Pois é Luciano, sua resposta foi mais embasada do que a minha principalmente por conta do endosso dos exemplos de literatura contemporânea, que você tem mais do que eu, mas continuo com uma pulga atrás da orelha quanto a esses vaticínios apocalípticos que a literatura continua a apontar.
Mas acho que estou a exagerar: nossa era (digamos assim) é essencialmente trágica, se há tanta desesperança, angústia, desespero, sentimentos de falência de toda e qualquer possibilidade (ainda que possamos identificar os problemas e tentar traçar possibilidades) na literatura, é porque esse sentimento tem suas raízes calcadas no solo histórico. Não estou condenando os autores, longe disso, acho que o apontar o que há de angustiante e 'apocalíptico' no mundo é um ato de resistência, ainda mais se colocados contra o pano de fundo de 'espetáculos' de nossa sociedade, que procura criar 'energias motivacionais' e sentimentos de conformismos e consenso; mas é que como apreciadores da literatura, temos muita expectativa em relação a ela, ansiamos por compreender, desnudar, explicar e mudar nossa realidade através dela de alguma forma. Não concordas Luciano?
Sim, concordo sim, Lucas. Aliás, você vai ver que eu concordo contigo em mais coisas do que parece nesse ponto. Só acho um pouco ingênuo esperar que a literatura realmente mude a realidade, oferecendo respostas. Quando foi que isso aconteceu, efetivamente? A única capacidade que ela tem é de nos despertar para a problemática das coisas. Mas mesmo isso é difícil hoje em dia. É mais fácil para a literatura se prestar a tiranias, pura e simplesmente porque é mais fácil para qualquer coisa e pessoa fazer isso.
Sobre a parte que você não entendeu: foi uma comparação, na verdade. Já existiram outros momentos em que tudo tendeu ao apocalíptico antes, e foi na década de 1930. Se olharmos bem, a maior parte da literatura (pelo menos a européia) da época aponta para um desastre vindouro. O que se concretizou a Seguda Guerra. E, naquele tempo, isso era só o que podia ser feito, dadas as circunstâncias. Hoje funciona do mesmo modo. Crise econômica, ânimos acirrados e novos preconceitos (ou um reavivamento dos velhos), crises políticas mundo afora e a tão falada falência da cultura. Pensando em toda a produção cultural que se tem acesso, é impossível não ver a contemporâneidade como um tempo de decadência - e os autores fazem isso porque é só o que pode ser feito, como o era na década de 1930.
E citei, por outro lado, o Stanisław Ignacy Witkiewicz, mais conhecido como Witkacy - escritor e teórico polonês do começo do século XX - que tinha essa mesma veia apocalíptica (suas peças, por exemplo, costumavam acabar em catástrofes, regidas por um
deus ex machina violento em que mesmo o mundo terminava). Witkacy, porém, escreveu essas coisas já na década de 1920 - época em que as vanguardas européias encontravam-se eufóricas com a perspectiva de que os ventos da renovação salvassem a arte e a sociedade como um todo, e as polonesas em especial, já que depois de séculos dividido entre Prússia, Áustria e Rússia, a Polônia recuperara sua independência política. O pessimismo dele sim, é algo a ser levado em conta de modo especial, por ser precoce e, assim, profético e quiçá genial.
Quanto ao Kertész... Acho que ler mais coisas dele ajuda a entender o porque do que eu quero dizer. Especialmente o
Sem Destino e o
A Língua Exilada.
A questão é justamente essa falência dos ideais como existiam antes: para Kertész, todos os valores foram destruídos no Holocausto e até agora não conhecemos novos valores - e por isso não é possível falar em civilização pós-Auschwitz. A sociedade de consumo não se interessa em oferecer valores, e isso é algo que se instalou precocemente - como o jornalista que tenta entrevistar Köves (em
Sem Destino a respeito dos campos de concentração, antes ainda que ele possa chegar em casa. E isso leva àquele otimismo forçado - parece que o mundo quer esquecer-se dos problemas e seguir adiante, sendo livre e feliz (mesmo que não saiba o que isso significa).
E a associação com Kafka existe sim. O Holocausto introduziu-nos a um mundo inaudito, e, para se escrever a respeito, é necessário que se faça tendo em mente um uso inaudito da linguagem. E é esse o maior trunfo do Kafka, ter mostrado o quanto a linguagem é insuficiente para descrever certas coisas.