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[L] [Melkor, o inimigo da luz] [O Livro] (ATUALIZADO 25/02)

Hahaha. O assassinato em Gosford Park é péssimo! Putz putz! Só não perde pra Gótico! =)

Mas valeu pelos elogios. Isso me leva e querer escrever mais ainda do O Livro! =)
 
PARTE 2


Como um zumbi, desceu do avião sorrindo para as aeromoças, esperou pacientemente pela bagagem, chamou um táxi junto com seu pai e foi para o hotel. O taxista corria demais, sentiu medo; mas estava pensando no livro. Estava pensando em Catherine e Henrich.


Subiu para o seu apartamento, tirou suas coisas da mala e foi marcando território pelos cômodos. Deixou A História em cima de uma mesa onde se encontrava um vaso fino com um único lírio artificial. Depois de desfeitas a mala de mão e a mala de roupas, deitou-se na cama e suspirou. Seu pai fazia o mesmo.
Seu pai lhe perguntou o que ele queria fazer. Um amigo vinha busca-lo para almoçar em um restaurante tradicional da região e queria saber se gostaria de acompanha-lo. Não, queria ficar no quarto descansando, obrigado.


Assim que ele saiu pela porta, levantou-se novamente animado e sentou-se na frente da mesa para ler A História. Abriu no local que havia marcado dobrando o canto da página.
Começou a ler:


"- Quero saber o seu nome, Margot! – disse o Visconde.
- Acalme-se, William! – ela disse, arregalando os olhos – Quer saber seu nome? Ótimo! Ande até lá e pergunte. Não sou uma alcoviteira, sou uma dama. Se for para satisfazer seus desejos doentios, faça-o sozinho. Com licença.


Ela deixou-o só e caminhou até a porta.


- Astúria, ouça bem: Assim que Lady Minerva, Lady Guilhermina e Lady Hilda chegarem, instrua-as conforme combinamos anteriormente. O Visconde continua um crápula. Não deixe que elas entrem sem antes terem conhecimento disto.
- Como quiser, Duquesa.


Catherine e Henrich estavam com os rostos próximos, não colados, quando o Visconde de Will’Emar chegou até eles.

- Em Paris, isso seria considerada uma grande falta de vergonha – ele os advertiu.
- Então dou graças a Deus por estar onde estou – gracejou Henrich
- Jovens – o Visconde resmungou
- Não nos amole mais, William. Só nos diga logo o que queremos saber. – disse Henrich.
- O Cativeiro de Marsui está pronto. Se é o que querem saber.
- Estou com medo – confessou Catherine – Medo de que alguma coisa não aconteça conforme prevemos
- Lady M. e acompanhante – anunciou a criada.
- Não há nada que possa dar errado – vociferou o Visconde – Vocês sempre tentam achar algum defeito em tudo. Está tudo perfeito, fiquem tranqüilos.
- Nosso plano é perfeito. Mas somos humanos. E, se alguma coisa não ocorrer conforme planejamos, é nosso fim.
- Não seja dramática – Henrich disse – O Visconde tem razão. Vai dar tudo certo.
- O Visconde tem razão. O Visconde tem sempre razão! – bradou Catherine, levantando-se e indo para outro cômodo da mansão da Duquesa.



Minerva havia trazido seu pai, já com seus sessenta anos, para a casa da Duquesa, pois temia deixa-lo sozinho aos cuidados das criadas. Sabia que não havia problema, entre elas não havia cerimônia. Margot e ela eram como mãe e filha.
Acabava de voltar de Paris, onde a Duquesa lhe pagara estudos, e ainda tentava reconhecer as pessoas. Tudo havia mudado tanto que sentia por ter perdido tanto da história daquele local. Paris era tediosamente previsível e padronizada. Só ali ela encontrava as pessoas mais maravilhosas da Europa.
Viu alguém se aproximando dela. Seria Catherine? Ah, sim, era ela! Aqueles cabelos dourados não lhe enganavam os olhos. Sua vizinha, sua amiga, sua irmã – não de sangue, mas de coração. A pobre Catherine, havia sofrido tanto...



- Abrace-me, Minerva! – ela jogou-se aos seus braços
- Oh, Catherine. Sinto muito por não ter respondido suas últimas cartas. Mudei-me há dois meses e as cartas que chegaram na minha antiga residência em Paris voltaram para a casa de meu pai, aqui. Só pude lê-las estes dias.
- Não importa. Abrace-me mais forte.
- Eu sinto muito.
- Não sinta. Deixe que eu chore mais um pouco. – Catherine sussurrou.
- Sofre tanto? – Minerva disse, afastando a amiga carinhosamente.
- Não estou chorando por causa disto. Senti tanto a sua falta, Minerva!
- Eu também. Mas pare de chorar. Vamos colocar nossos assuntos em dia como faríamos antigamente, ao encontrarmos uma a outra.
- Está bem, está bem – Catherine enxugou as lágrimas.
- Conte-me. Quem é aquele senhor ali, sentado com William, com quem falava tão animadamente?
- É Henrich.
- Não me lembro dele.
- É, acho que ele chegou após a sua partida. Ele é chamado de Lorde Humington. Mas acho que não é Lorde realmente.
- Bem afeiçoado ele, não?
- E é meu.
- Só seu? – Minerva riu
- Sim, só meu. Não ouse deitar seus olhos nele – Catherine não parecia estar de gracejos.
- Hm. Adivinhe só – Minerva falava baixo - A criada disse-me para me manter afastada do Visconde. Eu faria o mesmo.
- Foi mesmo? Vou pensar a respeito. Venha, vamos sentar e conversar melhor. Quero saber como é Paris!
 
Melkor disse:
Hahaha. O assassinato em Gosford Park é péssimo! Putz putz! Só não perde pra Gótico! =)


EI!!!!! Eu gostei do filme!!!! :x :lol:

Ms dexa pra la. Vc ta pensando em levar pra frente essa história ou ta "sem compromisso",só escrevendo enquanto tive inspiração?
 
Pierre definitivamente odiava todas aquelas festas que a Duquesa vivia oferecendo. Cada festa tinha seu motivo, um ardil se escondia atrás de cada uma daquelas toalhas costuradas pelas suas criadas durante todo o inverno. Ela nunca usava as mesmas toalhas, sempre as dava para alguém passadas as comemorações. Este festival de tolices durava todo o verão, o outono e a primavera. Somente no inverno os salões de sua mansão se silenciavam. Sendo assim, parecia óbvio que a festa mais exorbitante se daria no primeiro dia de primavera. E era esta festa. Todos pareciam ter sido convidados.


Sua filha já lhe escapara e o deixara sozinho no meio de todas aquelas pessoas. Ele era um anacronismo social, nem mesmo ainda era capaz de se comunicar com seus contemporâneos. Odiava multidões, tinha medo de tudo aquilo. E estava sozinho, mais uma vez.


A Duquesa de aproximou lentamente e ele a reverenciou. Ela pagou à sua filha uma faculdade feminina de prestígio por pura caridade e por isso ele tinha que ser eternamente grato. Se dependesse do seu trabalho a pobre Minerva ainda seria uma criada na mansão.

- Pierre – ela disse
- Duquesa – ele fez outra reverencia
- Por favor, sem formalismos. Espero que meu convite não tenha chegado muito tarde e tenha atrapalhado seus planos, querido.
- Não se preocupe, conseguimos chegar. É o que importa. Minerva parece feliz com tudo isto.
- Ela está estonteante. Acabei de ter com ela. Foi uma pena ter que separa-la de Catherine, mas o senhor Raul, de tão ciumento, a proibiu de estudar fora, não foi? Ah, eu poderia ter pagado os estudos dela também e poupado as duas de tantas lágrimas.
- Você fez o que pode, Duquesa.
- Margot.
- Duquesa, para mim. Não tenho título algum que me coloque em posição semelhante à sua.
- Margot. Você está no meu mundo agora. Não me importam os títulos, sou sua amiga. Não sou?
- Sim. É claro que sim, Margot.
- Assim está melhor – ela sorriu.
- Então vou ver se encontro minha filha. Não estou habituado a este ambiente e acho que estou velho demais para fazer amizades. Quero apenas sossego e um canto para mim.
- Não seja ridículo, homem! De qualquer forma, eu queria pedir um favor para o senhor.
- O que quiser, Margot – ele responde, sabendo que lhe deve um favor.
- Quando o relógio anunciar dez horas suba até meu quarto e pegue as velas que estão na gaveta da minha cômoda. Depois disso abra as janelas totalmente e feche as cortinas. Ah, tem uma vela em cima de minha cabeceira, usei-a para ler ontem à noite. Pegue-a também.
- Só isso, Duquesa? – ele perguntou
- Sim. Obrigada, agora venha comigo – ela o pegou pelo braço e o levou para onde estão os Mac Enlay.
- Solte-me, Duquesa! – ele disse, constrangido.
Senhor e senhora Mac Enlay, este é Pierre. Creio que vocês têm muitos assuntos em comum, não é mesmo? Pierre tem uma loja de relógios no fim da rua, vocês já devem ter tido o prazer de conhece-la. Pierre, a senhora Mac Enlay pretende comprar um relógio para sua nova residência, tem alguma sugestão? Hm, preciso ir, vejo que Gregório foi anunciado. Desculpem-me!
 
O Visconde e Lorde Humington conversavam, desanimados, quando ouviram Gregório ser anunciado e, grotescamente, a Duquesa correr para recebe-lo. Ela sabia o que fazia. Esta contra eles, sem sombra de dúvida.


Ela o pegou pelo braço e fez questão de mostrar a mesa onde estavam alguns dos aperitivos. Chamou um criado e pediu por uma generosa taça de champagne, “para o nobre senhor Gregório”, como ela disse.
Os dois se olharam por alguns instantes, olhos semicerrados, e então Henrich levantou-se. Pegou o chapéu que estava na mesa e colocou em sua cabeça, ostentando um olhar fixo imprevisível. Ele olhava o Visconde e sabia que ele não o entendia e o temia. Tão forte, o Visconde de Will’Emar, com medo de um jovem como Henrich! O mundo estava a caminho de algo melhor, ah sim.


- Aonde vai, Lorde Humington – ele perguntou, receoso.
- À Luta, caro Visconde. À luta!
- Não entendo – o Visconde disse, mas Henrich não respondeu. Caminhou para onde estavam a Duquesa e Gregório.
- Duquesa – ele fez uma reverência forçada – Senhor Gregório – ele inclinou a cabeça em sinal de respeito.
- Oh, Lorde Humington. Sempre tão gentil, não é mesmo, Gregório? Mas infelizmente estávamos tendo uma conversa particular e temo que não possamos adia-la. Seria um...
- Não seja tola, Margot – Gregório disse, deixando a Duquesa de olhos arregalados – Temos a festa inteira para discutir este pequeno detalhe. De mais, tudo continua conforme o combinado. Farei o que me pediu. Agora diga, jovem Henrich, o que deseja?
- Apenas a sua boa companhia, meu velho amigo – Henrich respondeu.
- Gregório, querido, creio que Sirene já está aqui. Não quer vê-la? Tenho certeza de que... – A Duquesa começou a dizer.
- Nós temos um negócio a tratar, não temos, Henrich? – Gregório interrompeu a Duquesa, deu-lhe as costas e acompanhou o Lorde Humington para onde estava o atônito Visconde de Will’Emar.



A Duquesa franziu o cenho, deu de ombros e continuou seu deslize por entre os convidados como se aquele imprevisto fosse insignificante. Não deixava de ser, mas Henrich era tão ousado! Ele veria o quão espero era.
Caminhou até Sirene e pegou-lhe as mãos, afetuosa.
- Sirene, minha adorável sobrinha, como se sente hoje? – ela perguntou, com um olhar sincero.
- Melhor do que ontem e pior do que amanhã, tia – ela respondeu, afetuosa – A noite está linda, a propósito.
- E qual é o propósito?
- Não entendo, tia. É assim que se diz, é uma forma de... – Sirene respondeu, surpresa.
- Eu sei que é assim que se diz, querida! Eu lhe perguntei o propósito.
- Propósito para o que, Duquesa?
- O propósito da vida. Lembra-se daquela tarde em minha casa?
- É claro que me lembro. Nunca fui tão explorada! – ela brincou – Toquei mais piano do que jamais havia tocado. Meus dedos ainda gritam por clemência, tia.
- Eu conheço você, Sirene, desde que nasceu. Eu sei que você estava com as duas orelhas erguidas, como um cão, analisando cada palavra que ouvia. Não me diga que não lembra do que foi falado naquela tarde.
- Duquesa! – ela advertiu-a, irritada – Se sabe que eu ouvi e entendi tudo, fale baixo e tente não deixar tão em evidência o que está acontecendo. Assim vai acabar não conseguindo o que quer, tia.
- Você compreende, então?
- Claro que sim.
- Não vou mais dizer uma palavra, já que é assim, querida. Você sabe o que fazer, presumo.
- Desculpe-me, mas não sei.
- Você vai encontrar em cima do piano, na minha sala de música, uma partitura. A partir desse momento saberá o que fazer. Só espere o sinal e então vá para lá.
- Que sinal?
- Você entenderá, Sirene. Preciso ir. – ela despediu-se piscando um dos olhos.




- Quão sagaz é o homem que se esconde atrás do nome de Henrich! – bradou o Visconde, ao ver o Lorde Humington se aproximando trazendo Gregório.
- O que ele quis dizer, Henrich? – indagou Gregório
- Esqueça esse velho tolo. Espere um instante. Catherine, venha cá – Henrich chamou Catherine, que estava conversando com Minerva em um sofá. Elas se entreolharam e anuíram.
- Veja, esta é minha futura esposa. Catherine de Beauvoir. Catherine, esse é Gregório, de quem lhe falei.
- Sinto-me encantado, minha senhora – o banqueiro fez uma reverência.
- Igualmente, senhor Gregório. Esta é Minerva, querido – disse Catherine.
- Não me diga! – ele surpreendeu-se – Minerva? Da qual você falava para mim?
- Sim, sim! É ela! – Catherine estava radiante
- Encantado – ele beijou a mão de Minerva, que o olhava, envergonhada.
- Mas – interrompeu o Visconde, após pigarrear – Diga-me, Gregório, está disposto a nos ajudar?
- Não entendo – ele esquivou-se
- É claro que entende – disse Henrich, colocando as mãos sobre os ombros de Gregório – Ela lhe falava sobre o que penso, não é mesmo?
- Creio que...
- Não é mesmo, Gregório? – Henrich reforçou a pergunta.
- Sim.
- E você vai fazer o que pedimos, não é? – disse Catherine
- Não sei se será possível – ele gaguejou
- Senhor banqueiro! – disse o Visconde, alterado – Não me diga o que é possível e o que não é. É claro que é possível! Apenas faça o que mandamos.
- Farei o que puder.
 
(continuação direta do último trecho postado)

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- Venham comigo – disse Henrich assim que o banqueiro, resmungando, foi até a mesa de aperitivos. Todos o seguiram para uma sacada – Sentem-se.



PARTE 3


Como recendo ordens de um general, Catherine, Minerva e o Visconde de Will’emar sentaram-se no banco – que se encontrava encostado na parede, embaixo de uma linda janela – e o fitaram, em ar de pirraça.
Henrich retirou, do bolso de sua roupa, dois maços de cartas amarradas por um fio de barbante. Elas já estavam amarelando, revelando a sua fraqueza e a efemeridade até mesmo das palavras diante da vida. Ele não disse nada. Pegou uma carta, ergueu-a a no ar em um gesto que indicada que precisaria de atenção, ergueu as sobrancelhas e começou a ler, em voz baixa:



Querida M. M

Ainda me encontro na Itália. Ultimamente tenho alugado uma cana em Toscana. O sol aqui é tão lindo. Conheci um homem, italiano, que faz todas raparigas debruçarem-se nas janelas quando passa. Mesmo assim, eu não estou interessada nele. Nos tornamos grandes amigos!
Ele diz que é pintor. Nunca vi quadro algum que ele tenha pintado. Mas o modo com que ele fala é fabuloso. Posso ver a paixão arrebatadora saltar de dentro dele e atacar-me sem piedade. Ele está vivo, mais do que todos, e isso é irreal.
Agradeço mais uma vez seu presente. Talvez fosse o que eu aguardava, de fato.

Agora preciso ir.

Sinceramente sua,

E. M
.”




- Não sei o que dizer – confessou o Visconde, após algum tempo.
- O que você pretende com isso, Henri? – atacou Catherine – Levantar poeira? Não entendo. Não vai nos ajudar.
- Por favor. Tentem entender
- Não há o que entender! – Catherine começou a gritar – Não, você é quem não entende. Minerva, você vê?
- Cath... – Minerva tentou acalma-la – Deixe o Lorde Humington terminar.
- Não. Você não, não se intrometa. Você não sabe nem do que estamos falando aqui, Minerva! Como você pode julgar o que eu to sentindo?
- Eu só pensei que... – Minerva disse, assustada.
- Não. Desculpe-me, desculpe-me. Eu estou falando bobagens. Continue, querido. Confio em você. Sempre.
- Está bem. Você vai entender, de qualquer forma. Vejam esta carta – ele disse, pegando uma carta do outro maço – enviada pela Duquesa para a senhora E.M.




Minha querida E.M,

Fico feliz que você esteja aproveitando o sol da Toscana. A Itália é realmente linda, toca-me a minha ausência nesse país incrível por longos anos. Isto é; cada um faz o que acha que é certo e meu destino não estava no sul. Estava aqui, no norte.
E foi por isso que lhe disse que fizesse essa viagem. Talvez o seu destino esteja em videiras, oliveiras ou macieiras. Talvez esteja nos olhos de um pintor – desconhecido, não me disse seu nome!
Mas é você quem vai escolher.

Só escolha de modo correto. Modo este que só se atinge seguindo o coração e a intuição feminina. É tudo que temos, minha querida!

Sinceramente sua,

Duquesa de Marsui,
que você apelidou por algum motivo que desconheço de M.M
.”




- Leio a próxima? – Henrich perguntou, olhando por cima dos óculos que ele colocou durante a leitura.
- Por favor – respondeu o Visconde.
- Está bem. Esta aqui – pegou uma do primeiro maço – é de extrema importância. Foi enviada para a Duquesa após o recebimento da carta que acabei de ler.




Querida Duquesa,

Desculpe-me pelo nome que lhe atribuí, com iniciais. É assim que se escreve, não é? O fiz porque pensei que era mais digno de sua posição. Mas não importa. Seu destino, no norte? Não! Seu destino está pelo mundo, em todos lugares e em um único lugar. Você não tem um destino fixo, Duquesa. E eu a admiro por isso.
Se meu destino está no sul não sei. Espero sinceramente que esteja. Se você me disser que ele está nos olhos do pintor, porém, temo discordar. Seu nome é Lucas. Seus olhos – não sei como você adivinhou – são lindos. Azul-de-mar.
Creio que você terá tempo sobrando quando receber esta carta. Já sinto o vento do inverno uivar mais alto e ambas sabemos que o inverno é seu momento de descanso. Já que é assim, não vejo problema em contar parte do problema.
Lucas, assim que mandei a minha última carta, desapareceu por completo aqui da cidade onde moramos. Ele ainda estava em sua casa, todos nós sabíamos, mas ninguém mais o via pela rua ou em qualquer lugar. Comecei a ouvir boatos de que ele podia estar morto, lá em cima, no seu sótão. Morto de amor, à espera de alguém que venha salvar seu corpo.
E apiedei-me do pobre coitado pintor. Pintores sempre são tão tristes. Quis salvar seu corpo, sua alma ou seu coração; o que estivesse morto, lá em cima, no sótão. Bati à sua porta depois de alguns dias e ele me recebeu com os cabelos desgrenhados, a barba esquecida e a roupa amarrotada.
Só posso dizer que sua expressão foi indescritível e nada me fez tão bem. Seu rosto tornou-se rubro em um instante e seu sorriso perdido achou-se e escondeu-se, de vergonha. Ele olhou para as próprias roupas, passou a mão pela barba e quis fechar a porta, mas eu impedi. Mostrei que aquilo não me interessava.
E entrei na sua casa. Ele me levou até o sótão, como eu sugeri, após alguns protestos. Eu precisava ver o que ele tanto fazia lá em cima. Queria que ele me mostrasse um de seus quadros misteriosos.
Assim que acabei de subir a escada em espiral quis gritar. Era lindo, Margot! O homem tinha um talento que eu não imaginava. O sótão estava repleto de quadros e mais quadros de tamanhos e formas diversas. Havia um – imagine só – que retratava uma mulher semelhante a você. Em um canto vi também um olho azul desenhado que parecia refletir o mar.
Ele parecia constrangido. Não me contentei. No estado emocional em que eu me encontrava eu queria conversar e entender todos à minha volta para talvez entender a mim mesma. Perguntei pelo quadro que estava fazendo-o esquecer dos outros e de si mesmo.
Se eu disser que ele negou mostrar-me o tal quadro você acredita? Recusou, com todas as letras que o alfabeto permite. Chegou a ruborizar novamente, creio que de raiva. Ele mostrou-se um homem impulsivo. Não deixando, claro, de ser interessante.
Eu sei que isso não foi um ato de ódio, desprezo ou nada do gênero. Ele apenas expressou o que estava sentindo. Não queria mostrar o quadro. Mas minto se disser que não me senti totalmente ofendida. De qualquer modo, fui-me embora e agora lhe escrevo.
E por isso contestei se meu destino estava nos olhos dele. Porque eu percebi que depois que li seu comentário fiquei feliz e acreditei no que você disse e depois tornei a ficar triste, decepcionada por ter que levar a minha amizade com Lucas na velocidade normal.

Vou escolher certo. Dessa vez vou. Eu sei.

Com meus sinceros agradecimentos pela atenção,

E.M
.”




- Não entendo ainda, Henri – disse Catherine.
- Alguém aqui o faz? – perguntou, em tom de deboche, o Visconde. Minerva mantinha seu olhar afastado que Catherine julgou sagaz demais para o momento.
- Não entendo – Minerva disse – Mas ao mesmo tempo compreendo que essas cartas têm alguma importância. Desde que, é claro, a senhora E.M, cujo nome ainda desconheço, seja de importância para vocês. É tudo que posso supor.
- Não importa – desconversou Henrich – Continuarei a ler e talvez vocês comecem a compreender melhor a situação. À próxima?
- Sem delongas. – disse o Visconde de Will’Emar.



Querida Duquesa,

Sei que minha última carta não foi enviada há muito tempo e provavelmente o bom senso pede que eu espere que você responda, mas tenho tantas coisas a contar que tive que segurar na pena e começar a escrever; mesmo sem a intenção de realmente enviar esta carta.
É sobre Lucas. Ele está a cada dia me fascinando mais de modo que, temo eu, logo eu estarei apaixonada por ele. Porque não posso controlar. Não posso nem quero. Amar é tão bom, ah, Margot! Você sabe do que falo.
Ele é um artista e tanto, pinta como se conversasse com as estrelas. Eu adoro o olhar que ele ostenta quando encara a tela vazia e visualiza seu próximo mundo. Ele é encantador, encantador!
Hoje deu-se uma situação interessante. Fomos, ambos, convidados para uma festa em uma grande casa não muito distante de Toscana por uma rica filha de um produtor de vinho; e, inevitavelmente, nos encontramos assim que chegamos lá e começamos a conversar.
Não conhecíamos – eu, pelo menos – viva alma dentro daquela imensidão, então o destino acabou por nos reservar momentos bons de constrangimento. Não se pergunte ainda porque estou contando para você como foi aquela noite entediante. A resposta já vem.
Em determinado momento um conhecido da anfitriã, vindo de Marselha, se pôs a tocar piano e todos nós nos reunimos próximos a ele para contemplar a arte inegável que ele fazia escorrer de seus dedos.
Então olhei para Lucas e vi que ele estava, próximo do piano, de olhos fechados. Ele movia os lábios lentamente e comprimia suas pálpebras. Este fato não teria nenhum motivo especial se eu não sentisse, dentro do meu âmago, que eu nunca esqueceria aquele momento. Nunca! A música, o ar, as pessoas, a chuva fina... E ele, ali, totalmente desarmado! Nada tiraria aquilo da minha memória, eu sabia!
Tenho medo. Estou me apaixonando porque estou deixando e porque quero. Mas diga-me que ele está no meu caminho por acaso e cesso de escrever para você, Duquesa! Parece que suas palavras foram mágica, pura mágica. Meu destino parece, indubitavelmente, estar aqui, no sul.

Sinto muito perturba-la. Talvez sua resposta à carta anterior já tenha sido enviada e você tenha o trabalho de escrever novamente, assim que receber essa carta. Eu precisava, porém, fazer o que faço.

Sinceramente sua,

E.M
”.


Querida E.M,

Não se preocupe quanto às duas cartas. Houve tempo para receber ambas e responder em uma só. Não foi incômodo nenhum. Definitivamente você fez o que achou correto e isto é o que importa.
As iniciais? Ah, foi uma bela brincadeira! Eu não me importo que me chame assim, agora vejo. Vou continuar lhe chamando pelas iniciais do seu nome de qualquer forma, se não se importa.
Meu destino está no norte sim, minha cara. Aqui, em minha mansão, nessa cidade. Nas minhas festas, sempre tão belas, sempre tão precisas! Sabe, como eu, quanto eu adoro tudo isto e quão claramente meu destino é esse. Pobrezinha, com tantos problemas provavelmente esqueceu como meus olhos brilham quando tudo ocorre conforme planejei, não foi?
De fato. Estou com um certo tempo de ócio o qual tento há dias preencher. Comecei a pensar na primeira festa da primavera e decidi que alguns preparativos requerem uma atenção prévia que ainda não dei. Mesmo assim ainda sobra um pequeno tempo que ficaria imensamente contente em poder dividir com a ponta de sua pena.
Morto por amor? Quem morre por amor é poeta e, pelo que me contou, Lucas é pintor. Você não devia ter perdido seu tempo com preocupações, querida. Lendo mais um pouco eu vejo que ele estava vivo e não me surpreendo. Eu estava correta. Ah, se eu estivesse aí com você eu estaria lhe poupando tantas coisas!

Não se sinta feliz por ele ter sentido-se mal ao vê-la. Não necessariamente denota que ele sente alguma forma de amor ou carinho por você. Já lhe contei das minhas viagens pela Espanha – acompanhada de meus amigos artistas – e já lhe disse que eles são demasiado vaidosos. Não se iluda assim, de antemão.
Se você quer saber o que penso, diria que você foi precipitada demais. Ele já deixou claro que é reservado, correto? Deixe que ele mostre por livre iniciativa o quadro que tanto ocupa sua mente, sim? Então você terá sua demonstração de carinho, pois sei que uma é necessária para você.
Temo ter que dizer que levar as coisas em uma velocidade maior que a normal é pedir por perder-se dentro de si mesma. Você já dirigiu uma carroça? É claro que não, não é? Mas você provavelmente já viu uma e já pensou que, caso ela corra muito, pode acabar desmontando ou talvez se soltando do cavalo que a conduz. Por isso, vá na cauda do tempo. É o que eu digo.

Seria demais se eu pedisse que me dissesse o nome desta sua amiga que é filha de um produtor de vinho da Toscana? Creio que a conheço, posso mandar-lhe uma carta e, se for do seu agrado, faço que ela a convide para uma estadia em sua casa. Claro que eu poderia sugerir que Lucas também fosse convidado. A casa desta moça, se bem me lembro, é capaz de abrigar inúmeros hóspedes. Só me diga o nome.
Do modo com que você fala deste pintor eu sinto-me tentada a conhece-lo também. E a ama-lo, porque nunca amei um artista. Pareço devassa falando deste modo, mas estou sozinha e isso é fatal à consciência de qualquer mulher que tem um mínimo de auto-estima.
Concordo que este momento ficará para sempre em suas lembranças. Ainda mais agora que você parece pedir para que ele o faça. Mas tenha sempre em mente que isso pode ser só mais uma fonte inesgotável de lágrimas para macular seu lindo rosto.
Creio que não há mais nada a falar. Todos aqui sentimos sua falta, minha querida. Continue me escrevendo, não aja como se precisasse seguir alguma ética ou algo do gênero. Só nós duas lemos as cartas, não é mesmo? Se para mim todas essas regras são perda de tempo, porque continua com toda essa preocupação em saber quando ou o que escrever. Seja livre, minha amiga!

Sinceramente sua,

Duquesa de Marsui,
M.M
 
- Espero não estar interrompendo nada, meus queridos – a voz da Duquesa, vinda da porta, os assustou de tal forma que todos enrijeceram e Lorde Humington deixou que as cartas caíssem, deslizando lentamente pelo ar, no chão.
- Decerto que não, Duquesa, decerto que não! – Lorde Humington não parecia nervoso, só ultrajado – Diga-me, como anda a festa? Ainda aguardo aquela valsa que você prometeu para mim. Ainda aguardo, Duquesa!
- Oh, claro – ela pareceu desapontada – Sentimos sua falta na festa, de todos vocês. O que fazem aqui, neste frio?
- Frio? – o Visconde interviu – Francamente, Margot, estamos comemorando o início da primavera! Sinta o aroma das bétulas e...
- Estamos apenas conversando – Henrich o interrompeu.
- Eu vejo – ela olhou para o chão, repuxando os cantos de sua boca para baixo – Cartas de amor, Henri?
- Claro! Cartas minhas com Catherine, não é, querida? Estávamos provando nosso amor para o Visconde. Acredita que ele é contra nosso casamento? Ele e essa linda moça que é Minerva. Tudo que posso fazer é ler nossas palavras apaixonadas e então deixar que eles tirem suas conclusões mais acertadamente.
- Tenho certeza que sim. E isso me lembra porque vim para cá, querido Lorde. Adivinhe quem pergunta por você na festa.
- Não faço idéia, Margot.
- Felícia – ela estendeu a mão para ele – Seria realmente horrível se você não a cumprimentasse.
- Não tenho motivos para cumprimenta-la. Sou contra seu casamento, até o fim.
- Não seja orgulhoso nem mal perdedor, Henrich! Felícia ficará desgostosa se souber que o magoou.
- É bom que saiba.
- Venha, pare com isso, homem! – ela riu e o puxou para dentro do salão.
- O que fazemos? – Minerva perguntou, algum tempo depois – Lemos o resto das cartas?
- Vamos espera-lo – Catherine pareceu decidida.



PARTE 4


Fechou o livro. Precisava de tempo para pensar naquilo tudo. E precisava faze-lo com o estômago cheio. Pegou um cardápio em cima do frigobar, procurou qualquer coisa que satisfizesse tanto sua fome quanto seu bolso e ligou para a recepção. Era obvio que seu pai desaprovaria aquilo, almoçar em um quarto de hotel! Ainda mais por aquele preço. Mas era o que ele queria fazer naquele momento. Ah, o que não daria para estar naquele momento na festa da Duquesa de Marsui!


Abriu a porta, arrumou a mesa, colocou o livro em cima do sofá para não suja-lo e começou a comer enquanto pensava na história que estava tentando entender. O que era mais estranho em tudo aquilo era o fato de que o trecho que ele escolhera para começar a ler era praticamente o começo do livro; não havia tanta informação no começo que pudesse faze-lo compreender o que estava acontecendo.


Acabou sua refeição, arrumou a mesa, colocou o livro de volta e começou a encara-lo enquanto tentava achar alguma explicação lógica. Se ao menos tivesse qualquer fonte de pesquisa disponível, qualquer uma... Porém, estava longe de casa, não era possível. Talvez tivesse sido escrito por algum escritor conhecido. Claro, bastava olhar a primeira página do livro. Abriu a capa verde e procurou por qualquer informação. Mas, na folha em branco, só havia as seguintes palavras:


“Àquele que ler
uma gota de orvalho”


Riu desdenhosamente. Aquilo realmente não fazia o menor sentido, aquele livro não ostentava o menor resquício de nexo. Porque até mesmo o que não tem sentido tende a ter o sentido de não possuí-lo. Mas A História era incompreensível por excelência!


Pegou seu celular e, com aperto no coração, fez um interurbano que devia ter feito antes. Muito antes. Discou o número de sua própria casa e pediu, à empregada, para falar com seu irmão. “Ele está na praia, só volta no fim das férias”, ela respondeu. Ele havia esquecido que seu irmão estava viajando, tal como ele. Discou o número do seu celular. Caixa postal.


Era então uma questão de tempo até que pudesse descobrir finalmente qual era a origem daquele livro. Seu irmão provavelmente saberia lhe explicar. Até lá, não obstante, estaria sozinho e sem ponto de partida.
 
Melkor, eu achei que ficou muito bom mesmo. Que grande escritor você é!!! Eu realmente não parei de ler até aqui. Meus sinceros parabéns.

Achei especialmente interesante as cartas colocadas na história. E adorei o Henri :mrpurple:
 
Melkor, sua história esta ótima, meus sinceros parabéns :clap: , não consegui parar de ler até agora! Todos os personagens são interessantes, e ser uma história dentro de outra história, torna tudo mais legal ainda! Continue escrevendo que você tem futuro, cara!

Ah, quem era a mulher que estava encostada na parede? Não me lembro se você já disse isso...
 

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