‘Os homens de lá não gostam de estranhos.’

‘Bons homens habitam lá,’ disse Asgon, ‘e o Senhor de Brethil é parente dos nossos Senhores.’ Mesmo assim, os outros estavam em dúvidas, pois nenhuma notícia tem saído de Brethil nos últimos anos. ‘Pode ser governado por Orcs, pelo que sabemos,’ disseram eles. ‘Nós logo iremos descobrir como andam as coisas’, disse Asgon. ‘Orcs são pouco piores que o povo do Leste, eu acho. Se foras-da-lei devemos permanecer, eu prefiro espreitar pelas belas florestas em vez das colinas geladas.

Então Asgon foi em direção a Brethil; e os outros o seguiram, pois ele tinha um coração resoluto e os homens diziam que ele nascera com boa sorte. Antes do fim daquele dia eles já estavam nas profundezas da floresta, e a chegada deles estava marcada; pois os Haladin estavam mais atentos do que nunca, e observavam suas fronteiras de perto. Na hora cinza que antecede a manhã, praticamente todos os intrusos dormiam, seu acampamento foi cercado e seus vigias foram amordaçados logo que alertaram os outros.

Então Asgon se levantou, e mandou que seus homens não desembainhassem suas armas. ‘Vejam agora,’disse ele, ‘nós viemos em paz! Nós somos Edain de Dorlomin.’

‘Mas o porquê da sua vinda eu não sei,’disseram os vigias. ‘Mas a manhã ainda está escura. Nosso líder irá fazer melhor julgamento de vocês quando estiver mais claro.’

Então, com muitos homens a menos, Asgon e seus homens foram feitos prisioneiros, e suas armas foram tomadas e suas mãos atadas; e assim foram levados para a frente do novo Senhor dos Haladin.

Ele era Harathor, irmão de Hunthor, que morreu na ravina de Taeglin. Pela a morte de Brandir, que não deixara filhos, ele herdara o comando por descendência de Halad. Ele não tinha amor por aqueles da casa de Hador, e não compartilhava do mesmo sangue; e disse para Asgon, quando os capturados estavam perante ele: ‘De Dorlomin você vem, me disseram, e sua fala comprova isso. Mas o porquê da sua vinda eu não sei.’
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‘Então são Edain do norte,’disse ele. ‘Sua fala comprova isso, bem como seus equipamentos. Você busca amizade, talvez. Mas ai de mim! coisas más recaíram sobre nós aqui, e nós vivemos com medo. Manthor, meu senhor, Mestre da Marca do Norte, não está aqui, e eu devo, então, obedecer aos comandos de Halad, o líder de Brethil. Para ele vocês devem ser enviados sem mais perguntas. Lá vocês poderão ter alguma sorte!’

Então Ebor falou cortesmente, mas ele não tinha muitas esperanças. Pois o novo líder era agora Hardang, filho de Hundad. Na morte de Brandir sem filhos, ele foi feito Halad, sendo um dos Haladin, da família de Haleth, de onde todos os capitães eram escolhidos. Ele não amava Túrin, e ele agora não possuía amor nenhum pela Casa de Hador, de cuja linhagem ele não fazia parte. Nem tinha muita amizade por Manthor, que também era dos Haladin.

Para Hardang, Asgon e seus homens seguiam caminhos desonestos, e eles foram vendados. Assim, finalmente chegaram ao salão dos capitães em Obel Halad; e seus olhos foram descobertos, e os guardas os conduziram para dentro. Hardang estava sentado em sua grande cadeira, e ele os encarou com frieza.

‘Vocês vêm de Dor-lómin, segundo me disseram,’ disse ele. ‘Mas porque vocês vieram aqui eu não sei. Poucas coisas boas vêm para Brethil daquela terra, e eu não estou olhando para nenhuma coisa boa agora: é um feudo de Angband. Saudações frias encontrarão aqui, se esgueirando até aqui para nos espionar!’

Asgon controlou sua fúria, mas respondeu, determinado: ‘Nós não nos esgueiramos até aqui, senhor. Nós somos tão hábeis nas florestas quanto seu povo, e nós não teríamos sido capturados tão facilmente se tivéssemos qualquer motivo para temer. Nós somos Edain, e não servimos Angband, mas defendemos a Casa de Hador. Nós pensávamos que os homens de Brethil fossem assim também, e amigáveis a todos os homens de boa-fé.’

‘Para aqueles que provaram a sua fé,’ disse Hardang. ‘Ser simplesmente Edain não é suficiente. E, no que concerne à casa de Hador, pouco amor é tido aqui. Por que o povo dessa casa vem aqui agora?’ Isto Asgon não respondeu; pois, devido à hostilidade do líder, ele achou melhor não mencionar Húrin ainda.

‘Percebo que não falarás tudo o que sabes,’ falou Hardang. ‘Que assim seja. Deverei fazer meu julgamento com o que vejo; mas serei justo. Este é meu julgamento. Aqui Túrin, filho de Húrin permaneceu por um tempo, e ele livrou a nossa terra da Serpente de Angband. Por isto, darei a vocês suas vidas. Mas ele desprezou Brandir, justo líder de Brethil, e ele o matou sem justiça ou piedade. Assim, não os darei abrigo. Vocês deverão sair por onde entraram. Vão agora, e se retornarem, retornarão para a morte!’

‘Não devolverão nossas armas?’ perguntou Asgon. ‘Nos lançarão de volta ao ermo sem arco e sem armadura para morrer entre os animais?’

‘Nenhum homem de Hithlum irá portar armas novamente em Brethil,’ disse Hardang. ‘Não com permissão minha. Tirem-nos daqui.’

Mas enquanto eram arrastados para fora do salão, Asgon gritou: Esta é a justiça dos homens do Leste, não dos Edain! Nós não estivemos aqui com Túrin, para o bem ou para o mal. Nós servimos a Húrin. Ele ainda vive. Espreitando pelas suas florestas não o recorda a Nirnaeth? Vai desonrá-lo também, com seu rancor, se ele vier?’

‘Se Húrin vier, você diz?’ disse Hardang. ‘Quando Morgoth dormir, talvez!’

‘Não,’ disse Asgon. ‘Ele retornou. Com ele nós viemos até suas fronteiras. Ele tem uma missão a cumprir aqui, segundo nos disse. Ele virá!’

‘Então eu estarei aqui para encontrá-lo,’ falou Hardang. ‘Mas vocês não estarão. Agora vão!’ Disse ele em escárnio, mas sua face empalideceu em um medo súbito de que acontecera um presságio de que o pior ainda estaria por vir. Então um grande medo da sombra da Casa de Hador caiu sobre ele, e então seu coração ficou negro. Pois ele não era um homem de grande espírito, como eram Hunthor e Manthor, descendentes de Hiril.
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Asgon e sua companhia foram vendados novamente, para que não espionassem os caminhos de Brethil, e foram levados para a fronteira norte. Ebor estava insatisfeito quando ouviu do que aconteceu em Obel Halad, e ele falou a eles com cortesia.

‘Ai de mim!’, disse ele, ‘vocês devem seguir em frente novamente. Mas vejam! Eu devolvo a vocês suas armas e equipamentos. Pois é o que meu senhor Manthor faria, no mínimo. Quem dera ele estivesse aqui! Mas ele é o mais bravo entrenós; e pelo comando de Hardang, é o líder da guarda no vau de Taiglin. Lá nós temos mais medo de investidas, e é onde a maioria dos ataques acontece. Bem, isto é o que farei; mas lhes imploro, não entrem em Brethil novamente, pois se o fizerem, nós seremos obrigados a obedecer à palavra de Hardang que se espalhou por todas as fronteiras: matar vocês assim que os encontrar.’

Então Asgon o agradeceu, e os conduziu até as margens de Brethil, e os desejou uma boa jornada.

‘Bem, sua sorte permanece,’ disse Ragnir, ‘pois ao menos não fomos mortos, apesar disso ter quase acontecido. O que faremos agora?’

‘Eu ainda desejo encontrar meu senhor Húrin,’ disse Asgon, ‘e meu coração me diz que ele ainda virá para Brethil.’

‘Para onde não podemos retornar,’ disse Ragnir, ‘ao menos que procuremos por uma morte mais rápida que a fome.’

‘Se ele vier, ele virá, eu acho, pela fronteira norte, entre o Sirion e Taiglin,’ disse Asgon. É por lá que talvez teremos notícias.’

‘Ou flechas,’ disse Ragnir. Mesmo assim eles seguiram o conselho de Asgon e seguiram para o oeste, cuidando sempre as bordas negras de Brethil.

Mas Ebor estava preocupado, e reportou rapidamente a Manthor sobre a vinda de Asgon e suas palavras estranhas sobre Húrin. Mas rumores correram por Brethil sobre este assunto. E Hardang reuniu-se em Obel Halad e se aconselhou com seus amigos.
Agora Húrin, chegando a Dimbar, reuniu todas suas forças e rumou sozinho em direção aos pés negros de Echoriad. Toda a terra estava fria e desolada; e quando ela finalmente apareceu, imensa, à sua frente, e ele não conseguia encontrar formas de seguir adiante, ele parou e olhou em sua volta com pouca esperança. Ele estava agora no pé de uma grande avalanche sob uma imensa parede de pedras, e ele não sabia que era tudo o que restava do antigo Caminho de Escape: o Rio Seco estava seco e o portão arqueado, enterrado.

Então Húrin olhou para o céu, pensando que, por algum lance de sorte, ele poderia avistar novamente as Águias, como vira, há muito tempo, em sua juventude. Mas ele viu apenas as sombras sopradas do Leste, e nuvens formando redemoinhos em volta dos picos inacessíveis; e o vento assobiando por sobre as pedras. Mas a vigília das Grandes Águias, e elas marcaram Húrin, lá em baixo, desamparado sob a luz esvanecente. E rapidamente Sorontar, já que as notícias pareciam importantes, reportou a Turgon.

Mas Turgon falou: ‘Não! Isso é uma mentira! A não ser que Morgoth esteja dormindo. Você está errado.’

‘Não, não estou,’ respondeu Sorontar. ‘Se as Águias de Manwë cometessem erros desta forma, Senhor, seu esconderijo teria sido em vão.’

‘Então tuas palavras trazem um mau presságio,’ disse Turgon; ‘pois elas só podem significar que mesmo Húrin Thalion sucumbiu à vontade de Morgoth. Meu coração está fechado.’ Mas quando ele dispensou Sorontar, Turgon sentou e pensou, e ele estava preocupado, relembrando os feitos de Húrin. E ele abriu seu coração, e ordenou que as Águias procurassem por Húrin, a que o trouxessem, se pudessem, para Gondolin. Mas era tarde de mais, e elas nunca mais o viram novamente, seja na luz, seja na sombra.

Pois Húrin permaneceu em desespero perante o severo silêncio de Echoriad, e o sol poente, rasgando as nuvens, manchando seu cabelo branco com vermelho. Então ele gritou no ermo, negligente aos muitos ouvidos, e ele amaldiçoou a terra impiedosa: ‘dura como os corações de Elfos e Homens’. E ele parou, enfim, em frente a uma grande pedra, e abrindo seus braços, olhando em direção a Gondolin, ele chamou com uma grande voz: ‘Turgon, Turgon! Lembre-se do Pântano de Serech!’ E novamente: ‘Turgon! Húrin chama por você. O Turgon, não irás me ouvir dos teus salões escondidos?’
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Mas não houve resposta, e tudo o que ele ouviu foi o vento na grama seca. ‘E ainda assim eles sibilam em Serech ao por do Sol’, disse ele. E enquanto ele falava, o Sol passou para trás das Montanhas da Sombra, e a escuridão caiu sobre ele, e o vento cessou, e o ermo ficou em silêncio.

Entretanto, ouvidos escutaram as palavras que Húrin falou, e olhos marcaram seus gestos; e o relatório de tudo chegou rápido ao Trono Escuro no Norte. Então Morgoth sorriu, e soube claramente que Turgon habitava naquela região, pois devido as Águias nenhum espião dele podia chegar ao alcance do olho da terra atrás das montanhas circulantes. Esse foi o primeiro mal que a liberdade de Húrin causou.

Enquanto a escuridão caía, Húrin pisou em falso na pedra, e caiu desmaiado, em um profundo sono de pesar. Mas em seu sono ele ouviu a voz de Morwen lamentando, e freqüentemente falou seu nome; e pareceu para ele que aquela voz vinha de Brethil. Então, quando despertou com a chegada do dia, ele se ergueu e retornou; e ele chegou novamente ao vau, e, como se guiado por uma mão invisível, ele passou pelas bordas de Brethil, até que, depois de uma jornada de quatro dias, chegou até Taeglin, e toda sua escassa comida acabou, e ele estava faminto. Mas ele prosseguiu como a sombra de um homem levado por um vento negro, e ele chegou ao vau à noite, e lá ele o atravessou até Brethil.

Os sentinelas noturnos o viram, mas eles estavam cheios de medo, então eles não ousaram se mover ou gritar; pois eles pensaram que era um fantasma vindo de uma montanha de mortos em combate que caminhava com a escuridão em sua volta. E por muitos dias após, os homens temeram se aproximar do vau à noite, a não ser com grande companhia e com fogo aceso.

Mas Húrin passou, e na noite do sexto dia ele chegou finalmente ao lugar da queima de Glaurung, e viu a pedra alta na beirada de Cabed Naeramarth. Mas Húrin não olhou para a pedra, pois ele sabia o que estava escrito ali, e seus olhos perceberam que não estava sozinho. Sentado na sombra da pedra estava uma figura encurvada sobre seus joelhos. Parecia um andarilho sem lar derrotado pela idade, cansando demais para perceber sua chegada; mas seus farrapos eram retalhos de um traje feminino. Húrin parou por um tempo em silêncio, então ela ergueu seu capuz esfarrapado e levantou seu rosto lentamente, com aparência selvagem e faminta como um lobo que fora caçado por muito tempo. Ela era cinzenta, com o nariz fino e com dentes quebrados, e com uma das mãos em forma de garra ela segurava a sua capa na altura do peito. Mas de repente seus olhos encararam os dele e então Húrin a reconheceu; pois apesar de serem selvagens agora, e cheios de medo uma luz ainda brilhava neles que era difícil de suportar: a luz élfica que há muito lhe dera seu nome, Edelwen, a mais orgulhosa das mulheres mortais nos dias antigos.

‘Edelwen! Edelwen!’, gritou Húrin; e ela se levantou e cambaleou em frente, e ele a pegou em seus braços.

‘Finalmente você veio,’ ela disse. ‘Eu esperei por tempo demais.’

‘Foi uma estrada negra. Eu vim da forma que pude,’ respondeu.

‘Mas você está atrasado,’ ela disse, ‘atrasado demais. Eles estão perdidos.’

‘Eu sei,’ disse ele. ‘Mas você não está.’

‘Mas quase,’ disse ela. ‘Eu estou acabada. Eu devo partir com o sol. Eles estão perdidos.’ Ela se segurou no casaco dele. ‘Sobrou pouco tempo,’ ela disse. ‘Se você sabe, me diga! Como ela o encontrou?’ Mas Húrin não respondeu, e ele sentou ao lado da pedra com Morwen em seus braços; e eles não falaram novamente. O sol se pôs, e Morwen suspirou e segurou sua mão e ficou inerte; e Húrin soube então que ela morrera.

E assim morreu Morwen, a orgulhosa e bela; e Húrin olhou para ela no crepúsculo, e pareceu que as marcas de pesar e cruel privação suavizaram. Sua face ficou fria e pálida e triste. ‘Ela não foi conquistada,’ ele disse; e ele fechou os olhos dela, e sentou-se imóvel ao lado dela enquanto a noite caía. As águas de Cabed Naeramarth rugiam, mas ele não ouviu som algum, nem viu nada, nem sentiu nada, pois seu coração estava duro como pedra, e ele pensou em permanecer ali sentado até que também morresse.
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Então veio um vendo frio e lançou uma chuva fina em seu rosto; e de repente ele estava desperto, e com uma profunda raiva negra cresceu dentro dele como uma fumaça, superando a razão, então tudo o que desejava era buscar vingança pelos seus erros e pelos erros de sua família, acusando em sua angústia todos aqueles que já tiveram negócios com eles.

Ele levantou e ergueu Morwen; e de repente percebeu que erguê-la estava além de suas forças. Ele estava faminto e idoso, e cansado como o inverno. ‘Fique aqui mais um pouco, Edelwen,’ ele disse, ‘até que eu retorne. Nem mesmo um lobo machucaria mais você. Mas o povo desta terra dura irá se arrepender do dia em que você morreu aqui!’

Então Húrin se afastou, aos tropeços, e voltou para o vau de Taeglin e lá ele caiu ao lado de Haud-en-Elleth, e uma escuridão se abateu sobre ele, e ele permaneceu como se estivesse adormecido. Ao amanhecer, antes que a luz o despertasse totalmente, ele foi encontrado pelos guardas que Hardang mandara manter uma atenção especial naquele lugar.

Foi um homem chamado Sagroth que o encontrou primeiro, e ele o encarou com espanto e sentiu medo, pois ele pensou que soubesse quem aquele homem velho era. ‘Venham!’ gritou ele para os que o seguiam. ‘Olhem aqui! Deve ser Húrin. Os intrusos falaram a verdade. Ele chegou!’

‘Você encontrou problemas, como sempre, Sagroth!’ disse Forhend.

‘O Halad não ficará satisfeito com o que encontraram. O que deverá ser feito? Talvez Hardang ficaria mais satisfeito em ouvir que nós acabamos com os problemas em suas fronteiras e os empurramos para fora.’

‘Empurramos para fora?’ disse Avranc. Ele era filho de Dorlas, um homem jovem, baixo e escuro, porém forte, parecido com Hardang, como fora também seu pai. ‘Empurramos para fora? Que bem isso causaria? Ele voltaria novamente! Ele pode caminhar – todo o caminho desde Angband, se é o que você está pensando. Veja! Ele é horrível e possui uma espada, mas dorme profundamente. Deve ele despertar para mais angústia? Se você quer satisfazer o líder, Forhend, acabe com ele aqui.’

Tamanha era a sombra que agora caía sobre s corações dos homens, enquanto o poder de Morgoth crescia, e o medo se espalhava por toda a terra; mas nem todos os corações tinham escurecido. ‘Envergonhe-se pelo que disse!’ gritou Manthor, o capitão, que vinha por trás e ouviu o que diziam. ‘E principalmente você, Avranc, que jovem obstinado você é! Ao menos você ouviu sobre os feitos de Húrin de Hithlum, ou apenas as conhece de fábulas contadas ao pé do fogo? O que deve ser feito, então? Matá-lo em seu sono, esse é o seu conselho. Do inferno veio essa idéia!’

‘Assim como ele,’ respondeu Avranc. ‘Se realmente ele é Húrin. Quem pode saber?’

‘Pode ser descoberto em breve,’ disse Manthor; e se aproximou de Húrin deitado, ajoelhando-se próximo a ele, e ergueu a sua mão e a beijou. ‘Acorde!’, ele gritou. ‘A ajuda está próxima. E se você é Húrin, não há ajuda que eu creio ser suficiente.’

‘E nenhuma ajuda que ele não irá retribuir com mal,’ disse Avranc. ‘Ele vem de Angband, digo eu.’

‘O que ele pode vir a fazer nós não sabemos,’ disse Manthor. ‘O que ele fez nós sabemos, e nossa dívida ainda não foi paga.’ Então ele falou novamente, em voz alta: ‘Viva Húrin Thalion! Viva o capitão dos homens!’

Então Húrin abriu os olhos, lembrando de palavras malignas que ouvira durante o sono, antes de acordar, e ele viu homens sobre ele com armas em punho. Ele levantou tenso, tateando a sua espada; e ele olhou para eles com raiva e descaso. ‘Malditos!’ ele gritou. ‘Matariam um velho em seu sono? Vocês se parecem com homens, mas são orcs sob a pele, eu acho. Então venham! Matem-me acordado, se é que ousam fazer isso. Mas eu não irei satisfazer seu senhor negro, eu acho. Eu sou Húrin, filho de Galdor, um nome que orcs ao menos lembrarão.’
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‘Não, não,’ disse Manthor. ‘Não sonhe. Nós somos homens. Mas esses são dias malignos e de dúvidas, e nós estamos sobre muita pressão. Esta região é perigosa. Não quer vir conosco? Ao menos nós podemos lhe proporcionar comida e descanso.’

‘Descanso?’ disse Húrin. ‘Vocês não podem me proporcionar isso. Mas, em minha necessidade, eu aceitarei comida.’

Então Manhor deu a ele um pouco de pão e carne e água; mas pareceram engasgá-lo, e ele cuspiu fora. ‘A que distância estamos da casa de seu senhor?’ ele perguntou. ‘Até que eu o veja, a comida que negaram à minha amada não descerá pela minha garganta.’

‘Ele se irrita e nos despreza,’ resmungou Avranc. ‘O que eu disse?’ Mas Manthor olhou para ele com piedade, apesar de não entender suas palavras. ‘É uma longa estrada para os cansados, senhor,’ disse ele; ‘e aqueles da casa de Hardang Halad estão escondidos dos estranhos.’

‘Então me leve para lá!’ disse Húrin. ‘Eu irei da forma que puder. Eu tenho uma missão naquela casa.’

Logo eles seguiram em frente. Da sua forte companhia, Manthor deixou muitos cumprindo sua tarefa, mas ele caminhou com Húrin, e com ele levou Forhend. Húrin caminhava como podia, mas depois de um tempo, começou a tropeçar e a cair; e mesmo que sempre se reerguesse e lutasse para continuar, não permitiria que ninguém o ajudasse.

Depois de muitas paradas pelo caminho, finalmente chegaram aos salões de Hardang em Obel Halad, nas profundezas da floresta; e ele sabia da sua chegada, pois Avrang, espontaneamente, correu na frente deles e levou as notícias antes deles; e ele não esqueceu de reportar as palavras selvagens de Húrin quando despertou e quando cuspiu fora sua comida.

Então eles encontraram os salões bem guardados, com muitos homens na cerca do pátio, e homens nas portas. No portão do pátio, o capitão dos guardas os parou. ‘Entreguem o prisioneiro para mim!’ disse ele.

‘Prisioneiro!’ disse Manthor. ‘Eu não trago um prisioneiro, mas um homem a quem você deveria honrar.’

‘Essas são palavras de Halad, não minhas,’ disse o capitão. ‘Mas você pode vir também. Ele também tem palavras para você.’

Então eles levaram húrin até a presença do líder; e Hardang não o cumprimentou, mas sentado em sua grande cadeira, olhou Húrin da cabeça aos pés. Mas Húrin retornou o seu olhar, e se manteve o mais firme que pode, apesar de estar apoiado em seu cajado. Então ele permaneceu um tempo em silêncio, até que ele tombou no chão. ‘Vejam!’ ele disse. ‘Eu vejo que existem tão poucas cadeiras em Brethil que um convidado deva sentar no chão.’

‘Convidado?’ disse Hardang. ‘Nenhum convidado por mim. Mas tragam um banco para o homem. Se ele não desdenhar dele, pois ele cospe em nossa comida.’

Manthor se ofendeu com a descortesia e ouvindo uma risada nas sombras atrás da grande cadeira, ele olhou e percebeu que era Avranc, e seu rosto se escureceu em fúria.

“Me desculpe, senhor,’ disse ele a Húrin. ‘Existe um mal entendido aqui.’ Então se virou para Hardang e se lançou sobre ele. ‘A minha companhia tem um novo capitão agora, meu Halad?’ disse ele. ‘Pois se não eu não entendo como alguém que abandonou o seu posto e desobedeceu minhas ordens possa ficar aqui sem reprova. Ele trouxe notícias antes de mim, eu vejo; mas parece ter esquecido o nome do convidado, ou Húrin Thalion não teria sido deixado em pé.’

‘O nome foi dito para mim,’ respondeu Hardang, ‘assim como suas palavras malignas. Assim é a casa de Hador. Mas é o papel de um estranho se apresentar pela primeira vez em minha casa, e eu esperei ouvi-lo. Assim como a sua missão, já que diz ter uma. Mas sobre seu dever, tais assuntos não devem ser tratados na presença de estranhos.’
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Então ele se virou para Húrin, que estava sentado no banco; seus olhos estavam fechados e ele não parecia dar atenção ao que acontecia. ‘Bem, Húrin de Hithlum,’ disse Hardang, qual é a sua missão? É motivo de pressa? Ou não prefere descansar um pouco e falar sobre isso mais tarde, quando estiver mais à vontade? Enquanto isso, podemos providenciar uma comida menos horrível.’ O tom de Hardang era mais gentil, e ele levantou enquanto falava; pois ele era um homem prudente, e ele percebeu o desagrado no rosto dos outros atrás de Manthor.

Então, de repente, Húrin se levantou. ‘Bem, mestre junco do pântano,’ disse ele. ‘Então você se curva com cada respiração? Cuidado para que a minha não lhe derrube. Vá descansar para se fortalecer, então eu o chamarei de novo! Zombador de cabelos cinzentos, mesquinho em relação à comida, que deixa os errantes famintos. Esse banco servirá melhor para você.’ Com isso, ele lançou o banco em direção a Hardang, acertando-o na testa; e se virou para sair do salão.

Alguns dos homens abriu caminho, seja por pena ou medo de sua ira; mas Avranc correu à sua frente. ‘Não tão rápido, Húrin!’ ele gritou. ‘Ao menos não tenho mais dúvidas em relação ao seu nome. Você traz suas maneiras de Angband. Mas nós não amamos os feitos dos orcs neste salão. Você atacou o líder em sua cadeira, e agora você é nosso prisioneiro, independente do seu nome.’

‘Eu o agradeço, capitão Avranc,’ disse Hardang, que estava sentado em sua cadeira, enquanto tentava estancar o sangue que corria de sua sombrancelha. ‘Agora deixe o velho louco ser algemado e mantido cativo, eu o julgarei mais tarde.’

Então eles colocaram tiras de couro nos braços de Húrin, e um cabresto no seu pescoço, e o levaram embroa; e ele não mostrou resistência, pois a fúria havia acabado, e ele caminhou como alguém dormindo, de olhos fechados. Mas Manthor, apesar de Avranc ter olhado bravo para ele, colocou o braço sobre o ombro do velho e o guiou para que não tropeçasse.

Mas quando Húrin foi trancado em uma caverna e Manthor não podia fazer mais nada para ajudá-lo, retornou para o salão. Lá ele encontrou Avranc falando com Hardang, e, apesar de terem se calado quando chegou, ele ouviu as últimas palavras que Avranc falou, e pareceu que Avranc queria que Húrin fosse executado imediatamente.

‘Então, capitão Avranc,’ ele disse, ‘as coisas foram bem para você hoje! Eu já vi você jogar desta forma: atiçar um velho texugo e matá-lo quando ele o morde. Não tão rápido, capitão Avranc! Nem você, Hardang Halad. Este não é assunto para lidar de maneira arrogante, sem controle. A vinda de Húrin, e a forma com que foi recebido, diz respeito a todo o povo, e eles devem ouvir tudo o que é dito, antes de qualquer julgamento.

‘Você deve ir,’ disse Hardang. ‘Retorne para sua missão na fronteira, até que o capitão Avranc apareça para assumir o comando.’

‘Não, senhor,’ disse Manthor, ‘eu não tenho missão. A partir de hoje não estou mais a seu serviço. Eu deixei Sagroth no comando, um homem da floresta que é mais velho e mais sábio que o que você nomeou. Quando chegar a hora, retornarei para minhas próprias fronteiras*. Mas agora eu reunirei o povo.

Quando saiu pela porta, Avranc armou seu arco para matar Manthor, mas Hardang o impediu. ‘Ainda não,’ ele disse. Mas Manhor não viu isso (apesar de algumas pessoas no salão ter percebido), e saiu, e mandou todos aqueles que se dispuseram a agir como mensageiros para reunir os mestres de todas as terras e qualquer outro que se dispusesse a comparecer.

Agora os rumores corriam pelas árvores, e as lendas cresciam quando eram contadas; e alguns disseram isso, e outros aquilo, e a maioria falou em louvor a Halad e se lançou em direção a Húrin como se fosse um maligno chefe orc; pois Avranc também estava ocupado com mensageiros. Logo tinha uma grande multidão de povos, e a vila próxima ao salão dos líderes estava apinhada com tendas e barracas. Mas todos os homens portavam armas, por medo que um alarme repentino viesse das fronteiras.

Quando ele enviou seus mensageiros, Manthor foi até a prisão de Húrin, mas os guardas não o deixaram entrar. ‘Venham!’ disse Manthor. ‘Vocês sabem muito bem que é do nosso bom costume que qualquer prisioneiro deve ter um amigo que possa visitá-lo e ver como ele está sendo alimentado e aconselhá-lo.’

*Pois Manthor era um descendente de Haldad, e ele possuía uma terra pequena na fronteira leste de Brethil, próximo ao Sirion onde ele atravessa Dimbar. Mas todo o povo de Brethil era formado por homens livres, mantendo suas casas e suas terras, sejam maiores ou menores, de direito. Seu senhor era escolhido entre os descendentes de Haldad, por reverência pelos feitos de Haleth e Haldar; e mesmo que a liderança era dada, como se fosse um domínio ou um reino, para os mais velhos da linhagem mais velha, o povo tinha o direito de colocar qualquer um de lado ou tirá-lo de lá, por uma causa grave. E alguns sabiam o suficiente que Harathor tentara que Brandir o Aleijado tivesse tido abdicado em seu favor.
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‘O amigo é escolhido pelo prisioneiro,’ responderam os guardas; ‘mas este homem selvagem não tem amigos.’

‘Ele tem um,’ disse Manthor, ‘e eu peço permissão para me oferecer como sua escolha.’

‘O Halad nos proíbe de admitir qualquer um fora os guardas,’ disseram. Mas Manthor, que era sábio nas leis e costumes de seu povo, respondeu: ‘Sem dúvida. Mas neste caso ele não tem direito. Por que o intruso está preso? Nós não algemamos velhos e errantes por falarem rudemente quando irritados. Este está preso por seu ataque a Hardang, e Hardang não pode julgar seu próprio caso, mas deve levar sua queixa para o julgamento do povo. Enquanto isso, ele não pode negar ao prisioneiro todo conselho e ajuda. Se ele fosse sábio, ele veria que não age desta forma, beneficiaria sua própria causa. Mas talvez alguma outra boca falou pela dele?’

‘Verdade,’ disseram. ‘Avranc trouxe a ordem.’

‘Então esqueça,’ disse Manthor. ‘Pois Avranc estava obedecendo outras ordens, para permanecer em sua missão na fronteira. Escolha então entre um jovem desertor e as leis do povo.’

Então os guardas permitiram sua entrada na caverna; pois Manthor era querido em Brethil, e os homens não gostavam dos líderes que tentaram dominar o povo. Manthor encontrou Húrin sentado em um banco. Tinha algemas em seus tornozelos, mas suas mãos estavam livres; e tinha um pouco de comida à sua frente, intocada. Ele não ergueu o olhar.

‘Salve, senhor!’ disse Manthor. ‘As coisas não aconteceram como deviam, nem como eu ordenei. Mas agora você precisa de um amigo.’

‘Eu não tenho amigos, nem desejo algum nesta terra,’ respondeu Húrin.

‘Um amigo está na sua frente,’ respondeu Manthor. ‘Não me rejeite. Por enquanto, pelo menos! O assunto entre você e Hardang Halad deve ser levado para ser julgado pelo povo, e seria bom, pelo que nossas leis permitem, ter um amigo para aconselhá-lo e defender o seu caso.’

‘Eu não irei me defender, e não preciso de conselhos,’ disse Húrin.

‘Você precisa deste conselho, pelo menos,’ disse Manthor. ‘Controle sua ira por enquanto, e coma um pouco, pra que tenha força perante seus inimigos. Eu não sei qual é sua missão aqui, mas ela seria mais rápida se você não estivesse faminto. Não se mate enquanto existe esperança!’

‘Me matar?’ gritou Húrin, e ele cambaleou e se escorou na parede, e seus olhos estavam vermelhos. ‘Devo ser arrastado algemado perante uma ralé de homens da selva para ouvir que tipo de morte irão me dar? Eu me matarei antes, se minhas mãos estiverem livres.’ Então, de repente, rápido como um velho urso em uma cilada, ele saltou para a frente, e antes que Manthor pudesse evitá-lo, ele puxou uma faca do seu cinto. Então ele afundou no banco.

‘Você poderia ter tido a faca como um presente,’ disse Manthor, ‘porém nós não acreditamos no suicídio como uma saída nobre para aqueles que não enlouqueceram. Esconda a faca e a guarde para um uso melhor! Mas tenha cuidado, pois é uma lâmina maldita, de uma forja dos anões. Agora, senhor, não me considerará como amigo? Não diga nada, mas se você comer comigo, considerarei como um sim.’

Então Húrin olhou para ele e a ira deixou seus olhos; e juntos eles beberam e comeram juntos em silêncio. E quando tudo estava terminado, Húrin falou: ‘Pela sua voz você me derrotou. Nunca desde o Dia do Terror eu ouvi a voz de um homem tão bela. Ai de mim! Ela lembra das vozes na casa de meu pai, muito tempo atrás, quando a sombra parecia estar tão longe.’

‘Isto pode muito bem ser verdade,’ disse Manthor. ‘Hiril, minha primeira mãe era irmã de sua mãe, Hareth.’

‘Então você é amigo e parente,’ disse Húrin.
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‘Mas não eu sozinho,’ disse Manthor. ‘Nós somos poucos e temos pouco dinheiro, mas nós também somos Edain, e ligados por muitas formas ao seu povo. Seu nome foi por muito tempo mantido honrado aqui; mas nenhuma notícia de seus feitos teria chegado até nós se Haldir e Hundar não tivessem marchado para a Nirnaeth. Lá eles caíram, mas sete dos seus companheiros retornaram, pois eles foram socorridos por Mablung de Doriath e curados de seus ferimentos.

Os dias tem sido escuros desde então, e muitos corações foram escurecidos, mas não todos.’

‘Mas a voz do seu líder vem das sombras,’ disse Húrin, ‘e seu povo o obedece, mesmo em atos de desonra e crueldade.’

‘A tristeza escurece seus olhos, senhor, se é que ouso dizer tal coisa. Mas que isto fique provado, vamos nos aconselhar juntos. Pois eu vejo perigo de mal à nossa frente, tanto para você quanto para meu povo, apesar de talvez a sabedoria possa evitar isso. De uma coisa eu posso alertá-lo, apesar de não lhe agradar. Hardang é um homem menor que seus pais, mas eu não vi maldade nele desde que ele ouviu da sua chegada. Você carrega uma sombra, Húrin Thalion, na qual sombras menores ficam mais escuras.’

‘Palavras negras de um amigo!’ disse Húrin. ‘Por muito tempo vivi na Sombra, mas eu suportei e não me entreguei. Se existe alguma escuridão em mim, é apenas a dor além da dor que me roubou a luz. Mas não faço parte da Sombra.’

‘Mesmo assim, eu lhe digo,’ disse Manthor. ‘que ela segue seus passos. Eu não sei como ganhaste a liberdade; mas o pensamento de Morgoth não o esqueceu. Tenha cuidado.’

‘Não caduque, velho senil, você diria,’ respondeu Húrin. ‘Eu irei suportar isso de você, pela sua bela voz e nosso parentesco, mas não mais! Vamos falar de outras coisas, ou acabamos por aqui.’

Então Manthor foi paciente, e ficou por longo tempo com Húrin, até que a noite trouxe a escuridão para a caverna; e eles comeram juntos mais uma vez. Então Manthor ordenou que uma luz fosse trazida para Húrin; e ele partiu no dia seguinte, e foi para sua tenda com o coração pesado.

No dia seguinte foi proclamado que o debate para o julgamento aconteceria na manhã seguinte, pois quinhentos homens chefes já se apresentaram e este era por costume, o quorum mínimo que se aceitava para um encontro do povo. Manthor foi cedo encontrar Húrin; mas os guardas mudaram. Três homens da guarda privada de Hardang guardavam a porta, e eles não foram amistosos.

‘O prisioneiro está dormindo,’ o líder deles falou. ‘E isso é bom; pode acalmar seu ânimo.’

‘Mas eu sou o amigo que ele escolheu, como foi declarado ontem,’ disse Manthor.

‘Um amigo o deixaria em paz, enquanto ele pode tê-la. Que bem faria acordá-lo?’

‘Por que a minha vinda o acordaria? Os pés de um carcereiro são mais pesados que os meus.’ falou Manthor. ‘Eu desejo ver como ele dorme.’

‘Você pensa que todos os homens mentem, menos você?’

‘Não, não; mas eu acho que alguém esqueceria as nossas leis de bom grado quando elas não servem o seu propósito,’ respondeu Manthor. Mesmo assim pareceu a ele que pouco ajudaria o caso de Húrin se continuasse a discutir, e ele foi embora. Muitas coisas permaneceram sem serem ditas entre eles até que fosse tarde demais. Pois quando ele retornou o dia estava terminando. Nada impediu a sua entrada, desta vez, e ele encontrou Húrin deitado em uma armação de madeira; e ele notou com fúria que ele tinha agora algemas em seus punhos e uma curta corrente entre eles.

‘Um amigo que se atrasa é a esperança que é negada,’ disse Húrin. ‘Esperei por muito tempo por você, mas agora estou com muito sono e meus olhos estão turvos.’

‘Eu vim no meio da manhã,’ disse Manthor, ‘mas eles disseram que você estava dormindo.’
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‘Eu estava cochilando, cochilando em uma esperança pálida,’ disse Húrin; ‘mas a sua voz me acordou. Eu estou assim desde que tive meu desjejum. Aquele seu conselho finalmente o tomei, meu amigo; mas comida me faz mais mal do que bem. Agora eu devo dormir. Mas volte pela manhã!’

Manthor teve pensamentos escuros sobre isto. Ele não pode ver o rosto de Húrin, pois havia pouca luz, mas se curvando para baixo ele pode ouvir a sua respiração. Então com uma expressão severa, ele se levantou e pegou os restos da comida, colocando sob seu casaco, e foi embora.

‘Bem, o que você achou do homem selvagem?’ disse o chefe da guarda.

‘Perturbado com sono,’ respondeu Manthor. ‘Ele deve estar bem desperto amanhã. O desperte cedo. Traga comida para dois, pois eu virei quebrar meu jejum com ele.’

No dia seguinte, muito antes do meio da manhã, o debate teve início. Quase mil pessoas chegaram, a maioria homens velhos, já que a vigília nas fronteiras deve ser mantida. Logo o anel do debate estava cheio. Ele tinha a forma de uma grande crescente, com sete fileiras de bancos saindo de um piso plano escavado na encosta da colina. Uma grade alta ficava em volta dela, e a única entrada era por um portão pesado na cercaque se fechava na parte aberta da crescente. No meio da camada mais baixa estava Angbor, ou a Pedra do Destino, uma grande pedra chata na qual o Halad sentaria. Aqueles que eram trazidos para julgamento ficavam na frente da pedra e voltados para a assembléia.

Havia uma grande babel de vozes; mas com o grito de uma trompa, o silêncio caiu, e o Halad entrou, acompanhado por muitos guarda costas. O portão se fechou atrás dele, e ele caminhou lentamente até a Pedra. Então ele parou, olhando para a assembléia e consagrou o debate como de costume. Primeiro ele citou os nomes de Manwë e Mandos, segundo o costume que os Edain aprenderam com os Eldar, e então, falando na língua antiga do povo, que agora estava fora de uso, e declarou aberto o debate, sendo o tricentésimo primeiro debate de Brethil, convocado para julgar um grave assunto.

Quando, como de costume, toda a assembléia gritou em uníssono e na mesma língua ‘Nós estamos prontos’, ele sentou em Angbor, e chamou na língua de Beleriand para os homens que estavam próximos: ‘Soem as cornetas! Que o prisioneiro seja trazido até nós!’

A corneta soou duas vezes, mas por um tempo ninguém entrou, e o som de vozes irritadas podia ser ouvida fora da cerca. Depois de um tempo, o portão foi empurrado e seis homens saíram com Húrin entre eles.

‘Eu sou trazido sob violência e maus tratos,’ ele gritou. ‘Eu não irei caminhar algemado para nenhum debate na terra, nem se reis élficos estivessem presentes. E enquanto eu estiver preso, eu irei negar toda a autoridade e justiça a que me condenem.’ Mas os homens o colocaram no chão à frente da Pedra e o seguraram ali com força.

Agora era costume do debate que, quando qualquer homem era trazido para ele, o Halad deveria ser o acusador, e deveria primeiramente recitar o delito que acusava. A respeito do que era direito do acusado, por ele mesmo ou pela boca de seu amigo, negar a acusação, ou oferecer uma defesa pelo que fez. E depois dessas coisas serem ditas, se algum ponto restava duvidoso ou era negado por um dos lados, testemunhas eram convocadas.

Hardang, então, estava em pé e virado para a assembléia e começou a recitar a acusação. ‘Este prisioneiro,’ disse ele, ‘que está perante vocês, se auto proclama Húrin, filho de Galdor, que um dia foi de Dor-lómin, mas ele veio de uma longa estada em Angband. Seja isto como for.’

Mas sobre isto Manthor se levantou e se colocou perante a Pedra. ‘Com sua licença, meu senhor Halad e povo!’ ele gritou. ‘Como amigo do prisioneiro eu convoco o direito de perguntar: a acusação contra ele envolve de alguma forma a pessoa do Halad? Ou teria o Halad alguma mágoa em relação a ele?’

‘Mágoa?’ gritou Hardang, e a raiva obscureceu seu raciocínio, pois ele não percebeu as intenções de Manthor. ‘Muitas mágoas! Esta não é a última moda em adereços para cabeça para o debate. Eu venho aqui com ferimentos com curativos.’
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‘Oras!’ disse Manthor. ‘Mas se é assim, eu peço que a questão não possa ser tratada desta forma. Na sua lei nenhum homem pode recitar a ofensa feita contra si mesmo; nem ele pode sentar na cadeira do julgamento enquanto a acusação é ouvida. Não é esta a lei?’

‘Esta é a lei,’ respondeu a assembléia.

‘Então,’ disse Manthor, ‘antes que a acusação seja ouvida, outro Hardang, filho de Hundad deve ser apontado para a pedra.’

Assim várias vozes se ergueram, mas a maioria das vozes e as vozes mais altas chamavam por Manthor. ‘Não,’ disse ele, ‘eu estou envolvido com uma das partes e não posso ser o julgador. Além disso, é o direito do Halad neste caso nomear aquele que irá tomar o seu lugar, o que ele com certeza sabe muito bem.’

‘Eu o agradeço,’ disse Hardang, ‘mas eu não preciso de um jurista autodidata para me ensinar.’ Então ele olhou para Manthor, como se considerando quem ele deveria nomear. Mas a sua raiva era negra e toda a sabedoria o abandonou. Se ele tivesse escolhido qualquer dos chefes de casa ali presentes, as coisas poderiam ter tomado um rumo diferente. Mas em um momento maligno ele escolheu, para o espanto de todos, griou: ‘Avranc, filho de Dorlas! Parece que o Halad também precisa de um amigo hoje, quando os juristas estão tão ousados. Eu o convoco para a Pedra.’

O silêncio caiu. Mas quando Hardang se afastou e Avranc foi até a pedra, um grande murmúrio foi ouvido, como o prenúncio de uma tempestade. Avranc era um jovem casado há pouco, e sua juventude fora tomada como ruim por todos os velhos chefes de casa que estavam lá. Pois ele não era querido pelo que era; pois apesar de ser valente, ele era um zombador, como seu pai Dorlas foi antes dele. E lendas negras sussurravam sobre Dorlas, pois, apesar de nada ser dado como verdadeiro, ele foi encontrado morto na batalha com Glaurung, e a espada ensangüentada que jazia ao seu lado era a espada de Brandir.

Mas Avranc não deu atenção aos murmúrios, e se alegrou, como se fosse um assunto simples, que se tratasse rapidamente.

‘Bem,’ disse ele, ‘se isto está definido, não vamos mais perder tempo! O assunto está claro o suficiente.’ Então, se levantando, ele continuou a acusação. ‘Este prisioneiro, este homem selvagem,’ disse ele, ‘vem de Angband, como vocês bem ouviram. Ele foi encontrado dentro de nossas fronteiras. Não por acaso, pois, como ele mesmo disse, tem uma missão a cumprir aqui. O que seria, ele não revelou, mas não pode ser nada de bom. Ele odeia este povo. Logo que nos viu, nos insultou. Nós lhe demos comida e ele a cuspiu. Eu já vi orcs agirem assim, se fossemos tolos o suficiente para demonstrar-lhes piedade. Está claro que ele vem de Angband, seja lá qual for o seu nome. Mas o pior ainda está por vir. Por requerimento próprio, ele foi levado perante o Halad de Brethil – por este homem que se diz agora seu amigo; mas quando ele chegou ao salão, ele se recusou a dizer seu nome. E quando o Halad o perguntou qual era a sua missão e o pediu que descansasse primeiro e falasse depois, se assim o aprouvesse, ele enlouqueceu, começou a insultar o Halad, e de repente arremessou um banco na sua face e o feriu gravemente. Foi bom que ele não tinha nada mais mortal à mão, ou o Halad teria sido morto. É clara a intenção do prisioneiro, e diminui muito pouco a sua culpa o fato de que o pior não tenha acontecido, para o qual a pena é a da morte. Mas mesmo assim, o Halad senta na grande cadeira no seu salão: insultá-lo lá é um ato de maldade, e atacá-lo é um ultraje.

‘Esta, então, é a acusação contra o prisioneiro: que ele veio para cá com más intenções para conosco, e para com o Halad de Brethil em especial (a pedido de Angband, pode se dizer); que, na presença do Halad, ele o desrespeitou, e então tentou matá-lo em sua cadeira. A penalidade está sob o julgamento do debate, mas poderia ser justamente a da morte.’

Então, para muitos pareceu que Avranc falou justamente, e para todos ele falou com habilidade. Por um tempo, ninguém ergueu a voz de lado algum. Então Avranc, sem esconder seu sorriso, levantou-se novamente e disse: ‘O prisioneiro pode agora responder à acusação, se quiser, mas que seja breve e não enlouqueça!’

Mas Húrin não falou, apesar de fazer força contra aqueles que o seguravam. ‘Prisioneiro, não vai falar?’ disse Avranc, e Húrin não lhe respondeu. ‘Que assim seja,’ disse Avranc. ‘Se ele não vai falar, nem para negar a acusação, então não há mais nada a fazer. A acusação é justa, e aquele que está de frente para a Pedra pode propor uma pena que lhe pareça justa para o Debate.’
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Mas agora Manthor se levantou e disse: ‘Primeiro devem perguntar a ele por que não falará. E a resposta deverá ser dada por seu amigo.’

‘A questão está feita,’ disse Avranc, dando de ombros. ‘Se você sabe a resposta, fale.’

‘Porque seus pés e mãos estão presos,’ disse Manthor. ‘Nunca antes nós arrastamos algemado para o Debate alguém que ainda não tenha sido condenado. Mas mesmo que seja um Edain, cujo nome merece honra, isso nunca deveria ter acontecido. Sim, não condenado digo eu; pois o acusado deixou muito sem ser dito que este Debate deve ouvir antes de dar o julgamento.’

‘Mas isto é uma tolice,’ disse Avranc. ‘Adan ou não, e qualquer que seja seu nome, o prisioneiro é incontrolável e malicioso. As algemas são uma precaução necessária. Aqueles que se aproximam dele devem estar protegidos da sua violência.’

‘Se deseja criar a violência,’ respondeu Manthor, ‘o que seria mais óbvio do que abertamente desonrar um homem orgulhoso, carregando o peso da tristeza de muitos anos nas costas. A aqui está um, enfraquecido pela fome e por uma longa jornada desarmado em meio a uma hoste. Eu pergunto ao povo aqui reunido: vocês consideram esta precaução digna dos homens livres de Brethil, ou prefeririam que tivéssemos usado a cortesia dos antigos?’

‘As algemas foram colocadas no prisioneiro por ordem do Halad,’ disse Avranc. ‘Para isto nós usamos seu direito de evitar a violência em seu salão. Assim, esta ordem não pode ser impugnada, salvo por toda a assembléia.’

Assim, um grande grito se ergueu na multidão ‘Soltem-no, soltem-no! Húrin Thalion! Soltem H‎úrin Thalion!’ Nem todos tomaram parte neste grito, pois nenhuma voz foi ouvida do outro lado.

‘Não, não!’ disse Avranc. ‘Gritar não irá adiantar nada. Neste caso, devemos votar na forma correta.’

Agora, por hábito, em assuntos graves ou duvidosos, os votos do debate eram dados mostrando cristais, e todos os que entraram portavam consigo dois cristais, um preto e um branco, para sim e para não. Mas juntar e contar os cristais tomava tempo, e enquanto isso, Manthor percebeu que o humor de Húrin piorava cada vez mais.

‘Existe uma forma mais fácil,’ disse ele. ‘Não há perigo aqui para justificar as algemas, pois assim pensam todos aqueles que usaram a voz. O Halad está no anel do debate, e ele pode cancelar sua própria ordem, se assim desejar.’

‘Ele ira,’ disse Hardang, pois pareceu para ele que a assembléia estava impaciente, e ele pensou que agir assim os levaria para seu lado. ‘Que o prisioneiro seja solto, e fique perante você.’

Então as algemas foram retiradas das mãos e dos pés de Húrin. Imediatamente ele se pôs de pé e, dando as costas para Avranc, ele encarou a assembléia. ‘Eu estou aqui,’ disse ele. ‘E vou responder o meu nome. Eu sou Húrin Thalion, filho de Galdor Orchal, senhor de Dor-lómin e uma vez alto capitão do exército do rei Fingon do reino do norte. Que nenhum homem negue isto! E isto deverá ser o suficiente. Eu não vou implorar perante vocês. Façam como quiserem! Também não irei rebater as palavras daquele que abriu o debate e que vocês permitem que sente na cadeira mais alta. Deixe-o mentir da forma que quiser!

‘Em nome dos Senhores do Oeste, que maneiras são estas deste povo, ou o que vocês se tornaram? Enquanto a ruína da Escuridão está sobre vocês, vocês sentam aqui pacientemente e escutam este guarda desertor perguntar sobre o destino da morte sobre mim – porque eu quebrei a cabeça de um jovem insolente, seja em sua cadeira ou fora dela? Ele deveria ter aprendido como tratar os mais velhos antes que vocês o tornassem seu líder.
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‘Morte? ‘Perante Manwë, se eu não tivesse suportado tormentos por vinte e oito anos, se eu estivesse como na Nirnaeth, vocês não ousariam sentar aqui e me encarar. Mas eu não sou mais perigoso, pelo que ouvi. Então vocês são bravos. Eu posso ficar aqui, sem algemas para ser usado como isca. Eu fui derrotado na guerra e domado. Domado! Mas não tenham tanta certeza disso!’ Ele ergueu os braços e cerrou os punhos.

Mas nesta hora, Manthor o acalmou, colocando a mão no seu ombro e falou suavemente em seu ouvido. ‘Meu senhor, está se enganando em relação a eles. Muitos são seus amigos, ou o seriam. Mas aqui há homens livres orgulhosos também. Deixe-me falar com eles agora.’

Hardang e Avranc nada disseram, mas sorriram um para o outro, pelo discurso de Húrin, pois pensaram que ele não tinha feito a sua parte de maneira correta. Mas Manthor gritou: ‘Dêem ao Senhor Húrin uma cadeira enquanto eu falo. Vocês compreenderão melhor sua ira, e talvez até perdoar, quando tiverem me ouvido.

‘Ouçam me agora, povo de Brethil. Meu amigo não nega a acusação principal, mas diz que foi abusado e provocado além da conta. Meus senhores, eu era capitão dos vigias da fronteira que encontrou este homem dormindo perto de Haud-en-Elleth. Ou parecia estar dormindo, mas ele estava muito cansado e perto de despertar, e, enquanto estava deitado ele ouviu, temo eu, as palavras que foram ditas.

‘Havia um homem chamado Avranc, filho de Dorlas, eu me lembro, como membro da minha companhia, e ele deveria estar lá agora, pois esta foi a minha ordem. Quando cheguei a Brethil, descobri que Avranc havia dado conselhos ao homem que encontrou Húrin primeiro e adivinhou seu nome. Povo de Brethil, eu o ouvi dizer o seguinte: “Seria melhor matar o velho enquanto dormia e evitar problemas futuros. E isso agradaria ao Halad,” disse ele.

‘Talvez agora vocês irão pensar melhor sobre o fato de que quando o despertei, e ele encontrou homens armados sobre ele, ele disparou palavras amargas para nós. Ao menos um de nós as mereceu. E sobre desprezar nossa comida: ele a pegou de minhas mãos e não cuspiu nela. Ele a cuspiu fora, pois se engasgou com ela. Nunca viram, meus senhores, homens famintos que não conseguiam engolir comida devido à pressa que tinham em fazê-lo? E este homem também estava muito deprimido e cheio de raiva.

‘Não, ele não desdenhou de nossa comida. Se bem que ele o teria feito, se ele soubesse dos esquemas que alguns dos que habitam aqui armaram! Ouçam-me agora e acreditem, se quiserem, pois testemunhas podem ser trazidas. Em sua prisão, o Senhor Húrin comeu comigo, pois eu o tratei com cortesia. Isso foi dois dias atrás. Mas ontem, ele estava sonolento, e não conseguia falar claramente, nem se aconselhar comigo sobre o julgamento de hoje.’

‘Isto pouco quer dizer!’ gritou Hardang.

Manthor parou e olhou para Hardang. ‘Pouco quer dizer realmente, meu senhor Halad,’ ele disse; ‘pois essa comida foi envenenada.’

Então Hardang, irado, gritou: ‘Os sonhos deste preguiçoso tem que ser recitados para nos entediar?’

‘Não falo de sonhos,’ respondeu Manthor. ‘As testemunhas irão falar agora. Eu levei um pouco da comida que Húrin comeu. Perante testemunhas, eu dei para um cão, e ele está dormindo como se estivesse morto. Talvez o Halad de Brethil não planejou isso, mas alguém que está ávido para agradá-lo. Mas com que propósito? Para evitar que ele use da violência, certamente, já que ele estava algemado na prisão? Existe malícia entre nós, povo de Brethil, e eu espero que a assembléia corrija isto!’

Neste momento, uma grande agitação e murmúrios se ergueram no anel do debate e quando Avranc se levantou pedindo silêncio, o clamor aumentou. Finalmente, quando a assembléia se acalmou um pouco, Manthor disse: ‘Posso continuar agora, pois há mais coisas a serem ditas?’

‘Proceda!’ disse Avranc. ‘Mas seja breve. E eu aviso a todos, meus senhores, para que escutem este homem com cautela. Sua boa fé não pode ser confiada. O prisioneiro e ele são parentes.’
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Estas palavras não foram sábias, pois Manthor as respondeu imediatamente: ‘Realmente. A mãe de Húrin era Hereth, filha de Halmir, outrora Halad de Brethil, e Hiril, sua irmã era a mãe da minha mãe. Mas sua linhagem não faz de mim um mentiroso. E digo mais, se Húrin de Dor-lómin é meu parente, ele é parente de todos da casa de Haleth. Sim, e de todo este povo. E mesmo assim ele é tratado como um fora da lei, um ladrão, um homem selvagem e sem honra!

‘Vamos continuar com a acusação principal, que o acusador diz que pode ter uma pena próxima daquela da morte. Vocês vêm perante vocês a cabeça quebrada, apresar que parece que está firme sobre seus ombros e que pode usar a língua muito bem. Pois foi ferida com o arremesso de um pequeno banco. Um ato de maldade, vocês diriam. E muito pior quando feito contra o Halad de Brethil enquanto senta em sua grande cadeira.

‘Mas meus senhores, atos malignos podem ser provocados. Que vocês se imaginem no lugar de Hardang, filho de Hundad. Bem, aí vem Húrin, senhor de Dor-lómin, seu parente, perante você: o chefe de uma grande casa, um homem cujos atos são cantados por Elfos e Homens. Mas ele agora está envelhecido, indisposto, cheio de pesar, cansado de viajar. Ele pede para ver você. Lá está você, confortável em sua cadeira. Você não se levanta. Você não fala com ele. Mas você o olha de cima a baixo, enquanto ele está de pé, até que ele cai no chão. Então, cheio de piedade e cortesia, você grita: “Tragam um banco para o homem!”

‘Oh, vergonha e espanto! Ele arremessa o banco na sua cabeça. Oh, vergonha e espanto eu digo, pois você também desonra sua cadeira, que você também desonra o seu salão, que você também desonra o povo de Brethil!

‘Meus senhores, eu admito livremente que teria sido melhor se o Senhor Húrin tivesse sido paciente, inacreditavelmente paciente. Por que ele não esperou para ver que futuros desprezos ele deveria suportar? E mesmo assim, enquanto eu estava no salão e vi isso, tudo o que eu conseguia pensar, e é tudo que eu consigo pensar ainda agora e peço que me respondam: O que vocês acham dessas maneiras que possui o homem que tornamos Halad de Brethil?’

Muitas vozes se ergueram nesta questão, mas até que Manthor erguesse sua mão, e de repente tudo estava em silêncio novamente. Mas sob a proteção do barulho, Hardang se aproximou de Avranc para falar com ele, e surpreendido pelo silêncio, eles foram pegos falando alto demais, então Manthor e outros também ouviram Hardang falar: ‘Eu me arrependo de ter atrapalhado sua tentativa de matá-lo!’ E Avranc respondeu: ‘Eu vou encontrar tempo para isto.’

Mas Manthor continuou. ‘Minhas dúvidas foram sanadas. Estas maneiras não os agrada, eu vejo. Então o que teriam feito com o arremessador do banco? Teriam amarrado-o, colocariam uma coleira em seu pescoço, prenderiam-no em uma caverna, teriam algemado-o, envenenado sua comida, e por fim, arrastado ele até aqui e pedido pela sua morte? Ou teriam libertado-o? Ou teriam, talvez, pedido desculpas, ou ordenado a este Halad que o fizesse?

Assim, mais vozes ainda se ergueram, e homens se levantaram nas bancadas, batendo palmas e gritando: ‘Libertem! Libertem! Libertem ele!’ E muitas vozes foram ouvidas gritando: ‘Fora com este Halad! Coloquem-no nas cavernas!’

Muitos dos homens mais velhos que sentavam nas fileiras de baixo correram e se ajoelharam perante Húrin e pediram o seu perdão; e um ofereceu a ele uma bengala, outro deu a ele um belo manto e um grande cinto de prata. E quando Húrin estava todo vestido, e com uma bengala em sua mão, ele foi até a Pedra e subiu nela, não como um suplicante, mas como um rei; e encarando a assembléia, ele gritou em uma grande voz: ‘Eu agradeço a vocês, mestres de Brethil aqui presentes, que me libertaram da desonra. Ainda existe justiça em sua terra, mas ela estava adormecida e demorou a despertar. Mas agora eu tenho uma acusação a fazer.

‘Qual é minha missão aqui, é o que foi perguntado? O que acham? Túrin, meu filho, e Nienor, minha filha, não morreram nesta terra? Ai de mim! De longe eu fiquei sabendo das dores que aconteceram aqui. É então um espanto que um pai vá procurar as tumbas dos seus filhos? Maior espanto é, pelo que me parece, que ninguém aqui, em momento algum, falou seus nomes para mim.
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‘Estão envergonhados que deixaram meu filho Túrin morrer por vocês? Que apenas dois tiveram coragem de ir com ele encarar o terror do verme? Que ninguém ousou ir até lá para socorrê-lo quando a batalha havia terminado, apesar de que o maior dos males havia sido impedido?

‘Envergonhados vocês devem estar. Mas esta não é a minha acusação. Eu não peço que nenhum nesta terra se equipare ao filho de Húrin em valor. Mas se eu perdoar esta dor, devo perdoar isto? Escutem-me, homens de Brethil! Lá está, junto à Pedra Parada que vocês ergueram, uma mendiga. Por muito tempo ela ficou em sua terra, sem fogo, sem comida, sem piedade. Agora ela está morta. Morta. Ela era Morwen, minha esposa. Morwen Edelwen, a dama bela como os elfos que deu vida a Túrin, o matador de Glaurung. Ela está morta.

‘Se vocês, que têm um pouco de piedade, gritarem para mim que não possuem culpa, então eu pergunto quem é o culpado? Por quem no comando ela foi deixada fora para morrer de fome em suas portas como um cão expulso?

‘O seu líder contribuiu para isto? Acredito que sim. Ou ele não teria agido assim comigo, se tivesse a chance? Estas são os seus presentes: desonra, fome, veneno. Vocês não tem parte nisto? Vocês
 

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