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[L] [Largo Cavafundo][Em Albanês, Shqipëria]

[Largo Cavafundo][Em Albanês, Shqipëria]

"Um bom conto é como um iceberg: de cara, só se vê a ponta. A realidade dele está, na verdade, sob a superfície."

Estou feliz em perceber que, cada vez mais, eu sigo isto. Pelo menos na minha opinião.
O conto que eu apresento pra vocês agora é um que eu, pessoalmente, gosto muito. Acredito que ele seja realmente significativo, pra mim e para muitas outras pessoas. E, se vocês lerem atenciosamente, perceberão que quase nada fica solto nele. Cada detalhe é importante e precioso para a mensagem que eu tentei passar. Tentem notar isto.

Escrevi este conto bastante rapidamente. Comecei logo depois de postar O Ser Nu aqui no fórum, e terminei pouco depois. Logo após, vim para o computador e comecei a digitar.
Novamente, o conto inteiro começou com apenas uma frase. Uma frase que, novamente, inclui o elemento estranho em uma história minha.

Boa leitura.

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shqiperia.jpg


Acordou e se encontrou na Albânia. Tinha certeza de que, quando fora dormir no dia anterior, estava no Brasil, em sua própria cama, em sua própria casa. Agora, encontrava-se numa cama suja e ruidosa, num quarto caindo aos pedaços e cheirando a gordura. Gritos vinham de algum lugar abaixo daquele, algum andar inferior. Por mais que tentasse entender o que era dito, as palavras continuavam incompreensíveis. Sentia uma leve tontura, talvez causada pelo cheiro nauseante. Mas isso não pôde impedir sua curiosidade de fazê-lo decidir levantar-se.
Procurou suas roupas pelo quarto. Não as encontrando, abriu a porta do aposento vestindo apenas sua samba-canção azul-clara e uma camiseta branca sem mangas e de tecido leve, que usava somente para dormir. Os gritos ficaram mais claros e altos, mas não menos indecifráveis. A sua direita, havia um pequeno corredor com mais algumas portas, todas com números nelas, e um papel-de-parede salmão, quase inteiramente descascado. A sua esquerda, uma escada levando à origem dos berros, a qual ele desceu.
O cheiro de gordura se misturou ao de tabaco. O ambiente no novo andar era mais agradável, pelo menos visualmente. A aparente decadência do lugar de onde ele viera já não era tão presente. Janelas grandes iluminavam uma sala simpática, com várias poltronas e dois sofás. Atrás de um balcão, um velho, de cabelos brancos e pele da mesma cor, gritava com uma mulher de meia-idade que se encontrava num dos sofás. Após mais alguns berros, a mulher levantou-se e deixou o lugar, com uma expressão de desespero. A rua lá fora era visivelmente fria. Aproveitando a desocupação do senhor, foi falar com ele.
- Onde estou? - disse.
O homem olhou para o jovem por algum tempo, aparentando estar confuso.
- Where... am... I? - conseguiu dizer, depois de gastar alguns minutos lembrando-se das poucas aulas de Inglês às quais assistira no ginásio, tantos anos atrás.
- Oh, ‘vere’? Shqipëria! - respondeu o velho, com um sotaque carregado e um inglês pobre.
- Where? - perguntou novamente, mais confuso que o outro.
- Shqipëria! Durrës, Shqipëria! - o senhor mostrou-se pensativo por alguns instantes - Albania!
A surpresa o impediu de dizer mais que um “Thank you”, que o velho talvez não tenha ouvido de tão baixo. Olhando para o nada, abriu a porta daquele lugar, que aparentava ser um hotel (mais ainda por fora). O frio cortou seu rosto – bronzeado em comparação com os dos albaneses – e seus membros nus. Encontrou-se tremendo em uma rua pequena e deserta, mas que levava a uma grande concentração de gente ao longe. Foi em direção a ela. Talvez lá encontrasse respostas, mesmo que ficar sozinho parecia mais confortável em meio àquela confusão.
Sem saber para onde ir, passou algum tempo andando de um lado para o outro na rua, tentando – sem sucesso – não esbarrar em ninguém. Nada familiar, nada que pudesse resolver seus problemas. Sentir-se mergulhado naquele rio de pessoas estranhas – certamente não umas para as outras (ou assim parecia), mas todas para ele – era sufocante. Queria estar longe de lá, queria estar em casa, quente e confortável.
O fato de ele estar apenas de cuecas atraía olhares e causava comentários. Os olhares e comentários geravam, por sua vez, vergonha e medo nele. E o incomodava não saber quem era estranho, ele ou os outros. Ora queria que fossem os outros, ora queria que fosse ele. E não queria desejar essa segunda opção, mas desejava.
De repente, virou-se na direção de um som menos diferente que os outros, e encontrou três rapazes e duas moças conversando em Inglês. Pela aparência, julgou serem britânicos, o que era confirmado pelo sotaque que ele cansara de ouvir na televisão. Com legendas. Aproximou-se do grupo, timidamente. Por mais familias que soasse a língua, ainda não era sua língua materna.
- Excuse-me... excuse-me... - tentou dizer - Where am I?
- Sorry, man, I don’t really know this place. - um jovem ruivo respondeu.
- Am I... on Albania?
- Uh, yeah – outro garoto respondeu, olhando para ele como se visse um louco.
- I’m from Brazil... I don’t know how I’m here!
- What do you mean?
- I had to be in home. How did I arrived here? You know?
- Sorry, dude.
Afastou-se, enquanto os cinco riam de sua cara, falando sobre como ele era estranho e apontando para suas roupas-de-baixo. Xingava a si mesmo por não ter continuado com as aulas de Inglês. Conseguia comunicar-se superficialmente, mas não sabia dizer o que era realmente importante.
Sentiu fome. Avistou uma lanchonete. Avistou uma lanchonete – era óbvio, por causa das fotos gigantes de comidas estranhas – e entrou com um passo cauteloso. Sentou-se numa cadeira vermelha em frente a um balcão e sentou-se, esperando ser servido. Um jovem de cabelos castanho-claros e pele pálida o entregou um cardápio. Em baixo das palabras em albanês, encontrava-se a tradução para o idioma britânico. Olhou para o rapaz e leu um nome do menu, desconhecido para ele como todos os outros nomes.
Depois de esperar por algum tempo, finalmente lhe serviram um prato de bliny. A panqueca, incorporada à culinária albanesa na época em que o país era parte da União Soviética, vinha acompanhada de um creme azedo e chá. Tentou comer, mas o estranho gosto do doce o repelia. Bebeu um pouco do chá amargo, mas terminar era impossível. Levantou-se e caminhou na direção da porta, mas sua saída foi interrompida pelas palavras do garçom.
- Ten leke and forty quindars, sir!
- What?
- Money, sir!
Esquecera-se de pagar. É claro que lembrar-se teria sido inútil. Poderia pagar tanto quanto bliny podia satisfazê-lo. Nem reais tinha no bolso, quanto mais leke. Nem bolsos tinha. Nada podia fazer. Saiu correndo pela rua lotada, empurrando todos de seu caminho. Correu por quase uma hora, aquecendo um pouco seu corpo frio, por quadras e quadras, passando por ruas cheias e ruas vazias. Mas somente ruas estranhas. Ruas dominadas pela estranha ave de duas cabeaças, ameaçadora e intimidante, que o perseguia estando ele parado ou correndo.
Parou em frente ao mar. O Adriático banhava a costa da Albânia até o Canal de Otranto, belo em todo lugar. Mas naquele ponto, no fim daquela ruazinha, o mar era feio. E ele caminhou para dentro da água gelada, que encontrou seu suor fazendo-o parar por um centésimo de segundo. E, mesmo afundando, continuou caminhando, por baixo da água, em direção ao horizonte. Para o Oeste. Para casa. Até que não mais pode caminhar, coberto de água salgada e arenosa. No fundo do estranho mar, para sempre.

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Não tenho certeza se entendi tudo que vc quis passar...E definitivamente ão entendi a referncia ao passaro de duas cabeça~s :o?: ....
 
Thrain... disse:
Não tenho certeza se entendi tudo que vc quis passar...E definitivamente ão entendi a referncia ao passaro de duas cabeça~s :o?: ....

Só pra explicar um pouquinho, sem querer explicar demais: a bandeira da Albânia têm um pássaro de duas cabeças.
 
Bem, alguns livros de Franz Kafka me fizerem obter uma sensibilidade literária de que me orgulho. Tentemos agora elaborar uma crítica e análise boa sobre esse texto (que a meu ver o melhor publicado até agora no CdE embora não goste do título).

Creio eu que você tentou, através de símbolos, descrever a situação das pessoas de hoje em dia, que não mais se sentem confortáveis, chegando a certas vezes parecerem estranhos no ninho. Uma espécie de caricatura do desencontro em que nos encontramos neste momento, uma coisa chamada solidão. Creio que esta seja a chave para compreender o texto.

Meus parabéns, Largo. :clap:
 
Green Arrow disse:
(que a meu ver o melhor publicado até agora no CdE embora não goste do título).

[...]

Meus parabéns, Largo. :clap:

Uau, qui brigadão!!!
Fiquei até sem graça :D

Green Arrow disse:
Creio eu que você tentou, através de símbolos, descrever a situação das pessoas de hoje em dia, que não mais se sentem confortáveis, chegando a certas vezes parecerem estranhos no ninho. Uma espécie de caricatura do desencontro em que nos encontramos neste momento, uma coisa chamada solidão. Creio que esta seja a chave para compreender o texto.:

Há pouco o que dizer... além de "com certeza que sim" :mrgreen:

Mas o principal é o que as situações individuais mostradas no conto têm a ver com este tema...
 
Largo Cavafundo disse:
Green Arrow disse:
(que a meu ver o melhor publicado até agora no CdE embora não goste do título).

[...]

Meus parabéns, Largo. :clap:

Uau, qui brigadão!!!
Fiquei até sem graça :D

Não tem de quê. Ficou bom mesmo (não é média).

Largo Cavafundo disse:
Green Arrow disse:
Creio eu que você tentou, através de símbolos, descrever a situação das pessoas de hoje em dia, que não mais se sentem confortáveis, chegando a certas vezes parecerem estranhos no ninho. Uma espécie de caricatura do desencontro em que nos encontramos neste momento, uma coisa chamada solidão. Creio que esta seja a chave para compreender o texto.:

Há pouco o que dizer... além de "com certeza que sim" :mrgreen:

Mas o principal é o que as situações individuais mostradas no conto têm a ver com este tema...

Bem, então vamos lá!

Atrás de um balcão, um velho, de cabelos brancos e pele da mesma cor, gritava com uma mulher de meia-idade que se encontrava num dos sofás. Após mais alguns berros, a mulher levantou-se e deixou o lugar, com uma expressão de desespero. A rua lá fora era visivelmente fria. Aproveitando a desocupação do senhor, foi falar com ele.
- Onde estou? - disse.
O homem olhou para o jovem por algum tempo, aparentando estar confuso.
- Where... am... I? - conseguiu dizer, depois de gastar alguns minutos lembrando-se das poucas aulas de Inglês às quais assistira no ginásio, tantos anos atrás.
- Oh, ‘vere’? Shqipëria! - respondeu o velho, com um sotaque carregado e um inglês pobre.
- Where? - perguntou novamente, mais confuso que o outro.
- Shqipëria! Durrës, Shqipëria! - o senhor mostrou-se pensativo por alguns instantes - Albania!
A surpresa o impediu de dizer mais que um “Thank you”, que o velho talvez não tenha ouvido de tão baixo. Olhando para o nada, abriu a porta daquele lugar, que aparentava ser um hotel (mais ainda por fora).

Não sei muito de albanês além do nome do idioma, mas acho que enquanto ele perguntava sobre onde estava, na verdade o homem falava da mulher.
No mais, todos os problemas de idioma presentes no texto remetem à uma provável simbologia em relação à incompreensão reinante nos dias de hoje.

O fato de ele estar apenas de cuecas atraía olhares e causava comentários. Os olhares e comentários geravam, por sua vez, vergonha e medo nele. E o incomodava não saber quem era estranho, ele ou os outros. Ora queria que fossem os outros, ora queria que fosse ele. E não queria desejar essa segunda opção, mas desejava.

Estar só de cuecas é um pesadelo que creio que a maioria de nós já tivemos: pessoas rindo à sua volta, e etc... Acho que no texto deve ser uma apologia ao medo de ser diferente, e da terrível necessidade de sê-lo.

Sentiu fome. Avistou uma lanchonete. Avistou uma lanchonete – era óbvio, por causa das fotos gigantes de comidas estranhas – e entrou com um passo cauteloso. Sentou-se numa cadeira vermelha em frente a um balcão e sentou-se, esperando ser servido. Um jovem de cabelos castanho-claros e pele pálida o entregou um cardápio. Em baixo das palabras em albanês, encontrava-se a tradução para o idioma britânico. Olhou para o rapaz e leu um nome do menu, desconhecido para ele como todos os outros nomes.
Depois de esperar por algum tempo, finalmente lhe serviram um prato de bliny. A panqueca, incorporada à culinária albanesa na época em que o país era parte da União Soviética, vinha acompanhada de um creme azedo e chá. Tentou comer, mas o estranho gosto do doce o repelia. Bebeu um pouco do chá amargo, mas terminar era impossível. Levantou-se e caminhou na direção da porta, mas sua saída foi interrompida pelas palavras do garçom.
- Ten leke and forty quindars, sir!
- What?
- Money, sir!
Esquecera-se de pagar. É claro que lembrar-se teria sido inútil. Poderia pagar tanto quanto bliny podia satisfazê-lo. Nem reais tinha no bolso, quanto mais leke. Nem bolsos tinha. Nada podia fazer. Saiu correndo pela rua lotada, empurrando todos de seu caminho. Correu por quase uma hora, aquecendo um pouco seu corpo frio, por quadras e quadras, passando por ruas cheias e ruas vazias. Mas somente ruas estranhas. Ruas dominadas pela estranha ave de duas cabeaças, ameaçadora e intimidante, que o perseguia estando ele parado ou correndo.

A meu ver mais um reflexo da falta de compreensão citada acima.

Parou em frente ao mar. O Adriático banhava a costa da Albânia até o Canal de Otranto, belo em todo lugar. Mas naquele ponto, no fim daquela ruazinha, o mar era feio. E ele caminhou para dentro da água gelada, que encontrou seu suor fazendo-o parar por um centésimo de segundo. E, mesmo afundando, continuou caminhando, por baixo da água, em direção ao horizonte. Para o Oeste. Para casa. Até que não mais pode caminhar, coberto de água salgada e arenosa. No fundo do estranho mar, para sempre.

Para ser simples: uma alegoria à solidão humana.


Acho que é isso, e se não for foi o que me passou. Isso só prova o quanto este texto é bom. Continue evoluindo neste estilo, Largo! :cheers:
 
Green Arrow disse:
Não sei muito de albanês além do nome do idioma, mas acho que enquanto ele perguntava sobre onde estava, na verdade o homem falava da mulher.
No mais, todos os problemas de idioma presentes no texto remetem à uma provável simbologia em relação à incompreensão reinante nos dias de hoje.

Na verdade, o que ele fala é o mais simples possível... eu não contei pq eu queria ver o que cada um pensava... talvez eu fale depois...
Ah, eu não falo nada de albanês.

Green Arrow disse:
Acho que é isso, e se não for foi o que me passou. Isso só prova o quanto este texto é bom. Continue evoluindo neste estilo, Largo! :cheers:

Olha, tem bastante mais... mas tudo bem, é essa a idéia do iceberg :D
 

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