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[L] [Lembas][a insone e o saci]

Lembas

Usuário
[Lembas][a insone e o saci]

a narração de um sonho. Sendo que acordei em minha cama, acho que sei a decisão que tomei...espero ter sido a certa :wink:

A INSONE E O SACI


Estava deitada em minha cama, esperando o sono. Provavelmente já passara da meia noite e o maldito não me vinha. O cansaço, o frio do inverno gaúcho, o tédio, nada disso o atraía, nem mesmo os raios da lua cheia entrando molejantes pelas frestas da persiana. Já inventara diversas fantasias, das mais épicas às mais eróticas para seduzir o meu Fabricante de Sonhos pessoal a me entreter por oito, dez horinhas, refestelando-se com o fato de, por estar em férias, eu não tinha hora pra acordar. Nem assim. "Diacho" pensei "crises de insônia sempre me acompanham uma depressão e pelos meus cálculos ainda não é a vez da TPM". E pronto. Só de pensar em TPM já fiquei paranóica, pensando nas vezes em que a natureza furou meus planos e mandou seu descarrego em mim nas horas mais impróprias. Respirei fundo, tentando lembrar as sequêncoas de expiração e inspiração das poucas aulas de Yoga que tive, afastando os pensamentos pelo controle do prana. Essa lembrança logo atraiu outra, a dos Líber, rituais e treinamentos de controle da mente que eu lera na lista de ocultismo que assino, o que me deu a idéia de estimular os meus chackras através da respiração consciente. "Diacho" pensei de novo "a minha idéia era ficar inconsciente. Vamos parar a palhaçada".
Sosseguei a mente de novo e fitei a escuridão do quarto, de onde a minha coruja de pelúcia e minha aranha de plástico me acenavam. Ao lado delas tinha um saci, que apesar de toda a escuridão que minha persiana tentava produzir brilhava em vermelho e pardo. Ah, era um saci tradicional, negrinho, com um cachimbo na boca, a carapuça firme na cabeça, escondendo o parco cabelinho sarará. Logo, ele também percebeu que eu olhava para ele. Sem se dar ao trabalho de chamar seu redemoinho ele pulou, escorregando pelo ar até o meu colchão. Olhou pra mim com seus olhos de jabuticaba e fez uma saudação rasgada do alto de seus 20 e poucos centímetros:
- Noite, Donana. Ocê deve saber porque que eu tô aqui, mesmo que agora ocê não se atine com isso.
Eu esfreguei os olhos. A coisa mais chata de inventar fantasias e desculpas sobrenaturais pra tudo é que quando uma não sai da sua cabeça você não acredita nela.
- Um Saci. Você parece feito de massinha.
O saci riu seu sorriso de moleque brejeiro e pulou da sua perna só até o meu joelho.
- Ocê voltou do além-mar tão sofisticada que nem dá mais valor pros seus companheiros do mato?
"Companheiros do mato..." pensei "eu cresci em São Paulo. Apesar de viver em sítio há quatro anos nunca fiz parte de companheiros de mato".
Esse saci já estava abusado. Sentou no meu joelho cruzando a perna sobre a que faltava e acendeu seu cachimbo. De sua boca saíam anéis de fumaça em minha direção.
- Ou será que os mitos do além-mar te fizeram virar as costas pra gente. Ocê trocou o seu saci por um hobbit gordo que mora num buraco no morro? Pois saiba que num pode não, Donana. Quando ocê entrou em nosso mundo pela primeira vez eu escolhi donana, e olhe que foi briga feia com Iansã, que queria que ocê fosse filha de santa.
Donana...Era um saci perfeito mesmo, até o dona me adicionara na frente do nome. E o Saci conhecia Tolkien. E conhecia também pelo jeito as minhas relações de dois anos com esse mundo. E por citar Iansã...
- Espera, Saci. Você é lenda sertaneja. Iansã é a orixá das tempestades. Hobbits são a cria de Tolkien. Não é mitologia demais pra uma cachimbada só? E além do mais, a minha deusa das tempestades é Aniliz, que eu criei como amiga imaginária e governante do meu mundo de AD&D.
O saci me deu um sorriso irônico. Seria o sonho mais bizarro em semanas se eu não sentisse o seu joelho furando o meu.
- Dê a ela o nome e os mitos que quiser, continua sendo ela por quem ocê se apaixonou. Ontem mesmo no seu sonho ocê chamou por ela, do alto de uma sacada. Tem uma figura dela no seu livro do computador. Nem mesmo o kaos de Thanatos e Eros venceu o feitiço dela sobre seu coração.
Estarreci. Um sonho meta linguístico esse. Falava a mim de minhas fantasias, de minhas crenças e de meus sonhos. Pensei se ele sabia sobre tudo, se ele sabia se a paixão que eu sentia era legítima ou fabricada por alguma carência minha.
- Sei sim, Donana. Mas não acho caso de tratar da sua vida amorosa agora. Eu não sou Santo Antônio. Vim porque você me chamou, mas depois não respondeu ao chamado.
"Chamado? Por que é que eu iria chamar um saci? A última vez em que eu pensara em saci foi na Holanda, quando eu vi um bonequinho saci de pano na casa de meu primo. Lá eu me lembrei que precisava continuar o conto de Aneleh, já que eu pretendia que a elfa, o ladrão e o duende encontrassem na floresta um saci em seu redemoinho, servo da deusa das tempest..."
- Você veio pelo meu conto - disse - veio pra me fazer voltar a escrever e largar a preguiça.
- A preguiça quem tem que vencer é ocê. Ninguém diria na roça que a filha de São Paulo é uma baita duma boa vida. Eu vim é porque adotei Donana quando ocê me descobriu nas páginas do Monteiro Lobato. Seu pai na sala vendo jornal, seu irmão mais velho ouvindo Cazuza no quarto e ocê e seu irmão do meio em cama de sua mãe ouvindo as lendas.
A imagem me passou rápido pela cabeça, com a nostalgia, a saudade e a angústia. Somente aqueles que ouviam a estória do saci aquele dia hoje vivem. E no labirinto mutante da minha alma a perda sempre foi o caminho pra justificar a minha inércia e apatia.
- Por que você veio, Saci?
- Para te dar uma escolha, Donana. O feitiço que ocê tentou pra conquistar o homem que ocê quer falhou por ora, mas o apelo desesperado à fantasia penetrou em nosso mundo e caso seja a sua vontade, ocê pode ir comigo para lá.
Desde os oito anos eu imagino meios de fugir pra sempre do mundo e juntar-me à Fantasia, de Michael Ende ou à Arcádia dos gregos.
- Se eu for, eu me perco de mim, Saci?
- Se ocê virar fantasia ocê existirá da maneira que os outros lhe imaginarem. Virar fantasia é fazer sua imaginação abraçar o mundo todo e seu eu se espalhar pros outros. Ocê é ocê como eles lhe receberem.
- Por isso você se parece com massinha para mim?
- Menina batuta. Mas ocê pode ir comigo por algumas horas. O fio de prata da sua alma lhe agüenta por esse tempo, até que você acorde. O que é que ocê decida, eu e Iansã - disse o nome dela com ciúmes - te guardaremos. Vamos.
O saci pulou e pegou a minha mão, levando-a aos meus olhos. Ainda perguntei, apaixonada pela idéia.
- Por que é que você me adotou, Saci?
- Porque ocê é a escolhida pra ouvir e contar estórias, seja no meu mundo ou no seu.
Num estalo, o mundo passou de escuro a róseo, e corpos e panos dançaram a meu redor, e imagens, sons e cheiros misturaram-se diante de mim. A minha decisão seria difícil, decerto, mas talvez não mais do que ver e compreender todo o imaginário humano, a minha eterna ambição.
 
Adorei! MUITO mesmo! Muito bem escrito e com maravilhosas referências. Acho que você pensa em Mitos e Deuses de forma parecida comigo. Adoro mitologia e todo o fruto da imaginação humana e perceber o poder real existente naquilo que aparenta ser "apenas imaginação". Além disso me identifiquei bastante, revelas ser uma colega escritora e criadora que deve estar aprendendo a lidar com todo um panteão de personagens próprios que muitas vezes devem dialogar contigo, clamando por atenção e expressão (termina a história! O mundo precisa ler mais coisas assim).

Sim. Acho que tomaste a decisão certa. :wink:

"Faz da vida um sonho, e do sonho
uma realidade" - Antoine de Saint-Exupéry.
 
Brigada! :D
Einstein disse que "A imaginação é tudo" e eu concordo com o linguarudo. Um dos maiores problemas de eu realmente terminar a estória da Aneleh é estar fora da dinâmica do mundo, já que eu tô sem grupo de RPG...mas quem sabe...
Essa daí terminou, meu passeio com o saci é privado :mrgreen:
 
Melhor não desapontar o saci, viu? :x

:lol: :lol: :lol:

Mas é bom ver alguém que está tentando resgatar um pouco nossas raízes em vez de se ater a coisas que não são nossas mas nos fascinam. Me entristece todo mundo falando sobre o Japão (anime) ou de Cavaleirismo (Tolkien, D&D, estórias fantasticas de fadas e bruxos, etc.) deixando de lado o nosso próprio potencial de estórias...
 
Seu conto ficou adorável, Ana!

Eu me pergunto por que demorei tanto para me inscrever neste clube...
 
Lembas, tá MTO bom. Eu adorei. Eu quero um saci pra mim, rola?
Achei legal o modo com que o narrador descreve as coisas, com a visão bem dele de tudo... Como ele pensaria, não sei explicar, mas acho que ficou muito sério e "real". Real porque é uma fantasia que foi tão bem descrita que parece possível.

Virar fantasia é fazer sua imaginação abraçar o mundo todo e seu eu se espalhar pros outros. Ocê é ocê como eles lhe receberem

Essa frase foi A frase. =)

Primula disse:
Mas é bom ver alguém que está tentando resgatar um pouco nossas raízes em vez de se ater a coisas que não são nossas mas nos fascinam. Me entristece todo mundo falando sobre o Japão (anime) ou de Cavaleirismo (Tolkien, D&D, estórias fantasticas de fadas e bruxos, etc.) deixando de lado o nosso próprio potencial de estórias...

Concordo plenamente. Eu estava discutindo sobre isso com a Lembinhas no ICQ, sabe. Eu fiz um conto com tema indígena e todo mundo (daqui quase ninguém leu, estou falando mais de pessoas de fora mesmo) disse que o texto tá legal mas não gosta do tema. É muito fácil gostar de índios sioux ou de qualquer coisa medieval... Mas a nossa história que tá aqui, existiu e é linda ninguém gosta de olhar.
Vou ser sincero, falta de nacionalismo é uma das coisas que mais me dói.

Mas voltando ao texto, Lembinhas, eu gostei, sinceramente. Gosto muito do jeito com que você escreve. Continua assim. =)
 

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