• Caro Visitante, por que não gastar alguns segundos e criar uma Conta no Fórum Valinor? Desta forma, além de não ver este aviso novamente, poderá participar de nossa comunidade, inserir suas opiniões e sugestões, fazendo parte deste que é um maiores Fóruns de Discussão do Brasil! Aproveite e cadastre-se já!

Duelo de Autores

Qual o vencedor?

  • Nelson Rodigues - "Elas gostam de apanhar" (Breno C.)

    Votos: 0 0,0%
  • Machado de Assis - "Dom Casmurro" (Barbie)

    Votos: 0 0,0%
  • Fernando Sabino - "O encontro marcado" (G. N. Tauil)

    Votos: 0 0,0%
  • Chico Buarque - "Budapeste" (Anica)

    Votos: 0 0,0%
  • Claudia Tajes - "A Vida Sexual da Mulher Feia" (Anelise Espíndola)

    Votos: 0 0,0%

  • Total de votantes
    0
  • Votação encerrada .
Pips disse:
Ihhh, jogou a toalha?:hahano:

Nem, só elogiei os vídeos.
Vou deixar umas frases do Nelson tiradas do livro As 1.000 melhores frases de Nelson Rodrigues, Companhia das Letras, 1997.

A solidão começou para o verdadeiro católico. Tomem nota: — ainda seremos o maior povo ex-católico do mundo.

O casamento já é indissolúvel na véspera.

A educação sexual só devia ser dada por um veterinário.

Antigamente, o defunto tinha domicílio. Ninguém o vestia às pressas, ninguém o despachava às escondidas. Permanecia em casa, dentro de um ambiente em que até os móveis eram cordiais e solidários. Armava-se a câmara-ardente num doce sala de jantar ou numa cálida sala de visitas, debaixo dos retratos dos outros mortos. Escancaravam-se todas as portas, todas as janelas; e esta casa iluminada podia sugerir, à distância, a idéia de um aniversário, de um casamento ou de um velório mesmo.

Sou contra a pílula, e ainda mais contra a ciência que a inventou; a saúde pública que a permite; e o amor que a toma.

Diz o dr. Alceu que a Revolução Russa é "o maior acontecimento do século". Como se engana o velho mestre! O "maior acontecimento do século" é o fracasso dessa mesma revolução.

O dr. Alceu fala a toda hora na marcha irreversível para o socialismo. Afirma que a Revolução Russa também é irreversível. Em primeiro lugar, acho admirável a simplicidade com que o mestre administra a História, sem dar satisfações a ninguém, e muito menos à própria História. Não lhe faria mal nenhum um pouco mais de modéstia. De mais a mais, quem lhe disse que a Revolução Russa é irreversível?

Só Deus sabe que fiz o diabo para ser amigo do nosso Tristão de Athayde. Durante cinco anos, telefonei-lhe em cada véspera de Natal: — "Sou eu, dr. Alce. Vim desejar-lhe um maravilhoso Natal para si e para os seus" etc etc. Tudo inútil. O dr. Alceu trancou-me o coração. Até que, na última vez, disse algo que, para mim, foi uma paulada: — "Ah, Nelson! Você aí, nessa lama!". O mestre insinuara que a minha alma é um mangue, um pântano, um lamaçal. E, por certo, ao sair do telefone, foi se vacinar contra o tifo, a malária e a febre amarela que vivo a exalar. Pois é o que nos separa eternamente, a mim e ao dr. Alceu: — de um lado, a minha lama, e , de outro, a sua luz.

Outrora, o remador de Bem-Hur era um escravo, mas furioso. Remava as 24 horas por dia, porque não havia outro remédio e por causa das chicotadas. Mas, se pudesse, botaria formicida no café dos tiranos. Em nosso tempo, o socialismo inventou outra forma de escravidão: — a escravidão consentida e até agradecida.

A Igreja está ameaçada pelos padres de passeata, pelas freiras de minissaia e pelos cristãos sem Cristo. Hoje, qualquer coroinha contesta o Papa.

O padre de passeata é hoje, uma ordem tão definida, tão caracterizada como a dos beneditinos, dos franciscanos, dos dominicanos e qualquer outra. E está a serviço do ódio.

Os padres exigem o fim do celibato. Portanto, odeiam a castidade. Imaginem um movimento de meretrizes a favor da castidade. Pois tal movimento não me espantaria mais do que o motim dos padres contra a própria.

Os padres querem casar. Mas quem trai um celibato de 2 mil anos há de trair um casamento em quinze dias.

O tempo das passeatas acabou, mas o padre de passeata continua, inexpugnável no seu terno da Ducal e vibrando, como um estandarte, um Cristo também de passeata.

D. Helder só olha o céu para saber se leva ou não o guarda-chuva.

D. Helder já esqueceu tanto a letra do Hino Nacional quanto a da Ave-Maria. Prega a luta armada, a aliança do marxismo e do cristianismo. Se ele pegasse uma carabina e fosse para o mato, ou para o terreno baldio, dando tiros em todas as direções, como um Tom Mix, estaria arriscando a pele, assumindo uma responsabilidade trágica e eu não diria nada. Mas não faz isso e se protege com a batina. Sabe que um D. Helder sem batina, um D. Helder almofadinha, de paletó ou de terno da Ducal, não resistiria um segundo. Nem um cachorro vira-lata o seguiria.

Estou imaginando se, um dia, Jesus baixasse à Terra. Vejo Cristo caminhando pela rua do Ouvidor. De passagem, põe uma moeda no pires de um ceguinho. Finalmente, na esquina a Avenida, Jesus vê D. Helder. Corre para ele; estende-lhe a mão. D. Helder responde: — "Não tenho trocado!". E passa adiante.

No Brasil, só se é intelectual, artista, cineasta, arquiteto, ciclista ou mata-mosquito com a aquiescência, com o aval das esquerdas.

Não há ninguém mais bobo do que um esquerdista sincero. Ele não sabe nada. Apenas aceita o que meia dúzia de imbecis lhe dão para dizer.

As feministas querem reduzir a mulher a um macho mal-acabado.

Considero o filho único um monstro de circo de cavalinhos, um mártir, mártir do pai, mártir da mãe e mártir dessas circunstâncias. As famílias numerosas são muito mais normais, mais inteligentes e mais felizes.

Na velha Rússia, dizia um possesso dostoievskiano: — "Se Deus não existe tudo é permitido". Hoje, a coisa não se coloca em termos sobrenaturais. Não mais. Tudo agora é permitido se houver uma ideologia.

Quando os amigos deixam de jantar com os amigos [por causa da ideologia], é porque o país está maduro para a carnificina.

Antigamente, o silêncio era dos imbecis; hoje, são os melhores que emudecem. O grito, a ênfase, o gesto, o punho cerrado, estão com os idiotas de ambos os sexos.

[Até o século XIX] o idiota era apenas o idiota e como tal se comportava. E o primeiro a saber-se idiota era o próprio idiota. Não tinha ilusões. Julgando-se um inepto nato e hereditário, jamais se atreveu a mover uma palha, ou tirar um cadeira do lugar. Em 50, 100 ou 200 mil anos, nunca um idiota ousou questionar os valores da vida. Simplesmente, não pensava. Os "melhores" pensavam por ele, sentiam por ele, decidiam por ele. Deve-se a Marx o formidável despertar dos idiotas. Estes descobriram que são em maior número e sentiram a embriaguez da onipotência numérica. E, então, aquele sujeito que, há 500 mil anos, limitava-se a babar na gravata, passou a existir socialmente, economicamente, politicamente, culturalmente etc. houve, em toda parte, a explosão triunfal dos idiotas.

Outrora, os melhores pensavam pelos idiotas; hoje, os idiotas pensam pelos melhores. Criou-se uma situação realmente trágica: — ou o sujeito se submete ao idiota ou o idiota o extermina.

Qualquer indivíduo é mais importante que toda a Via Láctea.

Ainda ontem dizia o Otto Lara Resende: — "O cinema é uma maneira fácil de ser intelectual sem ler e sem pensar". Mas não só o cinema dá uma carteirinha de intelectual profundo. Também o socialismo. Sim, o socialismo é outra maneira facílima de ser intelectual sem ligar duas idéias.

Eu amo a juventude como tal. O que eu abomino é o jovem idiota, o jovem inepto, que escreve nas paredes "É proibido proibir" e carrega cartazes de Lenin, Mao, Guevara e Fidel, autores de proibições mais brutais.

Com o tempo e o uso, todas as palavras se degradam. Por exemplo: — liberdade. Outrora nobilíssima, passou por todas as objeções. Os regimes mais canalhas nascem e prosperam em nome da liberdade.

Ah, os nossos libertários! Bem os conheço, bem os conheço. Querem a própria liberdade! A dos outros, não. Que se dane a liberdade alheia. Berram contra todos os regimes de força, mas cada qual tem no bolso a sua ditadura.

Como a nossa burguesia é marxista! E não só a alta burguesia. Por toda parte só esbarramos, só tropeçamos em marxistas. Um turista que por aqui passasse havia de anotar em seu caderninho: — "O Brasil tem 100 milhões de marxistas".

Hoje, o não-marxista sente-se marginalizado, uma espécie de leproso político, ideológico, cultural etc etc. Só um herói, ou um santo, ou um louco, ousaria confessar publicamente: — "Meus senhores e minhas senhoras, eu não sou marxista, nunca fui marxista. E mais: — considero os marxistas de minhas relações uns débeis mentais de babar na gravata".

No Brasil, o marxismo adquiriu uma forma difusa, volatizada, atmosférica. É-se marxista sem estudar, sem pensar, sem ler, sem escrever, apenas respirando.

Marx roubou-nos a vida eterna, a minha e a do Otto Lara Resende. Pois exigimos que ele nos devolva a nossa alma imortal.

As cartas de Marx mostram que ele era imperialista, colonialista, racista, genocida, que queria a destruição dos povos miseráveis e "sem história", os quais chama de "piolhentos", de "anões", de "suínos" e que não mereciam existir. Esse é o Marx de verdade, não o da nossa fantasia, não o do nosso delírio, mas o sem retoque, o Marx tragicamente autêntico.

O mundo é a casa errada do homem. Um simples resfriado que a gente tem, um golpe de ar, provam que o mundo é um péssimo anfitrião. O mundo não quer nada com o homem, daí as chuvas, o calor, as enchentes e toda sorte de problemas que o homem encontra para a sua acomodação, que aliás, nunca se verificou. O homem deveria ter nascido no Paraíso.

Nas velhas gerações, o brasileiro tinha sempre um soneto no bolso. Mas os tempos parnasianos já passaram. Hoje, ferozmente politizado, ele tem sempre à mão um comício.

Entre o psicanalista e o doente, o mais perigoso é o psicanalista.

É preciso ir ao fundo do ser humano. Ele tem uma face linda e outra hedionda. O ser humano só se salvará se, ao passar a mão no rosto, reconhecer a própria hediondez.

A Rússia, a China e Cuba são nações que assassinaram todas as liberdades, todos os direitos humanos, que desumanizaram o homem e o transformaram no anti-homem, na antipessoa. A história socialista é um gigantesco mural de sangue e excremento.

Tão parecidos, Stalin e Hitler, tão gêmeos, tão construídos de ódio. Ninguém mais Stalin do que Hitler, ninguém mais Hitler do que Stalin.

Vocês se lembram da fotografia de Stalin e Ribbentropp assinando o pacto nazi-comunista. Ninguém pode esquecer o riso recíproco e obsceno. Se faltou alguém em Nuremberg — foi Stalin.

Havia, aqui, por toda parte, "amantes espirituais de Stalin". Eram jornalistas, intelectuais, poetas, romancistas. Outros punham nas paredes retratos de Stalin. Era uma pederastia idealizada, utópica e fotográfica.

Sou um pobre nato e, repito, um pobre vocacional. Ainda hoje o luxo, a ostentação, a jóia, me confundem e me ofendem.

Hoje, o sujeito prefere que lhe xinguem a mãe e não o chamem de reacionário.

Em muitos casos, a raiva contra o subdesenvolvimento é profissional. Uns morrem de fome, outros vivem dela, com generosa abundância.

O povo é um débil mental. Digo isso sem nenhuma crueldade. Foi sempre assim e assim será, eternamente.

Fonte: Permanencia

Mas de todas as frases, a minha favorita é “Toda mulher gosta de apanhar. Todas não, só as normais”.
 
Votei no João Cabral, não gosto do Nelson Rodrigues. Os argumentos que o Breno usou para defendê-lo pra ele podem ser qualidades, mas pra sim são justamente os motivos pelos quais não gosto do que o Nelson escreveu.
 
Daniel disse:
Votei no João Cabral, não gosto do Nelson Rodrigues. Os argumentos que o Breno usou para defendê-lo pra ele podem ser qualidades, mas pra sim são justamente os motivos pelos quais não gosto do que o Nelson escreveu.

:think: entendo...
Muita gente não curte o Nelson porque não entende a forma com que ele escreve, mas acho que seu caso é diferente. Seria porque você não curto os assuntos abordados no que ele escreve? Ou a forma como ele coloca as verdades próprias dele?
 
Creio que é mais pelo segundo motivo, pois não me incomoda ler estórias sobre romances e atritos familiares. Apenas não gosto do modo como o Nelson escrevia, muito machista, grosseiro, vulgar e chulo pro meu gosto.
 
Já que o Breno trouxe á tona frases do Nelson Rodrigues(muito boas,por sinal),vou usar da mesma tática do adversário e postar algumas frases do João Cabral.

Ofício de Poeta

“Eu não vejo uma fronteira nítida entre a arte e o artesanato. Para mim, uma poesia, um escritor, um romancista é um artista como um sujeito que faz sapatos.”

“É a nossa sorte: nós, artistas de tradição ibérica, podemos recorrer a essa mistura de popular e erudito, que vem das fontes.”

“A obrigação do poeta, repito, é criar um objeto, um poema, que seja capaz de provocar emoção no leitor.”

“O poeta ou outro escritor qualquer, de um país subdesenvolvido como o Brasil, não pode desprezar a realidade dolorosa que o cerca.”

“Acontece que o movimento do escritor não é escrever para criar ambigüidades. Ele deve escrever contra a ambigüidade. (...) Eu não acredito num poeta e nem gosto da poesia que fale de coisas já poéticas.”

“Se a literatura é problemática é porque ela existe. No dia em que a tivermos burocratizada com o poeta sentado em uma mesa na função de fazer versos, aí sim a literatura estará morta.”

“Acho que todos os meios de difusão deveriam ser usados pelos poetas dentro desse conceito de que poesia é linguagem afetiva: o rádio, a publicidade, a lírica da música popular, o anedotário da cidade – tudo”.

“Você vê os gregos: o Pégaso, o cavalo que voa, é o símbolo da poesia. Nós deveríamos botar antes, como símbolo da poesia, a galinha ou o peru – que não voam. Ora, para o poeta, o difícil é não voar, e o esforço que ele deve fazer é esse.”

“O escritor não deve falar de política, deve limitar-se ao social”

“Salvar o mundo ou piorar o mundo. Por que o poeta tem que fazer isso? Eu, quando leio um poeta, não procuro nele nenhuma posição política.”

“Aceito a inovação caso ela venha a ser funcional e não como meio de ser diferente. O escritor deve procurar escrever para que o leitor entenda.”


Inspiração e Trabalho

“A inspiração tem raiva do apuramento formal, porque sabe que, quando se criar uma alta consciência crítica, não vai ter vez. Há mais perigo no informalismo do que no formalismo. Eu acho que os momentos de despreocupação formal deram porcarias muito maiores.”

“Existe uma emoção intelectual também.”

“O que você fez espontaneamente é eco de alguma coisa que você leu, ouviu ou percebeu de qualquer maneira.”

“Só admito a inspiração nessa escolha de um assunto e não de outro. Você não pode escrever sobre tudo o que existe no mundo! Então, por que escolher este assunto? Digamos que aí entrou a inspiração, mas mais nada.”

“Eu tenho a impressão de que o autor, depois que chega à sua maneira pessoal, deve desenvolver aquilo e executar aquilo, e não viver num estado permanente de evolução. Você vê na pintura, por exemplo, ou na escultura. Hoje você pega dois tijolos, amarra com um arame e diz que é uma escultura.”

“Somos gente de muita textura e pouca estrutura. Eis a razão do meu interesse sempre crescente – desde Serial e Quaderna – pela máquina do poema.”

“A poesia é algo tão concentrado quanto a uísque, com um alto teor alcoólico. Pode-se escrever um romance de 400 páginas. Um livro de poesia de 400 páginas é inviável.”

“A poesia funciona como um pêndulo. Numa hora oscilou para o rigor, e eu coloco aí o Concretismo e a Práxis. Agora, o relógio vai noutra direção. Muito da nova geração se traduz e não através das coisas. Parece que as pessoas criam em dois minutos, de um só jato, e não têm muita paciência para ler.”

“Uma das coisas fatais da poesia foi o verso livre. No tempo em que você tinha que metrificar e rimar, você tinha que trabalhar seu texto. Desde o momento em que existe o verso livre, todo o mundo acha de descrever a dor de corno dele como se fosse um poema. No tempo da poesia metrificada e rimada, você tinha que trabalhar e tirava o inútil.”

“O verso nunca é livre. O Eliot dizia isso: nenhum verso é livre desde que você esteja fazendo bem-feito. Sou contra as regras estratificadas do verso metrificado. (...) Você tem que criar sua arte poética.”

“Eu acho que já era o momento de se voltar a uma forma rígida. Não de voltar a nenhum Parnasianismo, sonetismo, a nenhuma forma rígida exterior. Mas eu tenho a impressão de que cada pessoa devia encontrar a sua forma rígida para sua maneira de ser e segui-la.”



Críticos

“E o que diz o crítico burro também tem importância: porque há o leitor burro.”

“Nossa crítica pensa muito pouco no lado técnico da poesia. São raríssimos os críticos que examinam a minha métrica, por exemplo, e a minha rima, o tipo de rima que eu uso e a métrica que eu uso.”

“Uma profunda influência não mencionada pelos críticos em geral foi o contato que tive com a literatura inglesa a partir do meu estágio em Londres. Primeiro a poesia dos imagistas – Eliot, Auden e cia.”

“Ainda não se enfatizou o grande predomínio de substantivos, adjetivos e verbos concretos nos meus textos. Sim, porque adjetivos e verbos admitem essa categoria. Por exemplo: o adjetivo “sublime” é abstrato, como “tristeza”. “Maçã” é tão concreto quanto o adjetivo “torto”.



Autocrítica

“Eu não gosto de publicar os poemas soltos: reúno-os e formo com eles um livro que corresponda a um conjunto formal.”

“Eu sou um poeta artificial, eu não sou um poeta romântico, eu não tenho nada espontâneo.”

“Os cantadores de desafio do Sertão têm esquemas estróficos e complicadíssimos e eu prefiro a simplicidade.”

“Sou um poeta meio marginal, que de certa forma fugiu do lirismo, do romantismo comum na literatura brasileira, sem, contudo, fazer um tipo de poesia política.”

“Por menos que se queira, se deixa a impressão digital. Nunca fiz poesia confessional, me contemplando, olhando para o meu umbigo. Sempre falei das coisas, do mundo exterior Eu me pergunto: por que escolhi tal coisa e não outra? Existe, aí a minha presença. Indireta, mas existe.”

“Eu tenho o maior escrúpulo de julgar o sujeito mais moço do que eu, porque vi que quando você gosta de alguma coisa ou de alguém mais jovem você está gostando daquilo em que está se reconhecendo, e, se ele traz uma experiência nova, como é que você vai se identificar com uma experiência que você não tem?”

“Eu sou um nordestino (...). Tenho este tipo físico e não gosto de generalizações abstratas. Adoro futebol. E o jogador de futebol, por exemplo, condiciona toda a sua vida a ser um grande jogador, mas não dirá que o futebol é a melhor coisa da vida. Segundo essa lógica, se perguntar a um burocrata qual é a melhor coisa da vida, ele dirá: “Carimbar cartas”...

“Você não verá um poema meu que seja pura reflexão. Minha poesia é toda tópica, porque sempre o poema é sobre um assunto, que eu procuro dar a ver da maneira mais viva possível, e deixo que o leitor tire a conclusão.”

“Tenho a impressão de que é uma impossibilidade que eu tenho de fixar minha atenção no tempo. Minha atenção é um troço capaz de se fixar em coisas espaciais: a pintura, a arquitetura, a escultura... Já a música me escapa.”

“A maior influência que recebi foi a de Lê Corbusier. Aprendi com ele que se podia fazer uma arte não com o mórbido, mas com o são, não com o espontâneo, mas com o construído.”

“Se eu fosse escrever Morte e vida severina agora, botava entre os presentes [oferecidos a um recém-nascido] a televisão.”

“Esses primeiros versos excluí depois de Pedra do sono, meu primeiro livro, porque achava que não tinham meu ritmo. Verso longo... Como vê, não comecei com soneto de namorado.”

“[Meus livros] eu os acho claríssimos. Poderia fazer de cada poema meu, sobretudo em Psicologia da composição, uma tradução em prosa.”

“Os requintados vão achar que é decadência e os leitores de Rilke irão jogar meu livro [O rio] no fogo. Nada disso tem importância. O livro mal escrito de propósito, está cheio de cacófatos que diz questão de não retirar e não existem nele imagens indiretas.”

“N’O rio, que eu confesso ser talvez o meu livro predileto, eu mexi bastante depois de publicado. Foi às pressas e não saiu como eu queria.”

“Eu tenho a impressão de que [Morte e vida severina] é um poema fracassado. Escrevi para esse leitor ou ouvinte do romanceiro de cordel, para esse Brasil de pouca cultura, e esse Brasil nunca manifestou nenhum interesse por ele. Quem manifestou interesse por ele foi o Brasil das capitais, o Brasil que vai aos teatros.”

“Considero minha obra acabada aos 45 anos. Não no sentido de que não escreverei mais, nem no de que não publicarei mais. Sim, no sentido de que não me sinto responsável pelo que escrevi e escreverei (talvez) depois dos 45 anos. (...) Gostaria de ser considerado um autor póstumo (...) Não sinto mais em mim a energia que precisei usar para escrever o pouco que escrevi até então.”

“O Auto do frade, que é o último dia do frei Caneca, eu acho que aquilo daria um filme extraordinário, eu sugeri a diversos cineastas, e nenhum se interessou em fazer o filme.”

“[Sevilha andando] tem uma certa estrutura. Não é um amontoado de poemas soltos.”

“A poesia para mim sempre foi a necessidade de fazer, de construir qualquer coisa ou um mundo. Não foi nunca uma atividade que visasse minha própria adaptação ao mundo. (...) Embora paradoxalmente seja um sacrifício para mim reler minha própria poesia já feita, creio que escrevi poesia para criar uma poesia que não existia e que, como leitor ou consumidor de poesia, gostaria que existisse.”

“Nunca fiz poema concreto, como Manuel Bandeira fez e Cassiano Ricardo tentou fazer, porque eu acho que ninguém pinta cabelo literariamente.”

“Eu, para escrever, preciso ver muito o que estou escrevendo, sou incapaz de compor uma coisa de cabeça e ditar. O poema, para mim, é como se eu pintasse um quadro.”

“A grande arte, para mim, é a pintura. Não como teoria: os pintores são maus teóricos. Miro não tem teoria: quando leu meu livrinho sobre ele não entendeu nada.”

“Miró sempre me interessou muito pelo que imaginei ser sua teoria da composição. Mas, como pintor, me interessa mais um Mondrian, um Malevicth, um Albers, os construtivistas em geral.”

“Para mim, a rima é uma dificuldade de que preciso para me impor. Como diz Robert Frost, escrever versos sem rima é como jogar tênis sem rede: fica-se totalmente livre. A ausência da rima inibiria minha expressão.”

“Eu não tenho ouvido musical para a melodia. Talvez tenha para o ritmo. O ritmo não é só musical, existe um ritmo sintático. Você, diante de uma obra de arquitetura, vê que ela tem um ritmo.”

“Sinto o maior constrangimento quando me apresentam uma tradução de um poema meu para uma língua que eu sei ler. Sinto que o que eu faço fica ainda mais pobre do que é. (...) As traduções me criam realmente o maior constrangimento.”

“Pra o ouvido brasileiro o verso de 8 sílabas, sobretudo se você não acentua na quarta sílaba, soa como prosa. (...) De forma que eu procuro fazer o verso o mais próximo da prosa possível. (...) Veja você no Auto do frade. O frei Caneca fala em 7 sílabas, mas quando o povo está falando na rua, muda para 8.”



Escritores

“Até Rubem Braga, que era um bom copo, dizia que só escrevia as crônicas dele quando estava perfeitamente sóbrio.”

“É a Agripino Grieco, cujos livros devorava então [após o curso secundário], que devo minha iniciação na literatura moderna e a compreensão do movimento modernista.”

“Em Cesário [Verde], são as coisas que ele mostra que exprimem o que ele sente e não a confissão lamurienta, lírica e pessoal do que ele é, do que ele sofre etc.”

“Creio que foi José Américo quem chamou a atenção para o fato de que a literatura das secas não é escrita por sertanejos, mas por gente de zonas mais úmidas, só atingidas pelas secas indiretamente, isto é, vendo os retirantes sertanejos.”

“Há muita gente que mete os parnasianismos a ridículo. Mas as obras de Olavo Bilac e Raimundo Correia resistem ainda a uma leitura completa, enquanto os românticos só são suportáveis em poemas de antologia.”

“Gostei dos primeiros livros de Drummond, quando ele era um poeta de língua presa. Gostei, digamos, até A rosa do povo. A poesia dele caiu de intensidade e densidade depois que se deixou influenciar pela língua solta e Neruda.”

“Eu considero o Drummond o maior poeta desde o Bento Texeira da Prosopopéia.”

“O mal que [Fernando] Pessoa fez a literatura é imenso. Aquela coisa “inspirada”, caudalosa, criou uma legião de poetastros que acreditam na inspiração metafísica. Até Drummond ficou assim no fim da vida.”

“[Gilberto Freyre] é a maior prosa brasileira. Vai desde Casa Grande & Senzala ao artigo mais insignificante que ele escrever.”

“O Modernismo tinha acabado e sua segunda geração – Drummond, Murilo, Schmidt, Vinícius – fazia poesia pouca brasileira. Joaquim Cardozo não se impressionava com isso, seguia cultivando o Brasil. Dizia que aqueles poetas haviam nascido no meio do oceano Atlântico, não pertenciam a país nenhum. Admirei Cardozo por isso, por sua teimosia em falar das nossas coisas, com os pés plantados no chão.”

“Admiro em Marllarmé o rigor, o trabalho de organização do verso. Não me agrada o lado prosódico, muito apegado à tradição melódica: ele nada inovou quanto à metrificação. Já a poesia de Valéry sempre me pareceu secundária, uma espécie de Mallarmé passado por água. O que me interessava nele era a explicação teórica de Mallarmé, seu mestre.”

“Quando Ledo Ivo inventou a Geração de 45 eu estava na Espanha. No Brasil, nunca participei de política literária nenhuma.”

“Sim, eu sou da Geração de 45 porque nasci em 1920. (...) Acontece que quiseram fazer da Geração de 45 uma espécie de um grupo, de um clube. Essa Geração de 45 adotava pessoas, expulsava pessoas, era uma coisa de política literária no sentido mais provinciano, no sentido mais barato. Eu não sou da Geração de 45 no sentindo de haver feito a política literária da Geração de 45, que era o que havia de mais ridículo e medíocre.”

“A indiferença dele [M.A.] pela minha poesia era um negócio, tanto que uma das coisas que eu acho mais engraçadas é que tenho a impressão de que sou o único poeta da minha geração no Brasil que não recebeu uma carta de Mário de Andrade.”

“Eu o [Oswald de Andrade] acho um poeta extraordinário, muito melhor que o Mário de Andrade, que tem uma obra muito maior. O Oswald de Andrade é um sujeito muito mais essencial.”

“Sophia de Mello Breyner até hoje é, para mim, o grande poeta da minha geração em Portugal.”

“Gosto muito daquele “Inferno de Wall Street” [ de Sousândrade]. O resto está envolvido naquela retórica romântica, cheia de versões, de pompas e opulências, que acho que fica meio indigesto.”

“O poeta Vinícius de Moraes seria um grande poeta ou maior se não escrevesse musiquinha popular.”

“Nenhum poeta brasileiro me ensinou como ele [Murilo Mendes] a importância do visual sobre o conceitual, do plástico sobre o musical. A poesia dele, que tanto parecia gostar de música, é muito mais de pintor ou cineasta do que de músico. Sua poesia me ensinou que a palavra concreta, porque sensorial, é sempre mais poética do que a abstrata, e que, assim, a função do poeta é dar a ver.”


POESIA COMPLETA, VOLUME ÚNICO. EDITORA NOVA FRONTEIRA.
 
Duas frases lapidares que me fariam votar no Nelson Rodrigues:

As feministas querem reduzir a mulher a um macho mal-acabado.

Outrora, os melhores pensavam pelos idiotas; hoje, os idiotas pensam pelos melhores. Criou-se uma situação realmente trágica: — ou o sujeito se submete ao idiota ou o idiota o extermina.


Engraçado que parece que consigo ouvir as vozes com que são ditas essas frases (não exatamente a voz do autor) mas parece que as frases do Nelson Rodrigues são ditas com uma voz rascante, meio impaciente, até grosseira.

Já a de João Cabral é suave, triste e pensativa:

O que você fez espontaneamente é eco de alguma coisa que você leu, ouviu ou percebeu de qualquer maneira.”

Salvar o mundo ou piorar o mundo. Por que o poeta tem que fazer isso? Eu, quando leio um poeta, não procuro nele nenhuma posição política.”
 
Disputa difícil, não li nada de nenhum dos dois autores.
Quando não se conhece a obra do autor fica difícil opinar, mas aí vem as defesas para conhecermos um pouco mais da vida, obra, pensamentos dos autores. Defesas essas muito bem fundamentadas, depoimentos, frases, tudo para nos confundir mais ainda. Pois quando li a defesa de Nelson Rodrigues pensei é ele, logo em seguida li do João Cabral e aí complicou, porque já não tinha certeza se seria mesmo Nelson Rodrigues.
Enfim, depois de ler, assistir, conhecer um pouco mais de cada através das frases expostas o que senti mais vontade de procurar um livro para conhecer de fato sua obra foi João Cabral de Melo Neto, pois um poeta que não fala de sentimentalismos (para mim que adoro os sonetos de Vinícius) é algo bastante instigante, no mínimo.
Sei que pode haver mais defesas, mas como estou em casa hoje e tive tempo de ler com calma (coisa que não terei nesses outros dias) já deixarei minha opinião. Pretendo conhecer algo de Nelson Rodrigues também, mas depois de João Cabral.
 
Clara V. disse:
Engraçado que parece que consigo ouvir as vozes com que são ditas essas frases (não exatamente a voz do autor) mas parece que as frases do Nelson Rodrigues são ditas com uma voz rascante, meio impaciente, até grosseira.

Engraçado, porque uma vez escutei que ele era tudo, menos grosso ou mal educado, fazia mais o estilo sarcástico. E esse é um dos pontos que me fazem gostar muito dele com autor e como ser humano.

Marcileia disse:
Disputa difícil, não li nada de nenhum dos dois autores.
Quando não se conhece a obra do autor fica difícil opinar, mas aí vem as defesas para conhecermos um pouco mais da vida, obra, pensamentos dos autores. Defesas essas muito bem fundamentadas, depoimentos, frases, tudo para nos confundir mais ainda. Pois quando li a defesa de Nelson Rodrigues pensei é ele, logo em seguida li do João Cabral e aí complicou, porque já não tinha certeza se seria mesmo Nelson Rodrigues.
Enfim, depois de ler, assistir, conhecer um pouco mais de cada através das frases expostas o que senti mais vontade de procurar um livro para conhecer de fato sua obra foi João Cabral de Melo Neto, pois um poeta que não fala de sentimentalismos (para mim que adoro os sonetos de Vinícius) é algo bastante instigante, no mínimo.
Sei que pode haver mais defesas, mas como estou em casa hoje e tive tempo de ler com calma (coisa que não terei nesses outros dias) já deixarei minha opinião. Pretendo conhecer algo de Nelson Rodrigues também, mas depois de João Cabral.

Acho que o legal é justamente isso, levar o pessoal a conhecer mais a literatura brasileira. Então já fiquei feliz de você dizer que vai procurar algo deo Nelson ^^
 
Por que votar em João Cabral?

Porque a obra de João Cabral de Melo Neto (1920-1999) é uma das maiores criações da cultura brasileira do século 20. Se trata de uma poesia cerebral e não emotiva. O poeta recorre a uma construção elaborada da linguagem para criar uma atmosfera poética.
Poemas como Morte e Vida Severina e O Cão sem Plumas estarão, para sempre, incluídos entre os maiores que a poesia brasileira produziu. Seu rigor formal e expressivo pode ser visto como uma lição que não é só de poesia, mas também de ética.


Um pouco da história,vida e obra de João Cabral de Melo Neto:


[size=medium]BIOGRAFIA[/size]

João Cabral de Melo Neto (1920-1999) nasceu em Recife e é considerado um dos maiores poetas da Geração de 45, assim chamada por rejeitar os “excessos do modernismo” para elaborar uma poesia de rigor formal, construindo uma expressão poética mais disciplinada.

Desde cedo mostrou interesse pela palavra, pela literatura de cordel e almejava ser crítico literário. Conviveu com Manuel Bandeira e Gilberto Freyre, que eram seus primos. Com apenas o curso secundário mudou-se para o Rio de Janeiro e ingressou no funcionalismo público. Três anos depois, através de concurso, mudou-se para o Itamarati, ocupando cargos diplomáticos e morando em várias cidades do mundo, como Londres, Sevilha, Barcelona, Marselha, Berna, Genebra.

Apesar de ser cronologicamente um poeta da Geração de 45, João Cabral seguiu um caminho próprio, recuperando certos traços da poesia de Drummond e Murilo Mendes, como a poesia substantiva e a precisão dos vocábulos, produzindo uma poesia de caráter objetivo numa linguagem sem sentimentalismo e rompendo com a definição de “poesia profunda” utilizada até então. Para o poeta, “a poesia não é fruto de inspiração em razão do sentimento”, mas de transpiração: “fruto do trabalho paciente e lúcido do poeta”.

A primeira obra de João Cabral, Pedra do sono (1945) apresenta uma declinação para a objetividade e imagem surrealista. Já em O engenheiro (1945), percebe-se que o poeta se afasta da linha surrealista, pendendo para a geometrização e exatidão da linguagem, como se ele próprio fosse o engenheiro, economizando as palavras (o material com se constrói) e a objetivação do poema (o propósito do uso do material – a construção terminada).

Nas suas principais obras, como O cão sem plumas (1950), O rio (1954), Quaderna (1960), Morte e vida severina (1965), A educação da pedra (1966), Museu de tudo (1975), A escola das facas (1980), Poesia crítica (1982), Agrestes (1985) e Andando em Sevilha (1990), o poeta revela uma preocupação com a realidade social, principalmente com a do Nordeste Brasileiro; reflete constantemente sobre a criação artística (Catar feijão – poema); aprimora a poética da linguagem objeto, definida como a linguagem que, pela própria construção, sugere de que assunto aborda (Tecendo a manhã – poema). Essa característica de sua obra constitui a principal referência do Movimento Concretista da década de 50 e 60 e de vários poetas contemporâneos, como Arnaldo Antunes.

Morte e vida severina (Auto de natal pernambucano) é a obra mais popular de João Cabral. Nela, o poeta mantém a tradição dos autos medievais, fazendo uso da musicalidade, do ritmo e das redondilhas, recursos que agradam o povo. Ela foi encenada pela primeira vez em 1966 no Teatro da PUC em São Paulo, com música de Chico Buarque. Foi premiada no Brasil e na França e, a partir daí, vem sendo encenada diversas vezes e até adaptada para a televisão.

O poema narra à caminhada do retirante Severino, desde o sertão até sua chegada em Recife e, além das denúncias de certos problemas sociais do Nordeste, constitui uma reflexão sobre a condição humana.

João Cabral é considerado pelos críticos “não apenas um dos maiores poetas sociais, mas um renovador consistente, instigante e original da dicção poética antes, durante e depois dele”. Ele e Graciliano Ramos possuem o mesmo grau ético e artístico, um na poesia, o outro na prosa, que objetiva com precisão uma prática poética comum: deram à paisagem nordestina, com suas diferenças sociais, uma das dimensões estéticas mais fortes, cruéis e indiscutíveis que já se conheceu.



[size=medium]ALGUMAS POESIAS[/size]

[size=medium]Tecendo a Manhã[/size]

1.
Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.

De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.


2.
E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.

A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.


_____________________________
[size=medium]Psicologia da Composição[/size]

1.
Saio de meu poema
como quem lava as mãos.

Algumas conchas tornaram-se,
que o sol da atenção
cristalizou; alguma palavra
que desabrochei, como a um pássaro.

Talvez alguma concha
dessas (ou pássaro) lembre,
côncava, o corpo do gesto
extinto que o ar já preencheu;

talvez, como a camisa
vazia, que despi.

2.
Esta folha branca
me proscreve o sonho,
me incita ao verso
nítido e preciso.

Eu me refugio
nesta praia pura
onde nada existe
em que a noite pouse.

Como não há noite
cessa toda fonte;
como não há fonte
cessa toda fuga;

como não há fuga
nada lembra o fluir
de meu tempo, ao vento
que nele sopra o tempo.

3.
Neste papel
pode teu sal
virar cinza;

pode o limão
virar pedra;
o sol da pele,
o trigo do corpo
virar cinza.

(Teme, por isso,
a jovem manhã
sobre as flores
da véspera.)

Neste papel
logo fenecem
as roxas, mornas
flores morais;
todas as fluidas
flores da pressa;
todas as úmidas
flores do sonho.

(Espera, por isso,
que a jovem manhã
te venha revelar
as flores da véspera.)

4.
O poema, com seus cavalos,
quer explodir
teu tempo claro; rompendo
seu branco fio, seu cimento
mudo e fresco.

(O descuido ficara aberto
de par em par;
um sonho passou, deixando
fiapos, logo árvores instantâneas
coagulando a preguiça.)

5.
Vivo com certas palavras,
abelhas domésticas.

Do dia aberto
(branco guarda-sol)
esses lúcidos fusos retiram
o fio de mel
(do dia que abriu
também como flor)

que na noite
(poço onde vai tombar
a aérea flor)
persistirá: louro
sabor, e ácido
contra o açúcar do podre.

6.
Não a forma encontrada
como uma concha, perdida
nos frouxos areais
como cabelos;

não a forma obtida
em lance santo ou raro,
tiro nas lebres de vidro
do invisível;

mas a forma atingida
como a ponta do novelo
que a atenção, lenta,
desenrola,

aranha; como o mais extremo
desse fio frágil, que se rompe
ao peso, sempre, das mãos
enormes.

7.
É mineral o papel
onde escrever
o verso; o verso
que é possível não fazer.

São minerais
as flores e as plantas,
as frutas, os bichos
quando em estado de palavra.

É mineral
a linha do horizonte,
nossos nomes, essas coisas
feitas de palavras.

É mineral, por fim,
qualquer livro:
que é mineral a palavra
escrita, a fria natureza

da palavra escrita.

8.
Cultivar o deserto
como um pomar às avessas.

(A árvore destila
a terra, gota a gota;
a terra completa
caiu, fruto!

Enquanto na ordem
de outro pomar
a atenção destila
palavras maduras.)

Cultivar o deserto
como um pomar às avessas:

então, nada mais
destila; evapora;
onde foi maçã
resta uma fome;

onde foi palavra
(potros ou touros
contidos) resta a severa
forma do vazio.


_______________________________
[size=medium]O Relógio[/size]

1.

Ao redor da vida do homem
há certas caixas de vidro,
dentro das quais, como em jaula,
se ouve palpitar um bicho.

Se são jaulas não é certo;
mais perto estão das gaiolas
ao menos, pelo tamanho
e quadradiço de forma.

Uma vezes, tais gaiolas
vão penduradas nos muros;
outras vezes, mais privadas,
vão num bolso, num dos pulsos.

Mas onde esteja: a gaiola
será de pássaro ou pássara:
é alada a palpitação,
a saltação que ela guarda;

e de pássaro cantor,
não pássaro de plumagem:
pois delas se emite um canto
de uma tal continuidade

que continua cantando
se deixa de ouvi-lo a gente:
como a gente às vezes canta
para sentir-se existente.


2.

O que eles cantam, se pássaros,
é diferente de todos:
cantam numa linha baixa,
com voz de pássaro rouco;

desconhecem as variantes
e o estilo numeroso
dos pássaros que sabemos,
estejam presos ou soltos;

têm sempre o mesmo compasso
horizontal e monótono,
e nunca, em nenhum momento,
variam de repertório:

dir-se-ia que não importa
a nenhum ser escutado.
Assim, que não são artistas
nem artesãos, mas operários

para quem tudo o que cantam
é simplesmente trabalho,
trabalho rotina, em série,
impessoal, não assinado,

de operário que executa
seu martelo regular
proibido (ou sem querer)
do mínimo variar.

3.

A mão daquele martelo
nunca muda de compasso.
Mas tão igual sem fadiga,
mal deve ser de operário;

ela é por demais precisa
para não ser mão de máquina,
a máquina independente
de operação operária.

De máquina, mas movida
por uma força qualquer
que a move passando nela,
regular, sem decrescer:

quem sabe se algum monjolo
ou antiga roda de água
que vai rodando, passiva,
graçar a um fluido que a passa;

que fluido é ninguém vê:
da água não mostra os senões:
além de igual, é contínuo,
sem marés, sem estações.

E porque tampouco cabe,
por isso, pensar que é o vento,
há de ser um outro fluido
que a move: quem sabe, o tempo.

4.

Quando por algum motivo
a roda de água se rompe,
outra máquina se escuta:
agora, de dentro do homem;

outra máquina de dentro,
imediata, a reveza,
soando nas veias, no fundo
de poça no corpo, imersa.

Então se sente que o som
da máquina, ora interior,
nada possui de passivo,
de roda de água: é motor;

se descobre nele o afogo
de quem, ao fazer, se esforça,
e que êle, dentro, afinal,
revela vontade própria,

incapaz, agora, dentro,
de ainda disfarçar que nasce
daquela bomba motor
(coração, noutra linguagem)

que, sem nenhum coração,
vive a esgotar, gôta a gôta,
o que o homem, de reserva,
possa ter na íntima poça.


_________________________________
[size=medium]A Educação Pela Pedra[/size]

Uma educação pela pedra: por lições;
para aprender da pedra, freqüentá-la;
captar sua voz inenfática, impessoal
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
ao que flui e a fluir, a ser maleada;
a de poética, sua carnadura concreta;
a de economia, seu adensar-se compacta:
lições da pedra (de fora para dentro,
cartilha muda), para quem soletrá-la.

*
Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
e se lecionasse, não ensinaria nada;
lá não se aprende a pedra: lá a pedra,
uma pedra de nascença, entranha a alma.



Linguagem seca, precisa, concisa, desprezo pelo sentimentalismo. A arte não é intuitiva - é calculada, nua e crua.

Há em Cabral uma verdadeira "didática da pedra", como processo teórico e prático da preensão da realidade. Essa "educação" consiste num processo de imitação de objetos, pelo qual é possível tratar da realidade através do poema, isto é, através de uma forma, de uma linguagem que para sua estruturação não despreza, antes acentua, a existência do objeto, segundo João Alexandre Barbosa.

A pedra nos remete à aridez humana e geográfica do Nordeste e é símbolo constante na obra do autor, fazendo confluir a temática social (linguagem-objeto) com a reflexão sobre o fazer poético no próprio texto artístico (metalinguagem).

Aqui a pedra ensina ao homem. A pedra, um objeto inanimado, duro, frio, que à princípio não tem nenhuma qualidade, não demonstra nada, não faz nada, é passada despercebida, ganha em João Cabral essa poesia fantástica. O poeta detestava música, comparava a poesia a um cálculo matemático, relegava a emoção a segundo plano para chegar à perfeição da construção do poema, calcado na colocação das palavras precisas e fundamentais para cada espaço do papel, nada a mais, nada a menos, só a precisão, o contido, o visual.
_________________________________
[size=medium]Uma Faca Só Lâmina(Fragmento)[/size]

Assim como uma bala
enterrada no corpo,
fazendo mais espesso
um dos lados do morto;

assim como uma bala
do chumbo pesado,
no músculo de um homem
pesando-o mais de um lado

qual bala que tivesse
um vivo mecanismo,
bala que possuísse
um coração ativo

igual ao de um relógio
submerso em algum corpo,
ao de um relógio vivo
e também revoltoso,

relógio que tivesse
o gume de uma faca
e toda a impiedade
de lâmina azulada;

assim como uma faca
que sem bolso ou bainha
se transformasse em parte
de vossa anatomia;

qual uma faca íntima
ou faca de uso interno,
habitando num corpo
como o próprio esqueleto

de um homem que o tivesse,
e sempre, doloroso,
de homem que se ferisse
contra seus próprios ossos.


A
Seja bala, relógio,
ou a lâmina colérica,
é contudo uma ausência
o que esse homem leva.

Mas o que não está
nele está como uma bala:
tem o ferro do chumbo,
mesma fibra compacta.

Isso que não está
nele como a coisa ciosa
presença de uma faca,
de qualquer faca nova.

Por isso é que o melhor
dos símbolos usados
é a lâmina cruel
(melhor se de Pasmado):

porque nenhum indica
essa ausência tão ávida
como a imagem da faca
que só tivesse lâmina.

nenhum melhor indica
aquela ausência sôfrega
que a imagem de uma faca
reduzida à sua boca.

que a imagem de uma faca
entregue inteiramente
à fome pelas coisas
que nas facas se sente.(...)


Uma Faca só Lâmina (1955), de João Cabral de Melo Neto, é um livro com onze estrofes sobre uma faca, a lâmina de uma faca, que depois se revela uma metáfora do vazio. Para o poeta, o vazio corresponde à uma lâmina afiada de faca presente no corpo como parte do seu esqueleto, uma lâmina cortante, com fome de presenças. Essa lâmina afiada às vezes pode não cortar o corpo, mas, por fazer parte do seu esqueleto, mais cedo ou mais tarde vai cortá-lo, nele destilando "azia" e "vinagre". Ironicamente, o vazio é definido como uma presença. Uma faca. A lâmina de uma faca, no corpo. O que temos, assim, são instantes em que a fome da lâmina se aplaca e o corpo não sente a angústia provocada pelo seu corte.

______________________________________
[size=medium]Morte e Vida Severina(Fragmento)[/size]

A sua obra mais conhecida (por causa da montagem teatral) é Morte e vida severina, que traz como subtítulo: Auto de Natal pernambucano. Isso confere ao texto uma marcante duplicidade: é lírico na linguagem, mas narrativo e dramático no encadeamento das cenas e na apresentação direta dos personagens através de diálogos e monólogos.
O estilo despojado de João Cabral de Melo Neto realça ainda mais o aspecto pungente do assunto: a trajetória de Severino, um migrante que abandona o sertão rumo ao litoral, encontrando nesta longa viagem apenas a morte. Este sertanejo, a exemplo dos personagens dos autos medievais, é um tipo, encarnando de maneira genérica as características de uma classe social. Assim, seu sofrimento é o de toda a sua gente. Da mesma forma, a morte, que o espreita e persegue, é morte que ataca a todos os pobres da região, “mesma morte Severina”. Cabe ao próprio Severino apresentar-se no início da obra:

(...) Somos muitos Severinos
iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas, (...)

E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte,
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).
Somos muitos Severinos
iguais em tudo e na sina:
a de tentar despertar
terra sempre mais extinta,
a de querer arrancar
algum roçado de cinza.
Mas, para que me conheçam
melhor Vossas Senhoritas
e melhor possam seguir
a história de minha vida,
passo a ser o Severino
que em vossa presença emigra.



Em sua trajetória rumo á cidade, o sertanejo encontra os irmãos das almas que conduzem um cadáver. Severino acaba tomando o lugar de um deles na condução de um defunto. Pouco a pouco, vai percebendo que apenas os que fazem da morte “ofício ou bazar” conseguem trabalho: rezadeiras, farmacêuticos, coveiros, etc. Na continuação de sua caminhada, assiste a um enterro de um trabalhador. Ouve, então, o que os amigos do morto dizem no cemitério:

- Essa cova em que estás,
com palmos medida,
é a conta menor
que tiraste em vida.

- É de bom tamanho,
nem largo nem fundo,
deste latifúndio.

- Não é cova grande,
é cova medida,
é a terra que querias
ver dividida.

- É uma cova grande
para teu pouco defunto,
mas estarás mais ancho
que estavas no mundo.

- É uma cova grande
para teu defunto parco,
porém mais que no mundo
te sentirás largo.

- É uma cova grande
para tua carne pouca,
mas a terra dada
não se abre a boca. (...)


Severino continua o seu roteiro até chegar ao Recife. Lá ouve a conversa de dois coveiros. Um deles diz a respeito dos sertanejos que vinham de fora para morrer na capital: “Não é viagem o que fazem, / vindos por essas caatingas, vargens; / aí está o seu erro: / vem é seguindo o seu próprio enterro.”
O retirante percebe e percebe então a absoluta precariedade de sua condição humana e resolve se suicidar. Antes disso, dialoga com um tipo pobre da cidade, José, mestre carpina, a respeito da fundura do rio Capibaribe. Neste momento, o mestre carpina recebe a notícia do nascimento de um filho. Severino o acompanha. Há uma espécie de auto dentro do auto: vizinhos, amigos e ciganas vem “adorar” e levar presentes ao menino recém nascido, como se ele fosse o próprio Cristo, revivido em Pernambuco. Severino assiste a tudo. E, por fim, o mestre carpina encerra o poema, respondendo ao retirante que aquela vida - mesmo sendo franzina - era a prova da resistência de todos os severinos do Nordeste contra a morte:

(...) E não há melhor resposta
que o espetáculo da vida:
vê-la desfiar seu fio,
que também se chama vida,
ver a fábrica que ela mesma,
teimosamente, se fabrica,
vê-la brotar como há pouco
em nova vida explodida;
mesmo quando é assim pequena,
a explosão como a ocorrida;
mesmo quando é uma explosão
como a de há pouco, franzina;
mesmo quando é a explosão
de uma vida severina.


__________________________________
[size=medium]Num Monumento à Aspirina[/size]

Claramente: o mais prático dos sóis,
o sol de um comprimido de aspirina:
de emprego fácil, portátil e barato,
compacto de sol na lápide sucinta.
Principalmente porque, sol artificial,
que nada limita a funcionar de dia,
que a noite não expulsa, cada noite,
sol imune às leis da meteorologia,
a toda hora em que se necessita dele
levanta e vem (sempre num claro dia):
acende, para secar a aniagem da alma,
quará-la, em linhos de um meio-dia.

Convergem: a aparência e os efeitos
da lente do comprimido de aspirina:
o acabamento esmerado desse cristal,
polido a esmeril e repolido a lima,
prefigura o clima onde ele faz viver
e o cartesiano de tudo nesse clima.
De outro lado, porque lente interna,
de uso interno, por detrás da retina,
não serve exclusivamente para o olho
a lente, ou o comprimido de aspirina:
ela reenfoca, para o corpo inteiro,
o borroso de ao redor, e o reafina.


O poeta João Cabral de Melo Neto, falecido em 1999, transcorreu parte de sua vida sob a tortura de uma terrível enxaqueca. Há mais de um depoimento sobre ele que comenta esse aspecto de sua biografia. Não foi para menos, portanto, que o pernambucano dedicou uma verdadeira ode àquilo a que ele sempre recorria para aliviar sua cefaléia e, com a cabeça mais leve, então arquitetar intrincados poemas. O poema "Num monumento à aspirina" produz, já pelo título, um certo estranhamento no leitor, dada a combinação, meio estrondosa, dos substantivos "monumento" e "aspirina". Pois, em geral, fazemos monumentos às coisas grandes, aos acontecimentos e personagens históricos de relevo. Mas a uma aspirina, a um prosaico comprimido antipirético...

No dicionário Aurélio, entre os significados de monumento, estão os seguintes: "obra de arte levantada em honra de alguém, ou para comemorar algum acontecimento notável"; "construção ou obra de escultura digna de admiração pela sua antiguidade"; "mausoléu" etc. A graça do título é justamente a conjunção esquisita de um substantivo que evoca o descomunal e de uma palavra cujo sentido é tão mais rasteiro, ligada ao consumo imediato e ao comércio. E é em linguagem de comércio, aliás, que o comprimido de origem alemã começa a ser descrito no poema: "fácil, portátil e barato". Isso lembra slogan publicitário, não é mesmo? Essa trinca de adjetivos é ultracomum na apresentação de um produto, podendo ganhar variações conforme o caso: "bom, bonito e barato"; "rápido, bonito e moderno"

Realmente o poema tem algo de propaganda, a começar pelo elogio da concisão. O poeta utiliza com ironia o jargão publicitário, espichado ao máximo, especialmente na primeira parte, que parece vender o comprimido ao leitor, que seria não só fácil, portátil e barato, como também "compacto de sol na lápide sucinta". Ou seja, ele comprime inúmeras virtudes numa fôrma, num molde sucinto, diminuto. Falando em lápide, parece que o eu lírico estabelece uma analogia entre um caixãozinho e a embalagem da aspirina, com a inscrição da fábrica e da composição química. Afinal, lápide é, no caso, a pedra tumular sobre a qual costuma haver alguma inscrição. Mas no pequeno túmulo da embalagem há um sol poderoso. Mais poderoso que o sol meteorológico. Ele concentra o máximo no mínimo. Aliás, olhem bem a disposição estrófica do texto: são como dois blocos compactos, de 12 versos cada um. São, portanto, perfeitamente simétricos, como as duas faces de um comprimido-ou as faces de um caixão. A primeira parte, o rosto, digamos, tem um pouco a função das embalagens, apresentando o produto e realçando-lhe as virtudes. A segunda parte, como veremos, é algo como a bula da aspirina, que explica como ela "age" sobre o organismo. É evidente que João Cabral faz isso com meios eminentemente poéticos.

Por que o comprimido é "o mais prático dos sóis"? Bem, isso só quem tem enxaquecas pode saber... As enxaquecas podem causar distúrbios visuais de inúmeros tipos, os quais variam de pessoa para pessoa. Mas, em geral, pode-se dizer que aquele que está acometido por esse problema não suporta a luz, artificial ou natural. A visão fica completamente turvada, e há mesmo pessoas que não enxergam nada nos momentos de crise. Bem, esse comentário já está ficando médico demais. Daqui a pouco vou ter de passar receitas... Mas é que o poema de João Cabral vai um pouco por essa seara, não é mesmo? A aspirina assume, nesse contexto, o estatuto de sol não apenas por seu formato esférico e sua cor branca, mas porque leva luz aos olhos do doente. Ou seja, uma vez engolida, transforma-se numa espécie de lente de contato, pois de fato possibilita, como a lente (que também é redondinha), olhar o mundo em redor. Assim, observem que toda a segunda parte do texto se dedica, com grande engenho, em descrever a conversão do comprimido em lente, em descrever o modo de agir da aspirina. É, como dissemos, a bula do poema, sua "informação técnica", em contraposição ao primeiro bloco, que tem função mais publicitária. Embora o poema como um todo faça alarde do produto, trabalhando, com ironia e graça, o linguajar do comércio. No final das contas, conclui o eu lírico, o moderno comprimido não serve apenas para o olho:

(...) porque lente interna,
de uso interno, por detrás da retina,
não serve exclusivamente para o olho
a lente, ou o comprimido de aspirina:
ela reenfoca, para o corpo inteiro,
o borroso de ao redor, e o reafina.


Ela serve, portanto, para o corpo inteiro. E, não só, acrescentaríamos: para a mente também. Sem ela, o poeta talvez não tivesse cabeça para escrever poemas tão inteligentes.
 
hauahuaha Phantom ta levando a parada a ricas de giz...
Agora vou ter que fazer uma outra defesa para o Nelson.
 
Vai Breno, faz um resumo da vida do Nelson e o porquê de você achar que devemos votar nele.
(Eu gostei desse post do Phantom. :sim: )



Phantom Lord disse:
(...)
Conviveu com Manuel Bandeira e Gilberto Freyre, que eram seus primos.

Eram primos mesmo? se sim, que família hein? :susto:


Phantom Lord disse:
(...)
A primeira obra de João Cabral, Pedra do sono (1945) apresenta uma declinação para a objetividade e imagem surrealista. Já em O engenheiro (1945), percebe-se que o poeta se afasta da linha surrealista, pendendo para a geometrização e exatidão da linguagem, como se ele próprio fosse o engenheiro, economizando as palavras (o material com se constrói) e a objetivação do poema (o propósito do uso do material – a construção terminada).

Isso me fez lembrar da música "Construção" do Chico Buarque (bastante influenciado pelo João Cabral eu acho).
Li em uma entrevista que essa música foi escrita a partir de um exercício do curso de arquitetura que o Chico fez, e a estrutura da poesia da canção é como a de uma construção.
 
Clara V. disse:
Vai Breno, faz um resumo da vida do Nelson e o porquê de você achar que devemos votar nele.

Ainda acho que a intenção do Pips não era essa e sim votarmos por importância mesmo.

Bem, vou fazer mesmo assim. Vai ficar dentro de Spoiler para o pessoal ler se quiser. Meus resumos e comentários é que vão ficar a vista.

Infância

Nascido na capital pernambucana e quinto de quatorze irmãos, Nélson Rodrigues mudou-se para o Rio de Janeiro ainda criança, onde viveria por toda sua vida. Seu pai, o ex-deputado federal e jornalista Mário Rodrigues, perseguido politicamente, resolveu estabelecer-se na então capital federal em julho de 1916, empregando-se no jornal Correio da Manhã, de propriedade de Edmundo Bittencourt.

Segundo o próprio Nélson em suas Memórias, seu grande laboratório e inspiração foi a infância vivida na Zona Norte da cidade. Dos anos passados numa casa simples na rua Alegre, 135 (atual rua Almirante João Cândido Brasil), no bairro de Aldeia Campista, saíram para suas crônicas e peças teatrais as situações provocadas pela moral vigente na classe média dos primeiros anos do século XX e suas tensões morais e materiais.

Sua infância foi marcada por este clima e pela personalidade do garoto Nélson. Retraído, era um leitor compulsivo de livros românticos do século XIX. Nesta época ocorreu também para Nélson a descoberta do futebol, uma paixão que conservaria por toda a vida e que lhe marcaria o estilo literário.

Na década de 1920, Mário Rodrigues fundou o jornal A Manhã, após romper com Edmundo Bittencourt. Seria no jornal do pai que Nélson começaria sua carreira jornalística, na seção de polícia, com apenas treze anos de idade. Os relatos de crimes passionais e pactos de morte entre casais apaixonados incendiavam a imaginação do adolescente romântico, que utilizaria muitas das histórias reais que cobria em suas crônicas futuras. Neste período a família Rodrigues conseguiria atingir uma situação financeira confortável, mudando-se para o bairro de Copacabana, então um arrabalde luxuoso da orla carioca.

Apesar da bonança, Mário Rodrigues perderia o controle acionário de A Manhã para o sócio. Mas, em 1928, com o providencial auxílio financeiro do vice-presidente Fernando de Melo Viana, Mário fundou o diário Crítica.

Como cronista esportivo, Nélson escreveu textos antológicos sobre o Fluminense Football Club, clube para o qual torcia fervorosamente[2]. A maioria dos textos eram publicados no Jornal dos Sports. Junto com seu irmão, o jornalista Mário Filho, Nélson foi fundamental para que os Fla-Flu tivessem conquistado o prestígio que conquistaram e se tornassem grandes clássicos do futebol brasileiro. Nélson Rodrigues criou e evocava personagens fictícios como Gravatinha e Sobrenatural de Almeida para elaborar textos a respeito dos acontecimentos esportivos relacionados ao clube do coração.

Minha opinião: Ele era um semi nerd como nós, mas depois que se mudou para o subúrbio do Rio conheceu o que eu chamo de hipocrisia equilibrada, onde você tem pais de família que batem na mulher em casa, mas no domingo na missa, são santos. Nelson conheceu o lado "escuro" do ser humano cedo e de uma forma errada. Depois só piorou quando se mudou para a zona sul. Lembro do meu avô falando mal de todo mundo que morava na zona sul, para ele eram todos artistas bêbados e pederastas, mas como não vivi naquela época, acredito no que ele diz. Logo imagino o jovem Nelson no meio disso tudo.

Adolescência e juventude
Nélson seguiu os seus irmãos Mílton, Mário Filho e Roberto integrando a redação do novo jornal. Ali continuou a escrever na página de polícia, enquanto Mário Filho cuidava dos esportes e Roberto, um talentoso desenhista, fazia as ilustrações. Crítica era um sucesso de vendas, misturando uma cobertura política apaixonada com o relato sensacionalista de crimes. Mas o jornal existiria por pouco tempo. Em 26 de dezembro de 1929, a primeira página de Crítica trouxe o relato da separação do casal Sylvia Serafim e João Thibau, Jr. Ilustrada por Roberto e assinada pelo repórter Orestes Barbosa, a matéria provocou uma tragédia. Sylvia, a esposa que se desquitara do marido e cujo nome fora exposto na reportagem invadiu a redação de Crítica e atirou em Roberto com uma arma comprada naquele dia. Nélson testemunhou o crime e a agonia do irmão, que morreu dias depois.

Mário Rodrigues, deprimido com a perda do filho, faleceu poucos meses depois. Sylvia, apoiada pelas sufragistas e por boa parte da imprensa concorrente de Crítica, foi absolvida do crime. Finalmente, durante a Revolução de 30, a gráfica e a redação de Crítica são empastelados e o jornal deixa de existir. Sem seu chefe e sem fonte de sustento, a família Rodrigues mergulha em decadência financeira.

Foram anos de fome e dificuldades para todos. Pouco afinados com novo regime, os Rodrigues demorariam anos para se recuperarem dos prejuízos causados pela turba.

Ajudado por Mário Filho, amigo de Roberto Marinho, Nélson passa a trabalhar no jornal O Globo, sem salário. Apenas em 1932 é que Nélson seria efetivado como repórter no jornal. Pouco tempo depois, Nélson descobriu-se tuberculoso. Para tratar-se, retira-se do Rio de Janeiro e passa longas temporadas em um sanatório na cidade de Campos do Jordão. Seu tratamento é custeado por Marinho, que conquistou a gratidão de Nélson pelo resto de sua vida. Recuperado, Nélson volta ao Rio e assume a seção cultural de O Globo, fazendo a crítica de ópera. Em 1940 casou-se com Elza Bretanha, sua colega de redação.

A partir da década de 1940, Nélson divide-se entre o emprego em O Globo e a elaboração de peças teatrais. Em 1941 escreve A mulher sem pecado, que estreou sem sucesso. Pouco tempo depois assina a revolucionária Vestido de noiva, peça dirigida por Zbigniew Ziembi?ski e que estreou no Teatro Municipal do Rio de Janeiro com estrondoso sucesso.

O teatrólogo Nélson Rodrigues seria o criador de uma sintaxe toda particular e inédita nos palcos brasileiros. Suas personagens trouxeram para a ribalta expressões tipicamente cariocas e gírias da época, como "batata!" e "você é cacete, mesmo!". Vestido de noiva é considerada até hoje como o marco inicial do moderno teatro brasileiro.

Minha opinião:Algumas pessoas dizem que a juventude do Nelson foi a maior causadora dessa forma de escrita dele, eu não concordo muito, porém sou obrigado a admitir que o convívio num jornal cujo os temas principais eram crimes, políticas e futebol, não poderia resultar em uma escrita feminista. O interessante e pensar que as coisas vistas pelos olhos do Nelson não lutaram contra ele, mais parece que ele tirou forças dos traumas vivido nessa época para poder sobreviver a um período duro do povo brasileiro, onde homens com as idéias dele (nem conservadoras, nem progressistas) eram caçados por não tomar partido.

Acredito que nem preciso comentar que a tuberculose dele foi algo que o deixou muito para baixo. Esse texto não comenta, mas já ouvi por outras fontes que ele era altamente hipocondríaco.

Maturidade
Em 1945 abandona O Globo e passa a trabalhar nos Diários Associados. Em O Jornal, um dos veículos de propriedade de Assis Chateaubriand, começa a escrever seu primeiro folhetim, Meu destino é pecar, assinado pelo pseudônimo "Susana Flag". O sucesso do folhetim alavancou as vendas de O Jornal e estimulou Nélson a escrever sua terceira peça, Álbum de família.

Em fevereiro de 1946, o texto da peça foi submetido à Censura Federal e proibido. Álbum de família só seria liberada em 1965. Em abril de 1948 estreou Anjo negro, peça que possibilitou a Nélson adquirir uma casa no bairro do Andaraí e em 1949 Nélson lançou Dorotéia.

Em 1950 passa a trabalhar no jornal de Samuel Wainer, a Última Hora. No jornal, Nélson começa a escrever as crônicas de A vida como ela é, seu maior sucesso jornalístico. Na década seguinte, Nélson passa a trabalhar na recém-fundada TV Globo, participando da bancada da Grande Resenha Esportiva Facit, a primeira "mesa-redonda" sobre futebol da televisão brasileira e, em 1967, passa a publicar suas Memórias no mesmo jornal Correio da Manhã onde seu pai trabalhou cinqüenta anos antes.

Minha opinião:Esse é o período que todos pensavam que ele ia cair, mas ai vem a idéia de gênio que era escrever com o pseudônimo "Susana Flag". Porque uma idéia de gênio? Imagine se uma mulher escrevesse as mesmas coisas que o Nelson, numa época extremamente machista... sacou?


Algumas coisas que eu queria levantar:

Vocês podem me perguntar porque o Nelson seria importante ou o por que de ler seus contos, crônicas e peças. Eu não teria uma resposta certa, para cada conto eu teria uma resposta diferente. Mas pediria para que todos lessem só a peça Anti-Nélson Rodrigues, vocês teriam noção de que ele não é só um amontoado de pornografia.

Digo mais uma vez: "Se um dia eu for ser sincero, serei como Nelson Rodrigues!"

Alias, o que tem faltado mais ao mundo (literario) é sinceridade, só que "Nelson Rodrigues" nasce um a cada mil anos.
 
Droga, demorei tanto pra decidir que não sei em quem votar. E a disputa está acirrada!!
 
Vou ter que voltar com mais tempo, não consegui decidir, a idéia do duelo é das 10 melhores do meia. :clap:
 
Eu adoro Nelson Rodrigues, de verdade, mas acho que o João Cabral tem alguma coisa de especial... acabei votando nele, mas fiquei em dúvida também por um tempinho!
 
nao posso votar em nenhum..... nao conheço muito literatura nacional, nao gosto muito de Nelson Rodrigues e nao conheço o João Cabral.....


a proxima edição tem q ser de autores estrangeiros ^^
 
Dwarf disse:
nao posso votar em nenhum..... nao conheço muito literatura nacional, nao gosto muito de Nelson Rodrigues e nao conheço o João Cabral.....


a proxima edição tem q ser de autores estrangeiros ^^

Você viu "A vida como ela é"? Ou "Engraçadinha"?
 
Bem, acabei votando no João já que conheço (um pouco) a obra dele e do Nelson nunca li nada.
A defesa do Breno foi boa e me fez ter vontade de saber mais do Nelson Rodrigues.
E sim, saber da vida do autor influi bastante na decisão de ler ou não uma obra, afinal o que ele (ela) viveu vai refletir em sua escrita, é o que eu acho (vide o Nelson, que assistiu ao assassinato do irmão por um motivo tão idiota) .

:sim:
 

Valinor 2023

Total arrecadado
R$2.434,79
Termina em:
Back
Topo