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Alice em transe, um prólogo

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Please understand...
ou, da importância do sexo e de um bom livro

[align=justify]A caixa foi entregue no apartamento às seis horas da manhã de um sábado. Um horário estranho, pensou Itaki, mas o que não era, naqueles tempos, naquela época incerta em que viviam. Deixaram do lado de fora, não buzinaram na porta, não se identificaram no intercom, deixaram a caixa e foram embora. Sua mulher a encontrou, quando saía, por volta das seis e meia, mas não avisou ao marido, o amante a esperava, lá embaixo. Às dez horas, Itaki acordou, mas não abriu a porta, nem se levantou, nem chamou pela mulher, apenas se perguntou se ela ainda o traía (ela jurava que não), e se virou na cama, mas não dormía. Minha juventude, pensava. Estou perdendo minha juventude. Perdi minha juventude. Aqui, nessa cama. Dessa cama que não me levanto. Por volta do meio-dia, foi ao banheiro e mijou e voltou a deitar, nenhum recado no espelho, nenhuma mensagem no videofone, embrulhou-se nos cobertores. Decisões erradas foram tomadas ao longo de minha vida, a cara enfiada no travesseiro, por isso estou aqui. E continuou deitado. Pensou em ligar a televisão. Mas a televisão lhe deprimia. A mulher não voltava, não ligava. Talvez ela tenha ido embora. De vez. Para sempre. Bem feito para ela. Acha que outra pessoa vai ter a paciência de lhe sustentar. Ela ganhava mais do que ele. Merda. Tentou se levantar. Foda-se. Deitou. Acordou às três da tarde. Não havia comida na casa, decidiu sair. E encontrou a caixa. Horário de entrega: seis da manhã, dizia a etiqueta eletrônica. Estranho, pensou Itaki.

A caixa era quase maior que ele. Rosa, com caracteres japoneses negros e afiados percorrendo a superfície leitosa do plástico. Kazumi Electronics, em vermelho. Curioso, Itaki esfregava a barba por fazer em volta do pescoço. Não havia nenhum número ou endereço para contato. Mas havia o seu nome na etiqueta: S. Itaki. Um presente de despedida, talvez. Uma última piada da megera. Acendeu um Marlboro e se sentou na poltrona de plástico Ikea. O pequeno apartamento de repente se tornara assustador. Apertada como era, quase metade da sala era ocupada pela caixa cor de rosa. Sentou-se com os joelhos espremidos nela. O apartamento vazio, o silêncio sem fim dos abafadores de som externo da Hitachi, a presença aterradora e incólume da caixa rosa e a tênue luz que conseguia entrar pela janela atravessando a barreira dos prédios e da fumaça lá fora. Com medo, Itaki ligou a televisão. Desenhos animados. A criança dentro dele se acalmou. Apagou o cigarro e abriu uma cerveja. Batia o pé agoniado no chão e não tirava os olhos da caixa. A caixa era quase maior que ele. Quase.

Havia um chamativo botão de Open. Abriu. A frente rosa da caixa dissolveu-se em uma camada transparente que se desenrolou sozinha para cima, para baixo e para os lados, como a embalagem de um presente autônoma, revelando o interior revestido em espuma cristalizada cinza com diversos compartimentos e dizeres em neon e o corpo de uma garota. A pele branca como a lua, nua. Chamou-lhe a atenção primeiramente os seios, perfeitos, depois a vulva, exposta tímida entre as pernas, pêlos asseados e aparados (ao contrário da moda pré-puberdade em voga), olhos grandes e marrons, cabelos que caiam na nuca, pretos descoloridos. E um sorriso um tanto bizarro, lhe pareceu, aberto na cara.

Mas o que...?

Itaki hesitou a princípio, os dedos esticados, mas tocou o corpo da garota. Frio como se estivesse morta, mas real, impossivelmente real. Macia. Sentiu todo o corpo com a ponta dos dedos. Ousou beijá-la, na ponta dos pés. Um letreiro em vermelho forte surgiu sobre o estômago da garota/boneca/ciborgue: Alice em transe, em breve numa livraria perto de você.[/align]
 

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