• Caro Visitante, por que não gastar alguns segundos e criar uma Conta no Fórum Valinor? Desta forma, além de não ver este aviso novamente, poderá participar de nossa comunidade, inserir suas opiniões e sugestões, fazendo parte deste que é um maiores Fóruns de Discussão do Brasil! Aproveite e cadastre-se já!

Ao Deus Desconhecido, Steinbeck

  • Criador do tópico Criador do tópico Haleth
  • Data de Criação Data de Criação

Haleth

Sweet dreams
Não vi tópico desse livro ainda, portanto, aí vai metade da sinopse skoobiana dele (porque o esperto do sinopsista largou O spoiler em seu trabalho. =/ ):

As antigas crenças pagãs, as grandes epopeias gregas e os relatos da Bíblia servem de base a este romance extraordinário, que Steinbeck demorou cinco longos anos a escrever. Ao dar cumprimento àquele que sempre fora um dos grandes desejos do pai, criar uma quinta próspera na Califórnia, Joseph Wayne acaba por vir a acreditar que uma das mais belas árvores dessa quinta incorporou o espírito do seu progenitor. Os irmãos e respectivas famílias, que foram viver com ele, beneficiam dos êxitos e da prosperidade de Joseph, e a quinta vai-se de facto desenvolvendo - até que...

Comecei a ler esse livro hoje. Lucas_Deschalin, digo, alguém já leu? O que achou?
 
[align=justify]Coincidentemente esse é o livro que vou começar a ler hoje mesmo, tenho que lê-lo para o projeto do mestrado. Assim que acabar entro aqui para discutirmos.[/align]
 
Brevíssimo comentário
Estou no meio do livro, só queria destacar uns pontos que gostei até agora:

A densidade do Joseph;
Os trechos do primeiro e segundo encontros entre ele e Elisabeth;
A sensação que a cerimônia de casamento causou neles (a "complexidade" parecia até coisa do Kundera, rs);
O primeiro diálogo entre Elisabeth e Rama.

Por enquanto é isso.
 
Opa, gostei da sinopse. Terminem de ler, terminem ^.^

Enquanto não leio pelo menos parte do que tenho separado não vou comprar outro livro.... mas parece que esse vai entrar pra minha lista =p
 
[align=justify]Calma Manu, calma. Estive fora mas estou terminando esse e fazendo várias anotações para usar no projeto e poder escrever com alguma propriedade aqui no Meia.

O Joseph é legal mesmo, é um personagem que dificilmente alguém deixará de gostar, não é? A contemplação, a virtuosidade, o espírito resoluto, sereno mas dinâmico.[/align]
 
[align=justify]Acabei de ler o livro, 'vambora' discutir agora:

OK, primeiro de tudo, achei a trama bem amarrada e mostra um Steinbeck galgando degraus na escada que leva ao status de grande escritor. O livro é de 1933, seis anos antes de As Vinhas da Ira, sua opus magnus. Dá pra perceber idiossincrasias que já se manifestavam e que permaneceram em toda a sua produção literária.

Uma dessas marcas é a região Sudoeste dos Estados Unidos, que é o palco de suas histórias. A família Wayne veio de Vermont para a Califórnia (migração é também o que os Joads e os migrantes fazem no romance de 1939, indo também para a "terra prometida" da Califórnia), no vale Nuestra Señora, bem do lado do famoso Vale de Salinas, terra natal do autor. Outra marca é a preocupação que ele tem em descrever com detalhes e reverência a paisagem natural em que a história irá se desenrolar. Essa preocupação me fez entender de modo mais pujante porque há quem compare Steinbeck e Euclides da Cunha: a paisagem, a terra, o ambiente tem um papel preponderante na formação e existência dos homens; a relação que eles mantém com o solo é muito forte, há uma intimidade especial, quase mística entre eles. A terra chega quase a ter um papel ontológico na formação dos caracteres humanos.

Bom, acho que pra começar isso já dá pano pra manga. Vamos lá?[/align]
 
Ok, vamos nessa.

Por ter lido As Vinhas da Ira antes, achei bem impactante a diferença de cenário dos capítulos iniciais de um e de outro, e o contraste entre a fuga dos Joad e a expansão dos Wayne (não consegui não associar ao Batman, hahaha). Só que, comparando Vinhas com esse, a terra no primeiro tem um papel importante, mas nem de longe chega à intensidade, dramaticidade e intimidade que Ao Deus carrega, como vc já disse em outras palavras.

Bacana é perceber q essa relação especial dele com a terra vem desde sua primeira fala, que eu a princípio achei q era algo mais filosófico, mas a seguir percebi que era literal mesmo: "A terra vai deixar de bastar, senhor pai." E capítulo em que ele descreve o encontro de Joseph com a sua terra, uau, é lindíssima. É mesmo um jogo de sedução, conquista e coito.
Falando em coito, o que foi aquele touro excitado lá na rocha musguenta?? rs


Joseph parecia representar uma encarnação da força da natureza, daí sua compreensão tão profunda a respeito dela. Indomável, intenso, enigmático. Tanto que só o índio Juanito conseguia compreendê-lo melhor. Aliás, acho q daria até pra fazer um paralelo entre relação dos personagens com a natureza e com Joseph, provavelmente seria muito próxima a descrição de um e de outro.
Um exemplo claro disso é a irmandade Wayne: Thomas, o mais próximo à terra e aos animais, era quem melhor se dava com Joseph; Burton, que fazia um uso instrumental da terra, fazia o mesmo com Joseph; Benjy, indiferente a ambos. O mesmo pode ser dito em relação às esposas: Rama, a parteira entendida... bem, vc viu. A mulher do Joseph, tadinha, tudo o que ela tinha com a terra eram lembranças romanceadas e distantes, algo bem semelhante ao próprio casamento dela. A esposa de Benjy nem conta. Aliás, a neutralidade das emoções de Joseph (tanto o fato dele conseguir sentir alegria e tristeza em simultâneo, quanto a indiferença dele com a morte, por exemplo) é algo que acho que merece destaque.

Sabe que eu tentei encontrar um similar do cágado das Vinhas no Deus Desconhecido? E acho bem que encontrei, rs.

Vá lá, sua vez agora. =)
 
[align=justify]Eu ficava associando a John Wayne, ainda mais quando ele ficou lá fazendo firula para escolher o nome do filho, hehe.

Bom, sobre a relação com a terra: tem um trecho específico de As Vinhas da Ira, que pretendo achar e aqui transcrevê-lo, em que o "uso instrumental" da terra (gostei do jeito que você colocou), essa relação fria e distante, é vilipendiado pelos Joads, que mantém uma relação diametralmente oposta com o solo. Ele diz algo como a terra é para o agricultor mais que sua composição química e a possiblidade de produtividade, ela o ajuda a se definir, ela tem um sentido profundo na vida cotidiana dessas pessoas. A relação de Joseph com a terra ajuda a entender quão dramática foi a expulsão dos Joads e de outras famílias de meeiros.

Sobre o caráter místico-misterioso-sei-lá-mais-o-que da terra: a terra não é meramente superfície, lugar para plantar, extensão de solo de propriedade de alguém; ela é o palco onde se desenrola o drama da humanidade, e para Steinbeck, o sudoeste dos Estados Unidos foi um senhor palco, onde foram apresentadas diversas e diversas peças, que se encontram registradas nas suas obras. Aquela região é algo mais do que simples pastagens ou campos aráveis e cultiváveis, tem um sentido sagrado, divino, que transcende a materialidade superficial (Manu, estou com As Pastagens do Céu aqui, em tradução portuguesa, publicada pela primeira vez em 1932, um ano antes de Ao Deus Desconhecido, o título parece ser bem sugestivo em relação a essa questão da sacralidade do solo, não?) e Joseph é, por analogia, o que mais foi tocado, digamos assim, por esse mistério, ele é um sacerdote desse "culto", pois como camponês até a raiz do cabelo, ele compreende de maneira mais profunda essa ligação espiritual.

Sobre a relação de Joseph com os irmãos: Daí advém o caráter do irmão, Burton (esse é o carola, né?) que vê nessa ligação uma heresia a Santa Igreja, já que é uma espécie de paganismo arcaico, pelo menos na visão dele. Joseph não se entende com ele, como você bem disse, por não estar ligado tão intensamente com a terra, ainda mais com a terra prometida que é a região sudoeste dos Estados Unidos (a região é o palco de A Leste do Éden, mais um indício da concepção de divindade do solo e de seus caracteres pela parte do Steinbeck). Thomas se dá melhor com Joseph por conta do trato com os animais, mais ligado a natureza etc. e tal.

Sobre Ao Deus Desconhecido em relação ao seu contexto histórico: O ano em que se passa a história, 1903, pode ser tido ainda como eco da famosa "marcha para o oeste", quando se buscou colonizar as terras a oeste, em grande parte habitadas por índios. Joseph veio de Pittsford, em Vermont, bem a leste dos Estados Unidos e encontrou uma terra sem dono, mas que tinha um índio, Juanito. No livro a relação entre os dois é ótima, apesar dos pesares, mas na realidade não foi bem assim. Enfim...

Sobre a relação entre o sudoeste dos Estados Unidos e o Éden: Steinbeck teve A Bíblia como uma das suas maiores influências: estive pensando: o Éden, paraíso onde se desenrolaram os primeiros dramas da humanidade, é, tendo em vista as produções posteriores de Steinbeck (neste caso principalmente A Leste do Éden) a referência para o sudoeste dos Estados Unidos, na região onde Steinbeck nasceu e viveu durante muito tempo. E onde Joseph foi morar. Os contornos edênicos do vale de Nuestra Señora não estão lá por acaso, são obra do autor, e onde, a exemplo do Éden, se desenrolaram os dramas da humanidade. Steinbeck elevou o vale de Salinas e toda a essa região a proporções bíblicas e fez ali se desenrolarem assassinatos, provações, nascimentos, mortes e tudo o mais. O que achas?

(vou parar por enquanto porque o post já está muito grande)[/align]
 
Eu deveria ter dado mais atenção à descrição do ambiente durante o livro, só me ative a ela decentemente durante a ambientação do personagem nos primeiros capítulos. É meio comum os autores usarem o cenário como mera descrição do estado de espírito dos personagens, mas Steinbeck tem uma visão da terra tão forte que, no fim do livro, vc já desconfia que os personagens que são, na verdade, mera descrição do estado de espírito da natureza. Falando desse jeito parece exagero, mas capte minha ideia e vc vai ver que faz algum sentido, ao menos pra esse livro e pra Joseph.

Lucas_Deschain disse:
Bom, sobre a relação com a terra: tem um trecho específico de As Vinhas da Ira, que pretendo achar e aqui transcrevê-lo, em que o "uso instrumental" da terra (gostei do jeito que você colocou), essa relação fria e distante, é vilipendiado pelos Joads, que mantém uma relação diametralmente oposta com o solo. Ele diz algo como a terra é para o agricultor mais que sua composição química e a possiblidade de produtividade, ela o ajuda a se definir, ela tem um sentido profundo na vida cotidiana dessas pessoas. A relação de Joseph com a terra ajuda a entender quão dramática foi a expulsão dos Joads e de outras famílias de meeiros.

[size=x-small]Eu tava tentando evitar paralelismos com As Vinhas da Ira, porque podia ser que outras pessoas não o tivessem lido ainda e não conseguissem acompanhar a conversa, mas como só nós dois estamos falando até agora, ok, vou me permitir. (É bom que incentiva a leitura do outro livro tb, rs)[/size]


Realmente, o Joseph faz a gnt ter outra dimensão do significado da terra. Esse não é o trecho de As Vinhas da Ira que vc pensou, mas é lindíssimo e se relaciona com o assunto (tá em spoiler pq o trecho é grande):

O homem que se sentava no assento de ferro não parecia um homem; enluvado, de óculos, com uma máscara de borracha empoleirada sobre o nariz e a boca, era uma parte do monstro, um autómato no assento. O estrondo dos cilindros reboava pelos campos fora, em comunhão com o ar e com a terra, e assim, o ar e a terra ecoavam numa só vibração. O condutor não o podia controlar, ia através dos campos, cortando por uma dúzia de quintas e voltando horizontalmente. Um puxão nas alavancas podia desviar o monstro, mas as mãos do condutor eram impotentes para isso, porque o monstro que construíra o tractor, o monstro que expedira o tractor, tinham-se de qualquer modo introduzido nas mãos do condutor, no seu cérebro e nos seus músculos; tinham-no torcido e açamado - torcido o espírito, açamado a fala, torcido a sua percepção e açamado o seu protesto. Ele não podia ver a terra tal qual era, não podia sentir o cheiro que ela exalava; os seus pés não calcavam os torrões nem sentiam o calor nem a força do solo. Sentava-se num assento de ferro, e calcava pedais de ferro. Ele não podia estimular, fustigar, amaldiçoar ou incitar a extensão do seu poder, e, por causa. disso, não se podia estimular, fustigar, amaldiçoar ou incitar a si mesmo. Não conhecia nem possuía a terra, e nem nela confiava nem por ela implorava. Se uma semente lançada não germinasse, eis uma coisa que nada lhe dizia. Se uma tenra planta brutalizada secasse, mirrada pela estiagem. ou afogada numa avalanche de chuva, tanto caso fazia disso o condutor como a sua máquina. Ele nutria pela terra a mesma indiferença que o banco tinha por ela. Podia admirar o tractor - a sua estrutura mecânica, a plenitude da sua força, o rugido dos seus cilindros de detonação; mas o tractor não era seu. Atrás do tractor rolavam os discos brilhantes, cortando a terra com as lâminas - não era lavragem mas cirurgia, que repuxava a terra para a direita, quando a segunda fila de discos cortava e repuxava para a esquerda - lâminas brilhantes e aguçadas, polidas pela terra dilacerada. E, impelidas atrás dos discos, as grades penteavam com dentes de ferro os pequenos torrões, quebrando-os e deixando a terra lisa.
Por detrás das grades, os semeadores compridos - doze ganchos recurvos de ferro saídos da fundição - ligados por engrenagens, movendo-se metodicamente, movendo-se sem paixão. O condutor sentava-se no seu assento de ferro e sentia-se orgulhoso das linhas rectas que ele não traçara, do tractor que ele não possuía nem amava e do poder que ele não podia controlar. E, quando aquela plantação crescia e era colhida, nenhum homem havia esmagado um torrão quente nem peneirado a terra por entre as pontas dos dedos. Nenhum homem tinha tocado a semente ou sentido alegria com a maturação. Os homens comiam o que não tinham cultivado não tinham ligação com o pão. A terra gerava debaixo de ferro e debaixo de terra gradualmente morria, porque não era amada nem odiada; não recebia bênçãos nem maldições.


(Manu, estou com As Pastagens do Céu aqui, em tradução portuguesa, publicada pela primeira vez em 1932, um ano antes de Ao Deus Desconhecido, o título parece ser bem sugestivo em relação a essa questão da sacralidade do solo, não?) e Joseph é, por analogia, o que mais foi tocado, digamos assim, por esse mistério, ele é um sacerdote desse "culto", pois como camponês até a raiz do cabelo, ele compreende de maneira mais profunda essa ligação espiritual.

Sugestivo mesmo. :sim: Achei legal vc dizer que o Joseph seria um sacerdote, porque o livro aborda questões da espiritualidade em várias dimensões, credos e práticas, e eu até agora estava pensando o Joseph como uma encarnação da divindade (talvez o papo da Rama com a Elisabeth tenha me influenciado um pouco, rs), mas "sacerdote" seria a definição mais precisa mesmo. Interessante foi o padre sentir alívio por Joseph não ter nenhuma mensagem ou o Ocidente teria um novo Cristo, rs.

Daí advém o caráter do irmão, Burton (esse é o carola, né?) que vê nessa ligação uma heresia a Santa Igreja, já que é uma espécie de paganismo arcaico, pelo menos na visão dele.

Putz, tinha hora que ele era irritante. Engraçado que nem o padre encrespou com ele tão vividamente quanto o Burton, mas os protestantes americanos são meio fundamentalistas mesmo, rs. Eu não tinha associado a relação do Joseph com paganismo até o Burton falar da oferenda do filho, pra mim era só um "consolo" do Joseph, um memorial, mas nada tão transcendente assim, rs. E depois do sucedido com a árvore, parece que esse paganismo dele foi "purificado", porque se até então ele "endeusava" o pai, a partir daí ele se voltou pra natureza em si e tal.
Ah, dá pra ligar esse paganismo arcaico do Joseph com as origens druidas da Elisabeth. Mas isso é mais nota de rodapé do que consideração significativa, rs.

Steinbeck teve A Bíblia como uma das suas maiores influências: estive pensando: o Éden, paraíso onde se desenrolaram os primeiros dramas da humanidade, é, tendo em vista as produções posteriores de Steinbeck (neste caso principalmente A Leste do Éden) a referência para o sudoeste dos Estados Unidos, na região onde Steinbeck nasceu e viveu durante muito tempo. E onde Joseph foi morar. Os contornos edênicos do vale de Nuestra Señora não estão lá por acaso, são obra do autor, e onde, a exemplo do Éden, se desenrolaram os dramas da humanidade. Steinbeck elevou o vale de Salinas e toda a essa região a proporções bíblicas e fez ali se desenrolarem assassinatos, provações, nascimentos, mortes e tudo o mais. O que achas?

Não li A Leste do Éden ainda... =/ Acho relevante seu comentário, mas não sei se isso se aplica muito a Ao Deus Desconhecido (aliás, o título é outra referência bíblica, né? rs Mas esse é outro ponto). Assim, a estrutura do enredo tem a similaridade de ter a terra magnífica e produtiva e de o homem ser nela posto para dela cuidar, mas meio que pára por aí. A questão central da história do Éden não chega a ter uma relação direta com a de Steinbeck, penso eu. Além disso, assassinato, consagração de primogênitos, oferendas, sacrifícios e demais assuntos mais famosos do Gênesis só aconteceram após a expulsão do Éden, rs. O Éden em si só foi palco de um único drama, o resto foi fora. Diria que se trata mais de uma citação (ou, vá lá, alusão) que de uma referência, como é o caso do título. Não sei como é o caso de A Leste do Éden.

Achei bacana a forma como o Steinbeck trabalha o assunto espiritualidade e terra, ele desenvolve ambos de forma independente, mas ao mesmo tempo entrelaça os dois intimamente. Bom mesmo.

Que mais, hein? To gostando do papo. =)
[size=x-small]
Adoro seus comentários. Sua pós é sobre Steinbeck?[/size]
 
[align=justify]Sabe porque aludi ao A Leste do Éden? Porque segundo o prefácio da edição que tenho (Coleção Grandes Romancistas, Abril Cultural, 1984, 2 Vols.) diz que é a leste do Éden que Caim se refugia ao matar Abel. A relação com a Bíblia permeia toda a obra do Steinbeck, está aqui e acolá, mais evidente ou mais implícita, dá para construir diversos paralelos entre as associações que ele faz, que, como pudemos ver, não são poucas, vide Ao Deus Desconhecido, As Pastagens do Céu, A Leste do Éden.

Estava pensando aqui: a sacralidade da terra está em toda a parte, mas parece ser centralizada naquela clareira bucólica (lá onde tinha o touro, hehe), onde tem aquela pedra que parece um altar e para onde parecem convergir forças misteriosas. Tanto Joseph como Juanito e Elizabeth, pelo menos, sentem algo inquietante ou reverente em relação aquele lugar. Será que dá para dizer que nesse sincretismo que ora parece pagão ora se aproxima do cristianismo (seja pelo rumo da história seja pela mão do autor e suas influências) essa clareira seja uma espécie de templo?

Ainda nesse ínterim

a morte de Elizabeth na bendita/maldita rocha seria uma espécie de sacrifício? Particularmente acho essa idéia um pouco forçada, mas o fim, com o Joseph deixando seu sangue correr para alimentar a terra, faz ela soar mais ou menos plausível. Enfim, quero ver o que você pensa sobre isso.


[size=x-small]Caso seja aprovado, minha pesquisa de mestrado será sobre três obras de Steinbeck: Luta Incerta (1936), Ratos e Homens (1937) e (como não podia faltar) As Vinhas da Ira (1939).[/size]
[/align]
 
Puxa, Lucas, lá vai outro post grandinho. Desculpa, rs.
Outra notinha de rodapé: a clareira não seria melhor definida como santuário em vez de templo? Templo tem aquela conotação de lugar santo construído e sacralizado por mãos e simbolismos humanos, o santuário já tem aquela ideia de ser construido e sacralizado pela própria divindade, ou seja, independe do reconhecimento (ou do credo) humano. Quer dizer, isso não é nada científico, é só minha percepção das palavras.

Não sei definir muito bem o que eu pensei sobre a relação de Joseph e Elisabeth. É compreensível que não fosse algo de muito peso porque o Joseph é um personagem bem forte e completo, e pelo fato da Elisabeth não ter um perfil semelhante, a relação deles é desigual e não teria como significar muita coisa e ambos sabiam disso. Mesmo assim eu esperava um pouco mais deles como casal, esperava um simbolismo mais forte, não sei por quê.

Outra coisa que me deixou meio desapontada (em termos, porque também é compreensível) foi a relação de Joseph com o filho e com a gravidez da mulher. Também esperava mais, principalmente por ele venerar tanto a fertilidade da terra. Enfim.

Mas, sobre seu spoiler,
eu também considero forçação de barra a interpretação de sacrifício, não havia nenhum motivo pra isso (foi bem diferente o caso de Joseph). Sacrifício, ao menos o bíblico, ou é uma petição (tanto pelo favor quanto pelo perdão divino) ou um agradecimento, ninguém sacrifica nada a esmo, é "pointless". Quando li essa parte, lembrei de um trecho da Bíblia escrito por Paulo que diz: "Não vos enganeis: Deus não se deixa escarnecer; porque tudo o que o homem semear, isso também ceifará". Seguindo esse raciocínio de respeito à divindade, Elisabeth, tentando convencer-se de que aquela rocha nada significava, portou-se levianamente, quis ridicularizar, subjugar a pedra, ela escarneceu daquele símbolo que, dentro da verossimilhança da obra, era sagrado ainda que ela não o reconhecesse como tal. Penso que foi mais uma espécie de punição (ou, talvez, consequência do desrespeito) que de sacrifício. Ou então, há Metafísica bastante em não pensar em nada, ela morreu porque escorregou e pronto, é a vida. =)
Aliás, vc achou a clareira um lugar sincrético?


Outra coisa que me chamou a atenção foi a "neutralidade religiosa" do Steinbeck. A mim pareceu que, embora os personagens discordassem entre si sobre esse ponto, as divindades do livro não entram em conflito nem se sobrepõem. De certa forma, por ser Joseph o personagem principal, o paganismo arcaico ganha mais destaque, mas há certo equilíbrio de forças entre a natureza como divindade e o Deus católico/protestante.
Por exemplo, é quase impossível saber se a seca veio por causa da ira de Deus, se foi pelo corte da árvore ou se foi pelo ciclo normal da natureza. Da mesma forma não saberemos se a chuva voltou por causa da oração do padre, do sacrifício de Joseph ou simplesmente porque chegou o tempo de chuvas.
Não sei se isso é relevante ou se rende alguma coisa, e admito que há uma falha nessa interpretação, mas, tá aí. =)

Comentário solto: achei que esse livro não mostra tanto o cunho social como Vinhas fez, mas ele é bacana pra dar um contexto sobre a relação homem/terra que ele tanto preza. Acho que vc já disse algo assim, né? rs.

[size=x-small]Que bacana, Lucas! To torcendo pra q vc seja aprovado! ;)[/size]
 
[align=justify]Boa, passei a achar melhor usar "santuário" do que "templo", faz mais sentido.

Quanto ao sincretismo, pensei ele a nível da interação autor e obra. A terminologia e as referências ao cristianismo vem por parte do Steinbeck enquanto autor que se imprime na obra, mas a reverência dele parece ser puxada para a forma como Joseph encara a natureza, e como com ela se relaciona. Essa ligação fascina o Steinbeck, justamente por ser vilipendiada nos anos pós-crise de 29, afinal, os bancos não davam a mínima para essa ligação, eles simplesmente tomavam as terras para delas tirar lucros, gastando o mínimo possível.

A privação da terra ao homem fazia-o fenecer, pois ele tinha com ela um laço vital, que dava sentido a sua vida, falando a nível psicológico e existencial. A manifestação física ou de aparência que advém aos que se separam da terra faz parte da licença poética de mostrar o quão duro era essa separação. Joseph começa a fenecer com a terra, quando essa fica sem chuvas. Isso é poético, não é só resultado de privação de comida.

Já que entramos nesse seara, tenho mais umas coisas que queria discutir e que me perturbam (no sentido de despertar curiosidade) na obra do Steinbeck: eu não chamaria de "neutralidade" (bom uso de aspas), mas vejo essa simpatia além-cristianismo como uma das recorrências da obra do Steinbeck. Em diversas obras essa preocupação parece permear sua escrita, e creio que isso seja uma dúvida do próprio escritor, ele vê o cristianismo como insuficiente para explicar determinados aspectos da realidade, e até contraditório em algum deles, basta olhar (mais um exemplo de As Vinhas da Ira) o reverendo Casey. Ele é, até certo ponto, o Steinbeck incomodando-se com as pregações incompatíveis com a realidade e tornando-se consciente para além das demarcações da religião, é ele tornando-se socialmente consciente, tendo uma visão mais ampla, que abarca melhor a situação histórica que ele vive e lhe permite atuar nela de forma mais profícua.

Vejo essa questão indo e voltando na obra do Steinbeck, e constitui subjacentemente um dos pontos nodais da sua literatura, acho simplesmente fantástico, a gente vê as contradições e o Steinbeck vai lidando com elas de forma artística, mas profundamente séria, tendo em mente a realidade e compreendendo-a de formas múltiplas, putz, acho muito f***.

Enfim, o que pensa sobre essa questão Steinbeck/religiosidade?

(e sigamos, ainda tem bastante coisa para ser discutida)[/align]

[size=x-small]Obrigado![/size]

edit: acho que não precisamos mais nos desculparmos por posts grandes, né? Somos um zero a esquerda em capacidade de síntese, aliás, discutir Literatura é assim mesmo, vamos lá.
 
Não, não, não! Acha q fujo da raia fácil assim? XD
É que eu estava pensando a melhor forma de escrever sem ser chatinha, mas acho que não descobri. Enfim, lá vai, com "mimimice" e tudo.

Lucas_Deschain disse:
Já que entramos nesse seara, tenho mais umas coisas que queria discutir e que me perturbam (no sentido de despertar curiosidade) na obra do Steinbeck: eu não chamaria de "neutralidade" (bom uso de aspas), mas vejo essa simpatia além-cristianismo como uma das recorrências da obra do Steinbeck. Em diversas obras essa preocupação parece permear sua escrita, e creio que isso seja uma dúvida do próprio escritor, ele vê o cristianismo como insuficiente para explicar determinados aspectos da realidade, e até contraditório em algum deles, basta olhar (mais um exemplo de As Vinhas da Ira) o reverendo Casey. Ele é, até certo ponto, o Steinbeck incomodando-se com as pregações incompatíveis com a realidade e tornando-se consciente para além das demarcações da religião, é ele tornando-se socialmente consciente, tendo uma visão mais ampla, que abarca melhor a situação histórica que ele vive e lhe permite atuar nela de forma mais profícua.
(...)
Enfim, o que pensa sobre essa questão Steinbeck/religiosidade?

Olha, preciso admitir que tenho duas importantes limitações (que, no entanto, não inibem minha capacidade crítica e analítica, sublinhe-se, rs): 1) Li Steinbeck pela primeira vez há apenas três meses, desconheço sua biografia e ainda não estou tão familiarizada com os grandes pontos de seu trabalho literário; 2) Teologia é um assunto que me interessa muito, sou protestante praticante (mas não fundamentalista, please! :pray: ) e tenho bases teóricas mais consistentes e amplas do que o cristianismo comercial ensina, rs. Portanto, não consigo ser neutra nesse assunto sem um pouco de vigilância, e tenho receio do preconceito das pessoas. Por favor, não ache que te quero catequizar, tá bem? Tudo o que eu vier a dizer sobre cristianismo é só pra expor meu raciocínio, ok? =)
A partir disso, sinta-se livre pra fazer as considerações necessárias sobre a validade do que vou dizer. ;) [size=x-small]Engraçado, quando a gnt vai deixando o assunto mais denso, usa cada palavra, cada cerca-lourenço...rs[/size]

Minha percepção até agora sobre Steinbeck/religiosidade vai mais ou menos no mesmo caminho que a sua. Mas acho engraçado vc dizer que ele estaria "tornando-se consciente para além das demarcações da religião, é ele tornando-se socialmente consciente". Parece que a religião tenta fazer o homem fugir do mundo em vez de trazer o divino a este ("venha a nós o vosso reino", rs). Ao menos tecnicamente, um cristão não engajado é um paradoxo religioso. #mimimi Nesse prisma, vejo Steinbeck como alguém que, não se identificando com essa praxis tão limitada, a denuncia e tenta de forma independente, leiga e intuitiva (nem por isso menos válida) encontrar respostas para a injustiça e o sofrimento inocente - assunto que, por definição, é uma linha secante à esfera moral/religiosa, mas que não vejo muito em Ao Deus Desconhecido.

Com o Casy, sim. Mas ele tem um certo cansaço. O Casy veio depois, não sei se o autor acabou se fartando disso ao longo do tempo, nem sei se o tema da religiosidade perdura até o fim da carreira de Steinbeck. (Ele seguia alguma religião?) Só que não percebi o Steinbeck confrontar o cristianismo de frente, ele é mais velado, como um temente com dúvidas sinceras e nenhum medo. Não sei. Olha essa fala do Joseph:
"o padre sabe", pensou ele. "ele sabe uma parte disto, e não acredita. ou talvez acredite e tenha medo."
Acho relevante, mas não consegui ainda analisar melhor. Outra: o padre pensa na felicidade q o Joseph deveria estar sentindo no fim da história, mas ele não dá sinais de ter apostatado de sua fé em nenhum momento. Talvez a "religião da terra" fosse, nas entrelinhas, um tipo rude de adoração divina, assim como o Casy, só q de forma mais vigorosa. Ou um tipo de religião do oprimido, entende o q quero dizer? Ou to forçando?

É q tb fiquei pensando se o título do livro seria uma alusão gratuita ao episódio de Paulo em Atenas, quando ao ver aquela inscrição, Paulo diz aos gregos que ele estava ali para mostrar o deus desconhecido q eles adoravam sem conhecer. Não sendo alusão gratuita, o q quer dizer?

Bom, só sei q a rudeza da religião josephiana, rs, deu poesia, força e identificação ao personagem. Pra verossimilhança do texto, está impecável :sacou:.

Acho que falei,falei sem dizer nada, rs.
 
[align=justify]Opa, isso aí, vamos que vamos.

Sobre minha não-clareza: "tornando-se consciente para além das demarcações da religião, é ele tornando-se socialmente consciente", não é mimimi seu não, é insuficiência semântica mesmo. Bom, vamos ver se tem como consertar ainda. O defeito da frase (que a faz ser incompatível com o que eu tinha em mente) é o tal do "socialmente consciente", quando usei essa expressão não quis separar a religiosidade da esfera social, até porque elas estão intrinsecamente interligadas, desvinculá-las seria incorrer em uma interpretação insuficiente e abstrata demais.

O "socialmente consciente" deveria supostamente significar que Steinbeck procura fugir da raia puramente espiritual cristã (até certo ponto socialmente constituída, dependendo de sua crença) e adentrar em outros domínios, onde imperavam não os preceitos da fé, mas sim as relações de classe, os imperativos materiais, enfim, a realidade material e social dos homens. "Socialmente consciente" quer dizer que Steinbeck parou de olhar a realidade através do prisma religioso, cristão, espiritual ou adjacentes (que não quer dizer que esses itens enumerados sejam a mesma coisa) para enxergar as ações dos homens em relação a sua existência material e social para além dos domínios religiosos (sem excluir esses, como eu disse antes, do tecido social que os permeia e pelo qual é permeado).

Não sabia dessa do episódio de Paulo em Atenas, mas pensando sobre o título (coisa que não tinha feito ainda :dente: ) só vem reforçar o que estamos discutindo aqui, sobre esse culto proveniente da ligação com a terra que esses personagens camponeses das obras do Steinbeck tem. Esse "Deus desconhecido" é a misteriosa força que parece emanar da terra, desse elo místico dos homens com a terra, que seria uma espécie de divindade. Não acho forçado pensar dessa forma.

Aliás, Steinbeck teve uma infância marcada por esse contexto agrícola de convivência com a terra, plantando, arando, cuidando de cavalos etc., isso certamente tem um peso grande na sua Literatura. Falando nisso, no mesmo ano em que Ao Deus Desconhecido foi publicado, tem um livro O Menino e o Alazão (O Potro Vermelho no português de Portugal), que é uma evidência forte desse encantamento de Steinbeck pela vida campestre, com o adicional nostalgia dos tenros tempos juvenis.

Para dar continuidade à discussão (embora não quero dar a entender que as questões anteriores estão esgotadas): essa é menos pujante, a meu ver, mas chega quase a ser engraçado como o casamento de Joseph e Elizabeth tem sentidos completamente diferentes para um e outro, não?

Acho difícil explicar essa questão, mas parece que para Joseph não passa de um processo natural, sem ritualização nem cerimônias nem nada de extraordinário, somente uma parte da existência tal como qualquer outra. Para Elizabeth ainda existe uma certa magia, um certo quê de cerimonialismo, de pompa e circunstância, como um passo importante na vida de uma pessoa. O choque dessas duas concepções sobre o matrimônio evidenciam, a meu ver, a rudeza de Joseph e a delicadeza em vias de transição de Elizabeth. Não sei muito bem o que pensar a respeito...enfim, talvez seja somente um detalhe a toa. O que pensas?[/align]
 
[align=justify]Estava pensando, pode-se dizer talvez que Steinbeck ajudou a moldar a figura "clássica" do que é o homem do campo, não? Aquele jeitão meio bruto, mas profundamente humano, que mantém um contato diferente com a terra e com os animais, e que, se não conhece a cultura e a sabedoria clássicas, nem por isso é menos adaptado, pois no "universo" em que vive, ele é senhor de suas atitudes e vira-se muito bem sem elas.

Se por vezes esse camponês (é estranho chamar o Joseph de camponês, soa tão medieval, hehe) parece rústico, meio grosseiro e insensível, por outras ele é profundamente sensível às coisas da natureza, e parece se dar melhor com seus animais e sua terra do que com as outras pessoas. Ele sempre é meio taciturno, mas ao mesmo tempo sempre preparado a lutar pelos seus e por sua terra, que é uma espécie de porto seguro onde ancora sua existência. Mesmo não sendo tão sociável e nem parecendo passível de ser integrado ao meio social urbano, ele revela a sensibilidade e um jeito todo especial de conduzir sua vida e relacionar-se com o mundo, mais singelo sim, mas nem por isso pior que os demais modos de vida.

Essa visão devia se debater profundamente dentro de Steinbeck, pois ele era fruto desse "universo" rural-pastoril de Salinas, mas ao mesmo tempo foi alguém que passou a frequentar a vida cosmopolita. Ao mesmo tempo que seu entorno lhe proporcionava o contato com um modo de vida bem diferente do que ele tivera em sua infância e adolescência, ele parece nunca ter deixado de sentir uma certa nostalgia e uma profunda simpatia e reverência pela humanidade dos homens do campo. Não a toa também é que seus personagens campesinos costumam ser bem mais virtuosos do que os não-campesinos.

E eis mais um dos pontos nodais e recorrentes da obra de Steinbeck. Uma pena que a gente não possa se dedicar assim, com mais afinco a vida e as obras de um autor em específico toda vez que lê, não? Ler a obra completa do autor, trabalhos relacionados a ele e sua biografia permitem que a gente enxergue longe e profundamente o "universo" próprio do autor, é uma delícia mergulhar assm, queria ter tempo para fazer isso com cada autor que leio e gosto. No momento estou doido de vontade de mergulhar no universo do Hermann Hesse (aliás, já estou, mesmo desempregado comprei O Lobo da Estepe \o/ )[/align]
 
:sing: "Eu voltei, pras coisas que eu deixei..." :P
Vou começar comentando o mais recente.

Lucas_Deschain disse:
[align=justify]Estava pensando, pode-se dizer talvez que Steinbeck ajudou a moldar a figura "clássica" do que é o homem do campo, não? Aquele jeitão meio bruto, mas profundamente humano, que mantém um contato diferente com a terra e com os animais, e que, se não conhece a cultura e a sabedoria clássicas, nem por isso é menos adaptado, pois no "universo" em que vive, ele é senhor de suas atitudes e vira-se muito bem sem elas.

Eu concordo, mas se seus números estiverem em módulo, rs. Faz muito tempo que li Vidas Secas, e o contexto é diferente, blablabla. Mas acho que Fabiano ilustra melhor a figura clássica (ou arquetípica) do camponês do que Joseph. Eu até senti certo desconforto quando li essa sua afirmação. É que a sensação que eu tenho é q, pelo menos na literatura brasileira que eu já li, o camponês tem uma ingenuidade aguda, coisa que eu não vi nem sombra no Joseph. Ele tem suas limitações, tanto pra se expressar quanto para entender determinados conceitos, mas ingênuo ele não é. Aliás, nem ele nem nenhum dos personagens que eu conheço até agora do Steinbeck. O camponês "steinbeckiano" é mais profundo, mais maduro, embora tenha as mesmas bases dos outros. (Ou será que eu já to virando vedetezinha do Steinbeck sem perceber? :think: )

O que achei interessante também foi a diferença entre Joseph e Thomas, ambos camponeses |arquetípicos|, mas tão diferentes. Reparou que o Thomas tinha receio de tudo o que era místico? Foi assim com a clareira, com o velho... Aliás, queria saber o que vc pensou do velho. Achei um personagem interessante, apesar de ser um tipo esquisito, rs.

E eis mais um dos pontos nodais e recorrentes da obra de Steinbeck. Uma pena que a gente não possa se dedicar assim, com mais afinco a vida e as obras de um autor em específico toda vez que lê, não? (...) No momento estou doido de vontade de mergulhar no universo do Hermann Hesse (aliás, já estou, mesmo desempregado comprei O Lobo da Estepe \o/ )

É o que eu digo, não tenho vida suficiente pra ler tudo o que eu queria... =/ Eu to pra ler Hesse há três anos, cheguei a começar o jogo das contas de vidro, se não me engano. Mas parei na 3a página e nunca mais voltei. Hei de.

Lucas_Deschain disse:
Para dar continuidade à discussão (embora não quero dar a entender que as questões anteriores estão esgotadas): essa é menos pujante, a meu ver, mas chega quase a ser engraçado como o casamento de Joseph e Elizabeth tem sentidos completamente diferentes para um e outro, não?

Acho difícil explicar essa questão, mas parece que para Joseph não passa de um processo natural, sem ritualização nem cerimônias nem nada de extraordinário, somente uma parte da existência tal como qualquer outra. Para Elizabeth ainda existe uma certa magia, um certo quê de cerimonialismo, de pompa e circunstância, como um passo importante na vida de uma pessoa. O choque dessas duas concepções sobre o matrimônio evidenciam, a meu ver, a rudeza de Joseph e a delicadeza em vias de transição de Elizabeth. Não sei muito bem o que pensar a respeito...enfim, talvez seja somente um detalhe a toa. O que pensas?[/align]

Eu fiquei encucada com esse casamento. Era tudo tão desencaixante que eu não sei como funcionou. Acho que o personagem da Elisabeth foi quase uma profecia para o nosso passado recente, sobre o conflito decorrente da emancipação feminina. Os trechos que mostram a reação dela às visitas de Joseph mostram isso muito claramente. A forma com que ela usa a intelectualidade pra evitar os sentimentos por um homem rude, os recursos que ela tinha (e que Joseph percebia) de usar coisas pequenas pra evitar pensar no que estava acontecendo e q contrariavam suas expectativas... O que mais me fez estranhar isso tudo é que num trecho, está assim, falando sobre Joseph:
...sentia desejo de se abrir todo pra que ela o xaminasse, para que a rapariga visse o que nele havia escondido, mesmo as coisas que ele prórpio não sabia. <<Assim estarei certo>>, pensou ele. <<Ela saberia então que homem sou eu, e se o soubesse, faria parte de mim>>.
E no outro, na cena de casamento, Elisabeth pensando o que sua mãe diria a ele:
Espero que saibas sair dessa pele dura que usas, Joseph, para que possas sentir ternura por Elisabeth.
Pelo visto, ele não conseguiu. Mas pq, se ele queria? Enfim, acho que isso talvez não venha ao caso. Só q tive a sensação de que os dois não eram felizes. Eram contentes, mas não felizes. Engraçado que a senhora que me emprestou o livro disse que ela achava esses dois um dos casais mais românticos que ela já leu, que o amor deles não tinha preconceitos, aceitava quem o outro era e tal... Tá bom, né, rs.

Eu queria ter parado pra pensar numa relação entre o pai de Elisabeth e Joseph. Acho que isso faria um pouco de diferença pra entender o personagem da Elisabeth. Porque ela, no começo, me parecia um personagem forte, mas foi minguando, minguando... e desapareceu. Até ficou uma pergunta na minha cabeça: o que os unia, qual era o elo comum entre eles?
 
Só para avisar, esse e os demais posts que virão a seguir, pelo menos de minha parte, terão spoilers não sinalizados, portanto, estando agora devidamente cientes, sigam (ou não) por sua conta e risco.

[align=justify]
Manu M. disse:
O camponês "steinbeckiano" é mais profundo, mais maduro, embora tenha as mesmas bases dos outros. (Ou será que eu já to virando vedetezinha do Steinbeck sem perceber? :think: )

É possível que você esteja. Sobre os camponeses steinbeckianos, bem, não li Vidas Secas para entender muito bem sua comparação, mas creio que o Steinbeck tinha é um respeito tremendo pelo homem do campo, pela sua lida de certa forma preservada da corrupção capitalista e urbana. O campo, mesmo quando ameaçado, ainda tem seus vislumbres de paraíso, de terra de promissão, de porto seguro; um camponês (não me sinto a vontade com essa palavra), pela sua ligação forte com a terra, é repositório das virtudes. Eles podem talvez serem considerados os heróis das obras do Steinbeck, pois a simpatia do autor está sempre voltada a eles.

Manu M. disse:
O que achei interessante também foi a diferença entre Joseph e Thomas, ambos camponeses |arquetípicos|, mas tão diferentes. Reparou que o Thomas tinha receio de tudo o que era místico? Foi assim com a clareira, com o velho... Aliás, queria saber o que vc pensou do velho. Achei um personagem interessante, apesar de ser um tipo esquisito, rs.

Pois é, o velho continua sendo uma incógnita para mim, penso que ele era uma espécie de elo entre Joseph e a terra, um emissário da mãe-natureza talvez. Se pensarmos bem, ele é pura benevolência, uma entidade propriamente dita, encarnação natural que zela por seu filho em todos os momentos. O fato de Joseph ter dado seu sangue pela terra talvez seja o símbolo da passagem dele para a "função" que seu pai ocupara anteriormente. Quem sabe ele não virou algum carvalho lá por aquelas bandas, XD

Ainda fico pensando sobre o velho, mas creio que por ele ser uma figura de referência para Joseph (no pouco tempo em que aparece na trama) e ter encarnado na árvore, é só mais um sinal dessa comunhão espritual-transcendental que há entre o homem e a terra. Pense bem, a junção da figura paterna com a natureza = guardião da fazenda. Vale lembrar que as degraças começaram quando o Burton cintou a árvore, condenando tanto a ela como a toda a fazenda.

Manu M. disse:
É o que eu digo, não tenho vida suficiente pra ler tudo o que eu queria... =/ Eu to pra ler Hesse há três anos, cheguei a começar o jogo das contas de vidro, se não me engano. Mas parei na 3a página e nunca mais voltei. Hei de.

O Jogo das Pérolas (ou contas) de Vidro é tida por muitos como sua opus magnus, a obra em que ele mostra maior amadurecimento. Acho melhor você começar com outras obras, como Embaixo das Rodas, Demian, Sidarta etc. que são mais iniciais e introdutórias. Minha sugestão: leia Demian e vá discutir no tópico! hehehe

Manu M. disse:
Eu queria ter parado pra pensar numa relação entre o pai de Elisabeth e Joseph. Acho que isso faria um pouco de diferença pra entender o personagem da Elisabeth. Porque ela, no começo, me parecia um personagem forte, mas foi minguando, minguando... e desapareceu. Até ficou uma pergunta na minha cabeça: o que os unia, qual era o elo comum entre eles?

Então, penso que ambos sentiram que esse era um processo natural da vida e que eles teriam que, uma hora ou outra eles teriam que casar, então porque não ser agora? Acho, como você bem apontou, que esse é um ponto em que o livro é meio contraditório. Se em um momento parece haver uma ânsia amorosa ou quem sabe uma paixão entre os dois, logo depois parece que estão simplesmente desempenhando seus papéis contratuais de marido e esposa, pura e simplesmente. Engraçado, acho que o Steinbeck talvez tenha querido (nossa, "tenha querido" ficou estranho, mas vambora) mostrar como esses dois personagens eram de universos distintos e que, por isso, tinham uma convivência conturbada, de idas e vindas. Não parecia haver rancor nem mágoa entre eles, contudo tampouco havia química.

Sobre o pai de Elisabeth, cheguei a tomar nota: ele é um velho marxista ranzinza. Ou seja, me parece que o pai está mais próximo de Elisabeth do que de Joseph, pois ambos se relacionam com a realidade de formas diferentes (e isso era uma questão que tinha a tiracolo no meu .txt): um através da simplicidade prática do cotidiano e outro através de teorias mais abrangentes. As visões de mundo dos dois são diferentes, e esse parece ser o cerne da estranheza que o casal vivencia: Joseph está para o prático assim como Elisabeth está para o teórico. Eles se vêem e ao mundo de forma diferente, nada mais normal que estarem distantes um do outro. E aí, acha que cheguei mais perto da verdade conjugal dos dois?[/align]
 
Lucas_Deschain disse:
um camponês (não me sinto a vontade com essa palavra), pela sua ligação forte com a terra, é repositório das virtudes. Eles podem talvez serem considerados os heróis das obras do Steinbeck, pois a simpatia do autor está sempre voltada a eles.
Pior q também não achei um termo digno. Pensei em "homem rústico", "trabalhador rural", mas ficou parecendo movimento artístico ou MST. Aí não sei. =P

Lucas_Deschain disse:
Minha sugestão: leia Demian e vá discutir no tópico! hehehe
Haha, um dia, calma. To com A Leste do Paraíso engatado =) (A minha emprestadora de Steinbeck não tinha Pastagens... =/ Vou te deixar sozinho nessa, rs

Lucas_Deschain disse:
Manu M. disse:
Eu queria ter parado pra pensar numa relação entre o pai de Elisabeth e Joseph. Acho que isso faria um pouco de diferença pra entender o personagem da Elisabeth. Porque ela, no começo, me parecia um personagem forte, mas foi minguando, minguando... e desapareceu. Até ficou uma pergunta na minha cabeça: o que os unia, qual era o elo comum entre eles?

Então, penso que ambos sentiram que esse era um processo natural da vida e que eles teriam que, uma hora ou outra eles teriam que casar, então porque não ser agora? Acho, como você bem apontou, que esse é um ponto em que o livro é meio contraditório. Se em um momento parece haver uma ânsia amorosa ou quem sabe uma paixão entre os dois, logo depois parece que estão simplesmente desempenhando seus papéis contratuais de marido e esposa, pura e simplesmente. Engraçado, acho que o Steinbeck talvez tenha querido (nossa, "tenha querido" ficou estranho, mas vambora) mostrar como esses dois personagens eram de universos distintos e que, por isso, tinham uma convivência conturbada, de idas e vindas. Não parecia haver rancor nem mágoa entre eles, contudo tampouco havia química.

Sobre o pai de Elisabeth, cheguei a tomar nota: ele é um velho marxista ranzinza. Ou seja, me parece que o pai está mais próximo de Elisabeth do que de Joseph, pois ambos se relacionam com a realidade de formas diferentes (e isso era uma questão que tinha a tiracolo no meu .txt): um através da simplicidade prática do cotidiano e outro através de teorias mais abrangentes. As visões de mundo dos dois são diferentes, e esse parece ser o cerne da estranheza que o casal vivencia: Joseph está para o prático assim como Elisabeth está para o teórico. Eles se vêem e ao mundo de forma diferente, nada mais normal que estarem distantes um do outro. E aí, acha que cheguei mais perto da verdade conjugal dos dois?[/align]

Pra falar a verdade, sem nenhum rigor analítico, parece q o Steinbeck se arrependeu de ter metido a Elisabeth na história, aí ficou essa contrariedade. Sei lá, eu não vejo uma finalidade no personagem dela. É, eles pertencem a mundos diferentes, mas... e daí? Não consegui encontrar relevância pra esse ponto (o pertencer a mundos diferentes) dentro do assunto geral do livro. Ainda me incomoda. Também penso nessa relação pai/marido de Elisabeth. Parece q ela saiu de um extremo pra cair em outro, e se perdeu no meio. Lembra no trecho em q passam tocando viola na janela dela? Ela quase cedeu. Isso também me incomodou, ela ficou contraditória de uma hora pra outra, ah, não sei. Talvez se ela não estivesse na história não faria falta. O desconforto de Joseph na igreja poderia mt bem ser retratado num diálogo com o padre, por exemplo. Enfim.

Mudando de assunto, vc q já leu quase tudo dele, sabe dizer se algum outro personagem de Steinbeck tem um elo tão íntimo com a terra quanto Joseph?
 

Valinor 2023

Total arrecadado
R$2.734,79
Termina em:
Back
Topo