A existência se dá no Eä! Na ordem de Eru, na sua vontade sendo realizada, no poder de tornar seu pensamento realidade a partir do nada (como você bem ressaltou, Haran).
A Chama está no coração do mundo, sem dúvida, mas num sentido duplamente figurado, não só pelo fato do mundo não ter coração, mas pelo fato da Chama ser parte de Eru e o único ser indivisível, a Chama está no coração do mundo e de cada criatura, mas sem faltar a Eru. Ela não é acessível ao mundo ou à criatura, pois somente o é a Eru.
Tolkien em suas cartas afirma explicitamente que Eru permanece fora da esfera do mundo. Mas como Eru faz para estar fora do mundo e parte dele estar no mundo? A explicação está em dois conceitos: o da onipresença de Eru e no fato da Chama não ser algo material, ela não é matéria prima das coisas, Eru não carece de matéria prima para criar (criação verdadeira, que só ele possui), Eru cria a partir do nada pois ele é onipotente.
A criação
ex nihilo ocorre quer você veja a Chama como a existência em si, ou quer você veja a Chama como algo mais secundário na existência, que muda ou dá características a existência ("anima os corações", dá "livre-arbítrio e consciência", e etc). Não há problemática aqui. Eru cria coisas "a partir do seu pensamento", mas obviamente não é que ele pega um pensamento, mistura com outro, coloca uma pitada de outro e resulta na criação, e sim que o pensamento (e sua vontade, cristianamente falando, embora não consta no Ainulindalë pelo que sei) é o impulso inicial da criação
ex nihilo (e impulsos diferentes resultam em criações diferentes)
. A idéia de Chama como existência não sofre contradição com o fato de Eru criar coisas "a partir do seu pensamento" (afinal a relação do pensamento e da Chama com a criação são em níveis diferentes - a Chama seria a existência em si, o pensamento não) ou com o fato deste ser onipotente. É justamente por não carecer de matéria-prima ou por ser onipotente que é dito que a Chama está com ele - pois vontade e pensamento todos os ainur tinham, o que lhes faltavam era a Chama (Chama como algo "não-essencial a si" e não como algo "constituinte de si"), por isso Melkor a procura.
He had gone often alone into the void places seeking the Imperishable Flame; for desire grew hot within him
to bring into Being things of his own, and it seemed to him that Ilúvatar took no thought for the Void, and he was impatient of its emptiness. Yet he found not the Fire, for it is with Ilúvatar.
Muitas vezes, Melkor penetrara sozinho nos espaços vazios em busca da Chama Imperecível, pois ardia nele o desejo de dar Existência a coisas por si mesmo; e a seus olhos Ilúvatar não dava atenção ao Vazio, ao passo que Melkor se impacientava com o vazio. E, no entanto ele não encontrou o Fogo, pois este está com Ilúvatar.
Decorrente da discussão que tivemos sobre o tempo, carece de significado discutir se Eru criou a Chama (houve um momento em que só havia Eru e depois houve Eru e a Chama, e depois houve Eru, a Chama e os ainur, e depois houve Eru, a Chama, os ainur, e Eä) ou se está sempre esteve com ele "desde o início". Eru e a Chama, e os ainur e Eä são eternos e atemporais, o tempo está e corre dentro apenas de Eä. E é igualmente sem significado discutir se a Chama existe ou não antes do ato criativo. Quando é dito que Eru tem a Chama, ou que a Chama está com ele, não é necessariamente que a Chama existe antes da criação, como um objeto qualquer (a Chama não é uma bola de fogo que só Eru pode pegar, que está escondidinha e tal para ninguém achar, trata-se, é claro, de uma metáfora) e sim a Chama só é acessível a Eru - não como objeto, mas como poder ou potencialidade criativa que Melkor procura.
"Se Eru tira a Chama de si ede teu poder, e faz com ela o que ele quiser, é porque ele a tem em algum lugar. Eu não consigo criar, não consigo criar Chama a partir de mim e de meu poder, logo eu não tenho a Chama". Isso no pensamento metafórico e simplista.
Podemos dizer, no sentido figurado também, que a Chama anima, aquece os corações, dá beleza às coisas, inspira as mentes e por aí vai. É somente naquele sentido duplamente figurado que podemos entender a Chama no coração do mundo.
Porém, como se dá isso quando Eru envia a Chama ao Vazio? Ela está animando o quê, dando beleza a o quê, inspirando que mentes? Eä estava completamente vazia quando os ainur entraram nela. Sugere que a Chama foi posta lá para uso posterior?
Vilya disse:
2) Eru criou os Ainur já inspirados pela Chama Imperecível, apesar de só fazer referência direta a isso mais tarde (essa é a hipótese que me agrada, por isso disse que era uma questão dogmática).
E como se dá os ainur sem a inspiração da Chama?
Curiosamente, no original Eru diz que "I have kindled you with the Flame Imperishable". Kindle, além do possível sentido de inspirar, tem o sentido de "acender", do mesmo jeito que acende-se uma fogueira. Dizer que "Eru acendeu os ainur" me parece uma forma bastante poética de "dar existência", afinal algo apagado é algo totalmente negativo, sem característica, sem existência - ligado ao Vazio. Claro que já aqui é uma questão bem subjetiva.
Caio Paganus disse:
Vocês entendem onde eu quis chegar propondo a Trindade aqui?
Não.