Cia das Letras vai lançar a poesia dela completa. Ela é simplesmente a maior influência da poesia contemporânea hoje. Se você não sabe quem é, corra e compre.
POÉTICA
Ana Cristina César
R$ 48,00
496 páginas
dia 25/11/13
Ana Cristina Cesar deixou em sua breve passagem pela literatura brasileira do século XX uma marca indelével. Tornou-se um dos mais importantes representantes da poesia marginal que florescia na década de 1970, justamente pela singularidade que a distanciava das “leis do grupo”. Criou uma dicção muito própria, que conjugava a prosa e a poesia, o pop e a alta literatura, o íntimo e o universal, o masculino e o feminino - pois a mulher moderna e liberta, capaz de falar abertamente de seu corpo e de sua sexualidade, derramava-se numa delicadeza que podia conflitar, na visão dos desavisados, com o feminismo enérgico, característico da época.
Entre fragmentos de diário, cartas fictícias, cadernos de viagem, sumários arrojados, textos em prosa e poemas líricos, Ana Cristina fascinava e seduzia seus interlocutores, num permanente jogo de velar e desvelar. Cenas de abril,Correspondência completa, Luvas de pelica, A teus pés, Inéditos e dispersos, Antigos e soltos: livros fora de catálogo há décadas estão agora novamente disponíveis ao público leitor, enriquecidos por uma seção de poemas inéditos, um posfácio de Viviana Bosi e um farto apêndice. A curadoria editorial e a apresentação couberam ao também poeta, grande amigo e depositário, por muitos anos, dos escritos da carioca, Armando Freitas Filho. Dos volumes independentes do começo da carreira aos livros póstumos, a obra da musa da poesia marginal - reunida pela primeira vez em volume único - ainda se abre, passados trinta anos de sua morte, a leituras sem fim.
“Ana C. concede ao leitor aquele delicioso prazer meio proibido de espiar a intimidade alheia pelo buraco da fechadura. Um dos escritores mais originais, talentosos, envolventes e inteligentes surgidos ultimamente na literatura brasileira.” - Caio Fernando Abreu, 1982
“Um texto ultrassintético, desdobrável em muitas leituras, mas nunca esgotável. Eu sou apenas um eterno deslumbrado com a poesia, a prosa e a pessoa da carioca.” - Reinaldo Moraes, 1982
“Entre Ana e o texto, entre Ana e a vida, havia a elipse, o prazer do pacto secreto com seu possível interlocutor. A isso ela chamava ‘páthos feminino’. Disso, ela fez seguramente a melhor e a mais original literatura produzida dos anos 1970.” - Heloisa Buarque de Hollanda, 1984
“Ela não foi - ela fica - como uma fera.” - Armando Freitas Filho, 1985
“Ana Cristina Cesar deixou uma obra poética absolutamente singular no panorama da literatura brasileira do século XX.” - Joana Matos Frias, 2005
“Ana Cristina, assim como outros poetas de sua geração, debate-se com o agora.” - Viviana Bosi, 2013~
http://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=13623
No blog, começaram uma série de postagens sobre ela. Até agora, Natércia Pontes e Ana Martins Marques.
Na Revista Modo de Usar, numa postagem onde o Ricardo Domeneck faz um recenseamento sobre a poesia feminina brasileira, Ana Cristina César tem lugar destacado:
Na década de 70 é que ocorre a manifestação clara da importância que algumas mulheres passariam a ter para a poesia brasileira contemporânea. É inevitável aqui falar sobre aquela que já foi de adorada a infame, mas hoje parece estar aos poucos encontrando a apreciação exata de seu incrível talento, em um trabalho realmente interessante e surpreendente, especialmente quando nos lembramos que a autora morreu com apenas 31 anos: Ana Cristina Cesar (1952 - 1983). A própria poeta estaria entre as primeiras a realmente abordar a questão de uma escrita feminina, retornando, por exemplo, a Cecília Meireles e Henriqueta Lisboa, mas criticando-as, em suas palavras, pela admiração exagerada por homens como Carlos Drummond de Andrade, insinuando certa "dependência" estética em suas predecessoras, um desejo de imitação que denotava subserviência. A própria A.C. Cesar passaria a devorar intertextualmente, mas de forma menos respeitosa, poemas de homens como Drummond e, principalmente, Jorge de Lima. Como em qualquer poeta a morrer tão jovem, deixou-nos alguns poemas que hoje me parecem horrorosos e outros que me parecem primorosos, mas creio que Ana Cristina Cesar seguirá sendo um vulto importante nas décadas por vir.
Flores do mais
Ana Cristina Cesar
devagar escreva
uma primeira letra
escreva
nas imediações construídas
pelos furacões;
devagar meça
a primeira pássara
bisonha que
riscar
o pano de boca
aberto
sobre os vendavais;
devagar imponha
o pulso
que melhor
souber sangrar
sobre a faca
das marés;
devagar imprima
o primeiro
olhar
sobre o galope molhado
dos animais; devagar
peça mais
e mais e
mais
ou
Poema
Quando entre nós só havia
uma carta certa
a correspondência
completa
o trem os trilhos
a janela aberta
uma certa paisagem
sem pedras ou
sobressaltos
meu salto alto
em equilíbrio
o copo d’água
a espera do café
http://revistamododeusar.blogspot.de/2010/04/poeticas-contemporaneas-textualidade-em.html
Em texto sobre a pertinência de uma poética feminina, também de Domeneck, creio que podemos entender porque a poesia da Ana Cristina César é tão pertinente, visto que ela não apenas traz um confessionalismo qualquer, uma sentimentalidade egótica, mas, pelo contrário, retrabalha o mundo a seu redor e desconstrói:
"Assim, todo poeta carrega em si os condicionamentos de sua estrutura individual, movendo-se num contexto coletivo, com problemas pessoais interligados a questões coletivas, e o que cada um pode fazer é, consciente de suas condições e de como elas influem ideologicamente em seu discurso, tentar sua contribuição pessoal, what he alone must make, novamente nas palavras de Cage. Mas, sintonizado em sua gregariedade, pois ninguém está à frente de seu tempo, já dissera Gertrude Stein, outra context sensitive poet, ainda que alguns pareçam tentar a proeza de estar aquém dele. E cabe-nos, despertos para este condicionamento ideológico de nossa construção coletiva / individual / coletiva / individual da tal de realidade, em fluxo e refluxo, mantê-la aberta aos olhos de todos, sabendo que só podemos contemplar o mundo com nossos próprios olhos, conscientes, porém, desta ideologia da percepção. Expor o imposto, sem contribuir com os jogos de poder e dominação presentes também em formas literárias."
A Ana Cristina César traz isso muito bem, pois sua intuição poética é tão poderosa que ela nos faz questionar a posição da mulher no mundo. Sem dúvidas, uma tradição riquíssima.
É legal também trazer à tona outras facetas dela, como a de crítica e tradutora. No livro Crítica e Tradução, fora de catálogo mas encontrável, ela possui excelentes traduções de Katherine Mansfield, Emily Dickinson, Sylvia Plath... Todas muitíssimo bem comentadas. Recomendo muito a quem gosta desse tipo de texto, que apresenta uma boa tradução e uma boa oficina por de trás, escancarada.
Por fim, alguns links com poemas da autora:
- No Antonio Miranda, site clássico sobre poesia;
- No Releituras, com um dos poemas mais célebres da autora;
- No Jornal de Poesia, com uma boa seleção também;
- No poesia.net; notem como ela está parecida com a Angélica Freitas =P.
Sobre a notícia de que a Ana Cristina César voltará às livrarias, fiquemos com esta, da Raquel Cozer. É ela também que nos diz que
Na voz de Ana C.
Ana Cristina Cesar narra o poema "Samba-Canção" no trailer do livro "Poética", que a Companhia das Letras divulga nos próximos dias para acompanhar o lançamento, programado para 25 de novembro. O vídeo será ilustrado com lambe-lambes, cartas e folhas mimeografadas, sob produção da Mínimas -que também fez o vídeo do "Toda Poesia", de Paulo Leminski.
http://www1.folha.uol.com.br/colunas/raquelcozer/2013/10/1362130-um-passinho-para-tras.shtml
Samba-Canção, um dos poemas mais belos que já li:
SAMBA-CANÇÃO.
Tantos poemas que perdi
Tantos que ouvi, de graça,
pelo telefone — taí,
eu fiz tudo pra você gostar,
fui mulher vulgar,
meia-bruxa, meia-fera,
risinho modernista
arranhando na garganta,
malandra, bicha,
bem viada, vândala,
talvez maquiavélica,
e um dia emburrei-me,
vali-me de mesuras
(era uma estratégia),
fiz comércio, avara,
embora um pouco burra,
porque inteligente me punha
logo rubra, ou ao contrário, cara
pálida me desconhece
o próprio cor-de-rosa,
e tantas fiz, talvez
querendo a glória, a outra
cena à luz de spots,
talvez apenas teu carinho,
mas tantas, tantas fiz…
http://angelameili.tumblr.com/post/24301185263/samba-cancao-ana-cristina-cesar
Até agora não citei nenhuma biografia dela, pois acho que elas se atêm demais ao ato final de sua vida, que foi seu suicídio. Quando a isto, prefiro mesmo só remeter à nota publicada na Folha, na ocasião do fato, e a um texto de Paulo Franchetti, Na Beira do Andaime, que destaca a pertinência de lermos a poesia da Ana não só por seu fim trágico, mas por tudo o que ela é: uma possibilidade poderosa de luta contra o trágico que nos cerca.
É isso pessoal!