A coisa aí é meio complicada mesmo ( como tudo que diz respeito à parte "esotérica", teológica e conceitual da mitologia do Silmarillion):
É possível
combinar a hipótese da dissonância com a de Avatar do Vazio numa só (como a Elanor Ladeira parece ter feito no post anterior e como eu também teorizei um
tempo atrás porque isso poderia servir pra explicar a existência anômala de um espírito no meio da Escuridão do Vazio ou na "porção" do mesmo (expliquei no ensaio a tese de que o "Vazio" ou a Escuridão Original é uma forma de matéria caótica) que foi usada para dar forma à Ungoliant.
Isso foi uma das questões principais com as quais tive que lidar no ensaio, já que, se fosse o caso de Ungoliant ser Móru, espírito da Noite Primordial, como no Livro dos Contos Perdidos, ela teria que ser a origem da corrupção de Melkor porque a Noite Primordial na versão do Lost Tales era senciente, pensava e tinha livre-arbítrio , os pensamentos corruptos de Melkor tinham vindo dela. Tal essência teria que ser absolutamente má porque
"Eru ainda não tinha virado a Luz de Sua Face para ela". Vide abaixo citação da Ainulindalë na versão original do The Book of Lost Tales (HoME I).
Como Tolkien, aparentemente, abandonou essa noção original já que ele disse que nada é mau na sua origem e que tal maldade , ausência do Espírito de Eru( seguindo idéias de Santo Agostinho e de Boécio), tornaria a coisa "nula" e carente de vontade e livre arbítrio, então, pra adaptar a idéia original é necessário achar uma
explicação alternativa pra existência do espírito mesclado com a essência do Vazio.
Nesse caso, é possível pensar em 3 hipóteses:
na dissonância criando um espírito anômalo "não criado" por Ilúvatar, na do espírito ser um subproduto do Espirito de Melkor( como o de Glaurung parecia ser, já que falava com a Voz de Morgoth, e como o do Anel o era em relação a Sauron) ou ,uma idéia mais ousada, a de que Ungoliant poderia ter sido, originalmente, um espírito maia que
se fundiu, ao comando de Melkor, com a "protomatéria" do Vazio e das Trevas para ele conhecer a sua natureza que tanto lhe aguçava a curiosidade ( variação da encarnação via possessão da matéria animada ou inanimada que acontecia com as estátuas vigias de Cirith Ungol,com os lobisomens pelo poder de Sauron e, provavelmente, com a espada de Túrin Turambar).
Aí as teorias, logicamente se tornam "fânons", feitos pra preencher lacunas do cânon, e até idéias pra fanfictions no lugar de ensaios. E, como vocês puderam ver, até mesmo uma noção que deu origem a um texto de quarenta páginas pode acabar evoluindo como esse post procurou mostrar. Eu tive que atualizar muitas idéias e opiniões da época em que fiz o ensaio uma vez que outras evidências se tornaram disponíveis , como o próprio Osanwë Kenta, que só apareceu quando o ensaio já estava pronto.