RIO - Escritores e editoras celebram a decisão do STF na tarde desta quarta-feira, em que, por enquanto, sete dos nove ministros votaram à favor da liberação de publicação de biografias não autorizadas.
Paulo César de Araújo, biógrafo:
"A Supremo Corte acabou hoje com esse entulho autoritário da censura prévia. Meu livro voltará. Será atualizado. A publicação anterior era de 2006, Roberto Carlos não tinha feito 'Esse cara sou eu'. Então será uma obra ampliada e atualizada".
Ana Maria Machado, escritora, imortal, ex-presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL)
"A ABL certamente comemora essa decisão STF não decepcionou o país e a cultura brasileira. É um passo fundamental para nós, escritores. A partir de agora, é fundamental que a Justiça seja rápida em caso de calúnias e difamação."
Otávio Marques da Costa, publisher na Companhia das Letras:
"Ficamos todos muito felizes, temos esperança de que isso vá estimular a produção de novas biografias. A decisão do Supremo gera um ambiente de maior segurança jurídica para que editoras possam publicar e escritores possam escrever. O principal problema era a situação de insegurança, não se sabia que consequências se poderia sofrer. A Cia das Letras não tem nenhuma biografia engavetada à espera de que a lei mudasse ou da decisão do Supremo. Mas é claro que temos várias biografias contratadas: uma sobre Roberto Marinho, escrita por Leonencio Nossa, com previsão de lançamento para fim de 2017, começo de 2018; outra de Silvio Santos, por Ricardo Valadares, para 2017; e ainda do Roberto Civita, escrita pelo Carlos Maranhão, que teve acesso a ele em vida, também para 2017. Em nenhum caso buscamos autorização, preferimos sempre manter a independência."
Associação Nacional dos Editores de Livros (Anel), em comunicado:
"Hoje, os brasileiros reconquistaram o direito de livre acesso ao conhecimento sobre a sua História. A Associação Nacional dos Editores de Livros gostaria de expressar seu reconhecimento pela atuação firme, equilibrada e lúcida do Supremo Tribunal Federal, e em especial pela Ministra relatora Carmen Lúcia, na Ação Direta de Inconstitucionalidade que movemos relativa à censura prévia de biografias independentes, ou não autorizadas."
Sergio Machado, presidente do Grupo Record:
"Eu acho que houve um grande avanço. A decisão traz um nível de tranquilidade para o setor. O que não significa que liberou geral. Continuamos responsáveis pelos livros e pelos conteúdos.O que estou dizendo é que não podemos entender essa decisão como uma autorização para publicar tudo o que é verdade. Há casos em que a verdade pode ser ofensiva e caberá a nós discutir a situação para ver se há risco de processo. Essa sutileza não foi nem provocada. Pelo meu entendimento, continua a ser questionado o que é considerado ofensa, ainda que verdade. A questão da exceção da verdade. Talvez no futuro, com casos concretos, caibam recursos que exigirão um posicionamento. Mas houve avanço."
Lira Neto, biógrafo de personalidades como Getúlio, Maysa e Padre Cícero:
"Foi uma votação realmente histórica. Prevaleceu por unanimidade o bom senso. Ganhou a democracia, perderam os defensores do obscurantismo e da censura. Um detalhe talvez tenha passado despercebido ao longo de toda essa celeuma. O artigo 20 do Código Civil não proibia apenas as biografias não autorizadas. O absurdo ia além, se considerado rigorosamente o que dizia o texto legal. Qualquer pessoa que se sentisse atacado em sua “honra, fama ou respeitabilidade” poderia barrar a veiculação inclusive de livros escritos por historiadores, sociólogos, economistas ou cientistas políticos; barrar a exibição de filmes, minisséries e documentários, impedir a circulação de obras jornalísticas, literárias, científicas e de qualquer outra natureza. Era a própria memória do país que estava sob ameaça."
Toninho Vaz, biógrafo de Leminski (cuja quarta edição foi proibida pela família do poeta):
"Caio no lugar comum daqueles libertários que esperam e torcem para que o Brasil passe a viver um momento de mais relaxamento e liberdade. Ao longo do dia de hoje os ministros discutiram aspectos muito importante e relevantes, e inclusive citaram apropriadamente o meu livro, que foi impedido de circular por conta de uma acusação estapafúrdia e infundada. Alegaram que eu estava cometendo desatinos de ordem íntima por ter incluído um trecho de oito linhas sobre o suicídio do irmão do Paulo. A família nunca pediu que eu retirasse o trecho, eles tentaram impedir a obra de circular."
Vitor Nuzzi, biógrafo de Geraldo Vandré, cuja obra foi dispensada por editoras:
"A decisão do STF é positiva em dois aspectos: pela prevalência da liberdade de expressão e por chamar atenção para a questão da privacidade. A preocupação dos biografados é legítima. E o entendimento é legítimo por ser um chamado à responsabilidade dos biógrafos. Biografia não é fofoca, é documento histórico. Por isso, tem que ser tratado com muita responsabilidade."
Selma Caetano, curadora gestora do Prêmio Oceanos (ex-Portugal Telecom)
"Se eu tivesse esse poder (que o STF tem) a minha tendência seria liberar a publicação de biografias não autorizadas. Biografia não é aquilo que o biografado acha que é a sua vida. É uma obra autoral."
Alberto Schprejer, ex-editor e fundador da Relume Dumará (que publicou livro da série "Perfis do Rio" de Paulo Polzonoff sobre Manuel Bandeira, recolhida das livrarias).
"É como a Lei Áurea. Para nós, editores, tem esse significado. Muitos trabalhos foram feitos e não circularam. Incontáveis outros foram inibidos."
Gilberto Gil:
"Já era esperado. Os artigos 20 e 21, do jeito que estão, são satisfatórios."
Luiz Schwarcz, da Companhia das Letras:
Sobre a biografia do Noel Rosa, do João Máximo e Carlos Didier:
"Não houve nenhum impasse por questões com a família do Noel. Tínhamos acerto com o João Máximo, mas não chegamos a um acordo com o outro autor, que não se mostrou disponível e tivemos que abandonar o negócio."
Sobre biografias da Cia das Letras e Garrincha:
"Nenhum trabalho nosso foi paralisado por causa de ações judiciais. A Companhia sempre enfrentou as dificuldades (nesse campo) de peito aberto. O que aconteceu com (a biografia do) Garrincha foi que tivemos de fazer um acordo financeiro com as filhas dele para poder manter a obra nas livrarias. Não capitulamos nunca."
Sobre a biografia de Geraldo Vandré
"Houve um certo sensacionalismo por parte da imprensa com relação à biografia do Geraldo Vandré. Disseram que o livro (do Victor Nuzzi) foi rejeitado pelas editoras, mas muitas delas podem não ter tido acesso à obra.
Sobre biografias em processo de trabalho:
"Nossa postura sempre foi rejeitar biografias sensacionalistas. Temos um trabalho sério, de defender a liberdade de expressão. Nenhuma de nossas biografias foi interrompida: Silvio Santos, Roberto Marinho e Roberto Civita - todos, empresários da comunicação. O que fazíamos era submeter os trabalhos a uma assessoria jurídica para saber se teríamos problemas e para evitar que fossemos achacados financeiramente."
Sobre a biografia de Roberto Carlos, escrita por Paulo César:
"Estávamos trabalhando silenciosamente, disposto a enfrentar o que fosse necessário para fazer com que a biografia dele saísse."
Sobre a decisão do STF:
"Só podemos celebrar que o país agora teve sua liberdade de expressão restaurada e nós ficaremos mais tranquilos para trabalhar como vínhamos fazendo. Não vamos mudar nossa filosofia e continuaremos trabalhando em biografias de qualidade e com muita responsabilidade na apuração."