Foi apenas um sonho (Revolutionary Road) [EUA, 2008, dir.: Sam Mendes]
Sinopse: Frank (Leonardo DiCaprio) e April (Kate Winslet) formam um casal cheio de ideais, na suburbana Connecticut dos anos 50. A rotina, no entanto, empoeira os sonhos e termina por mesclá-los a mediocridade da qual acreditavam estar imunes. Um emprego burocrático, os afazeres domésticos e a silenciosa exigência da felicidade enlatada os corroem. Buscam, desesperadamente, uma saída, o resgate das antigas aspirações. Juntos, conseguirão? Filme baseado na obra de Richard Yates,
Revolutionary Road.
Destaque, também, para as ótimas interpretações de Leonardo DiCaprio, Kate Winslet e Michael Shannon (na pele do insano John).
Foi apenas um sonho é um desses filmes que não terminam. Tudo permanece nítido, doendo. Sam Mendes, mais uma vez, avança pela vida dos subúrbios americanos (vide
Beleza Americana, que também merece estar na lista dos 1001 da Valinor) para denunciar a existência vazia que se tenta, de todas as formas, preencher.
Quando o assiti pela primeira vez, havia acabado de ler
O nascimento das fábricas (Edgar de Decca). Nele, o historiador afirma que a maior vitória da sociedade burguesa, nos primórdios da Revolução Industrial, foi o de introjetar um relógio moral dentro do coração de cada trabalhador. Sendo assim, o conceito de tempo útil, também apregoado pela Igreja, determinou uma forma de conduta ao homem, de dedicação e glorificação ao trabalho, imposta com sutileza através das ideias e não mais da força bruta, que gerava contestações igualmente violentas. Vindo lá de trás, Edgar de Decca escreve que o próprio conceito da palavra trabalho ganhou novo significado, deixando de ser vendido como castigo, mas como algo que "enobrece o homem". Com um requinte maior de marketing trabalhista, o trabalho alardeou-se como fator de mobilidade social. O homem simples poderia ascender socialmente através de seu próprio suor. O pobre, finalmente, poderia ser introduzido ao meio burguês.
Numa sociedade como a nossa, onde o Deus Trabalho é soberano e somente quem rende sacrifícios a ele pode ser considerado cidadão de bem, todos crescemos bombardeados por esses conceitos e o reproduzimos geração após geração. Mas a insatisfação que notamos em todos os setores, inclusive nos mais elevados, mostram que a verdadeira natureza do homem é andarilha, criativa, artística e não devota do trabalho alienante. Frank, de
Foi apenas um sonho, e Lester Burnham, de
Beleza Americana, só para ficarmos em Sam Mendes, são dois personagens que travam essa batalha entre as aspirações humanas e a realidade imposta pela carteira profissional. Uma realidade sedutora, pois oferece - sabendo que não se vive sem esperança - o acesso ao mundo burguês, com carro do ano, casa própria e férias remuneradas numa pousada na praia ou no campo, junto da família perfeita e feliz. No entanto, há a rotina desgastante que acaba por desfazer as ilusões. A família sufoca, os sonhos cobram a conta, o emprego adoece. Distribui-se a culpa entre todos, menos ao Deus Trabalho, por condicionamento. Troca-se de mulher, compra-se uma TV de 60 polegadas para compensar a frustração dos sonhos desfeitos e muda-se de emprego. Um novo emprego, que também exigirá uma subida ao altar para o sacrifício ao Deus impiedoso, mas que garante o FGTS e um descanso depois de 35 anos de adoração:
- Eu prometo me renunciar em teu nome... Amém.
* digo trabalho, mas o homem, por natureza, se realiza no trabalho. A crítica é em relação a divisão social do trabalho, que cindi o homem, o aliena.
Enfim, é uma das possíveis leituras. Há outras, evidente. Portanto, assistam.