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A literatura é uma forma de amor

Melian

Período composto por insubordinação.
Perguntaram ao Buriti por que ele canta. Ele respondeu: “-Coragem minha.” (Guimarães Rosa). Talvez devêssemos perguntar aos autores o porquê de eles escreverem. Mas, o quê importa, no fundo, é que eles escrevam. O escritor torna-se responsável pelos leitores que cativa. Cativar para não morrer. Cativar ao contar histórias. Para Júlia Kristeva, ‘Todo texto é um mosaico de citações’. Citações que podem, muito bem, nos textos literários, serem metáforas para emoções. Nós, seres humanos, tais quais os textos, nos constituímos por meio do contato com outras pessoas, culturas, entre outros. Somos seres de contato.

Somos Dom Quixote, Brás Cubas, Quincas Borba, Frodo, Sam, Gandalf, Hamlet, Lear... Somos Antígona, Capitu, Helena, Retta, Ana Sierguéievna, Madame Bovary, Ofélia, Liz Norton, Diadorim, Catarina, Macabéa e tantas outras. E tantos outros. Somos, sobretudo, os ouvintes das histórias de Sherazade. Narrar para não morrer, o mote de Sherazade. Narrar para não deixar morrer, o mote de muitos escritores. Não deixar morrer as tradições, não deixar morrer a memória coletiva, não deixar morrer o desejo de viver. Narrar para salvar?

A literatura pode desviar do vício, da loucura. Pode estancar a loucura através do sonho. Eu tenho um impulso, que talvez seja um impulso cristão, pelo próximo. Eu tenho vontade de servir o próximo verdadeiramente. E a literatura me proporciona isso. E o que eu faço, acredito, com o máximo de competência que me é possível e com amor, com paixão, acaba chegando, de algum modo, no outro. Nunca vou me esquecer de um jovem que ligou para mim, isso na década de 70, dizendo que estava lendo meus livros e, por causa deles, não queria mais se matar. Eu comecei a chorar no telefone, perguntei o que ele tinha lido para pensar assim, em que texto ele sentiu que não queria mais morrer, e tal, eu estava muito nervosa, e o rapaz, muito emocionado também, respondeu que não sabia, só sabia que não queria mais se matar. Eu perguntei “o que é que eu posso fazer por você?” Ele respondeu: “A senhora já fez”. E desligou o telefone. Nunca mais ligou, mas eu tenho certeza que ele está por aí, em algum lugar. Esse episódio me comove até hoje. Eu fico relendo às vezes meus textos, procurando, procurando, qual a palavra, meu Deus, qual a palavra que foi capaz daquilo? Nunca vou saber. Mas essa certeza de que posso servir ao próximo, essa esperança, não vai desaparecer enquanto eu for viva. É uma forma de amor. Acho que é isso. No fundo, a literatura é uma forma de amor. (Lygia Fagundes Telles)

Narrar para compreender. Talvez esse seja um dos maiores anseios da literatura: compreender. E nisso, ela parece assumir um papel de mãe, e, portanto, acolhe tanto as histórias de amor, as bem sucedidas, quanto as de ódio, as de morte, as de dor. Como postula Todorov, no seu “A literatura em perigo”, a realidade que a literatura aspira compreender é, simplesmente (mas, ao mesmo tempo, nada é assim tão complexo), a experiência humana. Nessa tarefa, a literatura sabe que o ser humano é a sua maior vereda.
 
Última edição por um moderador:
Literatura é sentimento. É a expressão em palavras do ser humano e sua imaginação, carregada de significados pessoais e sociais, e é por isso que ela conversa com nossa alma. Escrever é compartilhar experiências e quimeras, delírios e visões. É conhecer a si mesmo, e reconhecer a humanidade nos outros.
 
Maravilhoso isso. E é verdadeiro no mais alto grau, todos nós nos deixamos tocar pela leitura de textos, pelo seu conteúdo, nós vivenciamos essas emoções, sentimentos, acontecimentos, ideias e não o fazemos apenas por ler, como se o texto se impusesse sobre nós. Não! O texto fala conosco, é um diálogo, porque ele só nos revela algo em função de nossa própria cultura, mentalidade e personalidade. E como isso muda com o tempo! Como aqueles mesmos textos do Mark Twain, as aventuras do pequeno Tom Sawyer, por exemplo, me pareciam pueris, até incompreensíveis quando as li pela primeira vez aos meus 12 anos e hoje parecem tão distantes e ao mesmo tempo me revelam tanto sobre o meu eu passado, sobre meu eu criança hoje. Isso sem falar nos ataques psicológicos angustiantes de Dostoievski, o sofrimento que Machado me faz passar, a dor e a paixão que Goethe instila na minha alma, todo esse universo, esses universos falam comigo mas o fazem na medida em que eu entendo sua linguagem com a minha própria linguagem de vida e cada ínfimo detalhe dessas obras fala de forma diferente e única em determinada época da minha vida e como isso varia de pessoa pra pessoa.

Creio que literatura é amor sim, porque amor, antes de tudo, é comunhão e comunhão é o estágio mais avançado de comunicação. Nós podemos compartilhar fatos e experiências, até sentimentos, com os outros, isso é se comunicar. Agora compartilhar os sentidos mais elevados, se identificar com o outro, ser um com ele, dividir o amor, o desejo de proteger e de amar, mergulhar dessa forma no outro, frequentemente no outro, ahhh, isso é paixão, é êxtase, é comunhão da mais profunda. É como a literatura, passar da mera troca de conceitos e histórias para uma compenetração mútua, isso é amor, não tenho dúvida, o diálogo mais sublime que existe.

Excelente tópico, Melian!
 
Tem um livro do Jorge amado sobre formas de amar que é "O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá". Nesse livro nós lemos que as vezes a poesia está nos versos e as vezes a poesia está no coração.

Imagino que assim seja na literatura, o amor que se manifesta pode escolher adquirir forma em um texto ou um verso que são o veículo da poesia.
 
Muito bem colocado.

Me identifiquei muito com a parte "...Narrar para não morrer, o mote de Sherazade. Narrar para não deixar morrer, o mote de muitos escritores...";

Narrar para não morrer; Para não perder dentro de si a vontade de ver o nascer e o por do sol, pra retomar a vida;

Foi assim que eu me vi escrevendo, nos ultimos três anos. Narrando pra compreender eu mesmo, sem sucesso total, mas a parcialidade dá sabor a inspiração.

Julgo assim: A Literatura é redenção.
Salvação dos medos, libertação dos erros, glorificação do futuro, que se deus quiser, há de vir melhor!
 
Não falo apenas como um admirador, mas como um alguém que escreve nas horas livres.

Literatura é terapia! Se há sofrimento, maus bocados, mazelas, dores... não há nada melhor para se colocar em ordem a mente do que passar ao papel tudo o que me aflige. O próprio ato de organizar o texto já me faz relaxar e pensar em algo diferente que dispensa a angústia. E depois, buscar metáforas, comparações, narrar os fatos e organizar as idéias através da letras, tudo isso nos faz pensar e repensar... e muitas vezes, na maioria, encontrar a solução, talvez através de um personagem que reflete meus próprios anseios, talvez através de um verso do meu auter ego.

Escrever é uma cura para alma!

Além do mais é uma forma de entrar para a história. Mesmo que nada nunca seja publicado, sempre existe a memória da família, os textos que passam de geração em geração, os netos que conheceram o modo de pensar do avô através dos textos que ele deixou. E depois deles os bisnetos e trisnetos. "É a arte que fica", como disse Machado.
 
Acho que mais do que "a arte que fica", a Literatura é a arte que nos faz ficar, que nos faz permanecer, que nos humaniza e desumaniza. Se é arte, transforma, de alguma maneira, transforma. E aí entra outra questão: ela também transforma a quem, por meio dela, visa à transformação alheia.

Segue um trecho de um textinho que escrevi, há algum tempo, por ele ilustrar um pouco do que eu acredito que seja a minha relação com as palavras:

[...]
E escrever loucamente, como se as palavras fossem o farelo de biscoito que ficou dentro do pote. Porque é ele o mais esperado. Você come todo o biscoito, mas, na realidade, está esperando pelo pó. Esperando para deixar suas mãos sentirem o pó, acariciá-lo, deixando-o escorrer entre seus dedos. E depois, depois, com a mesma intensidade com que uma criança rasga o papel que está embrulhando o seu tão esperado presente de aniversário, levar o pó até a boca. E senti-lo escorrer pelo seu queixo, não o pó, mas o prazer, o prazer sentido quando os olhos vêem o presente.

Escrever loucamente, como se as palavras fossem minha última gota de sanidade. E me perder na sanidade. E me achar na insanidade que se instaura no ato da procura das palavras, coisas, pessoas, do intangível.

[...]
Hoje, eu preciso sentir as palavras entrando em meus ouvidos. Saltando em frente aos meus olhos, penetrando por minhas narinas, tocando minhas mãos, e passeando entre a ponta dos meus dedos e os fazendo balançar como ondas e, através deles, chegarem... ficarem... partirem... e saltarem para minha boca. E serem sugadas pela minha língua, e descerem pela minha garganta. E serem vítimas de refluxo. Vomitadas. E gritadas.

Preciso vê-las voltando para meus ouvidos. Preciso senti-las sussurrando em minhas narinas, preciso sentir seus odores através do meu paladar, preciso tocá-las com meus ouvidos, preciso enxergá-las roçando o céu da minha boca. Preciso vê-las com os meus dedos. Preciso respirá-las enquanto formam imagens. Preciso sentir o cheiro delas preenchendo a folha em branco com as mais diversas cores, sensações...
 

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