[size=x-large]Volutabro[/size]
[size=large]Ou O Covil[/size]
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Era uma segunda-feira monótona no trabalho quando tive uma idéia genial. Desci correndo as escadas e entrei, às dez da manhã, num bueiro desses de rua, desses que vivem cheios de lixo, desses que atraem maldosamente as moedas do troco do ônibus. Assim que cheguei ao fundo me arrependi. Me vi lá dentro sem nada nos bolsos que me valesse. Fiquei com medo. Gritei e atei minhas esperanças aos gritos. Mas, de tão bem dado o nó, e de tão pesadas - pois grandes - que eram minhas esperanças, eles não subiam mais que dois palmos acima da minha boca esperançosa. Voltavam ao solo logo em seguida, sucedidos por um som oco com o qual me acostumei após horas de gritos contínuos. Foi aí que ouvi um barulho diferente. Barulho de coisa furtiva, de coisa que foge da gente justo quando a gente mais precisa dela. Barulho de coisa precisa na fuga. Olhei para baixo e vi uma moeda grande e dourada. Peguei. Olhei pro rosto nela entalhado e vi um cara feio e narigudo. Ele olhou pra mim e disse: “A vida, meu filho, quando faz dinheiro cair do céu, das duas uma: ou te deixa rico ou com um galo na cabeça.”. Aí deixei o desespero de lado - assumo que me desesperei - e lembrei-me do plano, da minha idéia. A genialidade nela contida era real. Resolvi, então, garantir que não ganhasse nenhum ovo no cocuruto e dei continuidade ao que vim fazer aqui, e que faço bem feito desde então.
O dinheiro caía em intervalos de 15 minutos, nem sempre na forma de moedas, às vezes disfarçado de relógio ou chave de carro. Guardava tudo o que podia e que achava de valor. A única coisa que tinha que fazer era prestar atenção para que nada caísse em cima de mim. Só. Salvo umas duas vezes em que a moeda raspou pelo meu rosto e caiu a poucos centímetros do meu pé, eu pressentia quando ia cair alguma coisa e já me posicionava de modo a evitar possíveis impactos. Era bom nisso. Após uns dois anos, juntara uma fortuna considerável.
Como eu fazia pra comer? Você já deve estar se perguntando. O leitor astuto já percebeu que meu plano era perfeito, genial, como já disse. Eu comia o que caía, era simples. Caíam dinheiro e comida. A água se resolvia com a chuva, afinal, meu caro, eu estava em um bueiro. Tudo se encaixava perfeitamente como num mecanismo de relógio; e, de 15 em 15 minutos, eu podia ouvir o tilintar maravilhoso da minha riqueza se construindo sozinha.
É claro que nem tudo eram flores nessa minha empreitada até o eldorado. Em decorrência da falta de espaço, comecei a ficar mais magro, meus músculos foram ficando menores, finos, frágeis, até que por fim adquiri essa aparência com a qual me apresento a você, distinto leitor. Esses meus ombros arqueados pra frente? De que importam ombros quando se tem o que tenho: essa quantidade infinda e crescente ad infinitum de dinheiro? Apesar de minha aparência um tanto quanto, admito, asquerosa, acredito até ter conseguido uma namorada.
O bueiro ficava na frente de um ponto de ônibus – locação escolhida a dedo, tudo parte do plano. Observar o passar de pernas apressadas, embarcando e desembarcando, era a minha vida social. Eu conhecia gente de tudo que era jeito, gente genuinamente interessante. Fiz contatos com executivos, o que impulsionava meu negócio. Toda carteira que caía de um terno bem cortado vinha sempre acompanhada de volumosos maços de dinheiro. Conheci bandidos das mais variadas espécies. Encontrei-me com padres, policiais, estudantes, crianças, advogados, idosos. Lidava com gente o tempo todo. O vagar das pernas era ininterrupto. Em pouco tempo, desenvolvi uma habilidade muito útil. Pegara prática em traçar um perfil psicológico preciso de qualquer um somente olhando os tênis e as calças que vestiam. Calça de grife e tênis com o solado completamente gasto? Mais um hipócrita mais preocupado em aparentar do que ser alguém na vida. Tênis da moda e calça jeans de quinhentos reais? A barra da calça é sincera: se pisada e gasta, não há engano, pode até ser vaidoso e cuidar da aparência, mas é alguém extremamente preguiçoso. O que custa mandar ajustar o comprimento da calça?
Essa minha capacidade de observação foi quem me apresentou à mulher da minha vida. Lembro-me bem do dia em que a vi pela primeira vez: o trânsito estava calmo, era inverno e já estava anoitecendo. Resquícios de lama da última chuva cobriam parte da entrada do bueiro. Batia um vento constante e leve, e, levemente, folhas voavam sobre o asfalto. Foi então que, em meio às folhas, ela apareceu. Salto alto, bico fino. Elegante e clássica. Calça de pano, preta, vincada. Trabalhadora, conservadora, contida.
Encontrei-me com ela por seis meses, de segunda a sexta, duas vezes por dia, às 8 da manhã e às 6 da tarde. Após três meses, ela começou a me provocar. Apareceu de sandálias, mostrando as unhas bem pintadas. Esmalte vermelho. Com certeza, ela queria algo comigo. Em dezembro, finalmente, consolidou-se o namoro. Num dia ensolarado e claro, percebi a aproximação dela pelo perfume (meu olfato ficara aguçado). Esperava o tradicional: calças e sandálias. Ela me surpreendeu, tomou a iniciativa. Apareceu de saia, deixando à mostra aquilo que aprendi a amar ardorosamente: suas pernas. Não pude deixar de me apaixonar.
Confesso que, desde então, por vários momentos tive vontade de sair daqui. Resisto com todas as forças. É à noite, quando o sol não reflete nas moedas douradas que juntei com tanto esforço, quando o silêncio preenche toda a galeria pluvial em que me instalei, que penso em desistir. Largar tudo aqui embaixo e retomar minha vida lá em cima. Mas já faz sete anos, eu mudei e tudo o mais mudou. Eu sou isso aqui mesmo. Posso fugir do bueiro, mas não de mim. Esse indivíduo silencioso e dedicado, o catador de lixo no meio da lama. Um ser singular, criativo e ousado. Não, não vale a pena fugir. Nem por mulher, nem pela saudade do sol nem pela minha vida passada e meu emprego monótono e seguro.
Estou rico. Sozinho, mas rico. É um sonho que finalmente tornei realidade.
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Então tá aí. Um conto meu.
Caiam em cima, critiquem, elogiem, sejam sinceros. Meu intuito é simplesmente aprender a escrever, algo que demanda prática, um pouco de criatividade e muito tempo.
Como já vi que o fórum possui escritores bem talentosos, espero poder aprender algo com eles
[size=large]Ou O Covil[/size]
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Era uma segunda-feira monótona no trabalho quando tive uma idéia genial. Desci correndo as escadas e entrei, às dez da manhã, num bueiro desses de rua, desses que vivem cheios de lixo, desses que atraem maldosamente as moedas do troco do ônibus. Assim que cheguei ao fundo me arrependi. Me vi lá dentro sem nada nos bolsos que me valesse. Fiquei com medo. Gritei e atei minhas esperanças aos gritos. Mas, de tão bem dado o nó, e de tão pesadas - pois grandes - que eram minhas esperanças, eles não subiam mais que dois palmos acima da minha boca esperançosa. Voltavam ao solo logo em seguida, sucedidos por um som oco com o qual me acostumei após horas de gritos contínuos. Foi aí que ouvi um barulho diferente. Barulho de coisa furtiva, de coisa que foge da gente justo quando a gente mais precisa dela. Barulho de coisa precisa na fuga. Olhei para baixo e vi uma moeda grande e dourada. Peguei. Olhei pro rosto nela entalhado e vi um cara feio e narigudo. Ele olhou pra mim e disse: “A vida, meu filho, quando faz dinheiro cair do céu, das duas uma: ou te deixa rico ou com um galo na cabeça.”. Aí deixei o desespero de lado - assumo que me desesperei - e lembrei-me do plano, da minha idéia. A genialidade nela contida era real. Resolvi, então, garantir que não ganhasse nenhum ovo no cocuruto e dei continuidade ao que vim fazer aqui, e que faço bem feito desde então.
O dinheiro caía em intervalos de 15 minutos, nem sempre na forma de moedas, às vezes disfarçado de relógio ou chave de carro. Guardava tudo o que podia e que achava de valor. A única coisa que tinha que fazer era prestar atenção para que nada caísse em cima de mim. Só. Salvo umas duas vezes em que a moeda raspou pelo meu rosto e caiu a poucos centímetros do meu pé, eu pressentia quando ia cair alguma coisa e já me posicionava de modo a evitar possíveis impactos. Era bom nisso. Após uns dois anos, juntara uma fortuna considerável.
Como eu fazia pra comer? Você já deve estar se perguntando. O leitor astuto já percebeu que meu plano era perfeito, genial, como já disse. Eu comia o que caía, era simples. Caíam dinheiro e comida. A água se resolvia com a chuva, afinal, meu caro, eu estava em um bueiro. Tudo se encaixava perfeitamente como num mecanismo de relógio; e, de 15 em 15 minutos, eu podia ouvir o tilintar maravilhoso da minha riqueza se construindo sozinha.
É claro que nem tudo eram flores nessa minha empreitada até o eldorado. Em decorrência da falta de espaço, comecei a ficar mais magro, meus músculos foram ficando menores, finos, frágeis, até que por fim adquiri essa aparência com a qual me apresento a você, distinto leitor. Esses meus ombros arqueados pra frente? De que importam ombros quando se tem o que tenho: essa quantidade infinda e crescente ad infinitum de dinheiro? Apesar de minha aparência um tanto quanto, admito, asquerosa, acredito até ter conseguido uma namorada.
O bueiro ficava na frente de um ponto de ônibus – locação escolhida a dedo, tudo parte do plano. Observar o passar de pernas apressadas, embarcando e desembarcando, era a minha vida social. Eu conhecia gente de tudo que era jeito, gente genuinamente interessante. Fiz contatos com executivos, o que impulsionava meu negócio. Toda carteira que caía de um terno bem cortado vinha sempre acompanhada de volumosos maços de dinheiro. Conheci bandidos das mais variadas espécies. Encontrei-me com padres, policiais, estudantes, crianças, advogados, idosos. Lidava com gente o tempo todo. O vagar das pernas era ininterrupto. Em pouco tempo, desenvolvi uma habilidade muito útil. Pegara prática em traçar um perfil psicológico preciso de qualquer um somente olhando os tênis e as calças que vestiam. Calça de grife e tênis com o solado completamente gasto? Mais um hipócrita mais preocupado em aparentar do que ser alguém na vida. Tênis da moda e calça jeans de quinhentos reais? A barra da calça é sincera: se pisada e gasta, não há engano, pode até ser vaidoso e cuidar da aparência, mas é alguém extremamente preguiçoso. O que custa mandar ajustar o comprimento da calça?
Essa minha capacidade de observação foi quem me apresentou à mulher da minha vida. Lembro-me bem do dia em que a vi pela primeira vez: o trânsito estava calmo, era inverno e já estava anoitecendo. Resquícios de lama da última chuva cobriam parte da entrada do bueiro. Batia um vento constante e leve, e, levemente, folhas voavam sobre o asfalto. Foi então que, em meio às folhas, ela apareceu. Salto alto, bico fino. Elegante e clássica. Calça de pano, preta, vincada. Trabalhadora, conservadora, contida.
Encontrei-me com ela por seis meses, de segunda a sexta, duas vezes por dia, às 8 da manhã e às 6 da tarde. Após três meses, ela começou a me provocar. Apareceu de sandálias, mostrando as unhas bem pintadas. Esmalte vermelho. Com certeza, ela queria algo comigo. Em dezembro, finalmente, consolidou-se o namoro. Num dia ensolarado e claro, percebi a aproximação dela pelo perfume (meu olfato ficara aguçado). Esperava o tradicional: calças e sandálias. Ela me surpreendeu, tomou a iniciativa. Apareceu de saia, deixando à mostra aquilo que aprendi a amar ardorosamente: suas pernas. Não pude deixar de me apaixonar.
Confesso que, desde então, por vários momentos tive vontade de sair daqui. Resisto com todas as forças. É à noite, quando o sol não reflete nas moedas douradas que juntei com tanto esforço, quando o silêncio preenche toda a galeria pluvial em que me instalei, que penso em desistir. Largar tudo aqui embaixo e retomar minha vida lá em cima. Mas já faz sete anos, eu mudei e tudo o mais mudou. Eu sou isso aqui mesmo. Posso fugir do bueiro, mas não de mim. Esse indivíduo silencioso e dedicado, o catador de lixo no meio da lama. Um ser singular, criativo e ousado. Não, não vale a pena fugir. Nem por mulher, nem pela saudade do sol nem pela minha vida passada e meu emprego monótono e seguro.
Estou rico. Sozinho, mas rico. É um sonho que finalmente tornei realidade.
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Então tá aí. Um conto meu.
Caiam em cima, critiquem, elogiem, sejam sinceros. Meu intuito é simplesmente aprender a escrever, algo que demanda prática, um pouco de criatividade e muito tempo.
Como já vi que o fórum possui escritores bem talentosos, espero poder aprender algo com eles