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A Face da Fera

Alisson P.

Usuário
[size=medium]A Face da Fera[/size]

[align=justify]Lá fora, a lua reinava, alva e brilhante, em profundo contraste com a noite escura e inanimada. Contemplando o astro celeste pela janela de seus aposentos, Raíssa Kiplinov tinha certeza de que aquele era o momento correto para pôr em prática o que tinha que ser feito. Andou em direção ao espelho e fitou os olhos azuis refletidos à sua frente. “Tem que ser agora! Se não eu, quem mais será capaz de detê-lo?” Vários homens já haviam morrido na tentativa de aniquilar a fera que aterrorizava o vilarejo em noites de lua cheia. Sentia que o futuro de Kritseville estava sobre suas mãos. “Será que conseguirei?” Rogou aos céus que lhe dessem coragem.

Lembrou-se de seu pai. O ódio despertou em seu coração. Recordou o modo brutal como ele havia sido assassinado pela criatura monstruosa... As presas afiadas encravando-se em seu peito, o sangue jorrando do corpo do homem que mais amava, minutos depois inerte e sem vida. Sua própria imagem lhe veio à cabeça: uma garotinha olhando pela janela e gritando desesperadamente, chorando pela perda da pessoa que lhe ensinara a andar e falar... Os vizinhos, de suas respectivas casas, atiravam flechas em direção ao lobisomem, que se desvencilhava delas com agilidade e saía correndo até lugar - nenhum, onde esperava a madrugada findar, no vai-e-vem constante de sua maldição. Tantas lembranças tristes...

A partir daquele dia, o medo que Raíssa sentira da criatura transformou-se em ódio e puro desejo de vingança. Não agüentava ver o sofrimento de seu povo: todos os meses mulheres e crianças choravam a perda de um ente querido. O pior é que não podiam sair dali, onde já haviam criado raízes. Não seria facilmente adquirido em outra região um lugar que realmente lhes pertencesse, um pedaço de terra em que pudessem plantar. As pessoas amavam Kritseville e entendiam como “castigo por seus pecados” o sofrimento que lhes era infligido pelo lobisomem.

Pela tradição, em noite de lua cheia, apenas um indivíduo saía de casa para enfrentar a fera e impedi-la de atacar as outras pessoas do vilarejo. Procurava-se deter a coisa com flechas e balas de chumbo, tentativas que sempre se mostravam inúteis: intacta, a besta transformava o caçador em presa, arrombava a porta de alguma moradia à procura de carne fresca e fazia mais vítimas.

As pessoas mordidas estariam condenadas à terrível maldição se não pudessem contar com o Reverendo Tármaco, homem bondoso que, apesar de líder cristão, também era alquimista e estava acostumado a lidar com o sobrenatural. Quando a noite fatídica chegava ao fim, os feridos procuravam o Reverendo, que realizava um ritual sagrado de expurgação e lhes aplicava um soro (cuja fórmula só ele conhecia), livrando, assim, os habitantes do vilarejo de sofrerem metamorfoses macabras em noite de lua cheia.

Mas o terror sempre continuava...
Nos últimos meses, Raíssa estivera longe. Determinada a acabar de vez com aquilo, fora a lugares sombrios, como a Transilvânia, em busca de curandeiros, praticantes de wicca e contadores de histórias famosos em toda a Europa Oriental, para que lhe explicassem tudo sobre a maldição do lupinismo. Não descansou até descobrir a melhor forma de destruir um lobisomem. E estava disposta a utilizá-la naquela noite.

Observando seu reflexo, procurou afastar do semblante qualquer resquício de medo. “Hoje vou acabar com o monstro que matou meu pai. A menina chorona e indefesa cresceu. Sou uma mulher capaz de fazer escolhas e tomar atitudes.” Apertou o espartilho e amarrou uma fita de cetim no vestido ébano, na esperança de que a sensualidade lhe desse um ar de coragem e ousadia. “Eu posso.” Colocou um crucifixo sobre o pescoço e preparou sua arma secreta, antes de vestir uma capa preta. “Pareço saída de uma história de terror”. Não sentiu medo ao se dar conta de que a situação não era muito diferente disso...

Saindo de casa, adentrou a avenida principal de Kritseville, deserta e escura. Imaginou qual o homem que teria ido enfrentar a criatura dessa vez. Que pena. Mais um na lista de vítimas. “Mas esse será o último”, pensou. Apenas ela naquele lugar sabia a maneira de destruir a fera. Era uma questão de orgulho resolver aquilo por suas próprias mãos.

Em passos silenciosos, foi andando em direção à encruzilhada, onde sabia que a jornada do lobo começava. As casas de Kritseville, ao seu redor, estavam todas trancadas, e suas portas traziam cruzes pintadas de vermelho. “Pobres desesperados. Isso não vai mantê-los a salvo.” O vento frígido gelava seu rosto e fazia seus cabelos esvoaçarem. Morcegos planavam baixo, rentes à sua capa, que se arrastava no chão. Antes do esperado, ela escutou os primeiros uivos...

Ao dobrar a encruzilhada, viu a besta, que estava de costas. Apertou com força o cabo da faca de prata, sua arma secreta, ao perceber que o bicho sentira sua presença. Chegara a hora. Ele se virou. Seu focinho longo e peludo pingava sangue, e seus caninos, espantosamente amarelos, estavam à mostra. Notou que aos seus pés, estava amontoado o cadáver de Ataulfo, o alfaiate de Kritseville, completamente estraçalhado. Mais uma perda para o vilarejo, mais uma família sem pai. O lobisomem babava, como se o ataque recém-proferido tivesse despertado mais ainda sua fome.

Antes que Raíssa pudesse fazer qualquer movimento, ele veio veloz, em sua direção, atacando-a. Dor. A moça sentiu presas pontudas atravessarem sua pele. Sangue. A fera sacudia seu corpo, ela gritava com desespero. Tentou abrir os olhos e olhar para o céu. As nuvens haviam recoberto a lua. Sentiu que a madrugada breve encontraria seu fim. O lobisomem, talvez pressentindo o mesmo, largou-a. Ficou de pé, e dirigindo seus olhos vermelhos à escuridão noturna, uivou. Um uivo longo e melancólico.

Gravemente ferida, Raíssa temeu estar condenada à mesma maldição carregada por aquela criatura. “Não, sua tola. Amanhã você irá ao reverendo, e ele lhe trará a cura.” Sorriu, levantando-se com esforço. Sangrava bastante. Tateou pelo chão, à procura da faca de prata cujo formato lembrava uma cruz, que sabia ser a única arma que funcionaria contra a besta. O animal uivava desesperado, procurando a lua escondida...

Arfando ela mancou até a criatura e cravou-lhe a faca pelas costas. Um grito terrível se espalhou pela noite. Caiu, como um cão imolado. Com a arma manchada de sangue, Raíssa apunhalou treze vezes o coração do lobisomem. “Isso é pelo meu pai”...


Tudo girava vertiginosamente ao redor da moça. Pegou o corpo do bicho e colocou em seus braços. Por mais bizarro que lhe parecesse, Raíssa sentiu pena dele. Pobre criatura, não tinha culpa de nada. Contemplando o lobisomem que matara, nem percebeu as horas se passarem. O dia raiou, e transformação se desfez, revelando a Raíssa a verdadeira face da fera. Lágrimas surgiram em seus olhos. Um terrível gosto de angústia pingou em sua boca. Desespero. “Não pode ser...”. Sobre seus braços jazia, pálido, o cadáver do Reverendo Tármaco.

Fim[/align][align=justify][/align]
 
Puts...:babar:
Muito show...
Tipo: sem palavras, conseguiu me prender até o final. A forma com que você escreve não é tão detalhista, mas mesmo assim eu podia ver cada cena que era descrita. O final também é aterrador, antes de ler a ultima frase, fiquei pensando: "vai ser o pai dela!". Parabéns. Começou no meia palavra com conceito A.
 
Alisson!!! Isso é o que você chama de "rabiscos"? Uau... Tô tentando imaginar o que virá quando você disser algo tipo "é um conto "basiquinho"...

Em minha opinião de leitora você foi perfeito. Prendeu minha atenção do começo ao fim. Uma narração coerente, simples, objetiva e com tudo "amarrado", digo, aquela coisa de começo, meio e fim sem divagações, etc...

Outro fator importante, você soube encaixar duas coisas que, penso, são fundamentais em histórias vampirescas: um quê de erotismo e um final que deixa uma sensação de "terror"!

Agora estou entendendo a qualidade dos seus comentários sobre o trabalho da Simone, não me refiro ao livro Gênese Pagã já que este não tem nada a ver com vampiros, mas, sim, aos contos que ela escreve, não me lembro dos títulos mas voce sabe quais são...

Muito bem, menino. Você precisa postar outros "rabiscos" porque estou curiosíssima pra comparar seus textos...

bj da angel
 
Obrigado pelos elogios, pessoal!:eba: Puxa, não sabia que ia agradar tanto. Perfeccionismo é fogo, sempre a gente acha que tá faltando alguma coisa... Fico feliz por vocês terem gostado.
XD
Hugs!
 
Uou, fantástico!
Também consegui imaginar cada cena, apesar das descrições secas (no sentido de não se estenderem mais do que o necessário para dar corda à imaginação do leitor). Isso mostra que não são necessárias descrições cheias de detalhes e divagações para ter um bom texto. Não consegui parar de ler até acabá-lo por completo. Parabéns, você realmente sabe prender um leitor. ^_^
 
N., juro que não escrevo pensando em prender a atenção do leitor... mas que bom que isso acaba acontecendo, né? XD
Na verdade, procuro não exagerar no adjetivismo pra não prolongar muito o texto ( às vezes fica bem chato quando o autor demora muito em descrições). Fico feliz em saber que acertei na medida dessa vez.:dente:
Valeuzão pelos comentários, pessoal!

regards
 
ótimo conto, alisson. ñ sei se foi intencional, premeditado, deixar a impressão a partir do 2º parágrafo dq a criatura poderia ser o pai da raíssa, mas com certeza contribuiu para dar um choque nos leitores ao final q se julgaram expertinhos d+ (incluo eu na lista) pra já preverem o final.

só duas sugestões:

- talvez, e só talvez, a dose de mistério aumentasse se vc suprimisse a palavra ou referência a "lobisomen". explico: a maioria dos leitores tem conhecimento sobre eles, mas se vc ñ mencionar, ñ dar a dica, fica a critério do leitor descobrir q bicho é esse danado, dando até aquela sensação "ah, certeza q esse bicho é um lobisomen" durante a leitura. think about.

- sei q leitores ávidos de terror costumam incorporar os estrangeirismos como natural, e até como referência, quando vão escrever algo similar, mas neste caso, já pensou em fazer uma versão do conto passada aqui na terrinha brasilis? ao invés de reverendo, um pároco, de flechas, facões, etc? pensa nisso, uma das coisas q me chama a atenção é conseguir migrar algo universal para regional.
 
Putz JLM, valeu pelas dicas. :sim:
Faz séculos que escrevi isso, nem me lembrava direito. Foi um dos primeiros, (se não o primeiro, não lembro) que escrevi. Relendo percebi o quanto é tosco nomes como Kritseville ou Kiplinov (hehehe, coisa de moleque viajado). Vou tirar o conto da gaveta, acho que daria uma boa nova versão considerando as suas sugestões.
 

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