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A MORTE DE IVAN ILITCH - Liev Tolstói

Jorge Leberg

Palavras valem por mil imagens
A Morte de Ivan Ilitch (1886), do grande autor russo Liev Tolstói, é uma das suas autênticas obras-primas, cujas mais famosas são Guerra e Paz (1868) e Anna Karênina (1877), que figuram entre as obras-primas mais grandiosas da literatura universal. Enquanto essas duas monumentais obras literárias são verdadeiros e complexos painéis da sociedade russa czarista da época (Guerra e Paz utiliza como pano de fundo a invasão napoleônica à Rússia, que culminou numa famosa e melancólica derrocada; Anna Karênina relata a história de uma mulher sonhadora, aspirante à plena liberdade numa sociedade patriarcal, romance provavelmente inspirado em Madame Bovary, do Flaubert), A Morte de Ivan Ilitch – que mais se afigura a uma novela que a um romance, pela brevidade narrativa e pelo tamanho – é uma obra escrita por Tolstói em meio a um período de grande transição em sua vida (influenciado fortemente pelo Evangelho e pelo contato concreto com a miséria urbana dos cortiços de Moscou, ele aprofundou sua pregação social, vivendo praticamente como um monge, além de largar sua participação na vida social de nobre e escritor). Portanto, são facilmente perceptíveis no livro a impregnação de idéias advindas de sua nova mentalidade excessivamente cristã, porém com pregações consideradas pela Igreja Ortodoxa Russa de fundo anarquista, que veio a excomungá-lo em 1901. Possivelmente, Tolstói foi o primeiro – ou um dos primeiros – cristãos anarquista/socialista.

A novela inicia-se com a notícia da morte de Ivan Ilitch, um alto burocrata do Palácio da Justiça de São Petersburgo. Ao receberem a nota do óbito, seus amigos e colegas de trabalho, ao contrário do esperado, inicialmente não se sentem taciturnos ou se comovem, mas imediatamente calculam suas chances e as de outrem de ascensão/substituição nos cargos, ocasionada pela morte, que gerará uma sucessão de vagas; começando pelo próprio cargo de juiz de instrução ocupado antes por Ivan, que será preenchido por outro funcionário publico que também liberará seu cargo, e assim sucessivamente. A morte de um funcionário, de modo frio e calculista, é visto meramente como uma boa possibilidade de movimentações estratégicas nas peças do tabuleiro burocrático. Dessa maneira, Tolstói molda e critica incisivamente a reificação do homem pela sociedade desumana, hedonista e insidiosa em que vivemos, calcada em frias e "burocráticas" relações tanto trabalhistas quanto na convivência puramente social, onde prevalece o valor das convenções, da hipocrisia e do imediatismo. O homem é concebido como uma coisa, uma mera engrenagem descartável do sistema socioeconômico, imerso num eterno baile de máscaras. Um panorama extremamente atual.

Tolstói também retrata o decorrer do funeral, e prossegue em capítulos, até o final da obra, na exposição da biografia de Ivan Ilitch. Ao tecer a trama, ele disseca todo o desenrolar da trajetória de um homem comum – formado em Direito e que se adentra na carreira do funcionalismo público –, tendo como alicerce um antagonismo: a sua relação de circunspecção, convencionalismo e afabilidade no trabalho e na vida social, porém conflituosa – embora com alguns interregnos de convivência pacífica – em casa, principalmente no que concerne à mulher, acometida por ataques de hostilidade e insatisfação. Contudo, Ivan Ilitch precisa fazer escolhas para manter as aparências e não ser influenciado pelos problemas familiares, em prol de uma carreira profissional e de um círculo social, optando radicalmente por uma relação de total frigidez e isenção perante as desavenças domésticas. Tolstói, aqui, condena a condição de segundo plano concedida à família, decorrente da supervalorização dada ao trabalho, que têm como conseqüências a gradual perda da humanidade, da plenitude emocional, da comoção e inquietação ante a situação do semelhante. O ser humano transmuta-se numa máquina destinada em grande parte ao trabalho.

Entretanto, mais que atual, Tolstói desvela-se atemporal nesta pungente obra. Ele aborda com intensidade e densidade, nessa novela, em temas perturbadores, mas comuns a todos (apesar de amolgados por um certo moralismo imanente à personalidade e às pregações dele): a inconsciência mórbida ante o sofrimento alheio, e a morte – este um tema obstinado do romancista em seu itinerário literário. Ivan Ilitch, após um pequeno e aparentemente inócuo acidente, começa a sentir um estranho amargor na boca e uma pequena dor em certa região, esporadicamente. Complicações que se acentuarão, e o levarão a momentos epifânicos e de profunda transformação, não só física, no entanto também moral e psicológica. Através da frígida relação médico-paciente, sem autênticas preocupações com a dor e o estado, mas antes com o fisiológico do doente, por força maior da ciência e da profissão, Ivan desvenda, refletidas, suas próprias relações burocráticas com as pessoas que o buscam na Justiça. Vê ao seu redor a indiferença quase hostil que parentes e colegas lhe impingem, com ínfimos e esporádicos arroubos de comoção, em praticamente dolorosa oposição ao seu estado enfermo, que deveria confranger, culminar em verdadeiros compadecimentos, preocupações, cuidados. "Descobre" a existência da morte, e que ela está em seu encalço, inexorável e inevitável, mesmo com a falsidade e desinteresse dos indivíduos a sua volta, que não lhe atestam definitivamente a cruel verdade, já conhecida por ele e cuja "negação" se lhe torna a situação mais opressiva e angustiante.

Através de todo um processo torturante de enfermidade, Ivan culmina por desnudar-se, enxergando no seu fim os verdadeiros sentidos da vida e da morte, descobrindo que trilhou, ao longo da vida, um caminho vazio, oco, privado de amor absoluto conferido ao outro e destituído de bem ao próximo, mas que cujo conhecimento da "verdade" e da miséria humana, efetivando-se num último e simples gesto de pleno amor, ainda o salva antes da morte e do terminante encontro com Deus. Um dos desfechos mais emocionantes da literatura universal.

Transcrevo aqui duas conclusões impactantes acerca da obra de Tolstói, para fechar a resenha com chave de ouro:

Otto Maria Carpeaux:
"A Morte de Ivan Ilitch é uma das obras mais comoventes e mais pungentes da literatura universal, talvez a obra-prima de Tolstói."

"[Nessa novela] o amor que há soterrado no fundo de todas as criaturas surge invencivelmente para redimir uma vida inútil e vazia, pois, acima de tudo, Tolstói é um moralista e, como tal, deve ser entendido e louvado."

P. S.: A morte do protagonista não é, obviamente, um spoiler, pois o próprio título da novela já deixa evidente o seu destino, além da primeira página do livro já revelar seu falecimento.
 
Eu li esse conto numa coletânea em inglês começo do ano, apesar de não ter entendido tudo eu gostei bastante. É de se pensar e eu achei muito triste, coitado do cara, parecia que ngm gostava dele :S
 
Eu não sabia se ria, dava amei ou mandava coração. Quando vi o post do Lucas no Instagram (pois é, gente. Eu sou fã da Sandy, e como o Lucas está há quase vinte e cinco anos na vida dela, não tem jeito.), pensei: "É um livro que sempre quis ler, e acho que vou gostar. O Lucas parece estar numa crise existencial". :rofl:
 

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