Enerdhil disse:
O que eu quiz dizer ali em cima é que Tolkien tentou - sem sucesso a meu ver - explicar nesses escritos tardios sua própria interpretação da obra (o que sempre digo que autores não podem fazer). Ao longo do SdA aparecem menções à união de elfa e homem no caso da casa de Amroth. Ao contrário do que ocorre com Arwen e Aragorn, cuja história é uma 'repetição' daquela de Beren e Luthien (ou de Tuor e Idril), as uniões invertendo os sexos jamais tinham sido introduzidas em seus escritos que fornecem o 'pano de fundo' para o SdA. Daí ele aproveitou esse trabalho tardio para procurar uma justificativa para a não existência de uniões elfo-humana, além de outras discussões sobre a imortalidade, ligação à terra, etc.. e etc... Eu tenho uma posição muito crítica a esse respeito, acho que essas obras são interessantes em termos de estudar o processo criativo, mas são ruins do ponto de vista literário, por forçar uma interpretação do próprio autor.
Enerdhil, eu confesso que nesse tipo de discussão eu fico com um pé atrás, porque tenho uma carga de leitura muito menor, e não sei se uma capacidade de argumentar tão boa para responder exatamente o que eu deveria ou imagino que é o correto.
Eu não sei se por gostar demais dessas análises, ou se por não concordar que Tolkien não tenha conseguido explicar sua obra, mas acontece que eu acho não só importantes, mas
essenciais essas interpretações que Tolkien fez da própria obra.
É verdade que muito do que é literatura (e do que é arte em geral) ganha sempre um valor novo quando é assimilado por alguém, mas a intenção do autor deve estar sempre acima de tudo. E Tolkien construiu uma obra particular demais, muito diferente da imensa maioria do que outros escritores fazem: ele não explicar de alguma forma o que queria, ou o que estava dizendo, poderia fazer com que surgissem cada vez mais absurdas interpretações do que ele diz. Haveria até hoje pessoas pensando que os hobbits fumam maconha, que o Um Anel era uma bomba de Hidrogênio, queSauron era Hitler, Frodo era uma representação de Jesus, e muitas outras interpretações absurdas que encontrariam conforto nas omissões do autor. Se Tolkien podia explicar, por que ia ficar calado?
Quando essa suposição ganha as dimensões tão maiores que o Silmarillion tem, eu acho que as explicações de Tolkien são ainda mais importantes. Ele vinha aprimorando e adequando as suas lendas de acordo com a sua própria maturidade, e tornando-a cada vez mais coerente: se isso pedia algumas considerações, revisões e correções do que já havia sido feito, eu acho que vale ainda mais do que como apenas desenvolvimento do processo criativo, era uma valorização do próprio trabalho. Apesar de inacabadas, essas histórias ganharam uma teoria única que a deixa tão coesa que de nenhuma outra forma seria possível. Se Tolkien não tivesse deixado claras as suas intenções, talvez nós não percebêssemos toda a sensibilidade e sutileza que une todas essas histórias, por mais estranhas que às vezes elas pareçam entre si.
O caso da Andreth talvez seja mesmo um exemplo disso: eu não faço idéia se Tolkien colocou "sábiAs" nas suas lendas para corrigir algum possível "machismo", eu reconheço que nunca havia pensado assim. Mas se foi o caso, acho que ele fez bem, e não imagino porque isso deve ser considerado como um ponto negativo. Eu me lembro da uma resposta para a proibição que Angrod impôs a si mesmo nesse caso: ele não queria ver sua esposa morrer e viver o resto da eternidade sem ela. Essa explicação, pelo que eu lembro, serve como pano de fundo para o diálogo e através da amargura da Andreth, mostrar a sabedoria do Finrod. Parece coerente no contexto, e um recurso muito bem empregado para que se mostre alguns aspectos fundamentais do que Tolkien imaginou para o seu mundo imaginário.