Lá vou eu, se preparem. Já postei isso numa das listas então algum de vocês já podem ter lido isso...
Eu li todas as suas colunas Deriel, e gosto muito de todas. O que eu escrevi aqui era mais especificamente para o seu texto "É o filme MALIGNO?" mas eu não quis abrir outro tópico.
Lá vai.
Querido Deriel
Li a sua coluna e achei muito interessante. Aliás li a coluna toda,
tudo que você postou pelo site e achei muitíssimo interessante.
Quando o Balrog desengolir a minha inscrição no fórum prometo que vou
conversar com você por lá.
Sabe adorei quando você citou o exemplo do Nome da Rosa. Eu assisti a
adaptação do livro do meu amado Humberto Eco umas cinco vezes em mil-
novecentos-e-eu-estava-no-colégio-naquela-época eu acho, e ODIEI o
filme. Odiei não pelas mesmas razões que vejo os fãs odiando a
coitada da já muito espancada trilogia do PJ, que, inclusive, eu
gosto muito, mas basicamente porque a essência do Nome da Rosa
evaporou no filme. Humberto eco é famoso por seu uso com maestria da
linguagem simbólica onde cada vírgula da escrita e cada palavra que
ele escolhe para colocar no texto é importante e o texto todo se
desenvolve como se fosse um imenso mapa cheio de indicações sutis do
caminho da história. E o que é o filme? James Bond aka Sean Conneri
brincando de monge detetive num mosteiro medieval, apenas a
superfície mais plana da história do Nome da Rosa. É o pior de
Róliúdi destruindo obras literárias.
Permitam-me agora exercitar o papel do Advogado do Diabo.
Como comentei aqui num outro email, para mim sempre foi claro que os
filmes do PJ são e seriam a "visão particular do diretor de cinema
PJ, grande fã de LoTR sobre o livro que ele adora vertido para o
cinema" e não uma adaptação.
Neste ponto é que devemos nos perguntar, sabendo o que sabemos sobre
o cinema, e ainda mais, cinema americano: deveríamos ter esperado
algo diferente? E mais: não poderia ser muito, mas muito pior?
A verdade é que para os padrões do que é a Indústria do Cinema
Americano - por favor leiam esta frase outra vez para o conceito de
Indústria de Cinema Americano assentar bem no cérebro - devemos nos
considerar afortunados. Podia ser um bilhão de vezes mais caça níquel
e pior. Podia ter um Arnold Schwarzeneger ou um Jean Claude Van Damme
fazendo o papel do Aragorn. Poderia ter lutas por cabos chinesas nas
cenas de batalha. Gandalf poderia ter sido transformado em um mago
que tira pombos das mangas, desaparece no ar numa explosão colorida
de fogo, bem no estilo que róliúdi gosta de colocar nos filmes.
A verdade é que as alterações eu PJ está fazendo na obra de Tolkien
não comprometem a história, não modificam a essência do universo
Tolkien, e dão uma excelente noção ao público massificado que vai ao
cinema o que é esse tal de Senhor dos Anéis.
O Senhor dos Anéis nunca foi um livro fácil de ler - sejamos
realistas, 1200 páginas de história complicada num país onde o autor
mais lido é o Paulo Coelho não é exatamente ser "acessível às
multidões" - e aliás, nunca foi fácil de achar para se comprar!
Há alguns anos atrás, antes de começar esta febre toda de SdA, meu
marido queria comprar o livro. Nós revistamos a internet inteira
atrás da mesma edição que eu tinha lido há mais de 20 anos atrás, uma
edição portuguesa em 3 volumes em papel jornal, que descobrimos ser
difícil de encontrar - estava esgotada - e quando possível de achar,
custava 3 vezes o valor que está custando agora. Saiu o primeiro
filme e por encanto, foi possível achar o livro barato e acessível e
mais surpreendente: até o Silmarílion que era absolutamente
impossível de encontrar estava disponível! Isso é resultado do
fenômeno do filme.
Quando leio artigos como este que o Deriel escreveu e coloco em
perspectiva todas os comentários e reclamações que vejo os fãs de
LoTR fazerem, me recordo de um dos autores favoritos da minha
infância: Monteiro Lobato. Li os 12 volumes do Sítio do Picapau
Amarelo muitos anos antes de sequer ouvir falar de LoTR, me tornando
uma ávida fã. Quando a Rede Globo estreou o Sítio na TV - eu tinha a
mesma idade da Narizinho - tive a princípio um pouco de repulsa,
afinal o príncipe escamado era um sujeito pintado de verde, a Emília
era uma mulher de cara amarela, a história foi completamente
modificada tendo até episódios inteiramente inventados pela equipe da
Globo. Para muitos foi uma mutilação dos livros, mas pelo menos
naquela época você encontrava os livros em qualquer esquina. Hoje,
ouço muito pouco alguém mencionar Monteiro Lobato. Talvez
precisássemos que alguém resolvesse fazer uma nova adaptação para a
TV ou cinema para que os livros voltassem a ser populares.
Lidar com a mídia pode ser muito complicado. O cinema - que às vezes
é arte - pode ser terrível de lidar, afinal é uma indústria que quer
e precisa ter lucro.
Mas o que sempre devemos avaliar não são pequenas picuinhas como que
fim levou o Glorfindel, ou cadê o Tom Bombadil no filme, ou por que
Legolas ganhou destaque e sim, se a obra foi respeitada em termos
gerais ou foi completamente deformada com distorções grosseiras.
Acho que o filme não tem tantos defeitos como alguns puristas querem
fazer crer, e o benefício que está trazendo a todos que apreciam
Tolkien é muito maior que qualquer malefício que porventura tenha
acontecido. Eu que não me dedico a ler e reler o livro confesso que
não me lembro nem de metade dos nomes citados no livro, mas fiquei
muito triste com a morte de Haldir no filme, achei uma sacanagem
aquele elfo tão legal, amigo do Aragorn morrer.
Na minha modesta opinião, tudo que auxilia a popularizar uma obra que
vale a pena ser popularizada é um grande benefício. Milhões de
pessoas que nunca leram o livro estão agora querendo saber mais sobre
o livro. Milhões de pessoas que jamais leriam um livro complicado de
1200 páginas se encantam com as imagens do filme e sabem dizer hoje
quem são os hobbits, quem são os elfos e do que se trata a Guerra do
Anel. Pode não ser o que muitos fãs mais puristas gostariam de ver
por aí, assim como é chato ter que explicar que Balrog tem asas sim
pela milionésima vez, mas acho muito agradável virar hoje para uma
pessoa qualquer no metrô e perguntar: Você conhece o Senhor dos
Anéis? e ouvir um sim como resposta do que a resposta que eu mais
ouvi até dois anos atrás: não tenho a menor idéia do que se trata.
para reflexão!