Antes de fazer este post, olhei todas as mensagens do tópico para ter a certeza de que não havia comentado nada aqui (sim, há outros jeitos de descobrir isso, mas o tópico tem poucas páginas, foi tranquilo), porque eu tenho certeza de que minha opinião sobre o assunto teria mudado bastante. Eu não sou a mesma leitora que era há dez anos. E não falo isso quanto ao fato de eu já ter amadurecido como leitora, de ter aumentado a quantidade de livros lidos, enfim. Os meus hábitos de leitura mudaram muito porque eu, como ser humano, mudei (e nem estou falando do ponto de vista de eu ter evoluído como pessoa, não, muito pelo contrário). Vou explicar melhor a partir da citação abaixo:
Estive participando de uma discussão literária entre vários blogs, em torno de um livro meio modernista, de leitura um tanto complicada. A certa altura, um dos participantes escreveu: “É um bom livro, um livro importante, mas não é o tipo de livro que escolho quando me enrosco no sofá, numa noite tranquila, com uma xícara de chá”. A imagem corresponde às circunstâncias ideais de leitura: um local aconchegante, um tempo prolongado, sem interrupções, uma bebida leve ou algum lanche miúdo para ficar “beliscando”...
Há algum tempo, eu consideraria as circunstâncias ideais de leitura mencionadas como verdades talhadas em pedra. Agora, ao ler isso, minha reação foi a seguinte: QUE HORROR! COMER ENQUANTO LÊ? AS PÁGINAS FICARÃO MARCADAS, ENGORDURADAS! E SE EU DERRUBAR CAFÉ NO MEU LIVRO? SOCORRO! (Não fiquem velhos!)
Outra coisa: houve uma época em que a única coisa que eu precisava para ler era ter um livro nas mãos. Eu poderia estar em qualquer lugar, com qualquer quantidade de barulho (eu sempre tive facilidade para dispersar, mas quando estava envolvida num livro, bloqueava qualquer barulho, era impressionante!) que conseguia ler tranquilamente, fosse o livro de difícil leitura ou não. Nada conseguia me tirar daquele universo. Hoje, com as responsabilidades e os problemas que a idade me trouxe, eu peno para conseguir me concentrar. Pego o livro, abro a página, e já começo: EU TENHO MIL PROVAS PARA CORRIGIR, TENHO DE LANÇAR CHAMADA, TENHO DE FAZER O PROJETO DA FEIRA DE CULTURA! Aí eu volto para a leitura, e não sei mais o que eu estava lendo antes. Aí eu me lembro de outras coisas que tenho de resolver (EU TENHO DE COMPRAR OS REMÉDIOS DO MEU PAI! NOSSA, AMANHÃ É A CONSULTA DA MINHA MÃE, PRECISO TROCAR O HORÁRIO NO TRABALHO! MEU DEUS DO CÉU! A CONTA DE LUZ VEIO MUITO CARA, COMO EU VOU PAGAR ISSO?), e corro para pegar um café, aí fico um tempo longe do livro porque eu sou muito desastrada e, como vocês já leram ali em cima, eu sou neurótica e acho que vou derrubar o café no livro.
(cada livro nos remete a um universo seletivo, a um cardápio cultural único e irrepetível).
Tenho certeza de que a analogia é interessante, mas isso me deu uma fome dos diabos! (Esfomeada: pô, não pode repetir merenda? Se eu gosto dum livro, vou querer devorá-lo por inúmeras vezes. Aliás, isso não mudou: AMO reler meus livros preferidos. Releio O Silmarillion todos os anos, por exemplo).
A segunda leitura é para rir, emocionar-se, excitar-se, assustar-se, participar daquela narrativa com a voluntária suspensão da descrença.
Eu entendi o que o Bráulio Tavares quis dizer, mas eu achei meio complicado porque tanto na literatura que se baseia no intelecto - teatro de Brecht - quando na que se baseia na emoção, conforme Stanislavski, há o pacto ficcional. Podemos dizer que a suspensão da descrença se torna mais visível conforme o propósito e as estratégias de escrita utilizadas pelo autor, mas literatura é pacto (Guimarães Rosa, em Grande Sertão, deixou isso bem claro, ou não, no meio do redemoinho de palavras).
Não é para me gabar, mas eu acho que sou o Leitor Completo. Porque eu não apenas sou capaz de ambas as leituras, como salto de uma para outra sem precisar sequer apertar um botão ou dar um Alt+Tab.
Eu também gosto tanto dos livros "emocionais" quanto dos "intelectuais". Por exemplo: consigo fazer a transição entre um livro clássico e um YA sem o menor problema. Tenho 32 anos e ainda tenho a mesma paixão de outrora pela literatura de detetive (é só não ler uma obra fechada esperando um campo para interpretações de obra aberta, né?), assim como Machado de Assis continua sendo o meu escritor preferido. O que mudou é que tanto para um tipo de literatura quanto para o outro, eu tenho mais dificuldade para me concentrar. Eu tenho menos tempo para fazer o "ritual" de leitura, porque as burocracias do dia a dia acabam me soterrando.