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A Leste do Éden (John Steinbeck)

Anica

Usuário
Enquanto eu lia A Leste do Éden, de John Steinbeck, várias pessoas me perguntaram do que se tratava o livro. Eu não sabia o que responder. Isso porque é uma obra cheia de personagens, com muitas histórias que se cruzam. Eu não conseguia, na primeira parte do livro, descobrir qual era o enredo dele. Mas o adorava mesmo assim.

Adam Trask era um bom homem. Quando adolescente foi enviado ao exército pelo seu pai, contra a sua vontade. Depois de sair do quartel e ficar anos perambulando por aí, ele decide voltar para a casa do pai e morar junto com seu meio-irmão, Charlie. A personalidade dos dois era totalmente diferente. Enquanto Adam era meigo e bondoso, Charlie era, em alguns momentos, totalmente o contrário. Um dia surge na porta da casa dos dois uma moça desconhecida, toda machucada, pela qual Adam se apaixona. O nome dela era Cathy, uma mulher com uma mente, no mínimo, diabólica. Não gostava de ninguém, só via o lado ruim das pessoas e usava esse lado para o seu benefício. Aos olhos de Adam, ela era um anjo, mas seu irmão via que ela não prestava.

LEIA A CONTINUAÇÃO DO ARTIGO NO BLOG MEIA PALAVRA
 
[align=justify]Acabei de ler a obra hoje e posso dizer que, em minha opinião, ela conseguiu me cativar mais que As Vinhas da Ira, considerado por muitos a obra prima de Steinbeck. OK, a abordagem é outra, cada produção literária é sui generis, não vamos comparar coisas distintas, pois os parâmetros são também diferentes. Mas digo que sou muito mais A Leste do Éden do que sou As Vinhas da Ira.
Nesse livro se percebe uma abordagem mais madura, de temas mais complexos, mais transcedentais, filosóficos, que somente a vida, a experiência e o amadurecimento do ofício literário poderiam trazer. A percepção social imediata e concreta, pautada mais no solo da realidade do que no campo da filosofia alça vôos mais altos, versando mais sobre a própria condição humana, da consciência da humanidade, tendo como referencial muito presente a Bíblia através de inesgotáveis metáforas. Experiência muito boa partilhar das idas e vindas da família Trask.[/align]
 
[align=justify]Mais ninguém leu esse livro? A sucessão das gerações me lembrou bastante O Tempo e o Vento, em escala minimizada. É legal como a obra mostra como as mudanças estavam acontecendo nas entrelinhas, pois, por poucas vezes Steinbeck coloca na boca de seus personagens as transformações que estavam ocorrendo, mas trens, fábricas, cidades aparecem, o próprio modo de vida, mais institucionalizado, em oposição ao clima western anterior, é muito legal mesmo.[/align]
 
As mudanças não são assim tão radicais. O divisor de águas no livro é o capítulo 12 que comenta a virada do século. Mas podemos listar algumas mudanças cruciais.

Um dos pontos é o modo de se fazer guerra. A Primeira Guerra Mundial foi mesmo um divisor de águas. A primeira guerra relatada no livro foi a guerra de expansão dos EUA sobre as nações indígenas. E essa foi uma parte muito rápida da narrativa. Os anos de guerra de Adam Trask passaram em poucos parágrafos. A outra guerra citada foi a Guerra do México, mas foi apenas citada. Mas a Primeira Guerra Mundial teve destaque crucial no livro por dar uma nova versão de assassinato para a velha história de Caim e Abel. Como no livro mesmo fala, o comportamento dos americanos quanto à Guerra do México e a Primeira Guerra foi o mesmo: cheios de mitos e nacionalismos, a sensação dos americanos de serem invencíveis contra inimigos idiotas.

Sam Hamilton era um inventor. E suas invenções e suas patentes não ficaram tão claros durante a narrativa. A única patente discutida a sério foi a da nova forma de moinho e a maldição de não ter água na própria propriedade. Adam Trask teve a sacada do transporte refrigerado. Outras inovações tecnológicas discutidas no livro foram o avião e o carro, e em menor destaque, o fogão a gás e a eletricidade.

Outras mudanças foram sociais, como a fabricação manual de roupas e a seguinte mecanização e produção em massa, para a decadência de Dessie. No final, por causa da guerra, foi discutido o aumento de preços de alimentos não perecíveis como grãos para serem vendidos para os ingleses, além de outros artigos que tiveram prioridade de venda para o exterior, como o couro para o uniforme dos soldados. Ainda assim, as mudanças sociais não foram tão discutidas quanto em outra obra do Steinbeck, Vinhas da Ira.

Mais importante, pelo menos para mim, foram a mudança de caráter das personagens. Charles passou do jovem destemido para um homem solitário com forte afeição ao resto de família. Adam, de menino fraco para militar pacifista e depois vagabundo espartano, então para homem cego pela paixão, depois desilusão, depois sonhador e lá vai. Sam Hamilton, de homem forte e empreendedor para um homem decadente e velho, mesmo tentasse ser bom humorado. Lee, de simples servo para um velho acadêmico, homem sábio e "dono de casa". Catherine para Caty para Kate. Aron, de menino da roça para candidato a pastor. Caleb. Cal... protetor do irmão.
 
Eu to com esse livro na minha mão nesse instante! Vou começar a lê-lo daqui a pouco, por isso nem li o que vcs disseram pra não me sugestionar. Quando tiver algo interessante a dizer, venho aqui e falo com vcs. =)
 
Eu também gostei mais de A leste do Éden do que As vinhas da ira. Já o li duas vezes e estou pensando em lê-lo novamente este ano. Você vai gostar Manu. Concordo com tudo que você comentou Lucas. Tchau gente e boas leituras!
 
Ah, putz grila. Eu nunca deveria ter começado a ler esse livro semana passada (é, nunca acreditem quando eu disser: "vou ler hoje, comento amanhã", é a auto-enganação mais ordinária e descarada da minha vida). Ele é muito grande, meu tempo para leitura é escasso e tem que ser divido em três partes desiguais e não consigo mais parar de pensar nele!

Estou agora, ainda, na página 90 e tal, e já tenho uma sensação absurda de que preciso reler o livro. Alguém quer comentar os diálogos/interações entre Adam e o irmão até essa altura do campeonato? Se quiserem falar de estrutura narrativa também, por favor, comecem, comecem...
 
[align=justify]Poxa, minhas memórias sobre o livro não estão ajudando, mas vamos discutir sim Manu. Aliás, esse é um livro que certamente rende boas discussões.

Preciso relembrar os personagens para poder falar com mais segurança. Vamos lá, com a ajuda da Wikipedia e de quem leu dá para fazer um rol dos personagens da história para podermos ir adiante:

Família Trask

Cyrus Trask (pai de Adam e Charles) - Mrs. Trask (mãe de Adam, comete suicídio)
Cyrus Trask (pai de Adam e Charles) - Alice Trask (mãe de Charles, madastra de Adam)

Adam Trask - Cathy (Kate) Ames -> união da qual nascem Caleb e Aron Trask
Antes de se mudar para a Califórnia Kate fica grávida de Cahrles e não de Adam, certo? Isso que não consigo me lembrar.

E tem o Lee, o empregado chinês dos Trask.

Família Hamilton

Samuel Hamilton - Liza Hamilton -> dessa união nascem Dessie Hamilton, Olive Hamilton, Tom Hamilton, Una Hamilton e Will Hamilton.

Acho que é isso, né? Pelo menos os principais.[/align]
 
Eu tenho a versão em inglês, então não sei exatamente onde você está em sua leitura, Manu, mas lá pela página 90 começa a parte da Catty, que discutiremos depois.

Primeiro, não se preocupe com a família Hamilton por agora. Só servirá pra te confundir, porque são muitos Hamiltons, e tudo é descrito como memória, não como se eles fossem personagens. A primeira parte foca muito em Samuel Hamilton, mas na descrição de pequenos detalhes, a instalação da família Hamilton em Salinas, e todos os filhos ainda são jovens. Mais para o final da primeira parte, quando Samuel encontra com Adam Trask, Samuel começa a ter um papel relevante na narrativa. Um herói, um homem da terra que nem por isso deixa de ser erudito. E mais que um mero acadêmico, Samuel é sábio e prático, cheio de iniciativa. Discutiremos isso mais tarde. Quanto aos filhos de Samuel, especialmente na segunda parte, todos eles terão sua parte e participarão ativamente, e suas personalidades ficarão bem distintas.

Ok, vamos para a incrível história de Adam e Charles. Quando fui ler A leste do Eden, já sabia que havia uma referência à Caim e Abel. Charles tem até mesmo a marca na testa. Mas não são eles o Caim e Abel da história. Interessante foi o drama familiar. Adam, filho da suicida, e adorado pelo pai. E Adam tinha um amor platônico pela madrasta, Alice. Ele deixava os presente pra ela, tentando conquistá-la, mas nunca foi correspondido. E o pior de tudo, Alice achava que quem deixava os presentes era Charles. E pra completar o drama, Cyrus preferia Adam a Charles, o que deixava Charles invejoso. Afinal, Adam não estava nem aí para o pai. Charles sim.

O que me surpreendeu muito foi Charles. Pela juventude de Charles, pensei que ele seria um tipo de psicopata, ou no mínimo o irmão charmoso, aquele que ganha tudo só por aparentar ser um vencedor, o forte, o invencível. Tudo era fácil para Charles, e ele me aparentava super egoísta, até desumano. Um sociopata. Adam seria o irmão frágil. Ele que apanhava, ele que se deixava vencer, temendo ser punido por vencer. Temia a força do irmão. Então chegou Cyrus e sua palavra final.

Cyrus obrigou Adam a ir para o exército, para realizar o sonho que tinha pra si mesmo. Adam receberia o legado, ele que seria o Cyrus Filho. E Charles ficaria para trás, cuidando da fazenda. Então acontece a reviravolta emocional.

Charles quase matou Adam. Adam descobriu ser forte, depois que viu que toda força de Charles não seria capaz de vencê-lo, porque apesar dele ser fraco, ele era resistente. Adam foi para o exército foi. Rápido. Muito rápido. Steinbeck não escreveu quase nada sobre a estadia no exército. Quase em branco. Mas quanto a fase vadia e sem rumo de Adam, essa foi bem feita, com o ápice na fuga de Adam da Chain Gang. E Charles. Charles ficou na fazenda, e ao invés de se tornar um Dom Juan, ou a grande jóia da cidade, ele se tornou um esquecido, lobo solitário recluso em sua fazenda. E mandava cartas. Amor fraterno ao extremo, porque ele viu que Adam era tudo que ele tinha de humano. E ele quase matou Adam! Fiquei sempre na expectativa que a qualquer momento Charles assassinaria Adam. Mas Charles, ao invés de ser o irmão cínico, ele se tornou o irmão emotivo. Tudo o que ele queria era ser amado. Enquanto Adam, Adam era amado e não ligava a mínima. Sua estadia no exército lhe deu aversão à guerra, e a paixão pela destruição. A vida como vagabundo sem rumo, lhe deu aversão ao dinheiro. E a escravidão com a Chain Gang lhe deu uma indiferença à dignidade. Ele ficou zen.

Aí Cyrus morre. Os irmãos se reúnem. Eles têm a tão esperada hora do reencontro, e da verdade. E dizem a verdade, sobre o amor disputado do pai. E é claro, discutem a honra do pai, depois de receberem a fortuna como herança e descobrirem que o pai não era um herói de guerra e sim uma farsa. E então chega a 90 página, e a história de Cathy.
 
Luís Henrique Rodovalho disse:
Eu tenho a versão em inglês, então não sei exatamente onde você está em sua leitura, Manu, mas lá pela página 90 começa a parte da Catty, que discutiremos depois.

Hj à tarde cheguei na Catty. Ele me arrepiou os ossos oO. Mas não comenta nada ainda, é possível q amanhã eu tenha terminado a primeira parte toda
intuitivamente sei que ela vai casar com Adam, mas o Steinbeck ainda não me disse isso porque parei na parte da proposta, rs.

Luís Henrique Rodovalho disse:
Ok, vamos para a incrível história de Adam e Charles. Quando fui ler A leste do Eden, já sabia que havia uma referência à Caim e Abel. Charles tem até mesmo a marca na testa. Mas não são eles o Caim e Abel da história. Interessante foi o drama familiar. Adam, filho da suicida, e adorado pelo pai. E Adam tinha um amor platônico pela madrasta, Alice. Ele deixava os presente pra ela, tentando conquistá-la, mas nunca foi correspondido. E o pior de tudo, Alice achava que quem deixava os presentes era Charles. E pra completar o drama, Cyrus preferia Adam a Charles, o que deixava Charles invejoso. Afinal, Adam não estava nem aí para o pai. Charles sim.

Eu esperava que eles fossem o Caim e Abel mesmo, rs, mas a história deles é Esaú e Jacó. Engraçado, durante a leitura não senti que Adam amava a madrasta platonicamente, não. Não sei se é falta de malícia minha, mas eu pensei que ele apenas queria que ela ocupasse o lugar vacante de mãe. Vamos ver se más adelante algo confirma um dos dois pontos de vista.

Luís Henrique Rodovalho disse:
Cyrus obrigou Adam a ir para o exército, para realizar o sonho que tinha pra si mesmo. Adam receberia o legado, ele que seria o Cyrus Filho. E Charles ficaria para trás, cuidando da fazenda. Então acontece a reviravolta emocional.
Eu queria fazer uns paralelos Adam/Charles x Esaú/Jacó, mas não sei se vcs acham interessante.

Luís Henrique Rodovalho disse:
Amor fraterno ao extremo, porque ele viu que Adam era tudo que ele tinha de humano. E ele quase matou Adam! Fiquei sempre na expectativa que a qualquer momento Charles assassinaria Adam. Mas Charles, ao invés de ser o irmão cínico, ele se tornou o irmão emotivo. Tudo o que ele queria era ser amado. Enquanto Adam, Adam era amado e não ligava a mínima. Sua estadia no exército lhe deu aversão à guerra, e a paixão pela destruição. A vida como vagabundo sem rumo, lhe deu aversão ao dinheiro. E a escravidão com a Chain Gang lhe deu uma indiferença à dignidade. Ele ficou zen.

Adorei essa frase sua, Rodovalho, q pus sublinhada. Eu também fiquei muito tensa com eles, esperando outra tentativa de homicídio a qualquer instante. Mas, acho que o que aconteceu com Adam foi um pouco mais do q "ficar zen", ele ficou destemido (o oposto do que aconteceu com Cathy, mas não toquemos nela ainda, rs). Acho que finalmente ele virou homem, tal como o pai queria. Me lembrou um pouquinho Big Fish, de como o destemor (da morte, ou do que seja - e isso o pai falou na conversa pré-sova fraterna de Adam) reconfigura totalmente a vida da pessoa. [size=xx-small]Aliás, já ouviram a música "Medo", que o Lenine canta com a Julieta Venegas? Não canso dela [/size] Acho legal que Adam não perdeu seu lado humano e honesto apesar de tudo
se bem que ele, tadinho, deve se estrumbicar lindamente com a Cathy, né?
. Rolei de rir com o fato dele ter mandado ca$h (com juro!) pra loja onde ele roubou roupas... hehehe

Eu to gostando demais do livro. Ainda não consegui identificar qual é o quê dele (em Vinhas e Deus Desconhecido esse quê apareceu bem mais rápido). Não tem tanto engajamento (até agora, pelo menos) como Vinhas nem foco como D. Desconhecido - se bem que as reflexões que ele faz sobre o exército são bacaníssimas, como aquela "nunca entendi porque cabe a pessoas como Adam a obrigação de fazer a guerra", ou algo do tipo. Também estou achando interessante a profundidade dos personagens (já vi que tenho que me preparar porque vai ter mais gnt aqui do que na infinita Buendía, hehe) e a forma com que ele vai entrando neles sem nos enfastiar. É uma escrita encorpada, gosto disso =)

Droga, vou ter que pôr aviso de spoiler o tempo todo?
Aliás, estou me carcomendo toda por dentro pra ver como será o iminente duelo Charles x Cathy, com certeza vai rolar, tem que rolar, rs. E quanto mais a guerra fria entre eles durar, mais eu vou me consumir de ansiedade, hehe

Esse post tá meio esquizofrênico, é que ainda to no calor da leitura, desculpem, rs.
 
[align=justify]O quê desse livro, usando os termos que tu usou Manu, vai somente se delinear completamente no final do livro, embora ele venha se insinuando ao longo da obra.

Hoje olho e vejo que não partilho mais da visão que tinha de A Leste do Éden em relação a As Vinhas da Ira. Acho o segundo melhor que o primeiro, embora ambos sejam o supra-sumo da obra do Steinbeck, junto com Ratos e Homens e O Inverno de Nossa Desesperança.

A oposição de Charles e Adam é interessante mesmo, e concordo com vocês dois sobre esperar aquele enfrentamento (não necessariamente homicídio no meu caso) entre os irmãos, tantas questões em aberto, tantas diferenças, tantos pontos de conflito, era óbvio que alguma hora aquilo tudo ia estourar. Só não consegui ver o sentido mais amplo dessa história de irmãos, ela é só uma história ou tem algum sentido simbólico mais amplo, ainda mais não sendo a metáfora de Caim e Abel.

Como a Manu ainda não leu a obra toda, vou ir devagar, mas quando ela acabar vou expôr minhas teorias de Lost sobre a obra, hehe. É difícil falar sobre a obra assim em pedacinhos, eu pelo menos não consigo muito bem não, por isso acho que nunca consegui me adaptar muito bem aos clubes de leitura.

Rodovalho, sou obrigado a insistir nessa sucessão de tempo que se opera sutilmente no background. A sucessão de gerações dá essa idéia de movimento, e a evolução dos usos e costumes dos personagens que vão se alternando no protagonismo vão dando essa idéia de processo contínuo (que é meio óbvia mas que se tornou quase palpável para mim) em que o ambiente e os usos urbanos vão se intensificando e aquela lógica mais "western" de hombridade medida na raça e na bala vai dando lugar a modos mais institucionalizados, mais balizados por autoridades e modos "civilizados" (na acepção tradicional e estreita do termo).

Da geração do Adam e do Charles se operaram diversas mudanças, perceptíveis pelos elementos que tu apontaste, mas no próprio caráter dos personagens, que, embora possa parecer meio civilizatório-entusiástico, mostra que houveram transformações sim, as quais Steinbeck procurou transmutar para sua obra. Afinal naquela altura de sua vida, ele já estava "em outra", as preocupações que marcaram sua obra na década de 30 já haviam mudado, ele estava mais voltado para vôos filosóficos, abstratos, que tangenciavam mais a natureza humana do que sua experiência material e societária. Vou esperar a Manu avançar na leitura para poder explorar mais a fundo essa questão. [/align]
 
A história de Adam e Charles tem umas pontas soltas. Nesse caso é a honestidade de Cyrus. Afinal, Cyrus roubou ou não? Quando Adam confrontou Charles, não foi só o medo do irmão que se foi, mas a imagem imponente do pai. Quando somos crianças, nossos pais são seres acima de nós, nossos ídolos. Não é a toa que muitos filhos tendem a tentar repetir os feitos dos pais, seguindo a mesma profissão. Quando Charles se depara com a possibilidade da má conduta do pai, seu castelo de cartas cai e ele perde todos os sonhos.

Logo na primeira parte já há algo sobre a crítica social. Primeiro aquela terra na região de Salinas foi desbravada pelos espanhóis. Pouco a pouco, as terras foram transferidas para os americanos. Então vieram os outros colonos, nesse caso a família Hamilton, da Irlanda. Apesar de todo seu trabalho, ele nunca conseguiu prosperar, nunca conseguiu comprar boa terra, e se matava de trabalhar na roça e com seus serviços de ferreiro. Ok, nada tão intenso como Vinhas da Ira.

Não se dá para ver as mudanças na sociedade pela história dos filhos dos Hamilton na primeira parte. É tudo muito vago. Talvez o fato de Olive ser a professorinha da família e ser o melhor partido da região. E o episódio do sofá. Aquilo sim não é nada urbano. Na família Trask, por ter a história mais bem detalhada nessa altura da história. há um pouco mais de mudanças. Um dos detalhes é a mudança que acontece no meio militar. Era a época da cavalaria. Ser da cavalaria equivaleria a ser um médico nos dias de hoje. Era a carreira de status. Mas já se via que a expansão americana pelas terras das nações indígenas e o México já estava parando. O contraste chega ao máximo com a chegada da Primeira Guerra Mundial. Outro ponto que vai sugerir a mudança deve ser a religiosidade. Liza Hamilton era super religiosa, e a mãe de Adam, de religiosidade fatalista. Nenhum dos filhos delas foram tão religiosos. É claro, nem chegamos nas discussões religiosas-filosóficas de Hamilton-Lee-Adam, mas religiosidade extrema era mais comum naquela época. Eu mesmo achei os bordéis bem western, só não vi um pistoleiro que fosse na história toda. Nem cowboys. Nem minas de ouro.

Um tópico que não foi mencionado foi a escravidão. Nenhum personagem ex-escravo. Talvez, a única personagem negra relevante foi a cafetina, mais adiante. Seria a escravidão pouco relevante em Salinas?

E Cathy-Kate. Putz!
 
Uma crítica que achei interessante também foi uma reflexão sobre a educação naquela época. Os camponeses desejavam que seus filhos tivessem educação, mas apenas saber contar, operações matemáticas básicas, ler e escrever. Também religião. Só. Mais do que isso fazia com que os jovens desejassem se mudar para a cidade.

Steinbeck fez uma reflexão interessante sobre memória. Muitas vezes somos levados a acreditar que tudo que é bom dura pouco, passa rápido, e o que é ruim e monótono passa devagar. Mas quando se tenta lembrar dos tempos monótonos, a lembrança passa muito rápido, como se os tempos tivessem voado. Acho que essa reflexão está numa dos diálogos entre Adam e Charles, quando se perguntam pelo passado.
 
Ui, que eu queria que a vida fosse mais comprida!

Acabei de ler o primero tomo do Leste. Ow, que fantástico!!
Acho que já consegui identificar o quê do livro. Realmente, é algo bem mais amplo que os outros livros que eu já li dele.
Estou achando bem bacana a forma com que ele vai engatilhando os personagens, tramando ao redor de cada um. A profundidade deles continua me seduzindo, até os secundários tem um certo tipo de riqueza que os torna importantes. E o chines? :amor: A Cathy, putz, acho que é a melhor vilã que já li até agora. Estou ansiosa por tudo o que ainda há de acontecer no próximo livro, que só em setembro poderei ler =/

Teve um trecho que eu achei fenomenal, em que ele fala (droga, to sem o livro) da importância da individualidade, e que seria sempre contra qualquer sistema ou religião que anulasse a individualidade, porque ela é o terreno onde nascem todas as ideias e tal. Achei interessante porque ele consegue transcorrer sobre isso sem cair na egolatria, de um jeito humanista e fazendo dessa a base pro desenvolvimento coletivo. Muito bacana mesmo. (Acho que o contexto político ajudava nesse ponto, né? rs)

Lucas_Deschain disse:
Hoje olho e vejo que não partilho mais da visão que tinha de A Leste do Éden em relação a As Vinhas da Ira. Acho o segundo melhor que o primeiro, embora ambos sejam o supra-sumo da obra do Steinbeck, junto com Ratos e Homens e O Inverno de Nossa Desesperança.
Ixi, comparar Vinhas e Leste ficou complicado. É que, realmente, são linhas diferentes, apesar de manterem o "espírito". Acho que Leste é mais instigante; reflexivo... acho que os dois são igualmente. No Vinhas, sente-se melhor o protagonismo de certos personagens, no Leste a trama é mais complexa e tudo é meio co-dependente, e isso me agradou mais.

Lucas_Deschain disse:
Vou esperar a Manu avançar na leitura para poder explorar mais a fundo essa questão. [/align]
Lucas, já dá pra aprofundar mais um bocadinho ou ainda não?

Rodovalho, interessante vc citar essa ausência da escravatura, mas ainda não tenho nada a acrescentar nesse ponto.
 
Li este livro há bastante tempo, sem dúvida foi um dos melhores que já li, um belíssimo exemplo de quando o autor "diz muito mais do que quer dizer", porque Steinbeck não joga uma palavra fora. O desenhos dos personagens é intenso e mesmo quando são muito maus como a Cathy, são muito reais. A forma como ele transpõe os mitos bíblicos para discutir a questão do mal no ser humano é fantástica... Obra de gênio, recomendo. :clap:
 
Manu M. disse:
Teve um trecho que eu achei fenomenal, em que ele fala (droga, to sem o livro) da importância da individualidade, e que seria sempre contra qualquer sistema ou religião que anulasse a individualidade, porque ela é o terreno onde nascem todas as ideias e tal. Achei interessante porque ele consegue transcorrer sobre isso sem cair na egolatria, de um jeito humanista e fazendo dessa a base pro desenvolvimento coletivo. Muito bacana mesmo. (Acho que o contexto político ajudava nesse ponto, né? rs)

(...)

Lucas_Deschain disse:
Hoje olho e vejo que não partilho mais da visão que tinha de A Leste do Éden em relação a As Vinhas da Ira. Acho o segundo melhor que o primeiro, embora ambos sejam o supra-sumo da obra do Steinbeck, junto com Ratos e Homens e O Inverno de Nossa Desesperança.
Ixi, comparar Vinhas e Leste ficou complicado. É que, realmente, são linhas diferentes, apesar de manterem o "espírito". Acho que Leste é mais instigante; reflexivo... acho que os dois são igualmente. No Vinhas, sente-se melhor o protagonismo de certos personagens, no Leste a trama é mais complexa e tudo é meio co-dependente, e isso me agradou mais.

Esse trecho fenomenal é sobre timshel, não? Eu achei o trecho final do primeiro tomo super-ultra-mega foda. Cathy é uma personagem-mãe totalmente incomum. Uma sociopata que vê aquele feto no ventre como um acidente de persurso. Correção: fetos. Qual a solução? Óbvio: aborto. Mas não deu não. Apareceu uma autoridade com poderes de intimidação que até uma Cathy prefere uma gestação de nove meses. Plano B: fácil! Só pegar aquele revolverzinho de brinquedo e atirar no grudento. E quem se surpreende com a Cathy nesse primeiro tomo, rá, é porque ainda não leu o segundo.

Ok, voltando ao trecho fundamental. O bom e velho Samuel Hamilton, o do-gooder da história fica indignado com os moleques sem nomes de batismo. Adam Trask fica pior que um pai bêbado. Pior que isso, é um pai bêbado que nem bate nas crianças. E o Lee, ainda era só um serviçal fiel. Mais pra frente ele vira
um sábio chinês e fiel dona-de-casa da família Trask
. Então eles resolvem discutir o tal do timshel. Uma discussão que só termina com o livro, depois que as novas personagens gêmeas (quase) vivem Caim e Abel.

E é por isso que gosto de Steinbeck, o que ele tem mais de Samuel do que Liza Hamilton. Não fica restrito à Bíblia Sagrada. Na verdade, A Leste do Eden pra mim, um ateu, é como O Evangelho Segundo Cristo deve parecer para um cristão: uma reflexão profunda e construtiva sobre um ponto de vista que não é minha opção. Por isso, concordo com o pagão Lee no final do livro:
não importa acreditar na Bíblia ou em outro livro sagrado. Todos esses livros contém uma sabedoria milenar que no mínimo merece ser revisada e considerada com muito respeito, sem preconceito e arrogância
 
Putz, tinha me esquecido dessa discussão, vou ler os posts de vocês e tentar dar uma refrescada na memória aqui para dar pitaco.
 
Uma carta de Steinbeck para um amigo íntimo, após terminar a escrita de A Leste do Éden:

New York
1952

Dear Pat:

I have decided for this, my book, East of Eden, to write dedication, prologue, argument, apology, epilogue and perhaps epitaph all in one.

The dedication is to you with all the admiration and affection that have been distilled from our singularly blessed association of many years. This book is inscribed to you because you have been part of its birth and growth.

As you know, a prologue is written last but placed first to explain the book's shortcomings and to ask the reader to be kind. But a prologue is also a note of farewell from the writer to his book. For years the writer and his book have been together—friends or bitter enemies but very close as only love and fighting can accomplish.

Then suddenly the book is done. It is a kind of death. This is the requiem.

Miguel Cervantes invented the modem novel and with his Don Quixote set a mark high and bright. In his prologue, he said best what writers feel—the gladness and the terror.

"Idling reader," Cervantes wrote, "you may believe me when I tell you that I should have liked this book, which is the child of my brain, to be the fairest, the sprightliest and the cleverest that could be imagined, but I have not been able to contravene the law of nature which would have it that like begets like—"

And so it is with me, Pat. Although some times I have felt that I held fire in my hands and spread a page with shining—I have never lost the weight of clumsiness, of ignorance, of aching inability.

A book is like a man—clever and dull, brave and cowardly, beautiful and ugly. For every flowering thought there will be a page like a wet and mangy mongrel, and for every looping flight a tap on the wing and a reminder that wax cannot hold the feathers firm too near the sun.

Well—then the book is done. It has no virtue any more. The writer wants to cry out—"Bring it back! Let me rewrite it or better—Let me burn it. Don't let it out in the unfriendly cold in that condition."

As you know better than most, Pat, the book does not go from writer to reader. It goes first to the lions—editors, publishers, critics, copy readers, sales department. It is kicked and slashed and gouged. And its bloodied father stands attorney.

EDITOR
The book is out of balance. The reader expects one thing and you give him something else. You have written two books and stuck them together. The reader will not understand.

WRITER
No, sir. It goes together. I have written about one family and used stories about another family as—well, as counterpoint, as rest, as contrast in pace and color.

EDITOR
The reader won't understand. What you call counterpoint only slows the book.

WRITER
It has to be slowed—else how would you know when it goes fast?

EDITOR
You have stopped the book and gone into discussions of God knows what.

WRITER
Yes, I have. I don't know why. Just wanted to. Perhaps I was wrong.

SALES DEPARTMENT
The book's too long. Costs are up. We'll have to charge five dollars for it. People won't pay $5. They won't buy it.

WRITER
My last book was short. You said then that people won't buy a short book.

PROOFREADER
The chronology is full of holes. The grammar has no relation to English. On page so-and-so you have a man look in the World Almanac for steamship rates. They aren't there. I checked. You've got Chinese New Year wrong. The characters aren't consistent. You describe Liza Hamilton one way and then have her act a different way.

EDITOR
You make Cathy too black. The reader won't believe her. You make Sam Hamilton too white. The reader won't believe him. No Irishman ever talked like that.

WRITER
My grandfather did.

EDITOR
Who'll believe it?

SECOND EDITOR
No children ever talked like that.

WRITER
(Losing temper as a refuge from despair)
God damn it. This is my book. I'll make the children talk any way I want. My book is about good and evil. Maybe the theme got into the execution. Do you want to publish it or not?

EDITORS
Let's see if we can't fix it up. It won't be much work. You want it to be good, don't you? For instance the ending. The reader won't understand it.

WRITER
Do you?

EDITOR
Yes, but the reader won't.

PROOFREADER
My god, how you do dangle a participle. Turn to page so-and-so.

There you are, Pat. You came in with a box of glory and there you stand with an armful of damp garbage. And from this meeting a new character has emerged. He is called the Reader.

THE READER
He is so stupid you can't trust him with an idea.
He is so clever he will catch you in the least error.
He will not buy short books.
He will not buy long books.
He is part moron, part genius and part ogre.
There is some doubt as to whether he can read.

Well, by God, Pat, he's just like me, no stranger at all. He'll take from my book what he can bring to it. The dull witted will get dullness and the brilliant may find things in my book I didn't know were there.

And just as he is like me, I hope my book is enough like him so that he may find in it interest and recognition and some beauty as one finds in a friend.

Cervantes ends his prologue with a lovely line. I want to use it, Pat, and then I will be done. He says to the reader:

"May God give you health—and may He be not unmindful of me, as well."

John Steinbeck
 

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