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O Estrangeiro - Albert Camus

Mas "O Estrangeiro" se refere ao árabe, não?

Enfim, livro curtíssimo porém muito bom. As frases iniciais("Hoje mamãe morreu. Ou talvez tenha sido ontem, não sei.") já são impactantes...
Discordo da Rafaela quanto a existirem muitas pessoas assim no mundo. A indiferença demonstrada pelo Mersault é simplesmente absurda demais pra mim. Como a Clara V. já disse lá no tópico do Camus uma vez:

ele não demonstra revolta nem no julgamento, mesmo sabendo que o julgamento é baseado no fato dele não ter chorado no enterro da mãe(!!!) e não no assassinato em si.
 
Trillian, eu nunca pensei no título com referência ao árabe. Sempre pensei no próprio Meursault.

Até porque no julgamento todos concordaram com a setença, só para ele aquilo não era cabível, na cela, todos aceitaram a religião, ele simplesmente não via o porque disso, tem até um trecho legal de não haver tempo para se interessar por coisas que não lhe interessavam, para mim o Meursault que era o estrangeiro, parecendo sempre estar de fora de qualquer ação, ou emoção coletiva, eu via ele como um legítimo estrangeiro.

Agora, se viajei ou não, aí não sei... :timido:
 
Acho que não pensei no árabe como motivo do título porque ele tem uma participação tão pífia no livro. A grande sensação é mesmo a personalidade, sentimentos e ações do Mersault.

Tá, o Mersault foi preso e foi a julgamento pela morte do árabe, mas ainda assim o que estava em pauta lá era o fato dele não ter chorado no enterro da mãe, aliás quem não chora no enterro da própria, só alguém de outro mundo, fora da realidade, um estrangeiro.

...mas é, pode ser que seja só sobre o árabe mesmo. :timido:
 
Mersault é um psicopata. Por isso a ausência de sentimentos em relação a todo sofrimento de todos que passaram por sua vida.
Só se interessou pelo que lhe dava prazer momentaneamente.

Acabou sendo morto, realmente pq não entrou no 'jogo'. Mas era o perfil perfeito que mata, mente, vê alguém sendo espancada e nada faz (muito pelo contrário até ajuda o espancador a se livrar).

Não achei nada tão absurdo...psicopatas são assim mesmo. Apenas ele expressou durante todo o tempo como se sentia. E pagou o preço.
 
Alguém falou sobre 'O Estrangeiro' não ser absurdo. Eu gosto de colocar o Camus e o Beckett juntos nesse caso.
Pode-se pegar qualquer um dos dois, geralmente ditos 'absurdos', e alegar que são, na verdade, extremamente realistas e que retratam cenas familiares. Mas é justamente esse o absurdo: que consideremos essa estranheza como algo real, como algo familiar.
 
Para mim o que há de mais perturbador no livro
não é o assassinato e a indiferença de Mersault, mas os cinco tiros que ele dá em seguida, porque se ele não queria matar, por que continuou atirando?
É essa pergunta que o delegado faz à ele também.

A Marie é uma das personagens mais revoltantes que eu já vi em literatura: como é que ela continua com ele depois de ele dizer que a ele é indiferente estar com ela ou com outra? =S

No mais, para mim, o Mersault com tanta indiferença, nunca esteve vivo. Aquilo não é vida...

Foi um livro que mexeu comigo. Ainda mexe. Portanto, o recomendo.
 
Realmente um ótimo livro.Mas " O Mito de Sisifo " mexeu mais comigo!Mesmo assim nao tira o mérito.

A banda The Cure tem uma musica chamada Killing An Arab.Clara alusão ao estrangeiro de Camus.

http://letras.terra.com.br/the-cure/9310/

http://www.youtube.com/watch?v=BD1uGPkxQfA
 
Um do meus livros preferidos.
Acho Mersault um grande personagem, sempre disposto a fazer valer sua liberdade, isso tudo contra os eventos do mundo que, diversas vezes, entram em rota de colisão contra o protagonista. O absurdo são as interpretações dos eventos da Parte I feitas na Parte II - é o absurdo do julgamento.
Mersault caminha livremente, não raro, sobre pedras falsas.
 
Para mim, o Mersault é um estrangeiro tanto em relação à sociedade, na qual ele não aceita participar das regras, quanto em relação a si mesmo - antes de matar o árabe, o que parece é que ele vai levando a própria vida no automático, sem ter prazer ou se envolver verdadeiramente com nada.

A mãe morre, e daí; ele não tem muita emoção em interagir com as pessoas e nem se importa muito com os acontecimentos ao seu redor, mata um árabe "por matar" também, mas não sai da inércia interna que vive. Ele parece assistir a vida de outra pessoa, não a própria.

Daí é presa não por ter matado, mas por não ter chorado a morte da mãe, e se lamenta às portas da morte da vida que ele perdeu. Tarde demais, né?

Foi um livro que me tocou bastante, principalmente em relação à apatia e indiferença de Mersault em relação a si mesmo. Nós somos assim também às vezes e há muito em jogo a ser perdido. Não precisamos ser estrangeiros no mundo.
 
Acabei de ler esta grande obra que me emocionou muito. Foi muito falado aqui sobre a indiferenca do protagonista em relacao ao mundo em sua volta. Entretanto, o que realmente me chamou a atencao foi a contradicao do julgamento em si. No tribunal aquele estranho foi tratado da forma mas indiferente possivel. O promotor se referia a ele como se estivesse lidando com um animal, seu advogado ignorava sua presenca ou suas opinioes, os reporteres aumentaram o seu caso para vender mais jornais, enfim, ninguem o olhava nos olhos. A grande critica na minha opiniao, nao se remete ao fato do personagem ser um 'psicopata' e demonstrar grande empatia com os acontecimentos a sua volta, e sim, a oposicao da indiferenca entre um individuo um tanto autentico e franco que demonstra apenas o que verdadeiramente sente, e um mundo hipocrita que o condena a morte por sua insensibilidade enquanto cria um espetaculo em praca publica em que a vida humana perde todo seu valor.
 
[align=justify]Terminei agora de ler O Estrangeiro. Realmente, um livro muito interessante, com um personagem principal dotado de um niilismo, ou de uma "psicopatia", surpreendente.

Acho que esta resposta de Meursault a uma pergunta de seu chefe resume bem a sua visão da vida:

Perguntou-me, depois, se eu não estava interessado em uma mudança de vida. Respondi que nunca se muda de vida; que, em todo caso, todas se equivaliam, e que a minha aqui não me desagradava em absoluto.
[/align]
 
Estrangeiro!? O árabe!? Mas o Meursault era francês, um francês na Argélia. E eu não acredito que o árabe fosse nativo da Arábia Saudita. E o título da obra em inglês ficou como The Stranger ou The Outsider. Eu mesmo acho o Meursault muito estranho.

Não acredito que o Meursault tenha sido um psicopata, ou pelo menos que foi sempre insensível. Quando foi interpelado pelo chefe sobre ambição, ele disse que tinha ambições quando era jovem, mas pouco a pouco se tornou indiferente. Maturidade? Acho que seja apenas decadência, ou paz de espírito, ou vegetal.

Quanto à mãe, ela mesma falava sobre acomodação. Ela se indignou ao ir pro asilo. E possivelmente se indignaria ao sair dele, por ter encontrado um novo lar pra se habituar. Um noivo. Esse Meursault era um taciturno. Devia ser muito chato conviver com ele. E também deveria ser muito chato fingir ser um bom filho, se bons filhos são aqueles escutam os mais velhos por pura educação. Sem admiração.

Quanto à Maria, tem gosto pra tudo. Existem mulheres que gostam de homens fortes, para se sentirem protegidas. Outras gostam de homens fracos, para satisfazerem algum tipo de instinto maternal. E outras, outras gostam de homens indiferentes que não dão bola pra elas.

E o juiz de instrução, esse realmente devia ter um sentimento de culpa enorme. Seu trabalho era julgar as pessoas, e condená-las. E se o réu perguntasse ao juiz se ele gostaria de ser julgado e condenado?! "Não faça aos outros o que você não gostaria que fizessem com você". Condenar é complicado, quando se tem em mente que é melhor perdoar. O juiz se sentiu atordoado quando se deparou com alguém que era indiferente a ser condenado ou não. Indiferente a Aquele que se permitiu ser condenado também. Não devia saber se sentia compaixão por aquele que não se ressentiria contra ele ao ser condenado ou se o censuraria por não sentir gratidão ao ser absolvido.

Meursault gostava de viver. Ele gostava do sol, do calor, da praia, de Maria. Não de uma forma momentânea apenas. De uma forma pura. Apesar de não sentir saudade, o desejo de viver mais pra sentir essas coisas boas de novo. As perguntas de Maria sobre o casamento são cruéis. Sorte do Meursault de não ser romântico. Ah! Mas se uma mulher pergunta a um homem se ele seria capaz de se apaixonar por outra se ela não tivesse aparecido na vida dele... o homem sensato diz que nunca teria encontrado o amor. Quer ferir o amor-próprio?! Diga que foi por acaso. Um pontinho azul desaparecido na Via Láctea.

Mersault poderia ser um vegetal. Ser preso dentro do tronco de uma árvore. Por quê?! Porque não sentia dor. Ele precisava com urgência de umas boas pedras nos rins. Já que consegue desdenhar os desejos, caso eles não sejam satisfeitos, a coisa seria diferente se ele tivesse uma dor para fugir. O máximo que sentiu foi o aborrecimento. Felizmente, não dando corda pra os que ficavam tagarelando nos ouvidos dele, ele conseguia se livrar deles por pura falta de combustível.

"Compreendi então que um homem que houvesse vivido um único dia, poderia sem custo passar cem anos numa prisão". Boa memória. Odiaria viver de recordação. Só tento não me limitar à reflexão. A experiência é mais forte que qualquer memória. Nos videogames e na computação gráfica os modelos têm roupa, mas os modeladores não se dão o trabalho de desenhar por debaixo delas.

E o padre se deu mal. Na versão que eu li, o capelão. É o trabalho dele, afinal. Me lembra o Clube da Luta, onde o protagonista ia a encontro de gente que sofria para poder se simpatizar com eles, chorar, e poder dormir. E mesmo sendo contradito por Meursault, ele ainda tenta sair de lá com a consciência limpa. Isso me lembra A Insustentável Leveza do Ser, quando Franz fica em coma, e a mulher se sente uma santa, velando seu leito de morte, acreditando que ele tinha se arrependido. E ela até o perdoou. Penso o mesmo do padre. Ele acreditava que estava fazendo um bem ao condenado, oferecendo uma dádiva irrecusável. E, pode ser que sim. O cara sentiu, sentiu mais fúria com o padre do que com o árabe.

E o ponto que eu não concordo de jeito nenhum com o livro. Nem aqui nem em Tangamandápio. O cara mata o árabe, o árabe que tinha uns coleguinhas, e que tinha uma irmã. E nenhum deles sequer vai ao julgamento pra mandar ele pro mármore do inferno? Fala sério.

Pra finalizar, a lição final: Meursault era tão acomodado, que depois se habituou a ficar morto.
 
Meursault era, na minha opinião, um indiferente, com relação a tudo, ao amor, à família, à morte... tanto que ele próprio causa indiferença.

Às vezes, me vejo exatamente como ele, pouquíssimas coisas mexem comigo (Acomodação? Quem sabe...), mas, claro, não mataria uma pessoa, por pior que fosse (I'm evil, but not that evil:sacou:)

O livro é muito bom, e o absurdo que ele constitui é melhor ainda no sentido de fazer com que se pense ao que, de fato, está sendo atribuído valor na nossa vida e nas nossas relações sociais.




"Evil is forever... In good times and despair. It is there to ruin your day, but no one really cares."
 
[align=justify]Faz tempo que estou querendo discutir esse livro. Li os posts anteriores e destaco alguns pontos que achei interessantes:

a) o fato de Camus se voltar ao que seria uma 'literatura do absurdo'

nesse ponto tenho que concordar com o Luciano: não sei até onde isso seria absurdo. É um absurdo familiar, não aquele féerico ou altamente improvável, é algo mais proximal e que apesar da não-convencionalidade, não é aquela coisa completamente amalucada. Não consigo deixar de pensar sobre algumas das premissas do existencialismo ao pensar na situação de Meursault e a narração de Camus, pois vejo que a errância da vida dele se dê justamente porque não há algo que ele 'deva' fazer, digamos assim, por natureza. A vida dele é esse emaranhado de eventos e ponto final. Com base em que poderíamos julgá-lo? Deixem-me me explicar melhor: não há um modelo de vida que as pessoas devam naturalmente seguir (embora algumas acreditem que sim) as pessoas vão agindo, sendo moldadas e moldando a realidade a seu redor conforme os eventos vão acontecendo, não há ensaio para a vida, há o viver, a experiência, como o Rodovalho já bem ressaltou.

É isso que a vida de Meursault (e a de todo mundo) é: uma sucessão de eventos em que vamos nos portar de maneiras várias, tentando sobreviver, fazer o melhor possível ou não, dependendo do que acreditamos etc. e tal. Uma das coisas que torna Meursault diferente de outras pessoas é que ele parece estar meramente sendo levado pela maré dos acontecimentos, ele parece que não tenciona querer pegar as rédeas da situação, ele vai seguindo conforme as coisas vão acontecendo, isso dá a impressão de apatia dele.

b) sobre o estrangeiro do título ser ou não Meursault

a meu ver é o Meursault sim, mas não posso confirmar isso 100% Penso que justamente pelo fato de ele possuir comportamentos não-convencionais ou que fogem à lógica vigente ou dominante, ele pode ser considerado um estrangeiro. Acho que acabamos baseando nossa compreensão de 'estrangeiro' na forte mentalidade nacionalista com que somos bombardeados todos os dias, mas se pegarmos, como o Rodovalho falou, o título 'The Outsider', não necessariamente será alguém de outro país ou nacionalidade, mas alguém que se coloca fora de alguma tendência, mentalidade, visão de mundo, concepção a respeito da realidade ou algo assim.

Esse é o 'outsider' para mim, o Meursault cujo comportamento difere profundamente da lógica vigente, do que se espera que um ser humano faça. Mas, como disse anteriormente, não existe uma 'natureza' humana através da qual as pessoas podem viver, existe sim a 'natureza social' dos comportamentos e das práticas modelares, mas essas são criadas ao sabor da metamorfose histórica, ou seja, não são naturais, mas social e historicamente construídas. Nesse sentido, Meursault se colocava não como um abominável ser extraterrestre, inumano, mas potencialmente diferente do que a sociedade entende que ele devesse agir.

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Para dar continuidade a discussão (gostei muito dos posts desse tópico, quero trocar mais figurinhas com vocês): falei do existencialismo mas sei que o Sartre e o Camus tem uma treta meio pesada, alguém sabe mais sobre isso? Queria saber o que é que aconteceu entre os dois.[/align]
 
(Putz, to com vergonha do tamanho do meu post.)
Só pra constar:
- Em geral meu gosto por um livro é proporcional à quantidade de perguntas/desconfortos que ele me suscita, é por isso que gosto tanto d'O Estrangeiro.
- A discussão da página anterior me fez pensar que o Mersault é a Capitu dos franceses, vc nunca vai saber se há culpa ou não XD

Vamos ao que interessa, então:
a) Sobre a literatura do absurdo
Não sei falar sobre "literatura do absurdo" porque me falta base, mas sobre O Estrangeiro tenho algumas suposições paralelas à do Luciano e do Lucas. É um absurdo "desabsurdo", plausível. Uma das coisas que me fascinam no livro é que, devido à construção (excelente!) do personagem, Camus consegue levar a indiferença - um sentimento comum, corriqueiro, conhecido e vivido por todos nós com naturalidade - a um nível extremo sem perder nunca a verossimilhança, quero dizer, não é algo forçado. Flui. E leva a gnt lindamente junto.

Nesse ponto, vou um bocadinho além, e advirto que estou viajando astronomicamente (meu mantra...rs). Nem leia o spoiler se não quiser viajar, ok? =)
Desconfio muito que, quando um autor leva um fato pessoal/individual ao extremo, ele, na verdade, está é falando de um ponto essencialmente coletivo/social. Infelizmente não sei dar outros exemplos agora =/. Mas, sei lá, acho que o Mersault poderia ser um tipo representativo da pós-modernidade (ou alta modernidade, escolha sua vertente), em que a relativização dos fatos atinge seu "ultimate level", que seria a própria relativização do ser - e consequentemente do outro - de um modo impensado por Descartes. Há no livro uma certa indiferença por si mesmo que gera indiferença por todo o resto e o desmantelamento da micro-sociedade em torno do Mersault, resultando em sua grande solidão, a que ele é igualmente indiferente. Não há nada a ser feito, nada a lutar por, nada com que sonhar, nada a questionar, nada. Na verdade, amplio o que disse anteriormente, porque está um passo adiante da relativização do ser: é niilista. Não havendo referências, nada mais há. Putz, é ótimo esse livro, é meio difícil pôr em linhas meus pensamentos sobre ele. =) Mas acho que o ponto do Meursault é esse: total ausência de juízos de valor. Ele é grandemente analítico e absolutamente "avalorativo". E sobre isso eu poderia escrever mais cinquenta linhas, rs.

Mas, voltando ao ponto anterior, me questiono se O Estrangeiro não é, talvez, uma pré-visão dessa apatia social que está sorrateiramente se acomodando em nós. Vcs não acham que, acabados os regimes totalitários, acabaram-se as "grandes causas políticas" e a apatia instaurou-se no espírito social? Ao menos a nossa geração, que grande causa coletiva temos pela qual lutar, como tiveram nossos pais e as gerações anteriores? Estamos cada vez mais ensimesmados, menos engajados, mais relativistas e passivos, logo, indiferentes. Essa coisa de indivído/sociedade tem uma relação de difícil identificação entre causa/efeito, viu? Tá, e então? O que fazer? Permanecer apáticos até que a sociedade rua e então... nada mais, assim como Meursault? (Putz, foi mal, gente, to viajando muito mais que o permitido em público, mas essa sou eu XD)

Enfim, voltando à Terra, admito que nunca procurei informações sobre o Camus nem o contexto em que O Estrangeiro foi escrito, portanto, tudo o que está em spoiler são considerações bastante limitadas.

b) sobre o estrangeiro do título ser ou não Meursault
Acho esse título irretocável. Eu não tenho dúvidas de que o estrangeiro se refere ao Meursault, mas coincidente e propositadamente, é o árabe estrangeiro que desencadeia toda a coisa, o que dá amplitude e "accuracy" ao título com uma cajadada só.

Esse é o 'outsider' para mim, o Meursault cujo comportamento difere profundamente da lógica vigente, do que se espera que um ser humano faça. Mas, como disse anteriormente, não existe uma 'natureza' humana através da qual as pessoas podem viver, existe sim a 'natureza social' dos comportamentos e das práticas modelares, mas essas são criadas ao sabor da metamorfose histórica, ou seja, não são naturais, mas social e historicamente construídas. Nesse sentido, Meursault se colocava não como um abominável ser extraterrestre, inumano, mas potencialmente diferente do que a sociedade entende que ele devesse agir.

Concordo com o que vc diz sobre personagem. Mas a parte em itálico... hmmm... é e não é, né? "não existe uma 'natureza' humana através da qual as pessoas podem viver". Hmmm... Será? :think: Ai, minhas aulas de antropologia... Acho que existe sim. Por exemplo, é parte da natureza humana a necessidade de relacionamento, isso não é construção social, ao menos foi o que aprendi e mal observei até hoje. Aquela história toda de o "ser e o outro" e a entidade terceira que é o relacionamento - e, no caso, a sociedade. [size=xx-small](Acho até que o Kundera escreveu sobre isso, não...? mas se referia a relacionamentos românticos, não à sociedade, mas o conceito é o mesmo... Foi onde? No Insustentável? Ou Risíveis Amores? Onde eu li uma coisa assim...?)[/size] E uma coisa social e historicamente construída não deixa de ser natural, uai. É efeito colateral da simples existência humana. Bem, é o que penso até agora...

"potencialmente diferente do que a sociedade entende que ele devesse agir". Nesse ponto específico, a sociedade espera que ele aja de maneira a não romper essa relação o ser - o outro. E ele rompe, e mata o árabe. Seu não arrepedimento e seu não remorso são os sinais de que ele continuaria a manter essa relação instável e perigosa, portanto, prejudiciosa em termos coletivos porque é insustentável. Ai, não consigo explicar. Volto outra hora.

Mas outra coisa que penso de vez em quando: será que o Meursault tinha conceito de justiça? XD (Olha a que ponto as coisas chegam, eu me questionando sobre a epistemologia de um ser inventado...hahaha Ah, Camus!)
 
Manu M. disse:
Há no livro uma certa indiferença por si mesmo que gera indiferença por todo o resto e o desmantelamento da micro-sociedade em torno do Mersault, resultando em sua grande solidão, a que ele é igualmente indiferente. Não há nada a ser feito, nada a lutar por, nada com que sonhar, nada a questionar, nada. Na verdade, amplio o que disse anteriormente, porque está um passo adiante da relativização do ser: é niilista. Não havendo referências, nada mais há. Putz, é ótimo esse livro, é meio difícil pôr em linhas meus pensamentos sobre ele. =) Mas acho que o ponto do Meursault é esse: total ausência de juízos de valor. Ele é grandemente analítico e absolutamente "avalorativo". E sobre isso eu poderia escrever mais cinquenta linhas, rs.

Egocêntricos medem o mundo a partir de si mesmos. E Meursault era aparentemente vazio. Talvez ele media o mundo pelas regras de sua própria apatia. Indiferente ao mundo, indiferente a si mesmo. Que auto-referência triste essa!

Manu M. disse:
Mas, voltando ao ponto anterior, me questiono se O Estrangeiro não é, talvez, uma pré-visão dessa apatia social que está sorrateiramente se acomodando em nós. Vcs não acham que, acabados os regimes totalitários, acabaram-se as "grandes causas políticas" e a apatia instaurou-se no espírito social? Ao menos a nossa geração, que grande causa coletiva temos pela qual lutar, como tiveram nossos pais e as gerações anteriores? Estamos cada vez mais ensimesmados, menos engajados, mais relativistas e passivos, logo, indiferentes. Essa coisa de indivído/sociedade tem uma relação de difícil identificação entre causa/efeito, viu? Tá, e então? O que fazer? Permanecer apáticos até que a sociedade rua e então... nada mais, assim como Meursault? (Putz, foi mal, gente, to viajando muito mais que o permitido em público, mas essa sou eu XD)

Apenas se nós for eu e você. Lá fora está acontecendo uma primavera árabe. Até nórdicos viraram terroristas. Na Europa existe tanto nacionalismo que existe xenofobia, e não é só questão de (des)emprego e Grécia. A África... a África está uma África. A Lituania... nunca fui lá nem sei dizer nada. E tem o Brasil! Aqui temos skinheads e deputados bem apáticos em relação a gays. Temos missionários se importando muito com a alma dos índios que sobreviveram aos luso-brasileiros. Temos sem-terra e sem-vergonha. Até temos gente calma vivendo lentamente em pequenas cidades do interior, jogando peladas nas ruas quase sem carros., reclamando de política e Big Brother. Tem de tudo nesse mundo, inclusive debatentes em fórums on-line discutindo a apatia de Mersault e de nossa geração.

Manu M. disse:
b) sobre o estrangeiro do título ser ou não Meursault
Acho esse título irretocável. Eu não tenho dúvidas de que o estrangeiro se refere ao Meursault, mas coincidente e propositadamente, é o árabe estrangeiro que desencadeia toda a coisa, o que dá amplitude e "accuracy" ao título com uma cajadada só.

Sou criança birrenta e bato o pé no chão! Esse árabe só pode ser argelino! Ok, eu não sei francês o suficiente pra ler o original, mas acho que pro Meursault, turco, iraniano, palestino, argelino, marroquino e saudita, tanto faz, são todos árabes.

Manu M. disse:
Concordo com o que vc diz sobre personagem. Mas a parte em itálico... hmmm... é e não é, né? "não existe uma 'natureza' humana através da qual as pessoas podem viver". Hmmm... Será? :think: Ai, minhas aulas de antropologia... Acho que existe sim. Por exemplo, é parte da natureza humana a necessidade de relacionamento, isso não é construção social, ao menos foi o que aprendi e mal observei até hoje. Aquela história toda de o "ser e o outro" e a entidade terceira que é o relacionamento - e, no caso, a sociedade. [size=xx-small](Acho até que o Kundera escreveu sobre isso, não...? mas se referia a relacionamentos românticos, não à sociedade, mas o conceito é o mesmo... Foi onde? No Insustentável? Ou Risíveis Amores? Onde eu li uma coisa assim...?)[/size] E uma coisa social e historicamente construída não deixa de ser natural, uai. É efeito colateral da simples existência humana. Bem, é o que penso até agora...

Ok, é natural para qualquer ser humano desejar se relacionar, se inserir na comunidade. Até para os tímidos e introvertidos. Mas existem exceções. Talvez Meursault fosse um sociopata. Eu mesmo acredito que não, pelo menos nem sempre. Sociopatas não sentem necessidade de relacionamentos, mas precisam se relacionar para conseguirem satisfazer outras necessidades, como sexo e poder, por exemplo. E Meursault não me parecia ter nenhuma necessidade forte o bastante para fazê-lo pelo menos fingir pra alcançar seus objetivos. Ele não tinha objetivo nenhum! Eu mesmo acho que ele teve um passado normal e humano e ordinário. Só que no caso dele ele perdeu todo o gosto pelo que a sociedade poderia proporcionar.

E só pra constar, eu sou um engenheiro eletricista, não um psiquiatra.

Manu M. disse:
"potencialmente diferente do que a sociedade entende que ele devesse agir". Nesse ponto específico, a sociedade espera que ele aja de maneira a não romper essa relação o ser - o outro. E ele rompe, e mata o árabe. Seu não arrepedimento e seu não remorso são os sinais de que ele continuaria a manter essa relação instável e perigosa, portanto, prejudiciosa em termos coletivos porque é insustentável. Ai, não consigo explicar. Volto outra hora.

Mas outra coisa que penso de vez em quando: será que o Meursault tinha conceito de justiça? XD (Olha a que ponto as coisas chegam, eu me questionando sobre a epistemologia de um ser inventado...hahaha Ah, Camus!)

Existe gente amoral, que não se deixa levar pela moral e pelos bons costumes. Alguns amorais até têm curiosidade sobre o homicídio. Como será que é a sensação de ser um assassino, matar um semelhante? A curiosidade é um desejo. Não acredito que um niilista puro mataria só por matar. Niilistas seriam indiferentes a matar ou não. Meursault não atirou pra se defender. E atirou mais de uma vez, pra garantir o presunto. Quando ele defende o espancador de mulheres, o cara pede pra ele pra escrever a carta. Assim ele faz o que o espancador queria. Quando ele atira, ele faz o que ele mesmo queria.

Ele agiu diferente em relação ao juiz e ao capelão. O senhor-não-me-importo-com-nada conseguiu se irritar com o capelão e reagiu. Talvez porque o capelão era muito arrogante e o copo tinha que transbordar mais cedo ou mais tarde.

Quanto ao perigo de um cara desses solto nas ruas... Já conheci um assassino e amável pai de família. E Meursault era tão indiferente que não causaria nem se juntaria a uma rebelião na prisão. Enquanto gente apaixonada é capaz de matar o John Lennon. Como diz aquele velho clichê: "Não tenho medo dos mortos. Eu tenho medo é dos vivos".
 
Lucas_Deschain disse:
(...)

É isso que a vida de Meursault (e a de todo mundo) é: uma sucessão de eventos em que vamos nos portar de maneiras várias, tentando sobreviver, fazer o melhor possível ou não, dependendo do que acreditamos etc. e tal. Uma das coisas que torna Meursault diferente de outras pessoas é que ele parece estar meramente sendo levado pela maré dos acontecimentos, ele parece que não tenciona querer pegar as rédeas da situação, ele vai seguindo conforme as coisas vão acontecendo, isso dá a impressão de apatia dele.

(...)

Esse é o 'outsider' para mim, o Meursault cujo comportamento difere profundamente da lógica vigente, do que se espera que um ser humano faça. Mas, como disse anteriormente, não existe uma 'natureza' humana através da qual as pessoas podem viver, existe sim a 'natureza social' dos comportamentos e das práticas modelares, mas essas são criadas ao sabor da metamorfose histórica, ou seja, não são naturais, mas social e historicamente construídas. Nesse sentido, Meursault se colocava não como um abominável ser extraterrestre, inumano, mas potencialmente diferente do que a sociedade entende que ele devesse agir.

O simples fato de estar nas rédeas ou não da situação não caracteriza apatia. Um militar pode receber instruções de superiores e cometer atrocidades desmedidas, mas os poderosos geralmente usam dos próprios desejos de suas ovelhas para manipulá-las. O pau-mandado só precisa de uma desculpa, não de apatia. E tem gente que é como cães. Vivem ao bel prazer de seus donos, sob suas crueldades e carinhos, sem senso de memória, muitas vezes sem revolta. Mas, êita, que bichinhos sentimentais esses! Assim são feitos melodramas, personagens sentimentais escravos do Grande Autor de Telenovelas.

Quanto ao segundo ponto, o da "natureza social". Não importa se o indivíduo é anárquico, amoral ou niilista, ele ainda é um produto da sociedade, de suas regras, de seus costumes. Não existiriam vírus se não existisse pelo menos uma espécie de bactéria. Somos humanos mas não deixamos de ser animais. Não existem humanos e os animais, mas sim humanos e os OUTROS animais. Meursault foi construído pela sociedade, talvez como um defeito previsível e raro, como a literatura moderna francesa que chega a olhos tupiniquins. Meursault não é uma personagem absurda, só obscura. Gente sensível como nós nos indignamos com a idéia de alguém não chorar no funeral da mãe, mas indignação nunca fez uma idéia ser absurda. A realidade mesmo é uma boa fonte de indignação e estranhamento, não acham? A menos que vocês sejam como Meursault, incapazes de se surpreender com o mundo.
 
[align=justify]OK, vamos por partes:

Manu, sobre sua 'viajada' (que, aliás, eu gostei bastante) acho que não podemos ser tão fatalistas ou mesmo nos apoiar em conceitos que se tornem muletas. Não estou dizendo que é o seu caso se apoiar nesse termo já quase banalizado que é a pós-modernidade, mas acho que cabem algumas considerações acerca dele: a condição pós-moderna, embora eu acredite que esse termo possa ser usado (com sérias restrições e cautelas) tem se tornado um conceito relativizado (olhem só que ironia) que é invocado com muita facilidade. No caso do livro do Camus soa anacrônico chamar aquilo de pós-modernidade, pelo fato de, em balizas históricas, esse período ganhar força lá pela década de 70.

Contudo, sua exposição apresenta fortes argumentos ao defender o caráter pós-moderno do Meursault, o fato de ele relativizar uma porção de coisas, resultando disso (entre outras coisas) sua apatia diante da realidade, é somente um deles. Mas, antes de pós-modernidade, isso veio a me chamar a atenção pelo seguinte motivo: há um ensaio do Roland Barthes intitulado O Grau Zero da Escritura, em que ele cita esse livro de Camus, dizendo que é o que ele mais chega perto desse grau zero da escritura, que é, grosso modo (grossíssimo, aliás) essa suposta 'neutralidade' ou 'indiferença' ou 'distanciamento' da narrativa. De onde é que vem esse sentimento de Meursault e de onde Camus tira esse estilo frio e distante? Pode ser um não-pertencimento a sociedade francesa ou argelina, pode ser pessimismo proveniente da guerra que estava acontecendo, podem ser rudimentos de pós-modernidade, pode ser um sentimento que provém da reflexão sobre as atrocidades que tomaram o palco no século XX e que não apontavam para solução alguma, aliás, só a mais problemas.

Gosto desse relativismo que o Camus levanta, não por me fiar nele para agir e pensar, mas como choque para despertar para limitações da própria natureza humana e da subjetividade que 'contamina' tudo o que os seres humanos produzem. Meursault pode ser encarado como um insensível ou um assassino, ou pode ser visto como fruto das circunstâncias e reservado, dependendo de como o analisamos. Isso, a meu ver, não quer dizer que qualquer hipótese sobre seu caráter e ações seja plausível, mas não deixa de ser uma forma de pensar interessante para não cairmos em mecanicismos ou interpretações fáceis.

Amanhã respondo outras questões levantadas porque o post está grande e eu estou com sono. XD[/align]
 

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