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10 Regras para Escrever Ficção

Brontops disse:
Temos um dos quatro maiores épicos ocidentais, que foram Homero, Dante, Camões e Jorge de Lima. E temos um dos três maiores dramaturgos de todos os tempos, que foram Sófocles, Shakespeare e Nelson Rodrigues.

Fala sério...
 
Bem.... eu escrevo e eu acho divertido..... quando não for mais divertido eu paro!

Esse negócio de regras para se escrever é meio fascista mesmo.... não existe regras, vide Burroughs!
 
A impressão que tenho é que estas regras ficam um pouco entre uma "superstição" e um pouco de "método criativo".

Já ouvi dizer que o Chico Buarque gosta de caminhar... e comigo já aconteceu de chegar em casa correndo com vontade de querer anotar alguma ideia antes dela fugir.

Uma história engraçada que descobri ser verdadeira num documentário do Discovery: as pessoas ficam mais "espertas" e "criativas" no chuveiro. O fato de ficarem felizes, quererem cantar, terem ideias mirabolantes, ou resolverem contas no vidro do box explica-se pelas gotas d´água do chuveiro que absorvem partículas e resíduos do ar, tornando-o mais "puro". Este oxigênio "limpo" estimula nosso cérebro. Isto ocorre em quedas d´água, cachoeiras, o que parece se relacionar com o fato de alguns povos os considerarem sagrados...

Fizeram um comercial de uma escola de propaganda aqui de São Paulo baseado nesta história de terem ideias no chuveiro.

Lógico que ideias são só uma pequena parte do processo.
 
[size=large]20 lições sobre Literatura e Escrita, de Antonio Muñoz Molina.[/size]


(Via o blog da Maria José Silveira; Os comentários em itálico são DELA)

Vou continuar postando aqui a tradução dos “20 anos, 20 lições”, de Antonio Muñoz Molina, publicado no Babelía, caderno cultural do “El País”, número 1.000, do sábado passado, dia 22 de janeiro.


“1. Aprendi que não tem por que a ficção ser a forma superior da literatura narrativa. Talvez um romance só deva ser escrito quando não tenha mais remédio: quando o que é preciso dizer só possa ser dito inventando.”

A segunda frase do parágrafo prova exatamente o contrário do que diz a primeira frase. Isso deve ser uma figura de retórica qualquer, que não sei dizer qual é. O que sei é que concordo totalmente com a segunda frase.


“2. Aprendi as ilimitadas possibilidades expressivas que o relato estrito de certos fatos contém: muitas das melhores páginas de literatura que li nestes tempos pertencem a livros de história, a memórias, a biografias, a textos de divulgação científica, a artigos ou reportagens de jornais.”

Hum, hum. Certo. Mas ainda fico com a segunda frase do primeiro parágrafo da lição 1, lá de cima.

“3. Aprendi as vantagens de nos submergirmos em outro idioma: na viagem de ida descobrimos a música própria de outras línguas e a verdadeira voz de escritores que acreditamos conhecer bem lendo traduzidos; na viagem de volta nos tornamos mais sensíveis à poesia implícita em nossa própria língua, que nem sempre percebíamos antes.”

Perfeito.

“4. Aprendi algo que ouvi Salman Rushdie dizer em Granada, em 1995: enquanto escreve um romance, um escritor de prosa deve ler muita poesia, para aprender sua disciplina verbal e não se deixar levar pela autoindulgência palavreira. Na poesia se aprende precisão.”

Pena que o próprio Salman Rushdie não seguiu direito seu conselho. Dos catataus que ele escreve, até hoje só li um, “Os Filhos da Meia Noite”. Comecei encantada mas aí pela página 400 não aguentei mais a algaravia.

“5. Aprendi a desconfiar do estilo, que quando não é apenas o som singular da própria voz pode se converter em uma coleção de muletas, automatismos e paródias do que a pessoa mesmo já escreveu.”.

Muitíssimo instrutivo. De certa forma, acho que já havia intuído esse perigo mas sem conseguir identificá-lo com tamanha precisão.

“6. Aprendi que a pessoa deve desconfiar de suas capacidades, reais ou supostas, e tirar o máximo proveito de suas limitações.”

Pena que ele não diz como fazer isso.

“7. Aprendi que escrever é se empenhar e é se deixar levar na mesma medida em que é contar algo que se sabe e também se aventurar pelo que não se sabe e não há maneira de se chegar a saber a não ser através da própria escrita.”

Assino, ipsis literis, embaixo.

“8. Aprendi que a percepção do leitor comum que aprecia literatura tende a ser mais aguda e mais livre de preconceitos do que a da média dos especialistas, críticos ou professores.”

Um motivo a mais para se escrever apenas para o “querido leitor” que está do outro lado da nossa página em branco.

“9. Aprendi que os preconceitos e os mal-entendidos nos influenciam muito mais do que acreditamos, de modo que é preciso sempre estar em guarda contra eles: se Virginia Woolf não fosse mulher talvez eu não tivesse que chegar aos cinquenta anos para descobrir a radicalidade estética e a profundidade humana de romances como “Mrs. Dalloway” ou “Rumo ao Farol”.

Antes tarde do que nunca. Mas taí uma carapuça que serviria muito bem para many men que conheço.


“10. Aprendi que por muitos anos que tenhamos e por mais familiaridade que creiamos ter com a literatura, sempre fazemos descobrimentos jubilosos que nos deslumbram, como um geógrafo ou um explorador a que foi dado descobrir uma nova montanha, um novo continente: assim encontrei faz alguns anos “Vida e Destino” de Vasili Grossman, que era como um Everest em que quase ninguém tinha reparado, ou “Sob o Vulcão”, que eu devia ter lido quando mais jovem, mas que talvez pela idade com que cheguei a ele me causou uma impressão ainda mais profunda.”

Acho que vou ter que esperar mais alguns anos para reler “Sob o Vulcão”, e ter essa impressão profunda.

“11. Aprendi que na música ou na pintura – e na fotografia, e no desenho – estão contidas lições fundamentais para meu ofício de escrever: na música, um sentido da composição e do fluxo do tempo que organiza o relato de uma maneira mais flexível e menos evidente que a trama do argumento; da pintura, uma disciplina de observação e o espaço. No desenho e na música de jazz há uma aprendizagem específica, ou talvez apenas um propósito: o instante capturado em um instante; o ato mesmo da escrita como momento supremo, presente soberano que não existia antes nem será possível, pelo menos da mesma forma, um minuto depois.”

Muito bom isso. Só estranho que ele não tenha se referido também ao cinema, pelo sentido de movimento e pela maravilhosa aproximação do “zoom”: acredito que aprendi muito mais com, por exemplo, o “Kill Bill” do Tarantino do que com os livros vitorianos.


“12. Aprendi que os únicos estimulantes que preciso para escrever estão dentro de mim mesmo, na orgia eletroquímica dos neurotransmissores que combinam subitamente imagens de recordações ou de fantasia em um sonho lúcido. Comparado a essa efervescência, o efeito de qualquer droga, da nicotina ao álcool, é uma bagatela, um gasto inútil de energia física e mental.”

Perfeito.

“13.Aprendi que o exercício físico e as tarefas práticas ajudam a disparar a imaginação e a fazer com que as ideias, as imagens, as conexões, as palavras, surjam mais velozmente. Graças à embriaguez do oxigênio de uma corrida ou de uma boa caminhada ou à atenção alerta e multiplicidade das pequenas tarefas necessárias para cozinhar um arroz, inventei personagens ou situações ou mudanças de argumentos que de outra maneira não teria inventado.”

É tão verdadeiro isso que me espanta nenhum escritor ter dito nada parecido antes.

“14. Aprendi que uma parte muito grande do trabalho de escrever um livro vai sendo feito sem que o escritor se dê conta, muito antes de começar a escrita. O projeto de um romance ou de qualquer texto narrativo só vale alguma coisa quando é o resultado da cristalização de experiências, leituras, imagens, recordações, desejos, que de repente se fazem visíveis e se vinculam entre si como um mapa de conexões neurônicas.”

Perfeito, perfeito.

“15. Aprendi que nenhuma vivência, nenhuma história, é em si mesma tão particular ou tão local que não possa se fazer universalmente inteligível; e também que não há nada tão provinciano como certas formas enfáticas de cosmopolitismo.”

A primeira afirmação do parágrafo me parece bem válida; a segunda é meio obscura. Ele deve estar se referindo a alguém ou a algum defeito que não me parece tão visível entre nós.

“16. Aprendi que em cada geração há certo número de jovens escritores que chegam a se convencer, com ajuda de alguns jornalistas e críticos, de que sua juventude não é um fato transitório e bastante frequente, e sim uma característica absoluta de originalidade e talento.”

Essa é ótima!! Vou colocar no meu Facebook.

“17. Aprendi que entre todos os personagens que um romancista inventa, o menos sólido, o menos verdadeiro, o mais convencional, costuma ser o personagem público no qual ele converte a si mesmo.”

Ferino.

“18. Aprendi a conviver com a insegurança e com o desalento, com a incerteza irremediável sobre o valor do que fiz, com a vulnerabilidade frente aos juízos negativos e a suspeita de que possam ser menos infundados que alguns elogios.”

Ai!! Definição perfeita do cotidiano de quem escreve.

“19. Aprendi que apenas terminado, um livro já começa a se converter em um arrependimento que algumas vezes se cura com o tempo e outras não, e para o qual o único antídoto que existe é começar outro livro no qual será possível não cometer os mesmos erros: se tiver sorte, se cometerão erros diferentes”.

Outro comentário lamentavelmente verdadeiro.

“20. Aprendi que tudo de que gosto, gosto ainda mais do que há vinte anos: escrever, ler, ver quadros ou filmes, escutar música, passear pelas cidades que amo, estar perto das pessoas queridas, recordar-me das que se foram e que às vezes voltam nos sonhos; e me pergunto que coisas de que agora nem suspeito aprenderei se viver outros vinte anos, que histórias sobre as quais agora nada sei surgirão na imaginação e se converterão em livros, não necessariamente romances, livros que se pareçam tão pouco aos que já escrevi como minha vida presente com a de vinte anos atrás.”

Bonito e otimista. Mas não creio que exatamente verdadeiro, a não ser quando se é muito jovem.

E aqui acabam as 20 lições.
Pena!
 
Jack Kerouac

""this is Jack Kerouac’s list of 30 essentials from Belief and Technique for Modern Prose explicating in writing his Spontaneous Prose method:

1. Scribbled secret notebooks, and wild typewritten pages, for your own joy
2. Submissive to everything, open, listening
3. Try never get drunk outside your own house
4. Be in love with your life"
.

Está em inglês. Para ler o resto, clique AQUI.

(Para saber mais sobre Jack Kerouac, procure a edição em quadrinhos, Os Beats, Editora Benvirá. Este trecho foi encontrado no blog "Literary Lovers".)
 
Gustavo Campello disse:
Esse negócio de regras para se escrever é meio fascista mesmo.... não existe regras, vide Burroughs!


"this is Jack Kerouac’s list of 30 essentials from Belief and Technique for Modern Prose explicating in writing his Spontaneous Prose method:

1. Scribbled secret notebooks, and wild typewritten pages, for your own joy
2. Submissive to everything, open, listening
3. Try never get drunk outside your own house
4. Be in love with your life..."

e continua...

(Está em inglês. Para ler o restante, clique AQUI. Para saber mais sobre Kerouac e Burroughs, procure a Graphic Novel "Os Beats", editora Benvirá.)
 
Brontops disse:
1. Nunca comece um livro falando sobre o tempo.

Correto. Já fizeram tanto isso que virou um 'clichê'.

Brontops disse:
3. Nunca use nenhum verbo para carregar o diálogo que não seja “dizer” (tipo, “ele disse” em vez de “ele justificou”, “afirmou”, “disparou” etc.)
4. Nunca use um advérbio junto com “disse” (como em “disse ele seriamente”).

Eu, particularmente, não concordo com essas duas regras. Carregar o diálogo com advérbios e verbos diferentes de "disse" pode ser bastante útil em narrativas que se deseja curtas e ágeis. Deixa o diálogo rico e expressivo sem parecer maçante. Vejo muito isso em livros infanto-juvenis.

A autora de Harry Potter usa bastante.

Marcos Rey, o escritor da infância da minha geração, usava e abusada desse expediente. Os diálogos dele são um enciclopédia de verbos e advérbios.

:D
 
Brontops disse:
“15. Aprendi que nenhuma vivência, nenhuma história, é em si mesma tão particular ou tão local que não possa se fazer universalmente inteligível; e também que não há nada tão provinciano como certas formas enfáticas de cosmopolitismo.”

A primeira afirmação do parágrafo me parece bem válida; a segunda é meio obscura. Ele deve estar se referindo a alguém ou a algum defeito que não me parece tão visível entre nós.

Acho que ele quis dizer, por exemplo, que quanto mais queremos carregar a escrita de "universalidade" mais nos limitamos por nosso provincianismo... :pipoca:
 
Esbarrei nestas outras "regras" para escrever ficção, do Sergio Rodrigues, do blog literário da Veja, o TodoProsa. Eu tenho lá minhas restrições quanto à revista, mas... o blog é bom.

Não sei se ele terminou tudo, mas posto aqui o que já lançou sobre o assunto:


04/02/2011
às 11:24 \ Sobrescritos
Conselhos literários fundamentais (I)

Odeie o conforto. Se estiver concentrado demais na história que está escrevendo, ligue a TV, entre num bate-papo virtual. Caso as palavras continuem a lhe jorrar dos dedos, ponha uma música, desligue o ar condicionado, abra a janela para o berreiro de freios, buzinas e motores. Sinta-se incomodado: retarde ao limite do desastre – ou mesmo, havendo disposição e necessidade para tanto, além dele – a hora de ir ao banheiro. Morra de sede, chegue a passar fome. Brigue com a sua mãe. Mande confeccionar para sua cadeira de escritório XTZO-3000 (com amortecedor inteligente) um magnífico assento de tachinhas medievais. Boicote-se: se escrever umas tantas páginas-telas que lhe agradem em particular, dê um jeito de perdê-las, negando-se como um tonto a salvar o arquivo ao fechá-lo. E então esprema a memória para reproduzi-las igualzinho, vírgula a vírgula, exceto por uma palavra que já não achará mais e cuja ausência, se tudo der certo, vai torturá-lo por horas e horas de trabalho ou trabalho nenhum, pois não se pode chamar de trabalho o tumulto de pensamento que o tomará então, o céu a estridular como se fosse partir ao meio e o computador berrando mais do que a cidade e a TV juntas jamais sonharam berrar. Nesse momento, se as instruções tiverem sido seguidas corretamente, a linguagem estará passando por você depressa demais para ser captada, zunindo, turbilhão de luz no hiperespaço. Você terá se infiltrado, como um espião ou um vírus, no coração da máquina que move um mundo de palavras sem tempo de fazer sentido. É horrível. Avance a mão, colha uma ao léu, e então comece.


25/02/2011
às 10:28 \ Sobrescritos
Conselhos literários fundamentais (II)

Nunca aceite conselhos, com exceção deste: nunca aceite conselhos. A abertura da exceção destina-se a evitar um curto-circuito lógico que precipitaria o pensamento em abismos semelhantes ao do célebre “paradoxo do mentiroso” de Epimênides ou Eubulides, aquele que diz: “Estou mentindo agora”. Caso aceite este conselho, você vai descobrir que ter aberto tal exceção equivalerá a reconhecer – questão de honestidade intelectual – o princípio de que conselhos podem ser úteis e que, sendo assim, a determinação de nunca aceitá-los é uma estupidez. Um caminho que parece menos traumático é recusar o conselho de nunca aceitar conselhos e permanecer livre para aceitar os conselhos que quiser, repudiando os demais. No entanto, a arbitrariedade dessa discriminação, confundindo-lhe a alma, tenderá a encaminhá-lo para a aceitação do conselho bom ao lado do ruim, qualquer um, na verdade, menos este, o de nunca aceitar conselhos. Aceite todos, portanto, inclusive este, eis o que seria meu principal conselho, se eu não estivesse mentindo agora.

16/03/2011
às 9:11 \ Sobrescritos
Conselhos literários fundamentais (III)

Esqueça o famoso conselho: um escritor não precisa escrever sobre o que “conhece bem”. Quase todo mundo, ao escrever sobre o que conhece bem, produz platitudes que o leitor também conhece bem, antes mesmo de ler. Invente, se der na veneta, um mundo pré-colombiano inteiro, mapas e tudo, com nórdicos e ibéricos que a história não registrou se imiscuindo entre os incas, onde uma princesa chamada Aya, cujo amor pelo louro Thür foi condenado por seu pai, o imperador Tapa-Quichuchu, entra nua e magnífica numa banheira de enguias elétricas enquanto na rua o povo comemora a chegada de um novo ciclo lunar fornicando desavergonhadamente pelos cantos, ao som de trompas de chifre e tambores de lhama. Então, no meio daquela zorra, pare um minuto e dê a alguém, um personagem qualquer, um traço seu: a dor de cabeça da noite passada, por exemplo. Um jeito de andar ou falar. Em histórias menos épicas, pode ser a preferência por uma marca de cerveja. Basta: essa gota de verdade pessoal, essa mísera pincelada no formidável painel, num fenômeno alquímico ainda pouco elucidado, torna de repente lancinante o suicídio da bela Aya, imprescindíveis as enguias, trompas, bacanal, América pré-colombiana de araque ou o que quer que se urda com razoável esmero e que por obra daquele detalhe pífio, daquela gota de experiência, vibra agora tão vivo quanto a vida que temos diante do nariz, só que mais excitante. Ou pelo menos é nesse sentido que você encaminha suas preces.

11/04/2011
às 11:54 \ Sobrescritos
Conselhos literários fundamentais (IV)

Busque no ritmo das pedrinhas portuguesas a exata ondulação de um capítulo. Abra o dicionário ao acaso para encontrar o adjetivo preciso. Conte o número de carros azuis que avista da janela no prazo de cinco horas para decidir quantas vezes um personagem deprimido tenta se matar antes de ter sucesso. Desventre croissants para estudar camadas de sentido. Aposte contra a máquina no futebol do Playstation o destino – ganhou, apogeu, Fitzgerald; perdeu, decadência, Faulkner – de um protagonista ególatra, seja ele astro do rock ou imperador da borracha na Manaus do século 19. Estude doutamente a borra do café, procure ancestrais desígnios pétreos nas dobras do lençol pós-insônia, contemple o ar invisível, sonde as próprias fezes. Faça cada dia de chuva puxar uma pétala do malmequer, e assim, passados sete meses, decida o desenlace romântico de herói e mocinha. Para questões de estilo, prefira roletas e dados.

Conselhos literários fundamentais (V)


Não precisa ser a primeira preocupação do escritor ao se sentar diante do suporte físico ou etéreo em que gravará suas palavras, mas em algum momento do processo é recomendável que ele tenha em mente a questão do texto que se fagocita contra o texto que se degusta aos poucos, em fatias finas, como um carpaccio. A oposição estabelecida por Andrônico de Rodes, o primeiro editor de Aristóteles, e ampliada por diversos pensadores, dos quais Montaigne não será um dos menos ilustres, vive desde o Modernismo uma crise de cognição. Hoje, quando se refere à questão do texto que se fagocita contra o texto que se degusta aos poucos, em fatias finas, como um carpaccio, o crítico erudito tende a pensá-los como dois países autônomos. Talvez influenciado pela famosa oposição entre intelecto ativo e intelecto passivo proposta pelo Estagirita que Andrônico seguia, imagina cada um desses territórios entregue a seus próprios habitantes, com autores de livros para fagocitar atendendo à demanda de leitores fagocitadores, e produtores de carpaccio à dos apreciadores de fatias finas. Equilíbrio que não deixa de ser precário, como atestam as guerras diplomáticas entre as nações antípodas, mas é, de todo modo, reconfortante. Se retomarmos o fragmento original, porém, veremos que alguma coisa se perdeu desde a intuição fulgurante do obscuro peripatético: “Histórias comidas com vagar alimentam o intelecto, histórias engolidas de uma vez alimentam a alma”. Ora, o que se perdeu é algo que, ao lançar na arena uma oposição de outro nível epistemológico e moral, descola o humilde Andrônico do campo aristotélico da moderação: o fato bastante óbvio de que o bom leitor (fiquemos em bom, para não invocar um ideal platônico) precisa nutrir tanto cabeça quanto alma, e portanto não se satisfará com uma coisa só. É provável que se torne então um leitor voraz e eclético, do tipo que intercala livros para fagocitar com livros para degustar aos poucos, em fatias finas, como um carpaccio. Mas também pode ser que, não contente com tal arranjo, passe a procurar escritores que revezem como ele os dois estilos, brincando de gangorra com carpaccios e fagocitoses, numa alternância que será o motor da própria escrita, às vezes com bruscas inversões dentro da mesma frase ou, pensando bem, da mesma palavra. O leitor verá que esses escritores não são fáceis de encontrar, mas procurá-los é preciso. O que você tem a fazer é lutar com todas as forças para ser um deles.

04/05/2011
às 12:33 \ Sobrescritos
Conselhos literários fundamentais (VI)

Não tenha preguiça de reescrever. O escritor que não reescreve o que acabou de escrever, mesmo que por pura mania, mesmo que para deixar o texto indiscutivelmente pior, não merece ser chamado de escritor. Será, no máximo, um excretor a sujar de palavras fisiológicas em estado bruto um mundo que não precisa de sua contribuição para se assemelhar a um aterro sanitário de símbolos. Se escrever dez linhas, reescreva-as dez vezes em dez horas, e mais dez vezes a cada dez horas dos dez dias seguintes: corte, amplie, pregue, serre, lixe, solde, cole, mude tempos verbais e a ordem dos parágrafos, exercite a sinonímia e a intolerância. (Este conselho, por exemplo, foi reescrito ao longo de nove meses de trabalho diário. Em sua primeira versão, dizia: nunca reescreva o que acabou de escrever.) E caso ocorra a circunstância nada improvável de retornar nesse processo de edição a um texto muito semelhante ao original, ou mesmo idêntico a ele, saiba que a sensação de tempo perdido será uma ilusão e que o fruto da reescritura, como o Quixote de Pierre Menard, terá por trás das mesmas palavras uma densidade incomparavelmente superior. Claro que também é preciso reconhecer o momento de parar de reescrever, aquele ponto a partir do qual, como nas cirurgias plásticas em série, qualquer nova mexida só pode resultar em desastre, mas isso não é tão difícil: ele costuma vir acompanhado do impulso de golpear repetidamente o cristal líquido com o teclado para ver qual quebra primeiro.

Conselhos literários fundamentais (VII)

Não perca um minuto discutindo com quem prega a morte da narrativa. Evidentemente, o que esse cidadão está tentando fazer é criar uma – sim! – narrativa, aliás ingênua e batida, em que ele próprio é ao mesmo tempo o bandido que mata a velha dama aristocrática chamada Literatura e o mocinho que desvenda o crime, trazendo a boa nova de um futuro em que os narradores serão substituídos por… filósofos da linguagem? Se é verdade que vivemos um tempo de inflação narrativa em que a vida privada se vê transformada em “historinha” de forma instantânea nas redes sociais, a única resposta que a isso pode dar a literatura, arte narrativa por excelência, é narrar melhor. Narrar a narrativa, narrar o processo que fez tudo virar narrativa. Ou criar uma narrativa que dê um jeito de ser tão focada que brilhe em meio à pasta amorfa geral, atingindo o frescor pelo paradoxo da evocação de uma certa luz perdida. Por definição, nunca se pode dizer de onde virá o novo. Mesmo porque a tal inflação não começou há cinco anos, nem há trinta. O modernismo é, entre outras coisas, uma réplica artística à trivialização das histórias promovida por imprensa, rádio e cinema no início do século 20. Parece inegável que a crise se aprofundou e exige novas respostas, mas supor que estas proscreverão sumariamente a pulsão narrativa, mãe de poesia e prosa, é um erro tão simplório que parar para discuti-lo só atrasa a vida – que, como se sabe, é curta. Deixe o cara falando sozinho e vá escrever aquele conto.

25/05/2011
às 13:46 \ Sobrescritos
Conselhos literários fundamentais (VIII)

Cultive um amuleto para os momentos de desespero. Pode ser Al Pacino perguntando a Diane Keaton em O poderoso chefão: “Quem está sendo ingênuo, Kay?” (Quem está sendo ridículo, cara?) Pode ser qualquer coisa, a memória do ar frio da madrugada entrando em seus pulmões numa manhã de pescaria na infância, um retrato da sua filha sorrindo com a boca sem dentes toda suja de feijão quando tinha um ano, uma estrofe de Bandeira, um labirinto de Escher, uma foto de Gautherot, qualquer objeto material ou imaterial que tenha algo de imantado e permanente e que, invocado como último recurso, agarrado na vertigem do sorvedouro como as sobrancelhas de Capitu eram agarradas por Bentinho em dias de ressaca, o impeça de cair no ralo que cedo ou tarde tenta nos tragar a todos, aquela contabilidade avara de elogios e críticas e gentilezas e esnobadas e alianças e hostilidades e rancores guardados na geladeira em tupperwares etiquetados, nomes e datas, vinganças agendadas, o ressentimento justificado, o ressentimento injustificado – o ressentimento, só. Quando a corredeira dos egos escoiceantes ameaçar transformá-lo num idiota, num paspalhão, agarre seu amuleto com todas as forças e saia em diagonal, dançando um maxixe com ar distraído, para não ter que admitir nem para si mesmo que disso depende sua salvação.
 
Mandamentos: Raymond Carver e Tchekov
(Via Fetiche Idílico)

Em seu texto “Sobre o ato de escrever”, Carver elenca seus mandamentos como escritor; 1) não tentar sempre dominar o assunto, permitir-se a perplexidade; 2) precisão fundamental no discurso; 3) nunca usar truques; 4) saber valorizar os pontos finais; 5) escrever um pouco todo dia, sem esperança ou desalento. Tchekov, numa carta de maio de 1886, antes elencara os dele e as semelhanças com os de Carver são evidentes: 1) não incluir efusões sociopolíticas; 2) objetividade do começo ao fim; 3) ser verdadeiro na descrição dos personagens e das coisas; 4) extrema brevidade; 5) audácia e originalidade – evitar clichês; 6) ter um coração generoso.

Trecho da introdução de "68 CONTOS DE RAYMOND CARVER" (Cia das Letras).
 
Neil Gaiman
7. Ria das suas próprias piadas.

Maior verdade não há.

Margaret Atwood

7. Você provavelmente precisará de um thesaurus, uma gramática rudimentar e uma ligação com a realidade. Essa última parte significa: não existe almoço grátis. Escrever é trabalho. E também uma aposta arriscada. Você não terá um plano de previdência. Outras pessoas podem ajudá-lo um pouco, mas essencialmente estará por conta própria. Ninguém está lhe obrigando a fazer isso: você escolheu fazê-lo, então não choramingue.

Genial. O bem e velho "Faz aí e já era".

Will Self

3. Sempre carregue um notebook. E digo sempre. Nossa memória de curto prazo só retém informação por três minutos; a não ser que tenha sido confiada a um papel, você pode perder uma ideia para sempre.

Já perdi algumas por não respeitar essa regra. Hoje meu moleskine está sempre ao lado.
 
Zzeugma disse:
Mandamentos: Raymond Carver
1) não tentar sempre dominar o assunto, permitir-se a perplexidade

Seríamos poupados de tanta perda de tempo se essa regra fosse mais seguida... :rofl:
 
Zzeugma disse:

Conselhos literários fundamentais (V)


Não precisa ser a primeira preocupação do escritor ao se sentar diante do suporte físico ou etéreo em que gravará suas palavras, mas em algum momento do processo é recomendável que ele tenha em mente a questão do texto que se fagocita contra o texto que se degusta aos poucos, em fatias finas, como um carpaccio. A oposição estabelecida por Andrônico de Rodes, o primeiro editor de Aristóteles, e ampliada por diversos pensadores, dos quais Montaigne não será um dos menos ilustres, vive desde o Modernismo uma crise de cognição. Hoje, quando se refere à questão do texto que se fagocita contra o texto que se degusta aos poucos, em fatias finas, como um carpaccio, o crítico erudito tende a pensá-los como dois países autônomos. Talvez influenciado pela famosa oposição entre intelecto ativo e intelecto passivo proposta pelo Estagirita que Andrônico seguia, imagina cada um desses territórios entregue a seus próprios habitantes, com autores de livros para fagocitar atendendo à demanda de leitores fagocitadores, e produtores de carpaccio à dos apreciadores de fatias finas. Equilíbrio que não deixa de ser precário, como atestam as guerras diplomáticas entre as nações antípodas, mas é, de todo modo, reconfortante. Se retomarmos o fragmento original, porém, veremos que alguma coisa se perdeu desde a intuição fulgurante do obscuro peripatético: “Histórias comidas com vagar alimentam o intelecto, histórias engolidas de uma vez alimentam a alma”. Ora, o que se perdeu é algo que, ao lançar na arena uma oposição de outro nível epistemológico e moral, descola o humilde Andrônico do campo aristotélico da moderação: o fato bastante óbvio de que o bom leitor (fiquemos em bom, para não invocar um ideal platônico) precisa nutrir tanto cabeça quanto alma, e portanto não se satisfará com uma coisa só. É provável que se torne então um leitor voraz e eclético, do tipo que intercala livros para fagocitar com livros para degustar aos poucos, em fatias finas, como um carpaccio. Mas também pode ser que, não contente com tal arranjo, passe a procurar escritores que revezem como ele os dois estilos, brincando de gangorra com carpaccios e fagocitoses, numa alternância que será o motor da própria escrita, às vezes com bruscas inversões dentro da mesma frase ou, pensando bem, da mesma palavra. O leitor verá que esses escritores não são fáceis de encontrar, mas procurá-los é preciso. O que você tem a fazer é lutar com todas as forças para ser um deles.

Isso foi simplesmente GENIAL. :sim:
 

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