Maycon Aguiar
Usuário
[align=justify]Procurei em cada rosto numa multidão. Analisei, deduzi, julguei, optei. Tudo em vão, um tremendo nada. Quando ao acaso a possibilidade insinuou-se para mim não soube reagir. Num momento me vi parada naquela estação de metrô, trocando olhares com um completo estranho. Percebi a intensidade e o brilho em seus olhos, a devoção e o prazer mudo. Estranhamente me senti invasiva surpreendendo-o em meio a sua masturbação mental. Pareço-lhe apática, tenho a consciência disso. Busco outra forma de agir, lutando contra a frustração. A patética tentativa resultou num simples sorriso matreiro, um leve reflexo da volúpia idealizada. Surpreendentemente surte o efeito, ele parece gemer ao ser correspondido. Jogo os cabelos soltos para o lado, encubro parcialmente o rosto e entreabro os lábios. Provoco, flerto. Ao ser fixada pelo voraz olhar ferino, excito-me. Flagro pensamentos, quase previsões e profecias, de nós dois. Nós dois! Não existia um “ele” há cinco minutos. Em meio à nossa cópula platônica, de forma espontânea deu-se um nós. Obscenamente, sem dar conta dos demais passantes, contorna os lábios com a língua, completamente convidativo. Receosa, novamente repuxo o canto dos lábios. O sorriso misterioso arranca-lhe mais um uivo. Num gesto claro de alusão ao ato, de modo tipicamente masculino, acaricia-se intimamente. Toco casualmente o lábio inferior; demoro-me instigando, alimentando a luxúria. Ondas abrasadoras de desejo são por ele descarregadas, e ao tocarem minha face esbofeteiam-na. Nesse momento, privo-me do real, resolvo estreitar a bolha que nos acomete. Exatamente oito passos. Apoio os braços em seus ombros, aproximo os lábios de sua face, mordo-lhe o lóbulo direito. A resposta pegou-me desprevenida, um beijo feroz, rápido, exigente. Sou bolinada ali mesmo. Beijamos uma, duas, três vezes. Somos interrompidos pelo trem. Despedindo-me dele, acaricio-lhe a face. Recebo um triste olhar de despedida. Sem olhar para trás, sigo. Fazendo uso de uma confiança que não possuo, entro no vagão. Estaco exatamente em frente a porta, encarando-o. Nossos olhares novamente encontram-se. Ele parece querer impedir-me, no entanto não o faz. Ponho-me em movimento, logo não o vejo mais. A minha tórrida história de amor enfim vivida. Um qualquer, ausência de palavras. Instinto, resumiu-se a isso. De outra forma não, foram sentimentos, vontade, em sua mais crua face. Possivelmente nunca mais nos encontraremos, mas nos marcamos mutuamente. Eternamente reviveremos o momento perfeito. Sendo ele assim por ter sido reduzido somente a isso. Viver é isso, o resto é um equívoco, uma piada louca. [/align]