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Notícias Escritor Gabriel García Márquez morre aos 87 anos

Ana Lovejoy

Administrador
Morreu escritor colombiano Gabriel García Márquez, informou a agência de notícias Reuters. A notícia foi dada por jornais como o colombiano "El Tiempo", o mexicano "Excelsior" e o espanhol "El País". Ele ficou internado com uma infecção respiratória na Cidade do México, onde morava, entre o fim de março e início de abril.

Em julho de 2012, o mais novo de seus dez irmãos, Jaime García Márquez, revelou que o autor sofria de demência senil “há alguns anos” e que estava lutando contra a perda de memória. O escritor era casado com Mercedes Barcha Pardo desde 1958. Eles tiveram dois filhos: Rodrigo, que nasceu em 1959, e Gonzalo, nascido em 1962.

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Considerado um dos mais importantes escritores do século 20 e um dos mais renomados autores latinos da história, Gabriel García Márquez nasceu em 6 de março de 1927, em Aracataca, na Colômbia. Chegou a estudar Direito e Ciências Políticas na Universidade Nacional da Colômbia, mas não concluiu o curso, preferindo iniciar carreira no jornalismo.

Seu primeiro romance, “A revoada (O enterro do diabo)” foi escrito no início da década de 1950, mas publicado apenas em 1955 por iniciativa de amigos enquanto ele estava na Europa.

Já tendo como cenário a cidade de Macondo, que apareceria em outras de suas obras, o livro tinha como narradores três personagens, um velho coronel, sua filha e o neto, ainda criança.
O sucesso internacional, no entanto, veio principalmente após a publicação de seu romance mais famoso, “Cem anos de solidão”, em 1967. Entre seus títulos mais conhecidos estão ainda “A incrível e triste história de Cândida Eréndira e sua avó desalmada”, “O outono do patriarca”, “Crônica de uma morte anunciada”, “O amor nos tempos do cólera”, “Do amor e outros demônios” e “Memórias de minhas putas tristes”.

Márquez recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 1982 pelo conjunto de sua obra. Foi o primeiro colombiano e quarto latino-americano a receber o prêmio, e, na ocasião, agradeceu com um discurso intitulado “A solidão na América Latina”.

“El Gabo”, como era conhecido na América Latina, continuou escrevendo até o final da década de 90, mas seu trabalho foi reduzido a partir de 1999, quando recebeu o diagnóstico de um câncer linfático. Em 2002, ainda em tratamento, publicou sua autobiografia, “Viver para contar”. A aposentadoria oficial do escritor foi anunciada em 2009 por agentes literários.

García Márquez casou-se com Mercedes Barcha Pardo em 1958, e no ano seguinte nasceu o primeiro filho do casal, Rodrigo. Roteirista e diretor de TV e cinema, Rodrigo García dirigiu filmes como “Questão de vida” e “Albert Nobbs” e episódios de diversas séries, como “Família Soprano” e “A sete palmos”, além de ser o criador da série “In treatment”, que ganhou versões em diversos países, incluindo o Brasil, onde recebeu o nome de “Sessão de terapia” e foi produzida pelo canal GNT. Nascido em 1962, no México, o filho mais novo do escritor, Gonzalo, é designer gráfico.

http://g1.globo.com/pop-arte/notici...briel-garcia-marquez-morre-dizem-jornais.html
 
Alguém me acorda desse pesadelo, por gentileza. Vai ser difícil ficar nesse mundo sem o cara que embalou os meus piores momentos e os transformou em pura magia.
 
Enquanto isso:

17/04/2014

às 19:21
García Márquez: outro homem de gênio que era um idiota
Lá vou eu procurar sarna para me coçar, não é?, mas por que não? Morreu Gabriel García Márquez, ao 86 anos. Foi um escritor de extraordinário e genuíno talento. O justamente celebrado “Cem Anos de Solidão” será sempre um grande romance, sem chance, acho para revisões. Era também um contista formidável. Os textos reunidos em “A Incrível e Triste História de Cândida Erêndira e Sua Avó Desalmada” o colocam entre os mestres do gênero. García Márquez conseguiu, como ninguém, traduzir em palavras a cor local da América espanhola — que não é a nossa, leitor amigo, porque gongórica, mística, assaltada por fantasmas de culturas remanescentes esmagadas pela colonização, mas muito presentes no imaginário cotidiano.

Tinha uma outra qualidade sem a qual este conservador que escreve não vê a possibilidade de um romance ou de um conto vir à luz: sabia contar uma história que sempre se projetava além das irresoluções e chiliques do eu-narrador, como virou moda hoje em dia. Gabriel García Márquez dominava plenamente seu ofício e brincava com as palavras. Sua literatura tinha cor, tinha cheiro, tinha gosto. Reinventou o realismo mágico e criou um estilo. É muito mais do que pode ambicionar um grande escritor. Tinha uma outra virtude: não era, e sabia que não era, um pensador. Sua literatura nunca é sentenciosa ou programática. E, por isso, eu o aplaudo.

Mas vaio também. O escritor genial era um idiota político, e não é possível negligenciar esse aspecto de sua persona pública. Amigo pessoal de Fidel Castro, cujos crimes defendeu de modo incondicional, García Márquez flertou com as teses mais estúpidas sobre a América Latina, quando não as endossou. Estou entre os que advogam a independência do território da arte. O gigantesco poeta americano Ezra Pound não deve ser lido — já escrevi isto algumas vezes — em razão de sua simpatia pelo fascismo, o que lhe rendeu a prisão numa espécie de manicômio. Céline era um grande escritor e um antissemita asqueroso. O russo Máximo Górki, talentosíssimo, visitava, acreditem, em companhia do tirano Stálin, campos de trabalhos forçados — que é o nome que os campos de concentração receberam na União Soviética. Pior do que isso: beneficiava-se da intimidade com o poder. Tinha à sua disposição uma fabulosa “datcha” — a casa de campo para passar o verão e a primavera — que lhe proporcionava o regime. Era tal a sua intimidade com o poder que ele próprio virou nome de uma “Datcha”, que servia aos regalos da burocracia soviética.

Como Górki pôde ser tão estúpido? Como é que Pound não percebeu a natureza do fascismo? Por que Céline não se dava conta da indignidade essencial do antissemitismo? Vamos morrer sem ter essas respostas. No fim das contas, não aceitamos a ideia de que uma pessoa de gênio na sua arte, seja ela qual for, possa estar estupidamente errada sobre um porção de coisas. O gênio artístico não obriga ninguém a fazer as escolhas morais razoáveis. Boas pessoas podem ser terrivelmente estúpidas. E canalhas podem ser gênios insuperáveis.

É difícil conviver com isso. Ofende o nosso senso de decoro.

Por Reinaldo Azevedo

Fonte: http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/garcia-marquez-outro-homem-de-genio-que-era-um-idiota/
 
Eu sinceramente não dou a mínima pra vida do cara, o que importa é sua obra. Estou de luto pelo Gabriel escritor, pois é o único que conheço.
 
Eu sinceramente não dou a mínima pra vida do cara, o que importa é sua obra. Estou de luto pelo Gabriel escritor, pois é o único que conheço.

Bem por aí. Quem me conhece sabe que eu obviamente discordaria dos posicionamentos políticos do Gabo. Mas isso não altera minha admiração pela sua obra magnífica, tampouco muda sua importância para a literatura mundial e seu valor enquanto artista.

Toda pessoa tem suas diversas facetas, e a coisa mais comum é encontrarmos discordância com alguma(s) delas. O que alguns não entendem é que isso não caracteriza as pessoas como inimigas, opostas ou como inconciliáveis entre si. Pelo contrário: as caracteriza como diversas e, acima de tudo, semelhantes e próximas, apesar de suas diferenças.

Gabo era, assim como qualquer um aqui, um ser humano com qualidades e defeitos, com opiniões políticas, sociais, econômicas, com gostos e preferências, com jeitos e maneirismos. Mas ele também tinha um talento raro que fez dele alguém especialíssimo para a literatura e, por consequência, importante para muitas pessoas. E é por esse talento e pelas obras que vieram dele que ele merece nossa admiração e gratitude.

RIP, Gabo.
 
Realmente o que vale é a obra deixada pelo homem, seja ele escritor, compositor ou de outro ramo artístico. Assim, lamentamos a morte desse grande nome da literatura universal.
 
eu tive uma posição definitiva sobre essa coisa de separar obra de autor com o bret easton ellis. eu adorei psicopata americano, é um puta livro. mas descobri que infelizmente o cara é um baita escroto. vai mudar minha opinião sobre o livro do qual gostei? claro que não. eu gostei do livro, não do autor.

mããããs... nessa dissociação toda, não deixo de pensar aqui se então todo mundo que está lamentando a morte do gabo já não deveria estar lamentando antes, quando ele anunciou que não mais escreveria (acho que isso tem uns dois, três anos). assim, se o que vale é a obra, o gabo morreu há 10 anos, quando da publicação de memória de minhas putas tristes (último romance inédito, o que saiu por aqui depois eram ensaios e afins já publicados anteriormente). :think:
 
E Putas Tristes foi bem mediano. De qualquer forma muita gente anuncia que parou de escrever, que parou de tocar e derrepente bate a vontade e lança coisa nova. Enquanto há vida há possibilidade de algo novo surgir a despeito de declarações anteriores.
 
mããããs... nessa dissociação toda, não deixo de pensar aqui se então todo mundo que está lamentando a morte do gabo já não deveria estar lamentando antes, quando ele anunciou que não mais escreveria (acho que isso tem uns dois, três anos). assim, se o que vale é a obra, o gabo morreu há 10 anos, quando da publicação de memória de minhas putas tristes (último romance inédito, o que saiu por aqui depois eram ensaios e afins já publicados anteriormente). :think:

Bem notado. Acho que no fim das contas o lance é que a morte causa mais impacto do que o anúncio de que ele não iria mais escrever. Na real, acho que muita gente nem sabia desse anúncio, e outros muitos não sabiam sequer que ele estava doente. Além disso, acho que essa dissociação também não é assim tão comum. Sobretudo nessa hora: quando o autor morre, ele e sua obra se fundem e o lamento é único. Até porque a dissociação é sobre alguns aspectos da vida, mas dificilmente será desses aspectos com a vida em si.
 
Bem por aí. Quem me conhece sabe que eu obviamente discordaria dos posicionamentos políticos do Gabo. Mas isso não altera minha admiração pela sua obra magnífica, tampouco muda sua importância para a literatura mundial e seu valor enquanto artista.

Toda pessoa tem suas diversas facetas, e a coisa mais comum é encontrarmos discordância com alguma(s) delas. O que alguns não entendem é que isso não caracteriza as pessoas como inimigas, opostas ou como inconciliáveis entre si. Pelo contrário: as caracteriza como diversas e, acima de tudo, semelhantes e próximas, apesar de suas diferenças.

Gabo era, assim como qualquer um aqui, um ser humano com qualidades e defeitos, com opiniões políticas, sociais, econômicas, com gostos e preferências, com jeitos e maneirismos. Mas ele também tinha um talento raro que fez dele alguém especialíssimo para a literatura e, por consequência, importante para muitas pessoas. E é por esse talento e pelas obras que vieram dele que ele merece nossa admiração e gratitude.

RIP, Gabo.

Muito feliz a sua postagem, Fëa. E acho que não dissociar a obra da pessoa é - em alguma medida - um vício de formação. rs

De todo modo, eu trouxe o texto à tona porque eu já o esperava - vindo do Azevedo ou do Constantino.
É a mesma atitude, aliás, que ele teve para com o historiador Eric Hobsbawm. Fica a sensação de que, para o Azevedo, o espectro político é dividido entre uma certa direita e os idiotas. É claro que ele tem todo o direito de achar tal ou tal pessoa idiota. Mas todo esse ranço acaba por prejudicar a própria formulação da crítica. O único argumento que vi ele apontar no texto foi as relações de Gabo com Fidel, como se isso fosse uma crítica autoevidente. E isso me induz a considerar que o idiota, o canalha, em questão seja o próprio Azevedo, a despeito de seus méritos intelectuais e de alguns pontos no próprio texto que são razoáveis.

Sobre a obra do Gabo, eu ainda não posso opinar. Lembro de uma aula de História da América IV na faculdade, em que o professor - um estudioso da literatura latino-americana - fez algumas considerações a respeito que me despertaram o interesse. E desde então ele se tornou um daqueles autores que eu queria muito ler, mas por alguma razão nunca li. E é trágico que tenha sido a morte dele a inflacionar o meu interesse. Acho que vou acabar passando na livraria.
 
Última edição:
E pra não dizer que é uma mera recusa minha a considerar tudo o que venha sob a "marca" Veja, um professor me indicou o texto do Sergio Rodrigues, que é infinitamente superior ao arremedo de crítica que o Azevedo publicou:


Pelo mundo
Gabo (1927-2014): o legado complexo de um gênio


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García Márquez: escritor consagrado, intelectual público polêmico (Yuri Cortez/AFP)

A reputação literária do colombiano Gabriel García Márquez, que morreu hoje na Cidade do México, aos 87 anos, está estabelecida faz tempo. Sua cotação na Bolsa de Valores Literários deverá sofrer oscilações no futuro, como a de qualquer escritor que não seja simplesmente esquecido, mas poucas vozes devem se dar ao trabalho de lamentar, por exemplo, seu “folclorismo e exotismo realmente desnecessários” como fez o exilado cubano Guillermo Cabrera Infante, um desafeto político morto em 2005. “Cem anos de solidão” é um monumento cravado na história da literatura, ponto. Como seus três ou quatro principais livros depois dele mantêm o sarrafo lá no alto, o solo sob os pés do escritor parece firme. No caso de Gabo, como o chamavam os amigos próximos (e os jornalistas de qualquer distância), a reputação que falta fixar é a do homem público, a do “político” – papel que o ex-menino pobre e franzino de Aracataca passou a representar de modo praticamente profissional depois de se consolidar como celebridade planetária com o Nobel de literatura de 1982.


Foi essa frente política – ou seriam fundos? – que a crítica internacional atacou com maior apetite na notável biografia autorizada que o inglês Gerald Martin publicou em 2009, após 17 anos de trabalho, lançada no ano seguinte no Brasil: “Gabriel García Márquez: uma vida” (Ediouro, tradução de Cordélia Magalhães). Não adianta dizer que o homem político interessa pouco, que só se deve julgar um escritor por sua obra: García Márquez se impôs no papel não só por sua estética “terceiro-mundista”, influenciadora de gerações de escritores ditos pós-coloniais, mas sobretudo por uma atuação pública de esquerda que sobreviveu à própria ideia de esquerda. Como separar vida e obra de quem prometeu em 1975, após lançar “O outono do patriarca”, que não voltaria a escrever romances enquanto o ditador chileno Augusto Pinochet estivesse no poder – promessa felizmente descumprida?

O calcanhar-de-aquiles mirado preferencialmente pelos críticos tem barba rala e um gosto por uniformes de campanha. Admirador de primeira hora de Fidel Castro e seu amigo desde meados dos anos 1970, o escritor ilustre veio a se tornar também seu maior avalista internacional – disparado – à medida que os novos ares políticos do mundo foram convertendo o ex-líder revolucionário romântico num dinossauro político. Essa amizade custou caro ao conceito de Gabo em certos círculos. Sem esconder sua condição de fã, Gerald Martin atacou o tema de frente, mas mesmo assim levou cascudos da maioria dos críticos por se abster de julgar seu personagem. De fato, o biógrafo jamais se declara contrário a um apoio polêmico que não foi retirado nem quando, no episódio do fuzilamento de presos políticos cubanos em 1989 – entre eles um amigo de Gabo, o general Arnaldo Ochoa –, o mundo intelectual desabou em cima do escritor, Susan Sontag incluída. O ex-amigo e depois inimigo do peito Mario Vargas Llosa (mais sobre a briga aqui) lhe deu um cruel apelido, que pegou: “Lacaio de Fidel”. Natural: será sempre alto – e justo – o preço pago por um artista de peso ao endossar um regime ditatorial que passa sentenças de morte por crimes de opinião. Isso não quer dizer que não haja um tipo de coerência na posição de Gabo.

A imagem de García Márquez como intelectual público que emerge de sua biografia é infinitamente mais complicada que a do escritor consagrado: muitas vezes indefensável e maculada por doses maciças de vaidade e fascínio pelo poder, mas ao mesmo tempo corajosa e com traços de ingenuidade – um escritor, talvez o último de sua linhagem, que sonhou influenciar os rumos da humanidade para além dos livros. Basta levar em conta um mínimo de contexto histórico e cultural para deixar evidente o ranço imperialista da resenha sobre o livro de Martin que o escritor Paul Berman publicou no jornal “The New York Times”: “Por que García Márquez escolheu travar tal amizade [com Fidel] é algo que eu não consigo explicar”. Quando tenta, Berman só consegue dizer que o escritor “sempre foi fascinado pelo grotesco, pelo patético e pelo improvável.” A explicação é outra, claro. Do ponto de vista do escritor colombiano, Fidel foi o maior nome da política latino-americana no século XX, líder de uma revolução que, na esteira do bloqueio americano, passou por dificuldades, endurecimentos e erros, mas nada que lhe tirasse o mérito original da autoafirmação de um continente marcado por séculos de servilismo. Isso é García Márquez puro.

Não se trata de defender sua posição, mas de compreendê-la. Quando narra o famoso caso em que o escritor atuou como guarda-costas de Fidel em visita à Colômbia, em 1994, seu biógrafo não foge da informação e ainda acrescenta ao quadro um detalhe fundamental: ao se prontificar a tomar um tiro no lugar do amigo, o que Gabo expunha, mais do que lealdade cega, era o orgulho de quem se considerava inatingível em sua posição de herói popular – ora, que colombiano arriscaria lhe fazer mal? Com exceção dos trechos em que enaltece os méritos literários do biografado, Martin é um narrador sóbrio, embora nunca menos que gentil com seu personagem. Sóbrio a ponto de, quem sabe a despeito de si mesmo, terminar por ser imparcial. Quando García Márquez brincou que “todo escritor deve ter um biógrafo inglês”, talvez não captasse todo o alcance da frase.

Mais embaraçosa sob certos aspectos era sua amizade festiva com Omar Torrijos, ditador populista do Panamá, também detalhada no livro. Desse quebra-cabeça político desponta um García Márquez que, como sua prosa, é mais colorido e barroco do que reto, embora tenda a ser de uma lealdade quase mafiosa a seus amigos – veja-se o modo como se aferrou a Fidel em seus tempos mais difíceis, no momento em que a maré do mundo virava com a ascensão de João Paulo II, Margaret Thatcher, Ronald Reagan e Mikhail Gorbachev. A defesa politicamente incorreta que fez de seu também amigo Bill Clinton no episódio Monica Lewinsky é mais uma confirmação desse estilo. Personalista e não programático, Gabo cultivou ainda as boas graças dos esquerdistas moderados François Miterrand e Felipe González – e apoiou até um candidato conservador à presidência da Colômbia, Andrés Pastrana. Em compensação, nunca gostou de Hugo Chávez, apesar de compartilharem o antiamericanismo. A vaidade transoceânica era um dos lados menos favoráveis do baixinho Gabo. Fica óbvio o prazer que ele sentia no papel de mediador universal: o escritor no labirinto de sua própria influência, sob o peso de uma fama achachapante, brincando de resolver os problemas do mundo.

Esta é a segunda metade da biografia, pós-sucesso e sobretudo pós-Nobel. A primeira, que se lê como um conto de fadas, destrincha a intrincada árvore genealógica que García Márquez se dedicou a espelhar e deformar em suas histórias e o segue passo a passo, quase dia a dia, por meio de uma apuração de rigor maníaco: os primeiros anos de menino praticamente abandonado por pai e mãe, a adolescência entre prostitutas, o horizonte curto de um rapaz pobre perdido na zona bananeira da Colômbia que de repente ganhou uma bolsa de estudos salvadora, virou jornalista e casou-se com seu amor de infância, a discreta Mercedes, com quem teve filhos, correu o mundo e passou por situações de extrema penúria. Até que, em 1967, como se fosse uma pedra filosofal levada a Macondo pelo cigano Melquíades, “Cem anos de solidão” transformou a abóbora em carruagem de ouro.

Uma boa ideia do que foi o impacto desse livro pode ser alcançada imaginando-se uma fusão absurda: a de um Charles Dickens moderno com Harry Potter para adultos, temperada por um Jorge Luis Borges que vendesse horrores. Algo que todo mundo era obrigado a ler, que entusiasmava tanto a telefonista do escritório quanto o pós-doutor de Harvard. Nenhum escritor de meio século para cá, talvez mais, chegou perto de operar a mágica desse casamento de alta cultura e cultura de massa com a eficiência e a genialidade de Gabriel García Márquez.

O texto acima é a atualização de um artigo que publiquei na revista “Bravo” em 2010.

Fonte: http://veja.abril.com.br/blog/todoprosa/pelo-mundo/gabo-1927-2014-o-legado-complexo-de-um-genio/
 
Muito bem, @Mercúcio !

:clap:


Achei desnecessário o adjetivo "idiota político". Longe de querer argumentar a relação autor - obra, que na minha opinião é difícil desassociar - a linha do "idiota político", por exemplo, nós encontramos em Cem anos de solidão, obra tão elogiada nos primeiros parágrafos da coluna: a Companhia Bananeira, a greve dos trabalhadores e a repressão violenta do Estado ligado ao capital estrangeiro, demarcam o posicionamento do colombiano. Não que a literatura de García Márquez fosse extremamente militante, mas ali, no seu realismo fantástico, estava o homem da esquerda, que deve ser sempre contextualizado (isso não quer dizer que a obra esteja restrita a quem partilhe seus ideais. Pelo contrário, a admiração pode e vai além dos posicionamentos políticos, como os colegas do fórum postaram acima) - ... retomando: longe de querer argumentar, o colunista pareceu pretender a polêmica pela polêmica - vide o título do texto - e a construiu utilizando afirmativas baseadas não apenas em sua visão de superioridade moral, mas carregadas de anacronismos, resultando nessa interpretação desonesta. Mesmo artifício utilizado, como bem lembrou o Mercúcio, quando do falecimento do Hobsbawm.

Sobre a morte, é uma grande perda. Minha relação com o Gabo tem memória curta: foi por conta da @Liv, na época não tão distante do Meia Palavra, que travei os primeiros contatos. Mas logo fui arrebatado por Macondo.

O amor nos tempos do cólera, ao lado de Primavera num espelho partido (Mario Benedetti), são minhas obras latino americanas de cabeceira.


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Última edição:
"Úrsula teve de fazer um grande esforço para cumprir a promessa de morrer quando estiasse..."

Passagem de Cem anos de solidão, na voz de Gabo.
 
Cês podem me achar boba, mas já chorei tanto por causa da morte dele que acordei com uma dor de cabeça dos infernos ontem. As histórias contadas por ele, foram o meu refúgio por bastante tempo. As invencionices e a magia daquelas histórias, cuidaram de mim em momentos bem tristes da minha vida. Apesar da idade avançada e dos problemas de sáude, a morte de uma pessoa que tão querida dói pra caramba.
 
Cês podem me achar boba, mas já chorei tanto por causa da morte dele que acordei com uma dor de cabeça dos infernos ontem. As histórias contadas por ele, foram o meu refúgio por bastante tempo. As invencionices e a magia daquelas histórias, cuidaram de mim em momentos bem tristes da minha vida. Apesar da idade avançada e dos problemas de sáude, a morte de uma pessoa que tão querida dói pra caramba.

Não acho bobeira, se bem como é isso.
Quando soube da notícia a primeira coisa que pensei foi: a Liv vai ficar arrasada. :tsc:
 

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