Vamos a minha resenha... Eu sei que não sou filho de eu mas posso me dar ao luxo de escrever sobre esse, que, como disseram alguns aqui, foi se bobear o melhor da década de 90.
Sinopse:
Jack, um rapaz de vida medíocre, arquétipo do personagem de classe média frustrado, consumista, vítima de lapsos de perda de memória, freqüenta grupos de auto ajuda pra fugir da solidão até se deparar com Marla e Tyler Durken, que o levam a um mundo revelador.
Análise Geral:
Clube da Luta é um filme marcado pelo discurso de Jean Baudrillard, na forma como é tratada a idéia de simulacro, de hiper-realidade fundada no consumismo desenfreado, de valores virtuais e signos abstratos. A narrativa em off de Tyler desde o começo do filme repete o clima noir já presente em Seven, e explicita essa relação da obra com o pensamento de Baudrillard. Não obstante, assim como nos outros filmes de Fincher, a grande maioria dos personagens nada é senão enunciados, repetidores do discurso contemporâneo, tal como Foucault propôs ao estudar o saber.
A tríade, nesse filme, é representada pelo trio Jack-Marla-Tyler. O primeiro, a representação do tédio e do recalque, vê nos grupos de auto-ajuda uma forma de tentar se afirmar socialmente e viver pela vida dos outros aquilo que não encontra na dele. Aliás, a obsessão pela afirmação enquanto ator social é uma tônica do filme. Os grupos de auto-ajuda servem como um exemplo vívido de gueto, de perda de referencias e crise social. É emblemático o fato de que a casa de Jack seja nada senão um catálogo de compras, um simulacro criado em torno do consumismo desenfreado. É curioso que, no grupo de ajuda, quando induzido a se imaginar como sendo um animal selvagem, Jack se vê numa caverna como paródia do pingüim da propaganda da bala Haus deslizando sobre o gelo (aí é possível perceber não só um que de surrealismo como também uma reafirmação do perfil consumista de Jack).
Reativo, Jack só desperta da sua condução acomodada quando se depara com Marla, a responsável por, ao proceder de forma igual a ele, incitar no protagonista repulsa por si próprio. E, se Marla é a personagem que desperta Jack para uma realidade diferente daquela que ele criara pra si, é Tyler Durken que melhor define essa realidade.
Como viria a ser revelado no fim do filme, Tyler é o alter-ego de Jack, seu inconsciente reprimido, que rompe regras e se afirma como indivíduo. Tyler, ao contrário de Jack cuja vida profissional se resume a um burocrático cargo numa seguradora, é cercada de sub-empregos onde ele pode manifestar ao máximo seu caráter subversivo. Tyler é visto pela primeira vez trabalhando como editor de filmes, inserindo propositalmente cenas pornô em produções da Disney, que por ironia é freqüentemente acusada de uso de linguagem subliminar. Além disso, ele aparece no filme trabalhando como garson, em tempo suficiente para que fosse registrado o momento em que o mesmo urina sobre um ponche. No entanto, sua maior fonte de renda é como produtor e vendedor de sabão para pele, cuja matéria prima é obtida a partir das sobras de gordura roubadas de clínicas de lipo-aspiração. Nesse caso, Tyler joga com aquilo que norteava a vida de Jack, o consumismo, e canibaliza isso de modo a devolver para as mulheres vaidosas aquilo que elas pagaram para ter retirado delas mesmas. Aí também prevalece o tom crítico, cínico e irônico.
É Tyler que introduz Jack ao clube da luta, uma instituição que, tal como os grupos de auto-ajuda, se constitui como um gueto e espaço pra afirmação social, mas que ao invés de pregar aceitação e tolerância, tem na violência o seu princípio edificante. E com o tempo o clube da luta, fundado com base no excesso pela violência, começa a ganhar mais e mais adeptos, se propagando com tamanha virulência que logo ganha adeptos em várias cidades de todos os Estados Unidos. O conceito de virulência é entendido aqui no sentido de propagação descontrolada, tal como se deu com o verme do filme Shivers, de David Cronemberg.
O clube da luta é também uma metáfora do mal, representado pelo espírito destrutivo inerente ao homem e reprimido pela forma como a sociedade civilizada o adestra e limita. A idéia presente na mente de Tyler e no imaginário dos membros do clube da luta, de que o homem só tem valor na busca pelo seu eu primitivo, liberto dos males provocados pela sociedade, e de que o clube é a fuga para isso, remete a Rousseau.
Clube da Luta é o mais colorido filme de David Fincher, com maior variação de tons e matizes, que a cada momento mudam o caráter das cenas (que oscilam do humor negro ao drama esquizofrênico).
O filme começa contextualizando o mundo real corporativo onde vive Jack, repleto de cores inumanas tendendo para o verde, o azul e o amarelo. O verde, geralmente usado como metáfora de ganância e dinheiro, no caso é uma alusão a possessão material doentia e a vida encoleirada de Jack no começo do filme. As cenas nos grupos de ajuda se valem de cores fracas e fluorescências que, como já havia se dado na cena de The Game onde a casa de Nickolas é encontrada destruída, dão as cenas um ar pálido e visualmente morto. As cores tornam-se mais intensas e variadas no momento em que Tyler entra em cena. Ele, per si, já é bem colorido (suas roupas gritantes ajudam a compor sua personalidade).
No tocante a iluminação, a mesma é bem variada, e se destaca no filme o emprego de lentes esféricas ao invés de anamórficas, o que aumenta o contraste. Predominam no filme imagens saturadas e escurecidas, com pouca sombra e alto contraste. Como em Seven, luzes duras focadas perto da fonte mas que não iluminam o ambiente ajudam a compor cenários do submundo, como na Taverna do Lou,onde apenas lâmpadas elétricas iluminam parcialmente os rostos dos lutadores, tornando o ambiente sombrio e as expressões indecifráveis. As cenas noturnas na Paper Street House e no edifício abandonado tem na luz natural da lua, com tons azulados e sombras intensas, elemento de composição cênica. Mesmo as cenas que não se passam durante a noite são filmadas em dias nublados, escuros. E as cenas interiores nesses ambientes mais decreptos são também filmadas com luzes obscuras e a baixos contrastes. No entanto, mesmo se valendo de luzes ambientes, o filme soa artificial o tempo todo, pelo uso de filtros e luzes coloridas, que dão um ar não diegético e estranho a obra (ressaltando o caráter delirante do filme do ponto de vista de Jack).
Tomadas de ângulos unusuais e movimentos de câmera como pans rápidas, assim como cortes rápidos que reforçam o tom frenético do filme com uma estética de vídeo-clip marcam Clube da Luta como um todo. Cenas rápidas como a da colisão do avião combinadas com slow motions, vide a cena em que Marla acende o cigarro, a batida do carro e sua queda e a fuga de Jack da polícia, ressaltam a anti-diegese presente em todo o filme. Cenas coreografadas, sem cortes e com montagens, como aquela em que Jack foge de Tyler na direção da câmera e vira pra encontrar o mesmo Tyler do outro lado, tornam o filme ainda mais confuso. Não obstante, o uso de seqüências em jittering, nas quais lapsos de memória de coisas estranhas retornam a Jack em imagens que dão saltos esquizofrênicos, exacerbam o princípio de hiper-realidade no filme ao brincar com o próprio tempo e ritmo das cenas.
É comum também nesse filme o uso de enquadramentos em objetos e cenários que, como slide shows, introduzem ambientes. Vide o café e os donnuts em relação aos grupos de ajuda, a comida de avião e os banheiros de hotel para com a vida andarilha de Jack, os closeups da Paper House Street para ressaltar a velhice da casa, ou mesmo a chamada “hello my name is” encontrada nas salas dos grupos de ajuda e o detalhismo nas cenas de preparação do sabão, realçando o caráter simbólico do lugar e das implicações envolvidas na produção do sabão respectivamente.
Esse é um dos primeiros filmes a usar o recurso da fotogrametria. Na cena do prédio onde Tyler vai ver colapso da história financeira, na qual a câmera roda e se abaixa para a rua, rapidamente se jogando na direção do ator, parando momentaneamente na van com TNT, e encerrando numa pan até a coluna com TNT é seguida de uma cena com fotogrametria. Nela, a câmera atravessa o concreto se valendo de uma montagem em computação gráfica empregando still photos. Esse recurso aparece de novo na cena onde a câmera salta de cesta de lixo, naquela em que o apartamento de Jack explode ( a cozinha é real mas cena é montada ) e, por fim, na cena de sexo entre Tyler e Marla que acontece ao mesmo tempo que Jack sofre de delírios no andar inferior da casa.
É curioso também pensar na forma como efeitos surrealistas conduzem a trama conforme a psique de Jack. A imagem, por exemplo, se torna desfocada quando se dão projeções da imaginação de Jack. Em cenas como a da colisão do avião, os já mencionados recursos de slow motion e fast motion reforçam, conforme já mencionado, a anti-diegese e portanto o ar surrealista que dá a momentos do filme ares de delírio. A cena bizarra da explosão dos prédios no fim do filme, seguida do suicídio de Jack, suscita para a questão que é uma constante no decorrer do filme e já era a tônica de The Game: o que é realidade, o que é delírio ou hiper-realidade?