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"A Mitologia das Mitologias"

Eriadan

Well-Known Member
Bem numa época em que eu tinha perdido o "tesão" de participar das discussões sobre Tolkien, há uns dois anos, me deparei com este tópico do Deriel (grifos meus):

Deriel disse:
Tolkien trabalhava com uma idéia bastante original. Ele não recontava mitos, ele contava a origem dos mitos, de onde os mitos se originaram. Dentro do conceito da obra de Tolkien, Númenor realmente existiu em um passado distante... o afundamento de Númenor ("Atalantë") foi sendo repassada de boca em boca, de século em século, adquirindo uma frase extra aqui e outra ali até se tornar o que conhecemos como Mito de Atlântida.

Tolkien na verdade nos contou a história que de fato ocorreu e que chegou até nós através da mitologia. Costumo chamar isso de "Mitologia das Mitologias".

Podemos encontrar muitos outros exemplos, como os Elfos. Tolkien não "pegou" os Elfos da mitologia nórdica, ele nos contou a história real deles, a história que foi se transformando em lenda e em mitologia e chegou até nós distorcida pelo tempo, na forma da mitologia nórdica.
Velho, isso é de uma suma genialidade que eu fiquei alguns minutos boquiaberto, sem reação. Aquela paixão e entusiasmo que a gente tem no início da "fanzice" reacendeu de uma forma ainda mais forte, porque então descobria mais um profundo traço de brilhantismo que desconhecia na obra, e o mais original deles, na minha opinião.

Só recentemente me bateu uma inspiração para escrever sobre isso, por isso estou criando o tópico: quais são as fontes dessa informação que o Deriel passou, para que eu possa conhecê-la na raiz e, se possível, nas próprias palavras de Tolkien, e usá-las no meu artigo? Alguém tem um material que possa me enviar ou ao menos me indicar onde posso encontrar algo a respeito?
 
Realmente é genial =D
Por isso que Tolkien é Tolkien hehehehehhe
Eu vejo o pessoal buscando bastante nas Cartas de Tolkien e na História da Terra Média, que não tem em português eu acho...Pelo que sei é tipo uma enciclopédia de tudo o que tem o dedo de Tolkien hehehe =D
Eu acho que é dai que vem bastante coisa...contudo posso estar estupendamente errado haeuhuaeh
 
É muito interessante que o Tolkien nunca se referiu à obra dele como "mitologia", mas sim como "legendário". A diferença é bastante sutil, mas reflete diretamente nessa concepção de "história real", em especial porque o termo "lenda" tem a ver com eventos reais misturados com elementos fictícios, que é bem isso que o Deriel falou.
 
Quando quero explicar em linhas gerais do que trata o legendarium para pessoas que não conhecem, eu começo exatamente explicando essa ideia de "mitologia das mitologias". Quem ouve sempre fica surpreso. :g:
 
Quais são as fontes dessa informação que o Deriel passou, para que eu possa conhecê-la na raiz e, se possível, nas próprias palavras de Tolkien, e usá-las no meu artigo? Alguém tem um material que possa me enviar ou ao menos me indicar onde posso encontrar algo a respeito?
:flag:
 
Eriadan, dê uma olhada nesse post do Deriel:

A Mitologia das Mitologias

Praticamente todos os dias recebo algum tipo de e-mail com algum dos seguintes comentários: "Tolkien copiou os Elfos, Trolls e Anões da Mitologia Nórdica", "eu conheço uma mitologia X que tem o seguinte detalhe que é igualzinho a tal coisa da obra de Tolkien", "Númenor nada mais é do que uma cópia descarada de Atlântida", "que seres Tolkien copiou de outra mitologias e que seres ele inventou de verdade?" e assim por diante. Na verdade nenhuma dessas frases está completamente errada (!!!) mas sim mal colocadas ou mal formuladas.

Para começarmos a entender o relacionamnto da "Mitologia Tolkieniana" com as demais mitologias é importante analisarmos quais eram as intenções de Tolkien. No início, até aproximadamente a década de 1930 ele tinha como ideal a criação de uma mitologia para a Inglaterra (é simples de perceber isso nos History of Middle-earth 1 e 2 - os dois Lost Tales). A partir de aproximadamente 1930 o foco mudou um pouco e a palavra Inglaterra acabou sendo trocada por "Planeta Terra" e o que Tolkien estava escrevendo (e deixou inacabado) era uma mitologia das mitologias, as histórias que deram origens às histórias das diversas mitologiais atuais ou melhor: as histórias reais que acabaram gerando as lendas mitológicas que chegaram até nós através de várias mitologias.

Bom, vou explicar com mais calma pra passar a real genialidade da obra de TOlkien, que a faz única. Claramente seria muito fácil para Tolkien criar nomes diferentes para as raças que ele "utiliza'" dentro de suas obras. Se ao invés de "Elfos" e "Trolls" ele usasse "Churbis" e "Blirbs" as raças dicifilmente seriam reconhecidas como "retiradas da mitologia nórdica" mas continuariam tendo as mesmas características que conhecemos, apenas com fantásticos nomes diferentes. Mas não, Tolkien fez questão de manter os nomes encontrados em outras mitologias. Claro, com um objetivo (ou alguém acredita que ele usou "Elfos" achando inocentemente que ninguém ia pensar na possibilidade de serem os Elfos da mitologia nórdica?): que achássemos realmente os nomes "familiares".

Vamos analisar algumas histórias tolkienianas sob essa nova visão. Comecemos com Númenor e a sua Queda. Dificilmente alguém que conheça a lenda de Atlântida vai deixar de fazer a conexão Númenor-Atalante-Atlântida. Inclusive muitos textos foram criados traçando paralelos entre Númenor e Atlântida. Textos completamente dispensáveis e desnecessários pois Númenor É Atlântida. A história de Númenor é a história REAL que, de boca em boca no decorrer dos séculos acabou se tornando a lenda de Atlântida e foi imortalizada por Platão. Agora as perguntas "onde ficava Atlântida?", "onde foi parar?", "pq caiu?" e "quem residia nela?" são facilmente respondidas por qualquer um que tenha lido o Silmarillion.

Mais uma? O Kalevala finlandês. Muitas pessoas apontam as imensas semelhanças entre Kulervo e Túrin Turambar, afirmando que Tolkien simplesmente plagiou (como se ele fosse inocente ao ponto de achar que nunca ninguém perceberia as semelhanças) esquecendo de pensar que simplesmente Kulervo é Túrin, ou melhor, a história de Kulervo é uma versão secular, passada de boca em boca, modificada com o decorrer dos séculos acabando por se tornar o Kalevala ou parte dele.

Outra: panteões divinos. Vários e vários textos conectam os Valar com o panteão greco-romano, panteão egípcio, panteão celta, panteão nórdico e vários e vários outros panteões. Estudos também desnecessários, pois cada um desses panteões nada mais são do que idéias distorcidas dos Valar e Maiar que, passadas através dos séculos por homens ingênuos tornaram-se o que conhecemos hoje como religiões politeístas. E, bem ao estilo católico monoteísta de Tolkien, todas originadas em erro (pois os Valar não são deuses) e portanto validando como "possíveis/válidas" apenas as religiões monoteístas.

E assim por diante. Os Elfos da mitologia nórdica nada mais são do que tênues versões apagadas e alteradas pelo tempo dos fantásticos Elfos que residiram na Terra-média há mais de 7 mil anos atrás.

[por Fabio Bettega]

Como foi dito, Tolkien deixa transparecer isso nos textos que aparecem nos dois primeiros volumes dos HoME.

Acho que havia alguma menção semelhante também nas Cartas, mas tenho que procurar aqui pra ver se encontro.
 
Valeu, Fëanor! Então o que eu procuro deve estar no HoME I e II, vou ver se finalmente tomo coragem e compro. De qualquer forma, vou adiar o meu artigo, quero dar uma pesquisada melhor antes de me aventurar a escrever.

Acho difícil que haja alguma referência nas cartas que foram publicadas no livro, ou teria chamado a minha atenção. Mas pode ser que eu não tenha lido com a devida atenção.
 
Olha só, na carta 131 tem algumas coisas a esse respeito. Seguem alguns trechos, com negrito meu:


Mas ab initio tive uma paixão igualmente básica pelos mitos (não alegorias!) e pelos contos de fadas, e acima de tudo pelas lendas heróicas no limiar dos contos de fadas e da história, de que existe muito pouco no mundo (acessível a mim) para meu apetite. Tornei-me universitário antes que a reflexão e a experiência me revelassem que tais interesses não eram divergentes - pólos opostos de ciência e romance - e sim integralmente relacionados. Não sou porém "erudito" em termos de mitos e contos de fadas, pois em tais coisas (até onde sei) sempre estive à busca de material, de coisas que possuíssem um certo tom e um certo ar, e não apenas conhecimento. Também - e espero não soar absurdo - desde tempos remotos entristecia-me a pobreza de meu próprio país amado: não possuía suas próprias histórias (ligadas à sua língua e ao seu solo), não da qualidade que eu buscava, e que se acham (como ingredientes) nas lendas de outras terras. Havia o grego, e o celta, e o romance, o germânico, o escandinavo e o finlandês (que me afetou consideravelmente); mas nada inglês, a não ser materiais empobrecidos de literatura de cordel. É claro que existia e existe todo o mundo arturiano, mas este, por muito poderoso que seja, foi naturalizado de forma imperfeita, associado com o solo britânico mas não com a língua inglesa; e não substitui o que eu sentia estar faltando. Por um lado sua "faerie" [terra encantada] é demasiado opulenta, e fantástica, incoerente e repetitiva. Por outro lado, mais importante: está envolta, e explicitamente contém, a religião cristã.

Não ria! Mas certa vez (há muito tempo minha crista caiu) tive a intenção de produzir um corpo de lendas mais ou menos interligadas, que abrangesse desde o amplo e o cosmogônico até o nível do conto de fadas romântico - o maior apoiado no menor em contato com a terra, o menor sorvendo esplendor do vasto pano de fundo - cuja dedicatória pudesse ser simplesmente: à Inglaterra; ao meu país. Deveria possuir o tom e a qualidade que eu desejava, sereno e claro, com a fragrância do nosso "ar" (o clima e o solo do Noroeste, isto é, da Grã-Bretanha e das regiões européias mais próximas: não a Itália ou o Egeu, muito menos o Oriente); possuiria (se eu conseguisse) a beleza graciosa e fugidia que alguns chamam céltica (apesar de raramente encontrada nas antigüidades célticas genuínas), mas deveria, ao mesmo tempo, ser "elevado", purgado do tosco, digno de uma mente mais adulta, de uma terra há muito impregnada de poesia. Eu delinearia alguns dos grandes contos na sua plenitude, e deixaria muitos apenas situados no esquema, apenas esboçados. Os ciclos deveriam ligar-se a um todo majestoso, e ainda assim deixar espaço para outras mentes e mãos, munidas de tinta, música, drama. Absurdo.

É claro que um tal propósito dominante não se desenvolveu de uma só vez. O importante eram as próprias histórias. Surgiram em minha mente como coisas "dadas", e à medida que chegavam, separadamente, cresciam também as conexões. Um labor absorvente, apesar de continuamente interrompido (especialmente visto que, mesmo à parte das necessidades da vida, a mente esvoaçava para o pólo oposto e se consumia na lingüística): porém sempre tive a sensação de estar registrando o que já estava "lá", em algum lugar: não de estar "inventando".

Também darei uma espiada com mais paciência nos HoME aqui, e se encontrar algo eu posto. =]
 
Só recentemente me bateu uma inspiração para escrever sobre isso, por isso estou criando o tópico: quais são as fontes dessa informação que o Deriel passou, para que eu possa conhecê-la na raiz e, se possível, nas próprias palavras de Tolkien, e usá-las no meu artigo? Alguém tem um material que possa me enviar ou ao menos me indicar onde posso encontrar algo a respeito?

- As Cartas de J. R. R. Tolkien
- The J. R. R. Tolkien Companion and Guide
- The Road to Middle-earth, de Tom Shippey
- The Author of the Century, de Tom Shippey
- The Book of Lost Tales, part 1, vol. 1 da HoME
- The Book of Lost Tales, part 2, vol. 2 da HoME
- The Lost Road and Other Writings, vol. 5 da HoME
- Sauron Deafeated, vol. 9 da HoME
- Artigos do Tolkien Studies, como "Light-elves, Dark-elves, and Others: Tolkien's Elvish Problem", de Tom Shippey, e "'Do the Atlantis story and abandon Eriol-Saga'", de Verlyn Flieger (vol 1 do Tolkien Studies disponível gratuitamente aqui)
 
Fëa, nessa carta #131 Tolkien fala apenas da questão de "dar" uma mitologia à Inglaterra e tudo mais. Nada sobre criar a História que deu origem às lendas europeias, que traduz mais ou menos a ideia de "Mitologia das Mitologias".

Tilion, valeu pelos links, particularmente pelo último, preciosíssimo. Dos livros indicados, infelizmente o único que eu tenho é as Cartas: ainda estou nos primórdios da leitura em inglês, começando pelo The Fellowship of the Ring. :dente: Suas indicações estão em ordem de importância? Quero dizer, dos livros em inglês, o que mais vale a pena obter para tratar desse assunto é o The J. R. R. Tolkien Companion and Guide e por último o vol. 9 do HoME?
 
Fëa, nessa carta #131 Tolkien fala apenas da questão de "dar" uma mitologia à Inglaterra e tudo mais. Nada sobre criar a História que deu origem às lendas europeias, que traduz mais ou menos a ideia de "Mitologia das Mitologias".

Mas esse é o primórdio da ideia, não? Como o Deriel disse naquele post que eu citei. =]
 
Suas indicações estão em ordem de importância? Quero dizer, dos livros em inglês, o que mais vale a pena obter para tratar desse assunto é o The J. R. R. Tolkien Companion and Guide e por último o vol. 9 do HoME?

Não, coloquei apenas conforme fui lembrando.

A diferença, claro, é que os volumes da HoME possuem os textos do próprio Tolkien que mostram a tentativa dele de ligar o legendário à nossa "realidade", basicamente através do personagem Ottor Wǽfre ("Eriol" entre os Elfos e que em anglo-saxão se traduz como "Ælfwine"), um anglo-saxão criado por Tolkien e nascido no século IX, que acaba encontrando a rota para Eressëa e lá escuta os Elfos contarem as histórias das eras anteriores, que compõem o Quenta. Isso nos dois primeiros volumes da HoME.

Na história "The Lost Road", no vol. 5, o personagem principal é Alboin (forma lombarda do nome Ælfwine, também significando "amigo dos elfos", assim como Elendil, que é central na história). O foco é a queda de Númenor, que é recorrente em flashes com personagens diferentes de épocas diferentes (é uma história de viagem no tempo, essencialmente).

"The Notion Club Papers", no vol. 9, é basicamente uma tentativa do Tolkien de reescrever "The Lost Road", desta vez com o personagem Alwin Arundel Lowdham descrevendo seus sonhos com Númenor e dando detalhes da história e língua da ilha (todo o material que temos de Adûnaico vem dessa história, por exemplo). "Alwin" é uma versão modernizada do nome "Ælfwine", com o mesmo significado.

Os outros livros da lista tratam de comentar esses textos e outros elementos da obra de Tolkien que referenciam essa ideia de que tudo foi "uma história só", com as eras descritas no legendário tendo se tornado mitológicas para os povos posteriores devido às deturpações naturais que ocorrem com as histórias através do tempo, novas mentalidades, religiões, etc.
 
Última edição:
Galera, desculpa ressuscitar o tópico, mas tem a ver: a fuga de Lúthien do cativeiro que o pai lhe impôs (utilizando o cabelo) se inclui nessa ideia de "Mitologia das Mitologias", como uma pré-concepção da história de Rapunzel? E, no ensejo: que outros exemplos temos, além da Atlântida x Númenor e Túrin x Kulervo?
 
Pena que não vi esse tópico antes.

Um livro que eu cito sempre é "O Mundo de Tolkien", David Day. Por quê? Porque eu o li ANTES de começar a leitura de SdA, de modo que essa "mitologia das mitologias" não me impressionou durante a leitura de SdA, porque isso já vem muito bem explicado no livro do David Day. Mas sim, me impressionei muito ao ler "O Mundo de Tolkien".

Ele explica muito bem as referências de quase todas as histórias e contos de Tolkien e é uma ótima alternativa para quem, como eu, não tem as HoME e não lê em inglês.

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Eriadan disse:
Galera, desculpa ressuscitar o tópico, mas tem a ver: a fuga de Lúthien do cativeiro que o pai lhe impôs (utilizando o cabelo) se inclui nessa ideia de "Mitologia das Mitologias", como uma pré-concepção da história de Rapunzel? E, no ensejo: que outros exemplos temos, além da Atlântida x Númenor e Túrin x Kulervo?

Sobre a história de Lúthien: não achei nenhuma referência ao conto de Rapunzel, mas é bastante óbvio a meu ver, embora deve-se lembrar que Rapunzel era loira. A aparência de Lúthien nos remete a outro conto de fadas, explorado nas citações abaixo.
Porém, Lúthien e Beren traz muito mais referências, além disso. A história deles tem referências a Orfeu na mitologia grega - aliás, Tolkien 'usou' muito da mitologia grega, além da nórdica -, a outros contos de fadas modernos também, e por aí vai.

ERA DAS ESTRELAS I

Terra dos Elfos


Lothlórien - tempo de sonho e desejo

Trecho das págs 58-59:

Muitos dos romances épicos de Tolkien são apresentados como as histórias dos "verdadeiros mitos", que foram reduzidos aos contos de fadas mais básicos e óbvios. Ele também gostava, especialmente, de demonstrar aos seus leitores como os escritores de contos de fadas costumavam entender suas histórias de forma errada. Com o caso da Floresta Dourada de Lothlórien, vemos muitos elementos dos contos de fadas com temas como "Floresta Encantada", "Reino Oculto", "Donzela dos Cabelos Negros" e "Rainha do Espelho Mágico". A Floresta Encantada de Lothlórien contém basicamente todos os elementos da história da Branca de Neve. Mas como sabemos agora, há sempre duas lindas mulheres na Floresta Encantada: a linda princesa de cabelos negros e a rainha malvada com o espelho mágico. Exceto que, como Tolkien sugere, está tudo errado. A Rainha é a guardiã e protetora da Branca de Neve, a Floresta Encantada é um local de refúgio e cura, o Espelho Mágico é um tipo de poço dos desejos e a Feiticeira é a incorporação da boa sorte.

Em O Senhor dos Anéis, a "Branca de Neve" de seu tempo era a elfa Arwen Undómiel, ou "estrela vespertina", que tinha cabelos negros, pele branca como a luz e a voz de um rouxinol. Seu "príncipe" é Aragorn, e esses dois amantes há muito separados têm que superar várias adversidades aparentemente intransponíveis antes de poderem ficar juntos. Entretanto, diferentemente de seus correspondentes nos contos de fadas, eles não recebem garantia de "viverem felizes para sempre". Ao se casar com um mortal, Arwen é afastada de seu povo e deve sacrificar sua imortalidade.

Em O Silmarillion, na Primeira Era, a Dama Branca com cabelos negros e lábios de rubi era a bela e luminosa Lúthien. Onde quer que Lúthien andasse, um rastro de niphredils florescia sob o toque de seus pés. Isso é quase idêntico à lenda galesa do Mabinogion relacionada com Olwyn, de cabelos negros, a mulher mais bela de sua época. Os olhos de Olwyn brilhavam e sua pele era branca como a neve. O nome de Olwyn significa "aquela do toque branco", tão generosa porque "quatro trevos brancos brotavam a cada passo dela no solo da floresta".

Nos trabalhos de Tolkien, a primeira das Damas Brancas a ter cabelos negros é a modelo celestial para a Branca de Neve, Varda, a Rainha das Estrelas. Varda, a Rainha da Noite com cabelos negros, era conhecida por muitos nomes, incluindo "Fanuilos" (a forma em sindarin para "Branca de Neve").

ERA DAS ESTRELAS I

Reino dos Anões


Branca de Neve e o espelho de Galadriel

Trecho das págs 66 e 68:

Além daquilo que já consideramos nas lendas da Branca de Neve e dos elfos, há pouco espaço para dúvida quanto a um tema presente no cerne de O Senhor dos Anéis. A simples descrição das circunstâncias de duas rainhas élficas na Floresta Dourada facilmente reproduz o enredo da Branca de Neve e sugere onde os escritores do conto de fadas erraram. Vamos considerar: uma linda princesa de cabelos negros e pele clara está escondida em uma floresta encantada, protegida contra invasores por poderes mágicos e um exército invisível de arqueiros mortais. Ela é constantemente vigiada por outra feiticeira linda e imortal que lança feitiços poderosos, repele pretendentes e consulta um espelho mágico. Tudo parece muito familiar às variações do conto da Branca de Neve. Especialmente quando trazemos as variações mais recentes d'A Bela Adormecida e os sete pais dos anões.

O Espelho Mágico de Galadriel parece ter um elemento (difícil de identificar a princípio) que coloca o assunto fora de contestação. É algo a ver com a suposta motivação da feiticeira que está constantemente consultando o espelho mágico. Claro que Tolkien sugere que não há rivalidade e que a feiticeira está simplesmente protegendo sua filha adotiva. Entretanto, o conto de fadas estabelece a vaidade da madrasta malvada e sua inveja pela beleza da enteada.

Tolkien faz uma insinuação bastante óbvia sobre essa tradição no conto de fadas, no debate entre Éomer, Rei de Rohan, e Gimli o Anão sobre a beleza relativa de Arwen, Rainha de Gondor, e Galadriel de Lothlórien. Embora as duas rainhas de Tolkien sejam virtuosas demais para tomar parte nessa rivalidade, ela fica estabelecida ali como uma aprovação ao conto de fadas. E é fácil ver como alguns contadores perversos de contos de fadas poderiam ter inventado uma feiticeira malvada que, cheia de ódio pela beleza de Branca de Neve, pergunta ao espelho mágico: "Existe alguém mais bela do que eu?"

ERA DO SOL

Edain - Homens da Primeira Era


Hildórien - despertar dos homens

Trecho da pág 92:

Entretanto, assim como as Eras do Sol foram um sinal para a chegada dos homens, elas serviram também para acompanhar os últimos dias de Sindar, o maior rei elfo da Terra-Média. O rei supremo Thingol e sua rainha, Melian a Maia, tinham uma filha considerada a mais linda dama de todas as raças conhecidas e a mais bela cantora do mundo. Por isso ela foi chamada Lúthien Tinúviel, que significa "a dama do crepúsculo", ao redor da qual rouxinóis se agrupavam. Assim, como mais tarde Arwen, a estrela vespertina em O Senhor dos Anéis, Lúthien é a verdadeira personificação de uma "dama de branco", uma figura comum da lenda celta. Na lenda galesa que narra o cortejo de Olwyn, ela também é considerada a mais bela mulher de sua era. Seus olhos, como os de Lúthien, brilham como a luz, e sua pele também é tão branca quanto a neve. O nome de Olwyn significa "aquela do caminho branco", por causa dos quatro trevos brancos que apareciam na floresta para cada passo que ela dava: Niphredil é uma flor branca em forma de estrela que surgiu pela primeira vez na Terra-Média em comemoração ao nascimento de Lúthien e floresceu eternamente no lugar onde ela foi enterrada. Para ganhar a mão de Olwyn era preciso realizar o feito quase impossível de reunir o 'Tesouro da Bretanha': para receber permissão para se casar com Lúthien, o Silmaril tinha que ser capturado por seu pretendente.

Do ponto de vista de Tolkien "há um rastro de 'sangue' e herança vindo dos elfos, e a arte e a poesia dos homens são muito dependentes desse rastro, ou modificadas por ele". A sabedoria e a história dos elfos imortais são herança da Era Mítica dos homens, uma herança que enobrece o espírito da civilização humana. Um ponto chave para estabelecer essa ligação entre elfos e homens foi o noivado da bela Lúthien como o herói mortal Beren, noivado que os forçou à Demanda pela Silmaril.

ERA DO SOL

Edain - Homens da Primeira Era


O poder do amor - Orfeu e Lúthien

Trecho da pág 94 e 96:

A "Demanda pela Silmaril" e lendas relacionadas a Beren e Lúthien estão entre as primeiras da Terra-Média, que Tolkien começou a escrever pouco antes da Primeira Guerra Mundial. A descida de Beren e Lúthien a Angband é o protótipo do Tempo-Mítico elaborado por Tolkien para o que é, quase literalmente, a mais antiga história do mundo: a corajosa descida ao mundo dos mortos, o poder da música encantadora para libertar um prisioneiro e a descoberta de que a verdadeira eternidade está na pureza e no poder do amor. Essa foi a lenda mais importante para Tolkien pessoalmente, resultado de sua própria separação forçada e da perda de seu verdadeiro amor, Edith Bratt. Nas lápides de Tolkien e Edith lê-se: "John Ronald Ruel Tolkien (1892-1973) Beren" e "Edith Bratt Tolkien (1889-1971) Lúthien".

A versão mais antiga dessa história foi descoberta em uma lenda da Mesopotâmia, de cinco mil anos, em que a deusa Ianna sobreviveu à "descida angustiante ao inferno". É uma lenda recorrente com algumas variações no mito da deusa babilônica Astarte. Astarte é a estrela da manhã e vespertina - o planeta Vênus - que desceu para recuperar seu amado Tammuz. O mito da deusa assíria Ishtar - novamente o planeta Vênus - refere-se a uma terrível provação. Pouco a pouco ela é despida e sua pele é arrancada enquanto ela desce pelos sete portões dos sete muros do inferno- tudo o que sobrou dela foi sangue e ossos. Apesar disso, ela continuou a busca por seu amor, Tammuz o deus de cabelos dourados. Nas lendas egípcias, Ísis, a rainha das deusas, desceu ao Mundo Subterrâneo para recuperar o rei dos deuses, seu marido Osíris. Para os ocidentais o mito grego mais conhecido é o da deusa Deméter, que desceu ao Hades para trazer de volta a deusa da primavera, sua filha Perséfone.

Foi apenas no mito de Orfeu e Eurídice que os temas do poder da música e a descida ao Mundo Subterrâneo passaram a caminhar juntos - como acontece na lenda de Beren e Lúthien. Os papéis masculino e feminino fazem parte da mitologia grega, mas a versão de Orfeu é o inverso de praticamente todas as outras versões. Orfeu tocou sua harpa para fazer Cérbero, o cachorro guardião, adormecer diante dos portões do reino subterrâneo escuro de Hades. Já dentro dos portões, Orfeu cantou lindas canções que o fizeram resgatar a vida de Eurídice que estava em poder de Hades, o senhor do Mundo Subterrâneo.

Como sempre, esquecem do mito grego de Psiquê e Eros

Psiquê também era a mulher mais bela de seu tempo. Todos os dias ela era obrigada a sair na sacada do palácio para ser admirada pelos homens da cidade, bem como estrangeiros que vinham especialmente para vê-la. Mas ninguém ousava desposá-la. Desesperado, seu pai consulta o Oráculo de Delfos. Eros - o Deus do Amor, filho de Afrodite - tinha sido enviado pela mãe para fazê-la se apaixonar pelo mais grotesco monstro existente porque - ora, vejam só - odiava Psiquê por ser considerada pelos mortais mais bela do que ela, sendo o principal motivo de seus templos estarem vazios.

Mas o próprio Eros se apaixona por Psiquê. O Oráculo de Delfos manda que a moça seja deixada a sós em uma alta montanha onde o monstro virá desposá-la. Ela dorme e o Zéfiro a leva até o palácio especialmente preparado por Eros. Ele vem sempre na calada da noite e ela jamais vê seu rosto, mas vive feliz por ter um esposo carinhoso e atencioso.
Por saudade, ela implora ao marido que permita receber a visita de suas irmãs. Eros permite com relutância, mas a avisa para tomar cuidado com elas. Quando as irmãs chegam são tomadas pela inveja pela beleza e riqueza do palácio em que Psique vive e começam a encher-lhe a cabeça de desconfiança contra o marido, de modo que ela acaba acendendo uma vela enquanto ele dorme, afim de verificar se ele é ou não um monstro. Quando ela se arrepende é tarde, pois ele acorda, vai embora disposto a não voltar, magoado pela desconfiança.

Psique vaga o mundo a procura de seu amado, enquanto Afrodite o mantém aprisionado e curando-o da queimadura causada pela vela. Afrodite então decide castigar Psiquê dando-lhe diversas tarefas impossíveis a fim de tirar-lhe a beleza com trabalhos pesados, mas que ela consegue cumprir sempre.
A última tarefa é descer ao Mundo Inferior e pedir à Perséfone um pouco de sua beleza para ajudar Afrodite a recuperar a dela, perdida enquanto ficava à cabeceira do filho, Eros.

Por fim, o destino de Psiquê foi oposto ao de Lúthien -> ela se tornou imortal, uma deusa, para poder desposar oficialmente o deus Eros, ainda contra a vontade de Afrodite, mas com o apoio do resto do Olimpo.


O aprisionamento de Lúthien pelo pai também me lembrou - quando li da primeira vez - a história de Dânae, também do mito grego, a mãe de Perseu:

http://pt.wikipedia.org/wiki/D%C3%A2nae

Desapontado por não ter herdeiros masculinos, Acrísio procura um oráculo, o qual respondeu-lhe que, mesmo se escondesse no fim da Terra, seria morto pelo seu neto, filho de Dânae.
A princesa era ainda virgem e, para que jamais tivesse um filho, o rei aprisionou-a numa torre de bronze (segundo a tradição, poderá tê-la escondido também num quarto subterrâneo, cujas paredes se ergueram em bronze, ou numa caverna), que manteve constantemente vigiada por seus guardas mais valorosos. Pretendia, assim, evitar que ela lhe desse um herdeiro, seu futuro assassino.
Apesar de todos esses cuidados, Zeus, tomado de amores pela jovem e bela princesa, transmuta-se numa chuva de ouro, e penetra no edifício por um orifício no teto deste, caíndo sobre o colo de Dânae, engravidando-a.

Para alguns autores, esta forma alegórica subentende que o deus havia em verdade subornado regiamente aos vigias, a fim de assim entrar no claustro em que sua amada estava presa.​

Foi assim gerado Perseu.


Ver anexo 43545
 
Excelente as comparações no post da Aranel.

E interessantíssima a ideia da Mitologia das mitologias, mas né...

Tem esse link aqui com um e-book, o livro Mito e Realidade, do historiador das religiões, Mircea Eliade, pra quem eu pago um pau. A presença de inúmeras versões nas mitologias de histórias que parecem ser as mesmas é um fato comum na história das religiões e isso atesta a coincidência simbólica entre os povos antigos e primitivos. Assim, por exemplo o dilúvio presente nas várias mitologias (Noé, Zeus, Gilgamesh) não atesta a existência de um mito original que os inspirou nem uma influência de um sobre o outro mas uma correspondência simbólica: o mito fala da regeneração do mundo decaído pela água que representa o caos, o estado primevo das coisas, ao qual tudo tem de retornar para ser purificado.

Assim é que vemos, por exemplo, o papel das 'Árvores da Vida' em diferentes contextos culturais (nórdico, hindu, mesopotâmico, indonésio, hebraico etc). Acho interessante ler esse livro pra saber a opinião de um mestre com Eliade sobre o que é de fato o mito e suas relações com a religião e o mundo real, a representação do real na mente religiosa. Seria um bom ponto de partida pra se compreender o que Tolkien queria dizer.
 
Esse foi um dos melhores posts que eu já li em todo o meu tempo de fórum Valinor.
 

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