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Descartes

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Então eu tava preparando essa palestra sobre motivação há duas semanas e eu já tinha falado com o Carlos umas três ou quatro vezes a respeito daquele caso, esse que eu apresentei na palestra, do dia em que a mãe dele caiu da escada e bateu a cabeça lá no prédio dele e se machucou bastante e tudo, e quando a síndica do prédio ligou eu lembro que a Karine tava na P.A. ao lado dele, e ele nunca recebia ligações pessoais, o senhor sabe, e como ele tava atendendo um cliente na hora, e o senhor sabe o quanto ele sempre foi atencioso com os clientes, e ele tava demorando na ligação, então a Rita que tinha atendido a ligação da síndica passou pra P.A. da Karine, que sempre foi a melhor amiga dele aqui na empresa e que foi quem indicou ele pro emprego inclusive, e a Karine foi pegando as informações e ouviu a síndica falando que a mãe dele tinha caído na escada e que ela tinha batido a cabeça e tinha desmaiado, mas que ela parecia que tava bem, e a Karine tentou fazer com que o Carlos interrompesse a ligação, ela disse "Carlos, é urgente, me passa o cliente e fala com a síndica do teu prédio, é importante, é sobre a tua mãe", e ele pediu um instante pro cliente, colocou no mute e falou pra Karine "espera eu terminar, já tô terminando", e voltou a falar com o cliente da mesma forma atenciosa de sempre, e a Rita mandou a Karine desligar, porque tinha fila de espera de ligações, o senhor lembra, foi bem naquele fim de semana logo depois que a gente teve que demitir um monte de gente e o atendimento tava bem desfalcado, então ficou com fila de espera a noite toda, e o Carlos continuou atendendo, a Rita tinha ficado prestando atenção pra ver se ele ligava de volta pra casa pra ver o que tinha acontecido, e a Rita gritava "tem 15 esperas", e ele continuava atendendo. Daí a Rita foi ali pro lado dele, pediu pra ele colocar no mute o cliente que ele tava atendendo e disse que ele podia ligar pra casa depois de atender esse cliente, e ele disse "não, tá tudo bem, tem muita espera, não foi nada" e a Karine colocou o cliente dela no mute e disse "a síndica pediu pra tu ligar urgente", e ele disse "mas ela não disse que tava tudo bem?", "ela disse que a tua mãe tava acordada mas ela bateu a cabeça, ela disse que vai ligar para a tua irmã também", e o Carlos voltou a atender o cliente da mesma forma atenciosa de sempre. Ele ficou trabalhando normalmente a noite inteira, e foi naquela noite que o senhor e eu viemos visitar o atendimento porque o senhor estava preocupado com uma desmotivação depois das demissões, lembra?, lembra que daí a gente conversou com a Rita e ela nos contou o caso, e o senhor ficou bem impressionado e eu confesso que fiquei também, mas eu já conhecia o profissionalismo dele, ele era sempre o nosso atendente mais elogiado e tudo mais, e foi daí que eu tive a ideia de falar sobre ele numa palestra de motivação pros colaboradores, porque o caso dele me lembrou aquela parábola do Barnard do profissional ideal, que ele contava o caso da telefonista que trabalhava de frente pra uma janela que dava direto pra casa dela e um dia ela viu a casa pegando fogo, e ela sabia que a mãe dela tava na casa, mas como ela era a única telefonista na empresa, ela continuou trabalhando todo o turno dela, e eu sempre achei essa história inspiradora, um exemplo do mais alto profissionalismo, da capacidade do ser humano de sacrificar seus desejos e necessidades pessoais, egoístas por natureza, pelo bem do coletivo, e foi isso que eu vi naquela noite, um rapaz que era um exemplo de profissionalismo demonstrando o total compromentimento com a empresa que o emprega, demonstrando um enorme senso de responsabilidade e até de retribuição à chance que a empresa deu a ele quando o contratou e também à chance que a empresa deu a ele quando o manteve, não o colocando na lista de dispensas, e eu vi naquele rapaz um exemplo que deveria ser seguido por todos os demais funcionários desta empresa e foi por isso que eu montei toda essa minha palestra de motivação em cima da situação que ele viveu naquela noite, da superação do drama individual em prol da empresa, e eu falei com ele três ou quatro vezes a respeito e busquei palavras dele que servissem de exemplo pros demais e ele sempre me dizia "eu tava fazendo o meu trabalho", e eu convidei ele pra assistir à palestra e pensando bem agora ele agradeceu mas não disse que ia, e quando a palestra começou e eu não o vi ali fiquei eu em condição desconfortável, irônico, mas eu me senti desmotivado mesmo, e agora a Rita me ligou e disse que assim que o turno do Carlos terminou, ele tirou o fone de cabeça, ele deslogou a P.A. e bateu o ponto e ele saiu da sala para ir no banheiro, não se despediu nem nada, e dali a uns dez minutos, ouviram uns barulhos de batidas e uma queda e alguém foi olhar no corredor e não viu nada, até que uma das serventes veio avisar que o filho da puta do Carlos tinha ido até o 14º andar e tinha se atirado no vão interno ali pela janela do lado de onde fica o elevador, um espaço de uns dois por um e meio metros de largura, e ele não teve nem a capacidade de se atirar pro lado de fora pra cair na calçada pelo menos, ele deve ter ido com o corpo se batendo nas paredes até cair espatifado lá embaixo.[/align]
 
Suicidas anti-práticos sujando o trajeto público. Me lembrei daquela parábola de motivação que o suicida adolescente levava de volta a montanha de livros que pediu emprestado na biblioteca para não dar o trabalho dos bibliotecários irem à casa dele buscar. Isso sim que era um suicida solidário!

Pior que eu nem sei o que uma P. A. Profissional do Atendimento?

P. S. : post scriptum.
P. P. S. : muito bom o conto. A vida profissional suga almas a la Shang Tsung. Mas sem Operadores de Telemarketing, pra quem reclamaríamos no SAC?
 

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