Daniel Cowman
Usuário
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Eu subo as escadas sem ver onde estou pisando, esse lugar é extremamente pequeno, claustrofóbico, não consigo imaginar que anos e anos atrás pessoas subiam e desciam aqui todos os dias a trabalho. Já é difícil imaginar este local como um ponto turístico, ainda mais se pensar que irei morrer em mais alguns degraus, porém como somos animais estúpidos a esperança preenche todo vazio que sentimos diante da morte, como uma luz cintilante numa noite coberta de nuvens carregadas.
A subida nessas escadas são totalmente paradoxal. Se parece muito com a própria vida. Não agüento mais subir sem chegar a um ponto satisfatório, mas tão pouco quero chegar ao fim, pois o fim de todos esses lances significa também o meu próprio fim. Um grão de areia diante de tantos fins que se dão a todo o momento nesse mundo de histórias emaranhadas com farpas.
Enquanto subo todos os lances tento me lembrar o motivo da subida, mas a adrenalina não me deixa recordar nada consistente, apenas flashes aliados ao sino desta torre que já marca meia-noite. O sino toca. Estou diante de uma pessoa. O sino toca. Faz-se um disparo. O sino toca. Gritos do corpo caído. O sino toca. Meu sorriso. O sino toca. Gritos do lado de fora. O sino toca. Eu corro. O sino toca. Carta. O sino toca. Torre. O sino toca. Subo as escadas. O sino toca. Tropeço ainda no início. O sino toca. Eu vejo minha filha. O sino toca. Um céu estrelado.
Essa amnésia não me permite ao menos saber o porquê da minha morte, quem sabe talvez eu seja inocente? Ou sou tão culpado que os Deuses me concederam o dom da ignorância para pelo menos sorrir em meus minutos finais. Eu sorrio. Realmente diante da morte somos tão idiotas que inventamos coisas para nos tornar mais leves.
A morte se parece muito com uma música com suas texturas próprias, ritmos e harmonias. De forma muitas vezes “invisível” suas mãos tocam em nossos cabelos, bem de leve apenas para mostrar sua presença. Um passaro morto. Um fruto podre. Um Natimorto. Normalmente ao vermos isso egoisticamente damos graças a Deus por não ter sido conosco. É, merecemos tudo isso.
Sinto que já estou chegando ao final das escadas, ouço barulhos lá fora, começo a suar frio ainda que meu corpo já anuncie que não quer brincar mais, que aceitar a morte é ser sábio nesse momento. Apesar de todos esses questionamentos, cheguei ao final, abro a porta e saio. Percebo que aonde cheguei não é tão pequeno quanto a própria extensão dos degraus, não para onde correr, tento ainda inutilmente conhecer o outro lado, mas nada de novo. A porta por onde passei se abre de novo, me desespero, tento correr, mas apenas consigo ver o rosto daquele que vai me tirar a vida. A morte personificada. Um som, que não é o sino.
E estou morto.
Já morto eu percebo que estou de novo correndo, no início das escadas da torre, essa maldita torre. Começo a perceber que o início desta já se fez há muito tempo talvez antes de minha própria consciência. Talvez antes de meu próprio pecado.[/align]
Texto: Daniel Faleiro
Foto: Daniel Faleiro
in: www.figuinho.blogspot.com