E o post vai ficar grande.
Ensino de matemática é uma coisa muito problemática até nas escolas elitizadas. Não vejo nenhuma abordagem no sentido de ensinar a compreensão da matemática, mas sim somente a decoreba sobre como funciona o processo básico.
Nada mais natural do que a consequencia que é essa várzea em que vivemos; conceitos simples não são entendidos pois nada disso faz parte do currículo educacional do aluno brasileiro - seja de escola pública, seja de escola particular. a maior parte obviamente não se interessa por essa decoreba aparentemente desproposital (fora os que não tem facilidade em decorar)
Por exemplo: o que deve ser básico dentro das determinações do SARESP?
Prova: "quanto é o seno de 60 graus?"
Aluno dedicado: "ah, de acordo com a tabelinha que o professor me passou, é raiz(3)/2"
Mesmo os que respondem corretamente tão numa posição bem triste =/
Ó, eu acho que todo mundo fala muito sem saber. Generalizamos com razão que educação no país (e especificamente em SP, de acordo com o tópico) é uma porcaria. MAS, o Saresp não é vestibular antigo que fica pedindo questões objetivas, decorebas e notas de rodapé. São todas questões envolvendo situações cotidianas, que envolvem o raciocínio de se entender o que diz a questão e de se saber quais ferramentas mentais utilizar pra resolvê-la. É como num problema do mundo real, no qual não vai pipocar uma plaquinha dizendo "essa é uma questão de trigonometria!".
Só pra ficar num exemplo, foi feita uma prova diagnóstica de português e matemática com primeiros e segundos anos do ensino médio em todas as escolas estaduais paulistas. Essa prova, assim como o SARESP, está seguindo o
Currículo do Estado de São Paulo atual, o qual também é seguido pelas apostilas (caderno do aluno) distribuídas na rede em cada bimestre. Uma de nossas turmas de 1º ano noturno teve 100% dos alunos com desempenho abaixo do básico para a série.
Uma das questões: "Uma pessoa foi ao médico, que lhe receitou 1 comprimido de remédio a cada 6 horas. Ao final de 1 dia, quantos comprimidos terá tomado?" Complicada? Decoreba? Fora da realidade? Eu acho que não, né. E mesmo assim, apesar de ter sido a questão que a maior parte acertou, tivemos aí uns 40% de erro. Isso é normal? Não. É culpa do ensino ser decoreba? Também não, porque não é mais assim.
Tá faltando BASE. Interesse em aprender. Interesse em fazer uma prova decentemente que vai avaliar seu conhecimento e dificuldade e não correndo e de qualquer jeito pra sair mais cedo da aula e porque não vai valer nota mesmo. O povo tá ruim por completo desinteresse. E o problema é grande demais pra jogar nas costas invisíveis do "ensinam tudo na decoreba".
A culpa disso aí é o método de ensino que não sofreu nenhuma alteração desde os tempos em que minha mãe era criança (a única alteração foi abolirem a palmatória
).
Os alunos estão acostumados com um mundo interativo graças à tecnologia e ficar parado tentando captar o que a professora fala é um verdadeiro martírio que faz com que os alunos prefiram pensar na mijada que deram durante o recreio do que prestar atenção na aula.
Então, vamos primeiro levar em conta que temos todos aqui, na média, 20 anos. Então querer avaliar a escola que acontece HOJE com os dados da escola que vivenciamos há 10 anos é meio irreal. O método de ensino mudou, e estudamos isso nos cursos de licenciatura. Muita, muita coisa mudou. O currículo mudou, a ordem em que os assuntos são abordados mudou, a profundidade dessa abordagem mudou. Ok?
Segunda questão: "
Os alunos estão acostumados com um mundo interativo graças à tecnologia". É uma meia verdade. Falamos de alunos de escola pública que muitas vezes não têm sequer acesso à internet em casa ou no trabalho. Então, que fosse pedir um trabalho digitado pra eles, algumas vezes fica inviável e ele não sabe lidar com isso. Outro ponto nesse quesito é que mesmo os que dispõe de um computador com internet não sabem fazer pesquisas. Sério, mal sabem usar a wikipédia, que é o básico do básico na pesquisa online. Ao ponto de perguntarem "o que eu digito no google pra pesquisar sobre isso?". Não consigo chamar isso de jovens imersos na tecnologia. Ter um smartphone com acesso a internet e tv, que possibilite assistir aos jogos do Santos durante a aula não caem na minha categorização de "jovens acostumados com um mundo interativo". Interação pra eles, talvez, só no msn e no "face".
O último ponto cai de novo na questão do interesse. Eu posso levar um experimento de química pra dentro da aula, que é só a mesma meia dúzia que já presta atenção nas aulas giz-lousa-voz que vai se interessar. A professora de matemática já fez uma aula super diversificada, mostrando programas de edição de gráficos e funções (tipo MatLab) pra demonstrar a teoria e os que se interessaram em perguntar algo queriam saber a marca do laptop dela.
Tecnologia pra eles é só o
ter, não o
saber usar ao máximo.
Quanto a aluno não querer aprender... Honestamente, para mim, esse foi sempre o papel principal do professor, fazer com que o aluno queira aprender, tenha interesse, e também aprenda a aprender, e depois somente auxiliar no processo. Porque ficar repetindo a matéria na frente da sala qualquer um consegue, não precisa ser professor, botar uma pessoa qualquer pra ler o livro didático e já era.
Como eu disse, lecionar hoje não é sentar na frente da sala e ler o livro didático. Não pode estar mais longe que isso, aliás. O papel do professor é mediar e orientar a aquisição de conhecimentos, dando as ferramentas básicas para que cada um expanda-os à sua maneira. Uns vão se dedicar mais às exatas, outros às humanas, alguns ainda às artes, etc., mas todos
deverão ter o básico de cada uma. Junto a isso, o professor tem missão, junto com a família, de formar cidadãos. Ensinar a viver em sociedade, a respeitar, a aceitar as diferenças, a ser solidário. Agora, por mais boa vontade que eu tenha, não vou conseguir socar conhecimento e vontade de aprender numa criatura que está ali obrigada e sequer vê o motivo dessa obrigação existir. Se o problema é dos pais desde a mais tenra idade, da sociedade que não valoriza o aprendizado ou da própria escola em níveis mais fundamentais, aí é outra questão a ser debatida. Mas não há possibilidade real de um professor diante de 40 alunos fazer um a um querer aprender. Ou eles sabem o motivo pelo qual estão na escola, ou serão mais alguns nas estatísticas ruins.
E acho que esse negócio de TER QUE relacionar as coisas ao cotidiano para que os alunos aprendam é, em si, um grande problema. É a curiosidade, onde fica? ou os alunos só aprendem porque sabem que vão precisar disso, disso e daquilo para fazer contas no supermercado ou o que for? Sei lá, tenho a impressão de que esta é a mais grave falha do ensino de tudo: os alunos não sabem mais aprender coisas por aprender coisas. E matemática é uma coisa que a pessoa definitivamente deve aprender por gostar de aprender e de pensar.
A gente TEM QUE relacionar tudo ao cotidiano pois é isso que faz sentido na hora de ensinar. Algumas coisas mais básicas e necessárias para construção de um raciocínio talvez possam soar como decoreba, pois para explicar como foram desenvolvidas iria requerer um conhecimento muito maior. Por isso é tudo simplificado na hora de passar durante os poucos 50 minutos de uma aula. Mas tendo essa ferramenta básica, tem sim que relacionar ao cotidiano. E não é simplesmente para atrair atenção do aluno, mas pra mostrar que aquilo que ele vê na escola faz parte do mundo em que ele vive, e não somente da redoma da academia, dos laboratórios, dos cientistas, dos estudiosos. E fazendo parte do mundo dele, ele tem condições de usar isso em seu favor, pra ser um cidadão mais crítico, que raciocina.
Só pra ficar num exemplo, que mostra como o ensino está deturpado e precisa melhorar no aspecto da contextualização, fiz um pequeno questionário com meus alunos de primeiro ano, na primeira aula. Eles, a maioria vindo da 8ª série/9º ano, nunca tinham tido aula de Química formalmente. O pouco conteúdo estava diluído sob o nome Ciências. A partir disso, uma das perguntas era a respeito da importância de se aprender Química. Uma alternativa bastante assinalada era que "
A Química é obrigatória na escola apenas para aprendermos um pouco sobre ela, pois somente os cientistas possuem conhecimento suficiente para utilizá-la". Alguém aqui é capaz de não ver onde a Química está inserida no nosso dia a dia?
O mesmo vale para matemática: claro que a chance de eu precisar resolver uma equação de segundo grau num dia comum é praticamente nula. Mas, dentro de um contexto, explicando onde esse tipo de raciocínio é usado e visando a formação de ligações entre conteúdos de forma a solucionar situações-problema, ela é incrivelmente importante.
A curiosidade do aluno vai entrar no momento em que ele descobrir o que, de tudo aquilo que ele vê na escola, interessa mais. É muito bom, após uma aula, vir um aluno perguntando algo levemente relacionado, mas do que ele lembrou de ter visto ou sobre o que ele tem alguma dúvida e queria saber mais. Aí sim a gente tem condição de indicar fontes de pesquisa, explicar um pouco sobre o assunto e atiçar ainda mais essa curiosidade necessária.
Mas não dá pra esperar que todos irão sentir curiosidade por todas as áreas por alguma mágica que os professores descubram como fazer. Nas áreas em que há dificuldade ou menor interesse, o esforço será mínimo mesmo e não dá pra exigir mais que isso.
Enfim, esse tópico e as opiniões do pessoal definitivamente me deprimem.
Que tipo de opiniões te deprimem?
Na verdade, não quero ser chata, mas tenho uma suspeita. O grande problema do ensino de matemática é que a educação escolar é gerida por pessoas de humanas (formados em educação, por exemplo). Não me levem a mal, mas cada área tem uma mentalidade e uma visão própria do ensino, e em particular com a matemática, que é a disciplina menos relacionada a humanas do currículo escolar, o esquema começa a falhar. Não, não é de reaciocínio lógico e bla bla bla, é de mentalidade. Por exemplo, faz uns dias, vi um rapaz da matemática aplicada conversando com um rapaz da filosofia sobre otimização. O matemático queria resolver o problema e o filósofo buscava experiências e vivências, simplificando a coisa. Mas é só uma hipótese, inspirada pelo fato de todos os estatísticos da Unicamp abominarem a forma como o vestibular é feito (ex: questões de exatas que envolviam interpretação de texto, vestibular antigo: muitas pessoas capazes de resolver o problema matemático proposto erravam por problemas de interpretação de texto. Porque o vestibular não é feito por pessoas de exatas.)
Eu achava o vestibular antigo da Unicamp excelente exatamente porque priorizava a interpretação de texto, que é o BÁSICO DO BÁSICO que um aluno dessa Universidade precisa apresentar. Se nego erra porque não leu direito ou não entendeu o que pediam, então não está apto a estudar lá, porque isso faz parte do raciocínio. Se ele leu e entendeu, mas não sabe as ferramentas matemáticas pra resolver, idem. Como já mencionei, no dia a dia não vai ninguém chegar e falar "é pra usar esse tipo de conta pra resolver esse probleminha que apareceu na sua empresa, viu?". Tem que saber interpretar os dados e ver a melhor maneira de se chegar num resultado, que nem sempre precisa ser um jeito só.
E o vestibular é feito e corrigido por pessoas de todas as áreas. Cada área tem seus próprios professores que elaboram as questões. Até parece que iam largar na mão dos pedagogos a determinação delas. Da mesma maneira, o pessoal das exatas não tem a menor noção de como avaliar um aluno nos pré-requisitos das humanas, então dizer que só os das humanas desenvolvem esse tipo de prova é bobagem.
Fugindo do vestibular, que o foco é matemática e português do ensino básico, o que o Saresp constata é: nossos alunos saem do Ensino Médio sem saber ler, escrever ou fazer contas mínimas. E eu coloco a culpa primeiro na família, que pelos motivos que sejam não dão pros filhos os valores necessários. Não existe respeito, não existe interesse, não existe cobrança, não existem regras. Em segundo, na sociedade em geral que não valoriza o conhecimento. É mais fácil tentar levar a vida com o mínimo esforço e ridicularizar os nerds (desconsiderando todas as notícias atuais de que temos empregos de sobra, mas nada de gente qualificada pra exercer os cargos). E por último na escola/professores, que, se escondendo atrás do escudo do salário baixo, não atualizam seus conhecimentos, faltam até não poder mais, e acabam por desestimular as poucas cabeças que se sobressaem, nivelando tudo por baixo. Como se tudo isso fosse justificável somente por conta de um salário inadequado. É fato que hoje, em qualquer tipo de escola de ensino básico, não existe nenhum tipo de trabalho que estimule os alunos que são mais interessados e aprendem mais depressa. Isso também mina qualquer vontade de aprender e acaba eventualmente destruindo um futuro que podia ser brilhante.