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A resolução das oposições - René Guénon

  • Criador do tópico Paganus
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Paganus

Visitante
Do livro 'O simbolismo da Cruz'
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No capítulo anterior, falamos de complementares, não de contrários; importa não confundir estas duas noções, como às vezes se faz equivocadamente, e não tomar a complementaridade por uma oposição. O que pode dar lugar a algumas confusões a este respeito é que ocorre às vezes que as mesmas coisas aparecem como contrárias ou complementares segundo o ponto de vista a partir da qual são consideradas; neste caso, se pode dizer sempre que a oposição corresponde a um ponto de vista mais inferior e mais superficial, enquanto que a complementaridade, na qual essa oposição se encontra de certo modo conciliada e já resolvida, corresponde por isso mesmo a um ponto de vista mais elevado ou mais profundo, assim como explicamos em outra parte [1]. A unidade principial exige com efeito que não haja oposições irredutíveis [2]; assim pois, se é verdadeiro que a oposição entre dois termos existe nas aparências e que possui uma realidade relativa em um certo nível de existência, esta oposição deve desaparecer como tal e resolver-se harmonicamente, por síntese ou integração, ao passar a um nível superior. Pretender que isso não seja assim seria querer introduzir o desequilíbrio até mesmo na ordem principial, enquanto que, como dissemos antes, todos os desequilíbrios que constituem os elementos da manifestação considerados ''distintivamente'' concorrem necessariamente ao equilíbrio total, que nada pode afetar nem destruir. A própria complementaridade, que é ainda uma dualidade, em um certo grau, deve se desvanecer diante da Unidade, posto que seus dois termos se equilibram e se neutralizam de certo modo e se unem até fundir-se indissoluvelmente na indiferenciação primordial.

A figura da cruz pode ajudar a compreender a diferença que existe entre a complementaridade e a oposição: vimos que a vertical e a horizontal podiam ser tomadas como representações dos termos complementares; mas, evidentemente, não se pode dizer que haja oposição entre o sentido vertical e o sentido horizontal. O que representa claramente a oposição , na mesma figura, são as direções contrárias, a partir do centro, das duas semi-retas que são as duas metades de um mesmo eixo, seja ele qual for; assim pois, a oposição pode ser considerada igualmente seja no sentido vertical, seja no sentido horizontal. Teremos assim, na cruz vertical de duas dimensões, dois pares de termos opostos formando um quaternário; será a mesma coisa na cruz horizontal, em que um dos eixos poderá ser considerado como relativamente vertical, isto é, como desempenhando o papel de um eixo vertical em relação ao outro, conforme explicamos no final do capítulo precedente. Porém, se reunirmos as duas figuras na cruz de três dimensões, teremos três pares de termos opostos, como vimos anteriormente a propósito das direções do espaço e dos pontos cardeais. Há de se destacar que uma das oposições quaternárias mais conhecidas, a dos elementos e das qualidades sensíveis que lhes correspondem, devem ser dispostas na cruz horizontal; neste caso, com efeito, se trata exclusivamente da constituição do mundo corporal, que se situa inteiro em um mesmo grau da Existência e que não representa inclusive mais do que uma porção muito restrita dele. É a mesma coisa quando se considera somente quatro pontos cardeais, que são então os do mundo terrestre, representado simbolicamente pelo plano horizontal, enquanto o Zênite e o Nadir, opostos segundo o eixo vertical, correspondem à orientação até os mundos respectivamente superiores e inferiores em relação a este mesmo mundo terrestre. Vimos que é a mesma coisa também para a dupla oposição dos solstícios e dos equinócios, e isso também se compreende facilmente, já que o eixo vertical, que permanece fixo e imóvel enquanto todas as coisas cumprem sua rotação ao redor dele, é evidentemente independente das vicissitudes cíclicas, que ele rege assim de certo modo por sua própria imobilidade, imagem sensível da imutabilidade principial [3]. Se não considerarmos mais que a cruz horizontal, o eixo vertical está representado nela pelo próprio ponto central, que é onde o eixo em questão encontra o plano horizontal; assim pois, todo plano horizontal, que simboliza um estado ou um grau qualquer da existência, tem neste ponto, que pode ser chamado de seu centro (posto que é a origem do sistema de coordenadas a que todo ponto do plano será referido), essa mesma imagem da imutabilidade. Se aplicamos isto, por exemplo, à teoria dos elementos do mundo corporal, o centro corresponde ao quinto elemento, o éter [4], que é na realidade o primeiro de todos segundo a ordem de produção, aquele do qual todos os demais procedem por diferenciações sucessivas, e que reune em si todas as qualidades opostas, características dos demais elementos, em um estado de indiferenciação e de equilíbrio perfeito, que corresponde em sua ordem à não manifestação primordial. [5].

O centro da cruz é pois o ponto onde se conciliam e se resolvem todas as oposições; neste ponto se estabelece a síntese de todos os termos contrários, que, certamente, não são contrários senão segundo os pontos de vista exteriores e particulares do conhecimento em modo distintivo. Este ponto central corresponde ao que o esoterismo islâmico designa como a ''estação divina'', que é ''a que reúne os contrastes e as antinomias'' (El-maqâmul-ilahî, huwa maqâm ijtimâ ed-diddaîn) [6], é o que a tradição extremo oriental, por sua vez, chama o ''Invariável Meio'' (Tchoung-Young), que é o lugar do equilíbrio perfeito, representado como o centro da ''roda cósmica'' [7], e que é também, ao mesmo tempo, o ponto onde se reflete a ''Atividade do Céu'' [8]. Este centro dirige todas as coisas por sua ''atividade não atuante'' (wie wou-wei), que, ainda que não manifestada, ou melhor, porque não manifestada, é na realidade a plenitude da atividade, posto que é a do Princípio de onde se derivam todas as atividades particulares; é o que Lao-Tsé expressa nestes termos: ''O Princípio é sempre não atuante, e não obstante tdo é feito por ele'' [9].

Segundo a doutrina taoísta, o sábio perfeito é aquele que chegou ao ponto central e que permanece nele em união indissolúvel com o Princípio, participando de sua imutabilidade e imitando sua ''atividade não atuante''. ''O que chegou ao máximo do vazio, diz ainda Lao-Tsé, esse se fixará solidamente no repouso...Voltar à sua raiz (isto é, ao Princípio, a uma só vez origem primeira e fim último de todos os seres) [10], é entrar no estado de repouso'' [11]. O ''vazio'' de que se trata aqui é o desapego completo a respeito de todas as coisas manifestadas, transitórias e contingentes [12], desapego por meio do qual o ser escapa às vicissitudes da ''corrente das formas'', à alternância dos estados de ''vida'' e de ''morte'', de ''condensação'' e de ''dissipação'' [13], passando da circunferência da ''roda cósmica'' ao seu centro, que é designado, ele mesmo, como ''O Vazio (o não manifestado) que une os raios e faz deles uma roda'' [14]. ''A paz no vazio, diz Lao-Tsé, é um estado indefinível; não se toma nem se dá; mas chega-se a se estabelecer nela'' [15]. Esta ''paz no vazio'', é a ''Grande Paz'' do esoterismo islâmico [16], chamada em árabe Es-Sakînah, designação que a identifica à Shekinah hebraica, isto é, à ''presença divina'' no centro do ser, representado simbolicamente como o coração de todas as tradições [17]; e esta ''presença divina'' está implicada com efeito pela união com o Princípio, que não pode ser operada efetivamente senão no centro mesmo do ser. ''Ao que permanece no não manifestado, todos os seres se manifestam...Unido ao Princípio, por ele se faz em harmonia com todos os seres. Unido ao Princípio, conhece todos pelas razões gerais superiores, e já não usa, por conseguinte, de seus diversos sentidos para conhecer em particular e em detalhe. A verdadeira razão das coisas é invisível, inapreensível, indefinível, indeterminável. Só o espírito restabelecido no estado de simplicidade perfeita pode alcançá-la na contemplação profunda'' [18].

Colocado no centro da ''roda cósmica'', o sábio perfeito a move invisivelmente [19] somente por sua presença, sem participar de seu movimento, e sem ter de se preocupar em exercer uma ação qualquer: ''O ideal é a indiferença (desapego) do homem transcendente, que deixa girar a roda cósmica'' [20]. Este desapego absoluto lhe torna senhor de todas as coisas, já não pode ser afetado por nada: ''Ele alcançou a impassibilidade perfeita; a vida e a morte lhe são igualmente indiferentes, o naufrágio do universo (manifestado) não lhe causaria nenhuma emoção [21]. Pela força do escrutínio chegou à verdade imutável, ao conhecimento do Princípio Universal único. Deixa todos os seres evoluírem segundo seus destinos, e ele mesmo está no centro imóvel de todos os destinos [22]...O signo exterior deste estado interior é a imperturbalidade; não a do valente que se joga sozinho, por amor da glória, sobre um exército dispoto na linha de batalha; mas a do espírito que, superior ao céu, à terra e a todos os serees [23], habita em um corpo no qual não está [24], não faz nenhum caso das imagens que seus sentidos lhe proporcionam e conhece tudo por conhecimento global em sua unidade imóvel [25]. Este espírito, absolutamente independente, é senhor de todos os homens; se lhe agradesse convocá-los em massa, no dia fixado todos obedeceriam; mas não quer se fazer servir'' [26].

No ponto central, todas as distinções inerentes aos pontos de vista exteriores estão ultrapassadas; todas as oposições desapareceram e se resolveram em um perfeito equilíbrio. ''No estado primordial, estas oposições não existiam. Todas se derivam da diversificação dos seres (inerente à manifestação e contingente como ela), e de seus contatos causados pela rotação universal [27]. Cessariam se a diversidade e o movimento cessassem. Cessam de imediato de afetar ao ser que reduziu seu ''eu'' distinto e seu movimento particular a quase nada [28]. Este ser já não entra em conflito com nenhum ser, porque está estabelecido no Infinito, apagado do indefinido [29]. Chegou e está no ponto de partida das transformações, ponto neutro onde não há conflitos. Pela concentração de sua natureza, pela alimentação de seu espírito vital, pela reunião de todas as suas potências, se uniu ao princípio de todas as gênesis. Ao ter sua natureza inteira (totalizada sinteticamente na unidade principial), ao ter seu espírito vital intacto, nenhum ser poderia causar-lhe dano'' [30].

Este ponto central e primordial é idêntico ao ''Santo Palácio'' da Qabbala hebraica; em si mesmo, não está situado, já que é absolutamente independente do espaço, que não é mais do que o resultado de sua expansão ou de seu desenvolvimento indefinido em todos os sentidos, e que, por conseguinte, procede inteiramente dele: ''Transportemo-nos no espírito para fora deste mundo das dimensões e das localizações, e já não haverá lugar para se situar o Princípio'' [31]. Mas, uma vez realizado o espaço, o ponto primordial, ainda que permaneça essencialmente sempre ''não localizado'' (já que não poderia ser afetado ou modificado por isso em nada), se torna o centro desse espaço (isto é, transpondo o simbolismo, o centro de toda a manifestação universal), assim como já indicamos; é dele de onde partem as seis direções, que opondo-se duas a duas, representam todos os contrários, e é também a ele para onde voltam, pelo movimento alternativo de expansão e de concentração que constitui, assim como se disse mais atrás, as duas fases complementares de toda a manifestação. É a segunda destas fases, o movimento de retorno para a origem, que marca a via seguida pelo sábio para chegar à união com o Princípio: a ''concentração de sua natureza'', a ''reunião de todas as suas potências'', no texto que citávamos até um momento, o indicam tão claramente quanto possível; e a ''simplicidade'', de que já se tratou, corresponde à unidade ''sem dimensões'' do ponto primordial. ''O homem absolutamente simples curva, por sua simplicidade, a todos os seres....de sorte que nada se opõe a ele nas seis regiões do espaço, nada lhe é hostil, o fogo e a água não o ferem'' [32]. Com efeito, ele está no centro, de onde as seis direções saem por radiação, e para onde vem, no momento de retorno, a se neutralizarem duas a duas, de modo que, neste ponto único, sua tripla oposição cessa inteiramente, e nada do que resulta dela ou do que se localiza nela pode alcançar ao ser que permanece na unidade imutável. Posto que este não se opõe a nada, nada poderia opor-se a ele tampouco, já que a oposição é necessariamente uma relação recíproca que exige dois termos presentes, e que, por conseguinte, é incompatível com a unidade principial; e a hostilidade, que não é senão uma consecução ou uma manifestação exterior da oposição, não pode existir a respeito de um ser que está fora e mais além de toda a oposição. O fogo e a água, que são o tipo dos contrários no ''mundo elemental'', não podem ferir-lhe, já que, para dizer a verdade, já não existem para ele enquanto contrários, posto que entraram, equilibrando-se e neutralizando-se um ao outro pela reunião de suas qualidades aparentemente opostas, mas realmente complementares [33], na indiferenciação do éter primordial.

Para o que está no centro, tudo está unificado, já que vê tudo na unidade do Princípio; todos os pontos de vista particulares (ou, se prefere, ''particularistas'') e analíticos, que não se fundam mais que sobre distinções contingentes, e dos quais nascem todas as divergências das opiniões individuais, desapareceram para ele, reabsorvidos na síntese total do conhecimento transcendente, adequado à verdade una e imutável. ''Seu ponto de vista é um ponto a partir do qual isto e aquilo, sim e não, aparecem como não distintos. Este ponto é o pivô da norma; é o centro imóvel de uma circunferência sobre cujo contorno rodam todas as contigências, as distinções e as individualidades; desde onde não se vê mais do que um infinito, que não nem isto nem aquilo, nem sim nem não. Ver tudo na unidade primordial ainda não diferenciada, ou desde uma distância tal que tudo se funde em um, eis aí a verdadeira inteligência'' [34]. O ''pivô da norma'' é o que quase todas as tradições denominam de ''Polo'' [35], isto é, como já explicamos, o ponto fixo ao redor do qual se cumprem todas as revoluções do mundo, segundo a norma ou a lei que rege toda manifestação, e que não é ela mesma mais do que a emanação direta do centro, isto é, a expressão da ''Vontade do Céu'' na ordem cósmica [36].


[1] Ver La Crisis del mundo moderno, pp. 43-44, ed. francesa.

[2] Por conseguinte, todo ''dualismo'' seja de ordem teológico como o atribuído aos maniqueus, seja de ordem filosófico como o de Descartes, é uma concepção radicalmente falsa.

[3] É o ''motor imóvel'' de Aristóteles, o qual tivemos a ocasião de fazer frequentes alusões em outros lugares. .

[4] É a ''quintessência'' (quinta essentia) dos alquimistas, às vezes representada, no centro da cruz dos elementos, por uma figura tal como a da estrela de cinco pontas ou a flor de cinco pétalas. Diz-se também que o éter tem uma ''quíntupla natureza'', isto deve ser entendido do éter considerado em si mesmo e como princípio dos quatro elementos.

[5] É a razão porque a designação do éter é suscetível de dar lugar às transposições analógicas que ressaltamos mais atrás; ela se toma simbolicamente então como uma designação do estado primordial mesmo.

[6] Esta ''estação'', ou este grau de realização efetiva do ser, é alcançada pelo El-fanâ, isto é, pela ''extinção'' do ''eu'' no retorno ao ''estado primordial''; esta ''extinção'' não carece de analogia, inclusive quanto ao sentido literal do termo que a designa, com o Nirvâna da doutrina hindú. Para além de El-fanâ, há ainda Fanâ el-fanâi, isto é, a ''extinção da extinção'', que corresponde do mesmo modo ao Parinirvâna (ver El Hombre y su devenir según el Vêdânta, cap. XIII). Em um certo sentido, a passagem de um destes graus ao outro se refere à identificação do centro de um estado de ser com o do Ser total, segundo explicaremos mais adiante.

[7] Ver El Rey del Mundo, capítulos I e IV, e El esoterismo de Dante, pág. 62, ed. francesa.

[8] O confucionismo desenvolve a aplicação do ''Invariável Meio'' na ordem social, enquanto seu significado puramente metafísico é dado pelo taoísmo.

[9] Tao-te-king, XXXVII.

[10] A palavra Tao, literalmente ''Via'', que designa o Princípio, é representado por um caracter ideográfico que reune os signos da cabeça e dos pés, o que equivale ao símbolo do alfa e do ômega nas tradições ocidentais.

[11] Tao-te-king, XVI.

[12] Este desapego é idêntico ao El-fanâ; poderíamos nos remeter também ao que ensina o Bhagavad-Gîtâ sobre a indiferença a respeito dos frutos da ação, indiferença pela qual o ser escapa do encadeamento indefinido das consequências desta ação: é a ''ação sem desejo'' (nishkâma karma), enquanto a ''ação com desejo'' (sakâma karma) é a ação cumprida em vista de seus frutos.

[13] Aristóteles, em um sentido semelhante, diz ''geração'' e ''corrupção''.

[14] Tao-te-king, XI. — A forma mais simples da roda é o círculo dividido em quatro partes iguais pela cruz; além desta roda de quatro raios, as formas mais difundidas no simbolismo de todos os povos são as rodas de seis e de oito raios; naturalmente, cada um destes números junta ao significado geral da roda um matiz particular. A figura octogonal dos oito koua ou ''trigramas'' de Fo-Hi, que é um dos símbolos fundamentais da tradição extremo-oriental, equivale sob alguns aspectos à roda de oito raios, assim como ao lótus de oito pétalas. Nas antigas tradições da América Central, o síbolo do mundo é representado sempre pelo círculo em que se inscreve uma cruz.

[15] Lie-tseu, capítulo I. — Citamos os textos de Lao-Tsé e de Tchoang-Tsé segundo a tradução de R.P. Léon Wieger.

[16] É também a Pax profunda da tradição rosacruciana.

[17] Ver El Hombre y su devenir según el Vêdânta, XIII, y El Rey del Mundo, III.— Diz-se que Allah ''faz descer a Paz aos corações dos fiéis'' (Huwa elladhî anzala es-Sakînata fî qulûbil-mûminîn); e a Qabbalah hebraica ensina exatamente a mesma coisa: ''A Shekinahleva este nome, diz o hebraísta Louis Capel, porque habita (shakan) no coração dos fiéis, habitação que foi simbolizada pelo Tabernáculo (mishkan) onde é dito que Deus reside''. (Critica sacra, p. 311, edição de Amsterdam, 1689; citado por M. P. Vulliaud, La Kabbala judía, tomo I, p. 493). Há necessidade apenas de fazer destacar que o ''descenso'' da ''Paz'' ao coração se efetua segundo o eixo vertical: é a manifestação da ''Atividade do Céu''. -- Ver também, por outro lado, o ensinamento da doutrina hindú sobre a morada de Braham simbolizada pelo éter, no coração, isto é, no centro vital do ser humano (ver El Hombre y su devenir según el Vêdânta, cap. III).

[18] Lie-tseu, cap. IV. — Aqui se vê toda a diferença que separa o conhecimento transcendente do sábio do saber ordiário ou ''profano''; as alusões à ''simplicidade'', expressão da unificação de todas as potências do ser, e considerada como característica do ''estado primordial'', são frequentes no taoísmo. Do mesmo modo, na doutrina hindú, o estado de ''infância'' (bâlya), entendido no sentido espiritual, é considerado como condição preliminar para a aquisição do conhecimento por excelência (ver El Hombre y su devenir según el Vêdânta, capítulo XXIII). — Podem ser lembradas a este propósito as palavras que se encontram no Evangelho: ''Quem não se fizer como uma criança, não poderá entrar no Reino de Deus'' (São Lucas, XVIII, 17); ''Estas coisas foram ocultadas dos sábios e entendidos e reveladas aos simples e pequeninos'' (São Mateus, XI, 25; São Lucas X, 21). O ponto central, a partir do qual se estabelece a comunicação com os estados superiores ou ''celestes'', é a ''porta estreita'' do simbolismo evangélico; os ''ricos'' que não podem passar por ela são os seres apegados à multiplicidade, e que, por conseguinte, são incapazes de se elevarem do conhecimento distintivo ao conhecimento unificado. A ''pobreza espiritual'', que é o desapego com respeito à manifestação, aparece aqui como outro símbolo equivalente da ''infância'': ''Bem Aventurados os pobres de espírito, porque deles é o Reino dos Céus'' (São Mateus, V, 2). Esta ''pobreza'' (em árabe El-faqru) desempenha um papel igualmente importante no esoterismo islâmico; além do que acabamos de dizer, implica também a dependêndia completa do ser, em tudo o que é, frente ao Princípio, ''fora do qual não há nada, absolutamente nada, que exista'' (Mohyiddin ibn Arabi, Risâlatul-Ahadiyah).

[19] É a mesma idéia que se expressa também, por outro lado, na tradição hindú, pelo termo Chakravartî, literalmente ''o que faz girar a roda'' (ver El Rey del Mundo, II, e El Esoterismo de Dante, pág, 55, ed. francesa).

[20] Tchoang-tseu, cap. 1º. — Cf. El Rey del Mundo, cap. IX.

[21] Apesar da aparente similitude de algumas expressões, esta ''impassibilidade'' é muito diferente da dos estóicos, que era de ordem unicamente ''moral'', que, além disso, parece não ter sido mais do que uma simples concepção teórica.

[22] Segundo o comentário tradicional de Tcheng-Tsé sobre o Yi-king, ''a palavra 'destino' designa a verdadeira razão de ser das coisas''; assim pois, o ''centro de todos os destinos'' é o Princípio enquanto razão suficiente de todos os seres.

[23] Com efeito, o Princípio, ou o ''Centro'', é anterior a toda distinção, inclusive a do ''Céu'' (Tien) e a da ''Terra'' (Ti), que representa a primeira dualidade, posto que estes dois termos são os equivalentes respectivos de Purusha e de Prakriti.

[24] É o estado do jîvan-mukta (ver El Hombre y su devenir según el Vêdânta, cap. XXIII, 3ª ed.).

[25] É a condição de Prâjna na doutrina hindú (ver El Hombre y su devenir según el Vêdânta, cap. XIV).

[26] Tchoang-tseu, cap. V. — A independência daquele que, liberado de todas as contingências, chegou ao conhecimento da verdade imutável, é afirmada também no Evangelho: ''Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará'' (São João VIII, 32); e poderia também, por outro lado, se realizar uma aproximação do que precede com esta outra palavra evangélica: ''Busca primeiro o Reino de Deus e Sua Justiça, e todas as demais coisas vos serão acrescentadas'' (São Mateus, VII, 33; São Lucas XII, 31). É importante lembrar-se aqui da relação estreita que existe entre a ideia de Justiça e as de equilíbrio e de harmonia; e indicamos também em outra parte a relação que une a Justiça à paz (ver El Rey del Mundo, cap. I y VI; Autoridad espiritual y poder temporal, cap. VIII).

[27] Isto é, pela rotação da ''roda cósmcia'' ao redor de seu eixo.

[28] Esta redução do ''eu distinto'', que finalmente desaparece reabsorvendo-se em um ponto único, é a mesma coisa que o ''vazio'' de que tratamos mais atrás; é também El-fanâ do esoterismo islâmico. É além disso evidente, segundo o simbolismo da roda, que o ''movimento'' de um ser se reduz quanto mais se aproxima do centro.

[29] A primeira destas duas expressões se refere à ''personalidade'', e a segunda à ''individualidade''.

[30] Tchoang-tseu, cap. XIX. — A última frase se refere todavia às condições do ''estado primordial'': é o que a tradição judaico-cristã designa como a imortalidade do homem anterior à ''queda'', imortalidade recuperada por aquele que , de volta ao ''Centro do Mundo'', se alimenta na ''Árvore da Vida''.

[31] Tchoang-tseu, cap. XXII.

[32] Lie-tseu, cap. II.

[33] O fogo e a água, sem que sejam considerados sob seu aspecto de oposição, e sim no da complementaridade, são uma das expressões dos princípios ativo e passivo no domínio da manifestação corporal ou sensível; as considerações que se referem a este ponto de vista foram especialmente desenvolvidas pelo hermetismo.

[34] Tchoang-tseu, cap. II.

[35] Estudamos particularmente este simbolismo no El Rey del Mundo. — Na tradição extremo-oriental, a ''Grande Unidade'' (Tai-i) é representada residindo na estrela polar, à qual se chama Tien-ki, isto é, literalmente ''teto do céu''.

[36] A ''Retidão'' (Te), cujo nome evoca a idéia da linha reta e mais particularmente a do ''Eixo do Mundo'', é, na doutrina de Lao-Tsé, o que se poderia chamar de uma ''especificação'' da ''Via'' (Tao) em relação a um ser ou a um estado de existência determinado: é a direção que este ser deve seguir para que sua existência seja segundo a ''Via'', ou, em outros termos, em conformidade com o Princípio (direção tomada no sentido ascendente, enquanto no sentido descendente esta mesma direção é aquela segundo a qual se exerce a ''Atividade do Céu''). -- Isto pode ser aproximado ao que dissemos em outra parte (El Rey del Mundo, cap. VIII) sobre o tema da orientação ritual, tema que trataremos ainda mais adiante.
 

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