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Literatura contemporânea pautada

AlexB

Usuário
O modernismo está já lá no seu centenário, aquele experimentalismo funcionou para alguns e foi um desastre para outros. Hoje o romanesco é execrado, mas os fluxos de consciência e os experimentalismos tornaram-se mais caricatos. Será que é por falta de idéias que a literatura ainda apega-se ao velho modernismo ferrugento? Velho por velho acredito que o romanesco tenha mais a dizer do que os trejeitos modernistas. Não haveria mais mérito no romanesco contemporâneo do que no modernismo burlesco?

Abraço,
Alex
 
Mas as coisas contemporâneas realmente boas não caem nem em uma categoria nem em outra... Ou entram nas duas de uma só vez.
 
Legal, se puder dar exemplos na literatura portuguesa agradeço, tenho tido dificuldade em encontrar autores com escrita interessante, boa, que fuja a estereótipos ou experimentalismo infeliz.

Abraço,
Alex
 
Literatura portuguesa... Aí complica, eu não sou conheço muito, nem da contemporânea nem de qualquer uma. Mas parece que o Valter Hugo Mãe é bom - tem um povo aqui do Meia que leu e vai saber melhor do que eu.

Mas de maneira geral, alguns autores que eu indico: Roberto Bolaño, J. M. Coetzee, Cees Nooteboom, Per Peterson, Jon Fosse, Yoko Ogawa, Czeslaw Milosz, Hanna Krall.
 
Desculpe, literatura em língua portuguesa, não quis referir-me apenas aos tugas, mas todos que escrevem em português.

Abraço,
Alex
 
Não li Valter Hugo Mãe, Yoko Ogawa ou Hanna Krall, mas em relação aos outros, há características em comum, enredos depressivos ou inexistentes (não enredo), um pouco de denúncia pseudo-humanista, será isto um cacoete deste contemporâneo, à exceção do Coetzee do qual já li uma menos depressiva. Comparando o Bolaño ao Victor Hugo, classificaria o segundo como excessivamente descritivo? Algum brasileiro?

Abraço,
Alex
 
Desculpa minha ignorância, mas o que vc chama de pseudo-humanista? (histórias com Robôs ou animais falantes? rs)

Então:

Dado o grande volume de publicações, fica difícil sacar quais brasileiros contemporâneos valem ou não a pena. Eu recentemente adquiri um livro de um crítico que tentou "botar ordem" na bagunça e separar em grupos os mais interessantes. (Esqueci o nome do livrinho, e estou viajando... Depois eu passo pra vcs) ...

Pra dar sugestões, seria interessante saber que tipo de coisa procura... Existem livros diferentes pra diferentes leitores.

Dos mais inquietantes, gostei e ri muito de "Sexo e Amizade" de André Sant´anna. "Diário da Queda" de Michel Laub vai ao ponto, tem um "enredo"... e inteligente e - milagre! - consegue ser adulto, sério e "não-depressivo". "Nove Noites" de Bernardo Carvalho foi muito bem (e foi o "start" nesta busca dos nacionais contemporâneos).


Nenhum deles "ganhou" (no meu gosto pessoal, ok?) de Raduan Nassar, mas seus escritos são - relativamente - mais antigos. E dizem que ele parou de escrever pra criar galinhas...
 
Eu gosto muito do Nassar, mas a obra dele é tão minúscula que chega a dar uma pontinha de tristeza quando eu termino um livro dele. Só me faltam dois contos pra ter lido a obra inteira...

Dos contemporâneos, eu sempre defendo o Daniel Galera com o seu Mãos de Cavalo. O Até o dia em que o cão morreu também é bem bom, mas o Mãos é das coisas originalmente escritas em português que eu mais gostei de ler. E tem enredo. E tem voz de autor, sem afetação.
 
Pseudo-humanismo é esta narrativa que tenta justificar a literatura como propagandista dos casos extremos de mazelas humanas, eu sei que existiu holocausto, apartheid, mas a mesma miséria humana em contextos menos ideologizados como a guerra moderna passam batido, assim como a miséria cotidiana, seja moral ou material. Sempre parece-me que a miséria é matéria prima de proselitismo, tudo menos resolver as suas causas. Há mais gente que vive de pobreza do que vive na pobreza.

“Sexo e amizade” não li, “Diário da queda” li, e não achei que valeu, mas também não gosto do Philip Roth ou do Vila-Matas, “Nove noites” foi o único que li e gostei, livro onde a escrita encontra o enredo e criam um todo maior que a soma das partes. Não considero o Nassar exatamente contemporâneo, já li há década.

Esta busca é decepcionante, acabo enriquecendo as editoras e me aborrecendo, o pior: é o tipo de livro pouco encontrado em circulantes. A critica é inútil, como separar o que vale ser lido? Será que tenho que ir à máxima do Oswald do “não li e não gostei”, para não perder tempo? Acredito que o debate tem que ser ampliado, só assim para ter alguma validade na avaliação dos contemporâneos.

Eu gostei do nove noites pois a narrativa funde-se na estória, ela é funcional, há enredo, há uma escrita que o suporta, não estão dissociados. Em muitos livros, quando há enredo, muitas vezes a narrativa não compõe. Fico pensando se muita gente hoje lê prosa como não se deve ler poesia, sem entender, sem objetivo, compromisso, não importa o que diga, como diga, o importante é ler, seguir o rio de palavras e não pensar.

Abraço,
Alex
 
Pois é, o que impera, a primeira vista, é essa 'bagunça' que o zZeugma disse (aliás, qual é a desse teu nick? sempre fiquei curioso mas nunca perguntei), mas acho que isso se dá por conta de estarmos acostumados a olhar em escala histórica, onde os grupos, escolas, estilos etc. e tal foram observados respectivamente e agrupados com maior ou menor felicidade. A título de exemplo, para facilitar as coisas: hoje é fácil para nós sabermos quando a Segunda Guerra Mundial começou (embora a conjuntura histórica em âmbito mais específico seja bem mais complexificada): 1939. Mas em 1939 não se falava Segunda Guerra Mundial ou não se tinha estabelecido tal marco histórico (ou a-histórico) como início do conflito.

Talvez a confusão provenha do fato de que estamos imersos nessa realidade e, portanto, fica difícil 'colocar a cabeça para fora dessa realidade' e olhar o que está acontecendo, embora isso seja possível, como parece ter sido o que aquele cara cujo livro ainda aguardo o título ( :dente: ) fez.

Fico curioso por conhecer mais coisas de literatura contemporânea, até pela complexidade com que ela se nos apresenta, muito mais fatores a serem considerados, mais 'material e condições' para melhor compreendermos ela, afinal, é algo no qual estamos inseridos, estamos vivendo isso, é 'nossa batalha', digamos assim.

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Posso estar falando besteira (e quem sabe esse seja um bom estopim de discussão) mas às vezes me parece que os escritores contemporâneos estão meio preocupados demais com essa coisa da forma. O que vocês acham?
 
Pois é, o que impera, a primeira vista, é essa 'bagunça' que o zZeugma disse (aliás, qual é a desse teu nick? sempre fiquei curioso mas nunca perguntei), mas acho que isso se dá por conta de estarmos acostumados a olhar em escala histórica, onde os grupos, escolas, estilos etc. e tal foram observados respectivamente e agrupados com maior ou menor felicidade. A título de exemplo, para facilitar as coisas: hoje é fácil para nós sabermos quando a Segunda Guerra Mundial começou (embora a conjuntura histórica em âmbito mais específico seja bem mais complexificada): 1939. Mas em 1939 não se falava Segunda Guerra Mundial ou não se tinha estabelecido tal marco histórico (ou a-histórico) como início do conflito.

Talvez a confusão provenha do fato de que estamos imersos nessa realidade e, portanto, fica difícil 'colocar a cabeça para fora dessa realidade' e olhar o que está acontecendo, embora isso seja possível, como parece ter sido o que aquele cara cujo livro ainda aguardo o título ( :dente: ) fez.

Fico curioso por conhecer mais coisas de literatura contemporânea, até pela complexidade com que ela se nos apresenta, muito mais fatores a serem considerados, mais 'material e condições' para melhor compreendermos ela, afinal, é algo no qual estamos inseridos, estamos vivendo isso, é 'nossa batalha', digamos assim.

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Posso estar falando besteira (e quem sabe esse seja um bom estopim de discussão) mas às vezes me parece que os escritores contemporâneos estão meio preocupados demais com essa coisa da forma. O que vocês acham?
 
Acho que a forma é glorificada e outros aspectos tão ou mais importantes, como o enredo, são completamente desprezados. É inegável que toda alta literatura é primorosa na forma, mas forma, pura, em si mesma, nada diz. É o que se diz, aliado a como se diz que faz a efetividade de uma obra.

Abraço,
Alex
 
Então Alex

O oposto de uma literatura "destrutiva" seria uma literatura "construtiva": implica em dar objetivo, conferir sentido, dar uma razão à existência. Ao dar "respostas" para as causas da miséria humana, vc necessariamente daria "formas" de como evitá-la (vamos dizer assim, pra resumir).

Os tempos modernos são frágeis em sentido: pedem que consumamos, pedem que sejamos produtivos e bonzinhos, e seremos felizes. Alguns anos atrás, havia dois "lados" políticos (esquerda/direita) e cada um pretendia denunciar os pecados do outro e - indiretamente - sugerir que o seu modo era o melhor. Hoje não temos nada disso.

Acho eu que a literatura "adulta" implica em desilusão:"O mundo na realidade é assim, não como lhe ensinaram ou querem que seja". E ensinar, construir e desiludir, ao mesmo tempo são movimentos opostos, muito difíceis de coreografar.
 
Quando leio esse post me lembro daquele livro do Umberto Eco, 'Apocalípticos e Integrados'. Ele fala sobre cultura de massa e discute até onde essa conceituação pode ou não ser usada e tal, mas pode servir para entendermos um pouco essa 'tendência' da literatura contemporânea, de alguma forma pelo menos.

Ele, logo no prefácio, toca numa questão bastante interessante: apocalípticos reclamam sua primazia sobre os integrados por conta de enxergarem a dominação, os aspectos destrutivos e negativos da realidade, quaisquer que sejam, sendo que, por conta disso, sua literatura (ou produção cultural em âmbito mais geral) estaria mais preparada para encarar com espírito crítico o que esse mundo tem de podre e que, por consequência tem de ser mudado. Os integrados seriam aqueles mais 'Poliana', que vêem o lado bom e, por conta disso, acabam deixando de lado um monte de coisas sujas, desagradáveis, podres, mas que, nem por isso, deveriam ser ignoradas, pois compõem a realidade tanto quanto as 'boas'.

O que Umberto Eco aponta no prefácio é que os apocalíticos, de 'tão apocalípticos', digamos assim, acabavam sendo 'integrados' pela opinião 'beco-sem-saída' que acabavam transmitindo. Aquela coisa de fatalismo, de condenação final, de perca de toda e qualquer esperança de mudança ou melhoria. Cerceando toda e qualquer possibilidade de mudança, acabavam deixando a inércia e o desespero no caminho como o que restou a nós mortais.

Sentimentos angustiantes como esse são comuns na literatura de hoje (e em alguma medida de outros tempos também) e, creio eu, longe de serem injustificados, mas o que isso tem a nos dizer não só sobre a literatura, mas também sobre nossa realidade?
 
Não temos uma única e definitiva “razão à existência”, mas temos razão, racionalidade. Frente a esta verdade, espanta-me que a autocomiseração fatalista seja a opção preferida, o que se ganha com ela, é a razão da existência o sofrimento? Racionalmente é uma opção estúpida, mas é cômoda, felicidade é culpa individual, na miséria os culpados são os outros.

Ideologias falsificaram um sentido que nunca possuíram, mas é a ideologia dos outros. Quem escolhe miséria em vez de bonança? Felicidade é ter um carro novo ou tomar água quando se tem sede?

Complementando:
http://espiritodegutenberg.wordpress.com/2011/08/30/a-droga-da-literatura/

Abraço,
Alex
 
Pseudo-humanismo é esta narrativa que tenta justificar a literatura como propagandista dos casos extremos de mazelas humanas, eu sei que existiu holocausto, apartheid, mas a mesma miséria humana em contextos menos ideologizados como a guerra moderna passam batido, assim como a miséria cotidiana, seja moral ou material. Sempre parece-me que a miséria é matéria prima de proselitismo, tudo menos resolver as suas causas. Há mais gente que vive de pobreza do que vive na pobreza.

As guerras modernas não passam batido não: basta procurar nos lugares certos. Muito da produção literária recente dos bálcãs, em especial da Croácia, deriva das guerras que aconteceram lá nos anos 1990. Toda a poesia e prosa palestina de hoje estão envolvidas na guerra que nunca acabou.
E, é verdade, muitos escritores apontam os problemas, sem apontar soluções. Mas em qualquer época foi assim. A partir do momento que alguém apontar soluções, os problemas passarão a ser outros.


Esta busca é decepcionante, acabo enriquecendo as editoras e me aborrecendo, o pior: é o tipo de livro pouco encontrado em circulantes. A critica é inútil, como separar o que vale ser lido? Será que tenho que ir à máxima do Oswald do “não li e não gostei”, para não perder tempo? Acredito que o debate tem que ser ampliado, só assim para ter alguma validade na avaliação dos contemporâneos.
O que Umberto Eco aponta no prefácio é que os apocalíticos, de 'tão apocalípticos', digamos assim, acabavam sendo 'integrados' pela opinião 'beco-sem-saída' que acabavam transmitindo. Aquela coisa de fatalismo, de condenação final, de perca de toda e qualquer esperança de mudança ou melhoria. Cerceando toda e qualquer possibilidade de mudança, acabavam deixando a inércia e o desespero no caminho como o que restou a nós mortais.

Sentimentos angustiantes como esse são comuns na literatura de hoje (e em alguma medida de outros tempos também) e, creio eu, longe de serem injustificados, mas o que isso tem a nos dizer não só sobre a literatura, mas também sobre nossa realidade?

Acho que existe uma confusão aqui. Não é por se apontar o estado de decadência das coisas que se concorda com elas.
Peguemos, por exemplo, Imre Kertész. Judeu húngaro, aos 14 anos foi enviado para os campos de concentração nazistas. Ao sair de lá se deparou com uma realidade tão sombria quanto: a vida sob a égide do comunismo. Seus livros podem ser ditos como 'depressivos': todas as suas personagens passam por alguma forma de opressão. O mais notável deles, Amargo, já as portas do século XXI. É vítima da ditadura da liberdade, da ditadura da felicidade.
A primeira vista ele é um autor 'pessimista'. Ele aponta os problemas da Europa pós-comunista e ele diz que, de certa forma, Auschwitz nunca acabou. Porém ele mesmo admite escrever o que escreve para lidar com a sua própria história, para que ele possa ser feliz - apesar de e, talvez até mesmo, por causa do século XX.
O que eu quero dizer aqui é que considero esse tipo de leitura 'decadentista' uma simplificação e superficialização das obras. Existe um problema, alcançamos um ponto crítico? Sim, acho que isso é inegável. Tanto que existe em todas as obras. Witkacy foi genial por profetizar a tragédia em um tempo de euforia. Mas aqueles que o fazem agora fazem o mínimo que as circunstâncias e certa linha de pensamento - inevitávelmente herdada - os leva a fazer. Mas a maioria dos bons autores contemporâneos (e eles existem aos montes, mas são, obviamente, suplantados em número pelos medianos e, ainda mais, pelos ruins) vai além disso, de algum modo, de tortuosidade variável.
Apontar que o mundo vai mal e proclamar que a esperança é parca, porém, não é a mesma coisa do que abraçar a negatividade, entregar-se ao niilismo. A diferença pode parecer sutil, mas é importantíssima. Voltando a citar o Witkacy, ele proclamava que o estado das coisas piorava, que uma crise sobreviria. Em sua arte - e sua vida - porém, ele não parou de lutar contra isso por um segundo sequer. E ele previa que, mesmo que isso acabasse com a literatura e a arte como um todo - a melhor das situações humanas surgiria.

Acho que a forma é glorificada e outros aspectos tão ou mais importantes, como o enredo, são completamente desprezados. É inegável que toda alta literatura é primorosa na forma, mas forma, pura, em si mesma, nada diz. É o que se diz, aliado a como se diz que faz a efetividade de uma obra.
Na verdade, existe uma série de teóricos que contradiz a afirmação de que a forma pura não diz nada. Não só na literatura, mas na arte como um todo, grande parte do século XX se passou apontando justamente no sentido de que a forma - o modo como você encadeia as possibilidades de um meio artístico - é infinitamente superior ao enredo - o que se diz seria apenas um método no qual se aplicar o 'como', esse sim utilizado para se causar algum efeito no 'receptor' do seu trabalho, levando-o a refletir sobre o mundo.
 
Pois é Luciano, sua resposta foi mais embasada do que a minha principalmente por conta do endosso dos exemplos de literatura contemporânea, que você tem mais do que eu, mas continuo com uma pulga atrás da orelha quanto a esses vaticínios apocalípticos que a literatura continua a apontar.

Mas acho que estou a exagerar: nossa era (digamos assim) é essencialmente trágica, se há tanta desesperança, angústia, desespero, sentimentos de falência de toda e qualquer possibilidade (ainda que possamos identificar os problemas e tentar traçar possibilidades) na literatura, é porque esse sentimento tem suas raízes calcadas no solo histórico. Não estou condenando os autores, longe disso, acho que o apontar o que há de angustiante e 'apocalíptico' no mundo é um ato de resistência, ainda mais se colocados contra o pano de fundo de 'espetáculos' de nossa sociedade, que procura criar 'energias motivacionais' e sentimentos de conformismos e consenso; mas é que como apreciadores da literatura, temos muita expectativa em relação a ela, ansiamos por compreender, desnudar, explicar e mudar nossa realidade através dela de alguma forma. Não concordas Luciano?

Aliás, sobre esse teu trecho aqui:

Luciano R.M. disse:
Existe um problema, alcançamos um ponto crítico? Sim, acho que isso é inegável. Tanto que existe em todas as obras. Witkacy foi genial por profetizar a tragédia em um tempo de euforia. Mas aqueles que o fazem agora fazem o mínimo que as circunstâncias e certa linha de pensamento - inevitávelmente herdada - os leva a fazer.

Não entendi bem o que você quis dizer...

Luciano R.M. disse:
É vítima da ditadura da liberdade, da ditadura da felicidade.

Amargo de Liquidação? Não tinha me dado conta disso, sabia? Ele é uma vítima das crenças dos demais de que é possível falar em civilização pós-Auschwitz? Vítima desse otimismo forçado que não faz sentido para ele?

Não sei, você sabe bem mais sobre o Kertész do que eu, mas Liquidação (o único dele que eu li) parece um livro de constatação da falência absoluta de qualquer ideal. Pelo menos algum ideal como existia outrora. Sempre o mantive na minha cabeça associado com Kafka. Acho que você pensa diferente de mim, não?

P.S.: Acho que falar de Kertész não é off-topic pois ele é bastante emblemático nessa questão que discutimos acercas das 'tendências' da literatura contemporânea.
 
Pois é Luciano, sua resposta foi mais embasada do que a minha principalmente por conta do endosso dos exemplos de literatura contemporânea, que você tem mais do que eu, mas continuo com uma pulga atrás da orelha quanto a esses vaticínios apocalípticos que a literatura continua a apontar.

Mas acho que estou a exagerar: nossa era (digamos assim) é essencialmente trágica, se há tanta desesperança, angústia, desespero, sentimentos de falência de toda e qualquer possibilidade (ainda que possamos identificar os problemas e tentar traçar possibilidades) na literatura, é porque esse sentimento tem suas raízes calcadas no solo histórico. Não estou condenando os autores, longe disso, acho que o apontar o que há de angustiante e 'apocalíptico' no mundo é um ato de resistência, ainda mais se colocados contra o pano de fundo de 'espetáculos' de nossa sociedade, que procura criar 'energias motivacionais' e sentimentos de conformismos e consenso; mas é que como apreciadores da literatura, temos muita expectativa em relação a ela, ansiamos por compreender, desnudar, explicar e mudar nossa realidade através dela de alguma forma. Não concordas Luciano?

Sim, concordo sim, Lucas. Aliás, você vai ver que eu concordo contigo em mais coisas do que parece nesse ponto. Só acho um pouco ingênuo esperar que a literatura realmente mude a realidade, oferecendo respostas. Quando foi que isso aconteceu, efetivamente? A única capacidade que ela tem é de nos despertar para a problemática das coisas. Mas mesmo isso é difícil hoje em dia. É mais fácil para a literatura se prestar a tiranias, pura e simplesmente porque é mais fácil para qualquer coisa e pessoa fazer isso.


Sobre a parte que você não entendeu: foi uma comparação, na verdade. Já existiram outros momentos em que tudo tendeu ao apocalíptico antes, e foi na década de 1930. Se olharmos bem, a maior parte da literatura (pelo menos a européia) da época aponta para um desastre vindouro. O que se concretizou a Seguda Guerra. E, naquele tempo, isso era só o que podia ser feito, dadas as circunstâncias. Hoje funciona do mesmo modo. Crise econômica, ânimos acirrados e novos preconceitos (ou um reavivamento dos velhos), crises políticas mundo afora e a tão falada falência da cultura. Pensando em toda a produção cultural que se tem acesso, é impossível não ver a contemporâneidade como um tempo de decadência - e os autores fazem isso porque é só o que pode ser feito, como o era na década de 1930.
E citei, por outro lado, o Stanisław Ignacy Witkiewicz, mais conhecido como Witkacy - escritor e teórico polonês do começo do século XX - que tinha essa mesma veia apocalíptica (suas peças, por exemplo, costumavam acabar em catástrofes, regidas por um deus ex machina violento em que mesmo o mundo terminava). Witkacy, porém, escreveu essas coisas já na década de 1920 - época em que as vanguardas européias encontravam-se eufóricas com a perspectiva de que os ventos da renovação salvassem a arte e a sociedade como um todo, e as polonesas em especial, já que depois de séculos dividido entre Prússia, Áustria e Rússia, a Polônia recuperara sua independência política. O pessimismo dele sim, é algo a ser levado em conta de modo especial, por ser precoce e, assim, profético e quiçá genial.
Quanto ao Kertész... Acho que ler mais coisas dele ajuda a entender o porque do que eu quero dizer. Especialmente o Sem Destino e o A Língua Exilada.
A questão é justamente essa falência dos ideais como existiam antes: para Kertész, todos os valores foram destruídos no Holocausto e até agora não conhecemos novos valores - e por isso não é possível falar em civilização pós-Auschwitz. A sociedade de consumo não se interessa em oferecer valores, e isso é algo que se instalou precocemente - como o jornalista que tenta entrevistar Köves (em Sem Destino a respeito dos campos de concentração, antes ainda que ele possa chegar em casa. E isso leva àquele otimismo forçado - parece que o mundo quer esquecer-se dos problemas e seguir adiante, sendo livre e feliz (mesmo que não saiba o que isso significa).
E a associação com Kafka existe sim. O Holocausto introduziu-nos a um mundo inaudito, e, para se escrever a respeito, é necessário que se faça tendo em mente um uso inaudito da linguagem. E é esse o maior trunfo do Kafka, ter mostrado o quanto a linguagem é insuficiente para descrever certas coisas.
 
Sim, concordo sim, Lucas. Aliás, você vai ver que eu concordo contigo em mais coisas do que parece nesse ponto. Só acho um pouco ingênuo esperar que a literatura realmente mude a realidade, oferecendo respostas. Quando foi que isso aconteceu, efetivamente? A única capacidade que ela tem é de nos despertar para a problemática das coisas. Mas mesmo isso é difícil hoje em dia. É mais fácil para a literatura se prestar a tiranias, pura e simplesmente porque é mais fácil para qualquer coisa e pessoa fazer isso.

É isso que quis dizer, e já aproveito como mea culpa: às vezes como entusiastas da literatura esperamos dela algo que ela sozinha não pode dar conta, transformar o mundo. Seria ingênuo pensar que ela vai ser o carro-chefe da mudança, o que ela pode fazer, a meu ver, é despertar o olhar para aspectos da realidade em que possamos atuar (seja lá como formos atuar); fomentar de alguma maneira o desenvolvimento de uma consciência histórica; estabelecer algum parâmetro para entendermos o mundo etc.

O que gosto de pensar a respeito da literatura, e não acho que isso seja otimismo barato, é que ela é uma tentativa de dar inteligibilidade ao mundo, ao que o autor vê, sente e experimenta, mas que não consegue explicar tintim por tintim. Dar inteligibilidade é buscar compreender, e compreender é um passo importante para planejar atitudes, identificar problemas, traçar possibilidades em alguma medida. Obviamente que essa é UMA concepção de literatura, que, definitivamente, não se aplica a todas as obras escritas. Oferecer respostas assim, prontas, acabadas, sistemáticas ou fáceis, ela não vai, mas pode desempenhar papel relevante em seu entorno sócio-histórico. Ou não. Essa é a questão, hehe.

A questão é justamente essa falência dos ideais como existiam antes: para Kertész, todos os valores foram destruídos no Holocausto e até agora não conhecemos novos valores - e por isso não é possível falar em civilização pós-Auschwitz. A sociedade de consumo não se interessa em oferecer valores, e isso é algo que se instalou precocemente - como o jornalista que tenta entrevistar Köves (em Sem Destino a respeito dos campos de concentração, antes ainda que ele possa chegar em casa. E isso leva àquele otimismo forçado - parece que o mundo quer esquecer-se dos problemas e seguir adiante, sendo livre e feliz (mesmo que não saiba o que isso significa).

Isso me faz lembrar de três coisas:

1 - um professor meu, falando que a historiografia (não toda ela, obviamente) ultimamente tem andado muito 'Poliana' a respeito das coisas. Linkando sua fala com a dele, dá para perceber que em nossa realidade é de 'mau tom' falar de problemas, de mazelas e de dilemas que vivemos. Se pode reclamar, desde que seja uma reclamação que fique restrita a um comentário rápido e que não procure mudar o que gerou a reclamação. Esse otimismo forçado de que você fala se assemelha aquele 'jogo do contente' que a Poliana joga lá no livro. Essa comparação seria uma deixa legal para uma coluna, né? XD

2 - Em A Lentidão, o Kundera fala que a velocidade é inversamente proporcional à memória. Nossa sociedade tem como uma das características mais marcantes a instantaneidade, a velocidade, a 'rapidez' com que se espera que tudo aconteça. O corolário que o Kundera extrai é, a meu ver, sensacional:

Kundera disse:
“(…) nossa época se entrega ao demônio da velocidade e é por essa razão que se esquece tão facilmente de si mesma. Ou prefiro inverter essa afirmação e dizer: nossa época está obcecada pelo desejo do esquecimento e é para saciar esse desejo que se entrega ao demônio da velocidade.” (pp. 91-92)

3 - No livro Cavalos Roubados, do Per Petterson, aquele velho eremita que mora num bosque norueguês fala um negócio que achei f*** (você até chegou a usar de assinatura algum tempo aqui, eu acho): que hoje tudo tem que divertir, tudo que tem ter humor e tal, ele dizia que não tinha tempo para ser entretido, não tinha saco para esse bom humor. Reflete bem esse 'otimismo forçado' que você falou, não?

E a associação com Kafka existe sim. O Holocausto introduziu-nos a um mundo inaudito, e, para se escrever a respeito, é necessário que se faça tendo em mente um uso inaudito da linguagem. E é esse o maior trunfo do Kafka, ter mostrado o quanto a linguagem é insuficiente para descrever certas coisas.

Bela leitura! Concordo plenamente.
 
As guerras modernas não passam batido não: basta procurar nos lugares certos. Muito da produção literária recente dos bálcãs, em especial da Croácia, deriva das guerras que aconteceram lá nos anos 1990. Toda a poesia e prosa palestina de hoje estão envolvidas na guerra que nunca acabou.
E, é verdade, muitos escritores apontam os problemas, sem apontar soluções. Mas em qualquer época foi assim. A partir do momento que alguém apontar soluções, os problemas passarão a ser outros.


Procurando nos lugares certos encontrarei de tudo, não significa que isto represente o estado da literatura contemporânea, já chegaram a comentar que depois da segunda guerra não houve nada a dizer, e sabemos que se procurarmos nos lugares certos muito foi dito, não propagou-se ou não encontrou ouvidos, tanto que o mito da mudez pós-guerra ainda está vivo. Tenho consciência que tanto Shakespeare como Cervantes, mais que norma são exceções de seu tempo, mas imagino qualquer leitor mais crítico em seu tempo contemporâneo seria capaz de ressalvar o brilhantismo de ambos, sem muita sombra de dúvida.

Apontar apenas os problemas gera uma “stasis” a consolidar suas mazelas, se escritor vê-se como agente transformador há de apontar soluções e não banhar-se em catarse autocomiserativa. Bem como disse, apontar soluções é resolver os problemas, com estes resolvidos podemos passar à solução dos outros e não na paralisia do denuncismo oco, soando trombetas e vivendo na mesma miséria. Há hoje corrente majoritária ativa a justificar denuncismo banal como cultura, arte séria, mas em realidade é apenas a glorificação das bizzarices humanas presentes nas aberrações dos antigos parques de diversão.


Acho que existe uma confusão aqui. Não é por se apontar o estado de decadência das coisas que se concorda com elas.
Peguemos, por exemplo, Imre Kertész. Judeu húngaro, aos 14 anos foi enviado para os campos de concentração nazistas. Ao sair de lá se deparou com uma realidade tão sombria quanto: a vida sob a égide do comunismo. Seus livros podem ser ditos como 'depressivos': todas as suas personagens passam por alguma forma de opressão. O mais notável deles, Amargo, já as portas do século XXI. É vítima da ditadura da liberdade, da ditadura da felicidade.
A primeira vista ele é um autor 'pessimista'. Ele aponta os problemas da Europa pós-comunista e ele diz que, de certa forma, Auschwitz nunca acabou. Porém ele mesmo admite escrever o que escreve para lidar com a sua própria história, para que ele possa ser feliz - apesar de e, talvez até mesmo, por causa do século XX.
O que eu quero dizer aqui é que considero esse tipo de leitura 'decadentista' uma simplificação e superficialização das obras. Existe um problema, alcançamos um ponto crítico? Sim, acho que isso é inegável. Tanto que existe em todas as obras. Witkacy foi genial por profetizar a tragédia em um tempo de euforia. Mas aqueles que o fazem agora fazem o mínimo que as circunstâncias e certa linha de pensamento - inevitávelmente herdada - os leva a fazer. Mas a maioria dos bons autores contemporâneos (e eles existem aos montes, mas são, obviamente, suplantados em número pelos medianos e, ainda mais, pelos ruins) vai além disso, de algum modo, de tortuosidade variável.
Apontar que o mundo vai mal e proclamar que a esperança é parca, porém, não é a mesma coisa do que abraçar a negatividade, entregar-se ao niilismo. A diferença pode parecer sutil, mas é importantíssima. Voltando a citar o Witkacy, ele proclamava que o estado das coisas piorava, que uma crise sobreviria. Em sua arte - e sua vida - porém, ele não parou de lutar contra isso por um segundo sequer. E ele previa que, mesmo que isso acabasse com a literatura e a arte como um todo - a melhor das situações humanas surgiria.





Como disse antes, o simples apontar o “estado de decadência” gera a complacência com o fato, apontar soluções gera mudança, o pensamento crítico e não a descrição estática está na raiz da diferença. O que se lê é o que lhe chega aos olhos, a atividade extra sensorial não pode ser aí utilizada, foi de alguns anos para cá que notei que minha literatura era composta de brasileiros velhos e novos apenas estrangeiros, foi o momento que tive que apoiar-me na crítica, pois antes os amigos eram fonte plena de boas e confiáveis indicações. De todo meu círculo de amizades sou o único que direcionou a curiosidade para a literatura contemporânea, e sou constantemente decepcionado pela crítica, ando a ver estes cacoetes, não é no que recebe má ou boa crítica, mas em tudo que vem à luz através dela. Há nitidamente um padrão no que se vê, e fora deste não existe quase literatura.



Na verdade, existe uma série de teóricos que contradiz a afirmação de que a forma pura não diz nada. Não só na literatura, mas na arte como um todo, grande parte do século XX se passou apontando justamente no sentido de que a forma - o modo como você encadeia as possibilidades de um meio artístico - é infinitamente superior ao enredo - o que se diz seria apenas um método no qual se aplicar o 'como', esse sim utilizado para se causar algum efeito no 'receptor' do seu trabalho, levando-o a refletir sobre o mundo.


Há teóricos às baciadas de diferentes correntes a justificar praticamente tudo que se queira afirmar, posso citar os que “legitimam” estas monstruosidades “nonsense” da arte conceitual como exatos opostos dos partidários da forma pura. É sempre interessante lembrar que foi este estetismo bastardo a justificativa de Ezra Pound juntar-se a Mussolini, o fascismo era possuidor de melhor forma.


Abraço,
Alex
 

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