Uma análise facebookiana:
Vendo Spotlight pela terceira vez, agora por acidente rs, reparei em quão brilhante o roteiro é ao determinar de forma meio sinuosa quem é a protagonista da história e como ele espelha uma trama de redenção. Como diria o saudoso Goulart de Andrade, "venham comigo". Assistindo ao filme, temos a impressão de que Ben Bradlee, Jr. (John Slattery) receia fazer parte da história por motivos escusos ou meramente por temer a reação da cidade, predominantemente católica. No começo do filme ele mesmo questiona a decisão do recém-chegado Marty Baron (Liev Schreiber) de definir a pauta da Spotlight - afinal, é uma equipe que escolhe suas próprias pautas, uma liberdade que a torna diferente das redações de outros jornais. Mas Baron vê uma oportunidade e define isso, pronto, acabou-se. No entanto, quando avançamos mais no filme, testemunhas e vítimas declaram que já tinham entrado em contato com o jornal antes pra denunciar os abusos, mas eles não fizeram nada. Por uma questão de hierarquia, Bradlee está acima de Walter Robinson (Michael Keaton), e Robby até ouve pessoalmente isso duas vezes e mesmo Sacha Pfeiffer (Rachel McAdams) conta pra ele que havia encontrado um trecho de reportagem que se perdeu no passado e que não teve prosseguimento. O espectador, treinado por décadas de tramas mirabolantes, suspeita que haja um infiltrado no jornal! Oh! O roteiro manipula essa leitura de Bradlee até o ponto do aceitável, afinal o próprio filme mostra ele tão empenhado quanto os demais em descobrir a verdade - não só ele ajuda a encontrar as fontes bibliográficas como ainda visita Rezendes (Mark Ruffalo) e se mantém do lado de Robby com relação à continuidade da reportagem. Mas aí vem o twist perto do fim: o próprio Robby havia "afundado" a reportagem no passado. Ele não sabe dizer porque, não lembra o que houve, mas ele o fez. Até mesmo Rezendes tenha justificar a atitude de Robby, quando antes o confrontara sobre atrasar a reportagem: "você mesmo disse que a matéria precisava da Spotlight." "A Spotlight está há décadas aqui." Quando você pensa nessa confissão, todo o esforço de Robby de ir ativamente atrás dos "manda-chuvas", dos maiores envolvidos (advogados e promotores, o presidente da escola católica onde estudou e era colega de uma das vítimas), ganha maior peso - "a Verdade vos libertará" ocorre tanto para as vítimas, que tem sua dor reconhecida e que agora não precisam mais temer que isso caia no esquecimento, quanto para Robby, que une esforço para deixar a vergonha de seu passado e a confissão para os demais para se redimir do que fez e deixou de fazer. Com isso, o filme trabalha não só a denúncia de abusos dentro da ICAR, demandando que ela seja verdadeira e clara, como também a necessidade do indivíduo de ser verdadeiro consigo - e em que campo a ideia de Verdade é o ideal embora questionemos isso o tempo todo, reflitamos sobre o que representa a Verdade de facto? O jornalismo. Isso me faz pensar em alguns críticos que denunciaram o filme como anti-cristão, anti-católico, propaganda, etc. Desconsiderando o fato de que o filme trata de fatos reais e que podem ser consultados por qualquer um que tenha um cérebro, vejo no filme justamente essa reprodução da ideia do que trata o cristianismo, de forma tão forte quanto O Evangelho Segundo São Mateus, de Pasolini, ou Diário de um Pároco de Aldeia, de Bresson: a vida pelo caminho da Verdade. Foca-se tanto no sobrenatural que se esquece que a ontologia compreende o mundo natural também - afinal, Paulo mesmo dizia "agora, vemos como enigmas num espelho; depois, veremos face a face".