Primeiro, uma contextualização sobre minha realidade.
O projeto "Aikido na Unesp", que consiste na prática gratuita do aikido, do qual participo, é realizado como projeto de extensão de parceria do Departamento de Educação Física da Faculdade de Ciências (campus de Bauru da Universidade Estadual Paulista, a Unesp) com o Sensei Paulo Henrique Leal (Paulinho), graduado em Licenciatura em Educação Física pela mesma Faculdade, mestre em Educação pela Universidade Federal de Sâo Carlos (UFSCar) e atualmente doutorando também em Educação e também na UFSCar. Daqui a pouco vão entender porque citei os títulos acadêmicos dele.
No âmbito da arte marcial, Paulinho Sensei (san-dan de Aikido Yoshinkan), assim como todos nós que estamos ou os que passaram pelo projeto e não mais estão treinando, somos vinculados ao Konyokan Dojo, localizado em Mogi das Cruzes (SP), pertencente ao nosso Sensei Ossamu Ikeda, roku-dan (sexto dan) da Yoshinkan (em tradução livre, "estilo duro", iniciado por Shodai Sōke Sensei Gozo Shioda, um dos mais famosos discípulos do Ōsensei Morihei Ueshiba), mais de 20 anos dedicados ao Aikido (além de 20 dedicados ao karate, do qual o Sensei acabou trazendo alguns elementos).
Bom, apesar da vinculação com o Sensei Ikeda, tanto formal quanto prática (algumas vezes ao ano são marcados treinos em Mogi, além do próprio Sensei e nossos Senpai de Mogi visitar Bauru pelo menos uma vez por ano), é óbvio que os "caminhos" foram desenvolvidos de forma diferente ao longo dos anos em Bauru e em Mogi, muito em função da formação e da personalidade dos Sensei.
Por um lado o Sensei Ikeda adotou, durante muito tempo (inclusive durante a formação do Sensei Paulo, que é de Mogi e treinava lá desde adolescente), uma postura mais rígida, com hierarquia bem definida, inclusive (como disse antes) com a incorporação do dojo kun (moralidades) do karate (que combina perfeitamente com o aikido também, por sinal); apesar que, com os seminários com Sensei canadenses que foram realizados nos últimos anos, Sensei Ikeda tem adotado estilo mais brando nos treinos.
Sensei Paulo, por outro lado, quando assumiu o projeto em 2006, no penúltimo ano de sua faculdade e com título de sho-dan, passou a colocar mais de sua formação acadêmica no aikido, especialmente a linha pedagógica de Paulo Freire, onde os termos "mestre" e "discípulo", ou "professor" e "aluno", dão lugar a "educador" e "educando", colocando ambos no mesmo nível (inclusive encaixando a dualidade Senpai/Kohai nesta lógica) por entender que tanto um quanto o outro estão aprendendo e se aperfeiçoando, e um necessita do outro (inclusive umzelando pela integridade física do outro); além disso, apenas sentamos de forma hierarquizada em ocasiões especiais (como visitas do Sensei Ikeda, outras visitas como Sensei de outras linhas, demonstrações para mudança de faixa, etc.), no nosso cotidiano é normal sentarmos em círculo para receber instruções, conversar sobre o treino ou recados diversos; mas claro que isso não veio do nada, foi fruto de várias discussões ao longo dos anos entre o Sensei e os Senpai, inclusive sobre o papel do dojo enquanto projeto de extensão de uma universidade pública, o que isso representa, as diferenças para um dojo "tradicional", etc.
Aliás, por conta desta peculiaridade de ser algo gratuito, não cobra-se que os participantes usem dogi nos treinos, apenas recomenda-se que usem roupas leves e confortáveis, porém recomendando que, caso pretendam manter-se no projeto (a evasão é considerável), planejem-se para adquirir dogi quando possível (neste caso o grupo se organiza para encomendar dogis a preço de custo pelos contatos que o Sensei tem). Porém, nas ocasiões especiais, como visitas e demonstrações de troca de faixa (seja para trocar ou apenas para participar do treino), é necessário o uso do dogi.
Percebam que falei "demonstrações" em vez de "exames". Pois é, tanto Sensei Ikeda quanto Sensei Paulo entendem que a avaliação é diária, nos treinos, na postura, no caráter, na amizade, no companheirismo, sendo assim, quando o Kohai/Senpai é indicado para fazer demonstração, já quer dizer que ele subiu de kyu. Mas claro, ninguém quer fazer feio no dia. Nos treinos precedentes ocorrem preparativos, "ensaios" de certa forma, para que tudo saia dentro dos conformes, inclusive as formalidades que normalmente deixamos em segundo plano. Claro que o nervosismo atrapalha e as coisas nunca saem como achamos que deveria, mas é algo legal de se passar ou acompanhar.
Acho que era isso que eu queria compartilhar sobre nossa peculiar etiqueta de dojo. Desculpem se por acaso desviei do assunto, mas queria contextualizar o melhor possível. xD