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A Espera

Luciano R. M.

vira-latas
Era uma longa espera.
Na realidade, toda a sua vida com ela fora isso, uma longa espera, um longo período domando desejos e impulsos, controlando vontades.
Mas ele esperava, obediente. Ele esperava, sem que ela tivesse pedido por isso. Mas ele sabia que ao esperar, podia fazê-la, mesmo que de forma débil, sorrir. E, por isso, esperava.
Era um dia frio e úmido. Ele não se agasalhara de modo adequada, mas achava que isso era apropriado.
Assim como negava os anseios de seu corpo, negava-se a tocá-la quando isso urgia dentro dele, negava-se a colar seu corpo no dela quando o sangue fluía por suas regiões mais independentes, negava-se a deixar que qualquer ideia de conforto o tentasse: esperava, e a esperava deveria ser sentida.
Não sabia exatamente a que horas o vôo dela deveria chegar e, por isso, observava com olhos atentos e ansiosos cada um dos aviões que chegava. Investigava cada uma das pessoas que chegavam, dedicando-lhes apenas as frações de segundo que precisava para certificar-se de que não eram ela.
Esperava, não só agora, mas o tempo todo. Quando não estava com ela esperava para vê-la, quando a via esperava para abraçá-la, quando a abraçava, esperava para beijá-la, quando a beijava, esperava para tocá-la, e quando a tocava, esperava possuí-la. E quando o fazia, esperava significar algo.
Essa espera, não tinha como saber se cessaria.
Eram longos os intervalos em que ela desaparecia. Ia sabe-se lá para onde, não lhe importava: todos os outros lugares eram outros lugares. Todas essas paisagens, ele não via, e se visse, não reconheceria: não sem ela.
A espera, no entanto, nunca era estéril. Pensava no que fazer para recebê-la. Compraria um presente? Escreveria um poema? A levaria para jantar? Eram infinitas as possibilidades, e, no entanto, ele limitava-se a uma.
Quiçá fosse a mais tola, quiçá fosse a mais inútil de todas. Esperava-a, os olhos tristes procurando-a, procurando os olhos que ele tanto temia e que tanto desejava.
Eram seus olhos, mais do que qualquer outra parte do corpo dela, que lhe despertavam desejo. Mais do que suas costas ou seus seios, com todas as implicações eróticas de tais regiões. Eram seus olhos, que o observavam sempre de longe. Um lugar aparentemente tão próximo, mas tão distante, que era onde ele sempre quisera estar.
Claro, ele nem sempre a esperara. Houve um tempo em que não a conhecia. Houve um tempo em que não havia o que esperar. Era o tempo em que ele cedia aos seus desejos mais humanos, ao animal dentro de si, e jogava-se como um cão contra outras pessoas, que correspondiam. Eram noites tristes, eram noites muito escuras.
Aprendera a controlar o desejo. Aprendera a ser superior a qualquer anseio de seu corpo e, por mais que a desejasse, sabia não fazer nada. Aprendera a não ter medo, mas aprendera também a não ter coragem demais. Ainda assim, hesitava em todos seus movimentos.
Ao seu redor as pessoas encontravam aquelas a quem tinham vindo buscar e iam embora. Enquanto isso ele continuava ali, com frio, alimentando fantasias, ideias. E continuaria o quanto fosse preciso.
Isso o envaidecia, na verdade. Sentia-se uma espécie de Godot pós-moderno, um legítimo exemplar da raça de homens criados por Beckett.
Com isso veio a certeza, e com a certeza, veio a dor: ela nunca chegaria. Mais uma vez se fora, mas agora, para não retornar. Ela encontrara outra vida, outro homem, outro tempo e lugar, e não precisava mais dele. Ela encontrara alguém que não esperava, encontrara algo que passava. E ele fora deixado ali, esperando.
 

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