[FONT=&] Fabrício Carpinejar e Mário Corso[/FONT]
Quando os japoneses querem expor seu sincero interesse por um amigo preparam um origami. É a sua maneira de rezar, no papel realizam a demonstração prática do amor. Nós não sabemos fazer origami, então dobramos algumas palavras em nome de Sócrates, ex-capitão da Seleção Brasileira, que morreu às 4h30 deste domingo (4/12), aos 57 anos, em decorrência de um choque séptico[/FONT].
[FONT=&] Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira[/FONT][FONT=&] exibia na certidão um nome longo e pomposo, uma graça de rei. Mas foi o contrário: um democrata, humano, corajoso. [/FONT] [FONT=&]Rompeu com a aristocracia, com a cartolagem, com o que se espera de um jogador. [/FONT] [FONT=&]Quando encontramos com ele, no ano passado, no Cartão Verde, programa que ele atuava na TV Cultura, ele sintetizou sua trajetória de exceção:[/FONT] [FONT=&] - Nunca parei para pensar, posso fazer isso jogando.[/FONT]
[FONT=&]E rimos da iluminação trivial.[/FONT] [FONT=&] Sócrates deve ter sido um dos raros atletas a completar curso superior enquanto atuava. E para humilhar, fez Medicina. E não reclamava da falta de tempo. Mesmo estudando, tornou-se artilheiro do Campeonato Paulista de 1976 e levou o Botafogo de Ribeirão Preto ao título do primeiro turno de 1977. [/FONT] [FONT=&]Deve ter sido um dos poucos jogadores a ter uma dimensão política, sabia falar e discutir qualquer assunto, do cinema de Costa-Gravas ao novo CD de Chico Buarque. Durante a ditadura, criou uma trégua intelectual, uma paralisação inacreditável de vestiário, somente comparável em ousadia à greve do ABC capitaneada por Lula. [/FONT] [FONT=&]
Sócrates ombreou o presidente do time, Vicente Matheus, e liderou a Democracia Corintiana, em que os jogadores decidiam os rumos da equipe. Entre outras revoluções, o movimento aboliu a concentração na véspera dos jogos.[/FONT] [FONT=&] Deve ter sido um dos mais honestos ídolos, não se importava em envelhecer e ostentar fios grisalhos na barba; bebia e fumava nos bares, e nem por isso cabulava os horários dos treinos. Ele mostrou que o homem tem direito a viver quantas vidas quiser num único dia. Prazer e responsabilidade andavam juntos, entrelaçados. [/FONT] [FONT=&]- Sou torcedor de mim - ele nos avisou. [/FONT] [FONT=&] Deve ter sido um dos boleiros mais carismáticos que apareceu por aqui. Criou uma identidade indiscutível com o Parque São Jorge. Mostrou-se leal a um clube, torcendo dentro e fora das partidas.
Não existe como vestir branco sem pensar antes no Doutor dos gramados. [/FONT] [FONT=&]Ainda que não tenha obtido grandes títulos - pelo Timão, ganhou três campeonatos paulistas, em 1979, 1982 e 1983 - assumiu uma condição de lenda por aliar o caráter combativo (garra) e habilidade (arte). [/FONT] [FONT=&]Pode-se lamentar que ele não tenha alcançado o título mundial pela seleção memorável de 1982 (ao lado de Zico, Falcão, Éder, Júnior) ou a glória em 1986, no México. Mas Sócrates inventou um novo atacante: o solidário. [/FONT] [FONT=&]Extinguiu o fominha, aquele que não passa, o malabarista, que realiza tudo sozinho. Primeiro, o trabalho coletivo, em seguida, os voos individuais. Aperfeiçou os ensinamentos do palmeirense Ademir da Guia e transformou a lentidão numa arma letal de precisão. [/FONT] [FONT=&] É o antiGarrincha. O antifirula. [/FONT] [FONT=&]Sócrates é a reforma de bases do futebol.
A passeata dos cem mil. A revolução cubana. A educação de Paulo Freire. A arquitetura de Oscar Niemeyer. A antropologia de Darcy Ribeiro. Ele preferia deixar um companheiro livre do que seguir acumulando créditos. [/FONT] [FONT=&]Armava!, mais do que simplesmente passar a bola adiante. Imprevisível, culto, seus ataques vinham de lado, um tesoureiro das triangulações. [/FONT] [FONT=&]O craque ensinou que a fraqueza é a força. O calcanhar de Aquiles, sinônimo mítico de vulnerabilidade, converteu-se em calcanhar de Sócrates, tradução de passes exatos, força e gols inesquecíveis.[/FONT] [FONT=&] Antes de Sócrates, o calcanhar era mero apoio.
Depois dele, o calcanhar é uma marca registrada de inteligência. [/FONT] [FONT=&]Como tinha 1,90m e um giro de corpo devagar em comparação aos colegas mais baixos, Sócrates começou a empregar o calcanhar para ganhar velocidade e surpreender os adversários. O defeito cresceu em virtude. A falha amadureceu em vantagem. [/FONT][FONT=&]O domínio desconcertava a marcação. Sócrates elaborava longos cruzamentos de calcanhar ou encobria o goleiro em momentos improváveis. Não tinha pressa, ânsia de resolver. Dava corpo ao ritmo, densidade estratégica para equipe, calculava aproximações. [/FONT] [FONT=&]Filósofo, passeava pelos gramados, sempre com as costas eretas, um farol da objetividade, clarão de lucidez. [/FONT] [FONT=&]
Sócrates não precisava olhar para a bola. Não tinha costas como um anjo, como um regente. [/FONT] [FONT=&]Não houve na história do esporte como ele. Dobrou o Brasil como um origami.
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http://rolocompressor.zip.net/arch2011-12-04_2011-12-10.html#2011_12-04_12_37_13-8340160-0